sexta-feira, 14 de maio de 2010

Doutor é quem fez doutorado

Diversamente do que sempre faço, não tenho a pretensão de construir um texto acadêmico sobre o assunto em epígrafe (o que seria mais próprio da minha postura), pretendo divulgar artigo desenvolvido sobre o assunto.


Gostaria de pedir vênia para deixar claros alguns aspectos:


(I) a linguagem do autor não me fascina, eis que foge à linguagem culta que a autoridade acadêmica invocada por ele exige. Nesse diapasão, devo esclarecer que aquele que "faz" doutorado é doutorando. Quem concluiu o curso e obteve o título acadêmico de doutor é quem merece ser assim classificado.

(II) o autor peca ao se olvidar que a Constituição Federal coloca o Ministério Público e a Advocacia no mesmo nível, o que é seguido pela legislação infraconstitucional. Destarte, magistrados e membros do Ministério Público devem merecer o mesmo tratamento que advogados.


Melhor seria que todos merecessem apenas o tratamento de você, que é muito respeitoso, desde a sua origem (a respeito, veja-se a sentença proferida pelo juizo da 9ª Vara da Comarca de Niteroi, Rio de Janeiro. Disponível em: http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/2010/01/21/o-juiz-que-queria-ser-doutor/. Acesso em: 14.5.2010, às 17h30). Porém, como uns merecem o tratamento de Vossa (ou Sua) Excelência, o tratamento deve se estender a todos que estão no mesmo nível, não fazendo sentido chamar o Promotor de Justiça de Vossa Excelência e o Delegado de Polícia de Vossa Senhoria;

(III) assiste razão ao autor ao dizer que os juristas tem maior dever de cumprir a lei e informar bem ao sistema jurídico. Porém, mais contaminado pela péssima prática de considerar-se "doutor" pela simples conclusão da graduação e da residência, é o médico. Este tem que ser respeitado, mas não precisa ser sempre chamado de doutor porque a maioria não obteve tal título acadêmico;

(IV) a sentença invocada no item II traz um dado importante: o título é acadêmico, razão de ser oportuno o reservarmos ao ambiente acadêmico.



No mais, devo apenas agradecer ao amigo Adriano Facioli por ter me enviado o texto que se segue:

Doutor é quem faz Doutorado
Extraído de: http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1682209/doutor-e-quem-faz-doutorado. Enviadas Por Leitores - 12 de Agosto de 2009

No momento em que nós do Ministério Público da União nos preparamos para atuar contra diversas instituições de ensino superior por conta do número mínimo de mestres e doutores, eis que surge (das cinzas) a velha arenga de que o formado em Direito é Doutor.

A história, que, como boa mentira, muda a todo instante seus elementos, volta à moda. Agora não como resultado de ato de Dona Maria, a Pia, mas como consequência do decreto de D. Pedro I.

Fui advogado durante muitos anos antes de ingressar no Ministério Público. Há quase vinte anos sou Professor de Direito. E desde sempre vejo "docentes" e "profissionais" venderem essa balela para os pobres coitados dos alunos.

Quando coordenador de Curso tive o desprazer de chamar a atenção de (in) docentes que mentiam aos alunos dessa maneira. Eu lhes disse, inclusive, que, em vez de espalharem mentiras ouvidas de outros, melhor seria ensinarem seus alunos a escreverem, mas que essa minha esperança não se concretizaria porque nem mesmo eles sabiam escrever.

Pois bem!

Naquela época, a história que se contava era a seguinte: Dona Maria, a Pia, havia "baixado um alvará" pelo qual os advogados portugueses teriam de ser tratados como doutores nas Cortes Brasileiras. Então, por uma "lógica" das mais obtusas, todos os bacharéis do Brasil, magicamente, passaram a ser Doutores. Não é necessária muita inteligência para perceber os erros desse raciocínio. Mas como muita gente pode pensar como um ex-aluno meu, melhor desenvolver o pensamento (dizia meu jovem aluno: "o senhor é Advogado; pra que fazer Doutorado de novo, professor?").

1) Desde já saibamos que Dona Maria, de Pia nada tinha. Era Louca mesmo! E assim era chamada pelo Povo: Dona Maria, a Louca!

