sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Curso de direito criminal: teoria geral da norma jurídico-criminal e prazos

 

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LEI CRIMINAL E OUTRAS REGRAS GERAIS

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3.1 OBJETIVOS DESTE CAPÍTULO

O conceito de norma criminal não está adstrito às leis escritas. Procurarei demonstrar que as normas criminais coercitivas só podem ser aquelas objetivamente escritas. Não obstante, tentarei indicar os diversos sistemas participantes da sociedade, que são importantes para uma perfeita percepção da coercibilidade das normas criminais e, fundamentalmente, de seus fins.

Apresentarei, inicialmente, o conceito de norma jurídica, dizendo quais são seus elementos mínimos e as espécies concebidas pela doutrina, ocasião em que procurarei demonstrar que a única norma jurídica efetivamente existente é a incriminadora.

Tentaremos esclarecer como será a aplicação da norma jurídico-criminal no tempo, no espaço e em relação às pessoas. Depois, nos ocuparemos de algumas regras gerais, tais quais: (a) pena cumprida no estrangeiro; (b) sentença estrangeira; (c) prazo jurídico criminal; (d) legislação especial.

3.2 CONCEITO E ESPÉCIES DE NORMAS CRIMINAIS

3.2.1 Conceito e elementos mínimos

Norma é regra, decorrendo de régua, de medida. Ela, ao lado dos fatos, está no centro da análise jurídica. De qualquer modo, a norma não estará necessariamente em uma lei.

A sociedade vive repleta de normas, mas somente algumas figuram no plano de existência jurídica, visto que muitas são sociais, religiosas etc. Desse modo, nem todo fato que integra o plano de existência factual pertence ao plano de existência jurídica, visto que este é muito mais restrito. Mais ainda, nem todas normas jurídicas integram o campo do Direito Criminal.

Poderia definir norma jurídica como o faz De Plácido e Silva, in verbis:

Derivado do latim norma, oriundo do grego gnorimus (esquadria, esquadro), dentro de seu sentido literal, é tomado na linguagem jurídica como regra, modelo paradigma, forma ou tudo que se estabelece em lei ou regulamento para servir a pauta ou padrão na maneira de agir.

Assim, a norma jurídica (praaeceptum jures) instituída em lei, vem citar a orientação a ser tomada em todos os atos jurídicos, impor os elementos de fundo ou de forma, que se tornam necessários, para que os atos se executem legitimamente. É o preceito de direito.[1]

A análise da norma deve ser profunda, como a de Tércio Sampaio, que lhe nega caráter dogmático, in verbis:

A questão sobre o que seja norma jurídica e se o direito pode ser concebido como um conjunto de normas não é dogmática, mas zetética. É uma questão aberta, típica da filosofia jurídica, que nos levaria a indagações infinitas, sobre pressupostos. Sendo uma questão zetética, ela não se fecha. As teorias filosóficas fornecem explicações sobre ela, mas o tema continua renovadamente em aberto: a norma é um comando ou um simples diretivo? Uma regra de organização? A sanção faz parte da sua constituição ou se trata de um elemento aleatório que apenas aparece quando a norma é violada?.[2]

Fazer distinção simplista entre norma jurídica e lei pode conduzir a equívocos irreparáveis. Com efeito, não se pode concordar com Fernando Capez, que afirma ser a norma aquilo “que se extrai do espírito dos membros da sociedade, isto é, do senso de justiça do povo”.[3] Sua posição, nesse aspecto, embora sem fundamentação jusfilosófica, é claramente jusnaturalista.

Pensar que um artigo de lei sempre encerra uma norma é equivocado. Dentro de um sistema jurídico, que é dinâmico, encontramos várias normas, que não corresponderão necessariamente à quantidade de artigos contidos nas normas escritas. A norma criminal se caracteriza por sua coercibilidade. Desse modo é adequada a proposição no sentido de que toda norma criminal contém uma sanção, podendo ser construída a seguinte fórmula:

N = SFH + P

NP = Norma

SFH = Suposto Fato Hipotético (descrição em abstrato da conduta proibida)

P = Preceito (sanção)

Fala-se em preceito primário e em preceito secundário, decorrência das denominadas normas primárias e normas secundárias. O primeiro seria o SFH, enquanto o segundo seria P. No entanto, Hans Kelsen diverge dessa posição dizendo que P é o preceito primário e SFH o secundário.[4] Falamos de nossa posição, em favor da denominação Direito Criminal, em desprestígio a Direito Penal, isso porque a pena é mero efeito do crime. Assim, seria razoável entendermos que o preceito primário seria o facti specie (a descrição da hipótese juridicamente relevante). Ocorre que, diante de tudo que já foi exposto, é melhor entendermos a norma como um todo – um sistema dinâmico complexo – abandonando referida classificação, que não é rigorosa.