2) Em seguida, tenhamos claro que o tão falado alvará jamais existiu. Em 2000, o Senado Federal presenteou-me com mídias digitais contendo a coleção completa dos atos normativos desde a Colônia (mais de quinhentos anos de história normativa). Não se encontra nada sobre advogados, bacharéis, dona Maria, etc. Para quem quiser, a consulta hoje pode ser feita pela Internet.

3) Mas digamos que o tal alvará existisse e que dona Maria não fosse tão louca assim e que o povo fosse simplesmente maledicente. Prestem atenção no que era divulgado: os advogados portugueses deveriam ser tratados como doutores perante as Cortes Brasileiras. Advogados e não quaisquer bacharéis. Portugueses e não quaisquer nacionais. Nas Cortes Brasileiras e só! Se você, portanto, fosse um advogado português em Portugal não seria tratado assim. Se fosse um bacharel (advogado não inscrito no setor competente), ou fosse um juiz ou membro do Ministério Público você não poderia ser tratado assim. E não seria mesmo. Pois os membros da Magistratura e do Ministério Público tinham e têm o tratamento de Excelência (o que muita gente não consegue aprender de jeito nenhum). Os delegados e advogados públicos e privados têm o tratamento de Senhoria. E bacharel, por seu turno, é bacharel; e ponto final!

4) Continuemos. Leiam a Constituição de 1824 e verão que não há "alvará" como ato normativo. E ainda que houvesse, não teria sentido que alguém, com suas capacidades mentais reduzidas (a Pia Senhora), pudesse editar ato jurídico válido. Para piorar: ainda que existisse, com os limites postos ou não, com o advento da República cairiam todos os modos de tratamento em desacordo com o princípio republicano da vedação do privilégio de casta. Na República vale o mérito. E assim ocorreu com muitos tratamentos de natureza nobiliárquica sem qualquer valor a não ser o valor pessoal (como o brasão de nobreza de minha família italiana que guardo por mero capricho porque nada vale além de um cafezinho e isto se somarmos mais dois reais).

A coisa foi tão longe à época que fiz questão de provocar meus adversários insistentemente até que a Ordem dos Advogados do Brasil se pronunciou diversas vezes sobre o tema e encerrou o assunto.

Agora retorna a historieta com ares de renovação, mas com as velhas mentiras de sempre.

Agora o ato é um "decreto". E o "culpado" é Dom Pedro I (IV em Portugal).

Mas o enredo é idêntico. E as palavras se aplicam a ele com perfeição.

Vamos enterrar tudo isso com um só golpe?!

A Lei de 11 de agosto de 1827, responsável pela criação dos cursos jurídicos no Brasil, em seu nono artigo diz com todas as letras: "Os que frequentarem os cinco anos de qualquer dos Cursos, com aprovação, conseguirão o grau de Bachareis formados. Haverá tambem o grau de Doutor, que será conferido àqueles que se habilitarem com os requisitos que se especificarem nos Estatutos que devem formar-se, e só os que o obtiverem poderão ser escolhidos para Lentes".

Traduzindo o óbvio. A) Conclusão do curso de cinco anos: Bacharel. B) Cumprimento dos requisitos especificados nos Estatutos: Doutor. C) Obtenção do título de Doutor: candidatura a Lente (hoje Livre-Docente, pré-requisito para ser Professor Titular). Entendamos de vez: os Estatutos são das respectivas Faculdades de Direito existentes naqueles tempos (São Paulo, Olinda e Recife). A Ordem dos Advogados do Brasil só veio a existir com seus Estatutos (que não são acadêmicos) nos anos trinta.

Senhores.

Doutor é apenas quem faz Doutorado. E isso vale também para médicos, dentistas, etc, etc.

A tradição faz com que nos chamemos de Doutores. Mas isso não torna Doutor nenhum médico, dentista, veterinário e, mui especialmente, advogados.



Falo com sossego.

Afinal, após o meu mestrado, fui aprovado mais de quatro vezes em concursos no Brasil e na Europa e defendi minha tese de Doutorado em Direito Internacional e Integração Econômica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Aliás, disse eu: tese de Doutorado! Esse nome não se aplica aos trabalhos de graduação, de especialização e de mestrado. E nenhuma peça judicial pode ser chamada de tese, com decência e honestidade.

Escrevi mais de trezentos artigos, pareceres (não simples cotas), ensaios e livros. Uma verificação no sítio eletrônico do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) pode compravar o que digo. Tudo devidamente publicado no Brasil, na Dinamarca, na Alemanha, na Itália, na França, Suécia, México. Não chamo nenhum destes trabalhos de tese, a não ser minha sofrida tese de Doutorado.

Após anos como Advogado, eleito para o Instituto dos Advogados Brasileiros (poucos são), tendo ocupado comissões como a de Reforma do Poder Judiciário e de Direito Comunitário e após presidir a Associação Americana de Juristas, resolvi ingressar no Ministério Público da União para atuar especialmente junto à proteção dos Direitos Fundamentais dos Trabalhadores públicos e privados e na defesa dos interesses de toda a Sociedade. E assim o fiz: passei em quarto lugar nacional, terceiro lugar para a região Sul/Sudeste e em primeiro lugar no Estado de São Paulo. Após rápida passagem por Campinas, insisti com o Procurador-Geral em Brasília e fiz questão de vir para Mogi das Cruzes.

Em nossa Procuradoria, Doutor é só quem tem título acadêmico. Lá está estampado na parede para todos verem.

E não teve ninguém que reclamasse; porque, aliás, como disse linhas acima, foi a própria Ordem dos Advogados do Brasil quem assim determinou, conforme as decisões seguintes do Tribunal de Ética e Disciplina: Processos: E-3.652/2008; E-3.221/2005; E-2.573/02; E-2067/99; E-1.815/98.

Em resumo, dizem as decisões acima: não pode e não deve exigir o tratamento de Doutor ou apresentar-se como tal aquele que não possua titulação acadêmica para tanto.

Como eu costumo matar a cobra e matar bem matada, segue endereço oficial na Internet para consulta sobre a Lei Imperial:

www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_63/Lei_1827.htm

Os profissionais, sejam quais forem, têm de ser respeitados pelo que fazem de bom e não arrogar para si tratamento ao qual não façam jus. Isso vale para todos. Mas para os profissionais do Direito é mais séria a recomendação.

Afinal, cumprir a lei e concretizar o Direito é nossa função. Respeitemos a lei e o Direito, portanto; estudemos e, aí assim, exijamos o tratamento que conquistarmos. Mas só então.

PROF. DR. MARCO ANTÔNIO RIBEIRO TURA, 41 anos, jurista. Membro vitalício do Ministério Público da União. Doutor em Direito Internacional e Integração Econômica pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em Direito Público e Ciência Política pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor Visitante da Universidade de São Paulo. Ex-presidente da Associação Americana de Juristas, ex-titular do Instituto dos Advogados Brasileiros e ex-titular da Comissão de Reforma do Poder Judiciário da Ordem dos Advogados do Brasil.

2 comentários:

ADRIANO FACIOLI disse...

De fato, Sídio, muito bem observado: quem fez e não quem faz doutorado...
Trato deste mesmo assunto em alguns trechos de um texto que publiquei no site Redepsi, como colunista:
http://www.redepsi.com.br/portal/modules/soapbox/article.php?articleID=262

Carlos Medeiros disse...

O texto do Dr. Promotor chama a atenção pela extrema arrogância, presunção e pedantismo. O nobre doutor equivoca-se ao afirmar que a prerrogativa de ser chamado de "excelência" é exclusiva da magistratura e do MP - tal babaquice consta expressamente da LOMAN, mas não da lei de regência do MP. Ou seja, no meio jurídico, apenas juízes têm a garantia legal desta estupidez. Mas o ponto não é esse. O fato é que, ao invés de combater a cretinice de títulos distintivos, pretende o autor destacar a exclusividade de sua "prerrogativa", inclusive lamentando que sua origem "nobre" não valha mais aquilo que o gato esconde. Titulação acadêmica não erige ninguém à condição de superhumano, nem pode representar um sucedâneo dos famigerados títulos de nobreza. Concordando inteiramente com a opinião do querido autor deste blog, considero que num estado democrático de direito, em que a igualdade entres seres humanos é relevante paradigma, soa mais adequado, e mesmo mais elegante, que as pessoas sejam chamadas pelo próprio nome ou pelo pronome "você". No mais, tive a feliz surpresa de saber que temos um amigo em comum: o Doutor Adriano, intelectual de alto coturno, escritor profícuo, autor de textos tão saborosos quanto os que encontramos no presente blog, e um excelente papo. Um grande abraço,
Carlos Medeiros