Não há como se enrijecer uma compreensão que não guarda razão de ser, uma vez que a descrição do fato injusto, assim como a coercibilidade para que as pessoas se conduzam de forma a não praticarem crimes, integram a norma, portanto, referidos aspectos merecem apreciação séria e sistêmica do jurista, atribuindo-lhes a importância merecida.[5]

Punir por punir é irracional. Caso o juiz verifique a total imprestabilidade da pena, isso diante de um fato concreto, deve deixar de impor a pena. Na verdade, devemos deixar de lado a velha lógica binária aristotélica, a qual enuncia: o crime tem como consequência a pena; logo, concretizado o crime, haverá pena.

3.2.2 Classificação

As classificações apresentadas, acerca das normas criminais, são, em regras falhas, até porque impossíveis, uma vez que somente uma espécie contém os elementos mínimos enunciados, que é a incriminadora, sendo que o estudo de outras espécies propostas visa apenas a preparar o leitor para certas proposições que foram construídas e podem ser cobradas em exames para ingresso em carreiras jurídicas.

Adotando a concepção exposta, no sentido de que norma é a junção do facti species com o preceito, no Direito Criminal só existem normas incriminadoras, ou seja, somente aquelas que descrevem penas e cominam sanções, aplicáveis a quem praticar as condutas hipoteticamente descritas. Não obstante isso, tem-se admitido outras espécies de normas que não são incriminadoras (normas não incriminadoras). Estas estão divididas em duas espécies, a saber: explicativas e permissivas.

Como a explicação de normas deve ser um trabalho da doutrina e da jurisprudência, a lei não deve conter normas explicativas. Não obstante isso, não é rara a existência de artigos de leis explicativos, v.g., art. 150, 4º e art. 327, ambos do CP.

A norma permissiva seria aquela que autoriza a pessoa a praticar uma conduta descrita, a qual, inicialmente, é proibida, mas que a existência da autorização na própria lei torna a conduta em permitida, v.g., art. 23 do CP. Porém, como a norma é tão somente aquela que contém os elementos mínimos (SFH e P), pode-se afirmar que aquele preceito que exige complemento é norma, enquanto que os adminículos que aderem à norma, complementando-os, são, na verdade, fragmentos complementares da norma.

Enrique Gimbernat Ordeig explica que a PG/CP traz normas incompletas, uma vez que ela será sempre conjugada à Parte Especial, a fim de se extrair seu verdadeiro conceito.[6] Concordamos com o exposto, mas acreditamos em mais, nenhuma norma está completa e, pior, o artigo que não traz coerção (preceito) não constitui propriamente uma norma, mas adminículo que se soma aquela. Desse modo, para evitar confusões terminológicas, preferimos dizer que não há norma jurídica na Parte Geral do CP, mas complementos das normas que são encontradas na Parte Especial.

Fala-se em norma permissiva justificante ou excludente (afasta a ilicitude – antijuridicidade -, v.g., art. 23 do CP) e norma permissiva exculpante (destina-se a eliminar a culpabilidade, v.g., art. 28 do CP).

Partindo da frágil distinção apresentada, necessariamente, teríamos que construir outro tipo de norma permissiva, que seria a de impunibilidade, tendo em vista que algumas normas não excluem a ilicitude, nem a culpabilidade, mas apenas tornam impunível o fato, v.g., art. 312, § 3º do CP (reparação do dano antes do oferecimento da denúncia, no crime de peculato).

Ferri já ensinava que “a disposição da norma da lei penal tem, por isto, sempre um conteúdo inseparavelmente duplo: o preceito e a sanção”.[7] O que Ferri denominou de preceito, neste curso, é tratado como suposto fato hipotético (facti specie), enquanto a sanção, referida por Ferri, neste curso, é denominada preceito.

Só a norma incriminadora constitui efetiva norma, haja vista que somente ela contém os elementos mínimos necessários para sua configuração como norma jurídica, embora esta não esteja completa em um único artigo (“matar alguém” – CP, art. 121 – só será crime se não houver uma excludente de ilicitude ou culpabilidade, sendo, portanto, necessária a análise da norma dentro do sistema jurídico, complementando-a. A norma incriminadora é:

A norma penal por excelência, visto que quando se fala em norma penal pensa-se, imediatamente, naquela que proíbe ou impõe condutas sob ameaça de sanção. São elas, por isso, consideradas normas penais em sentido estrito.[8]

Ao admitir normas criminais permissivas justificantes e exculpantes, deixa-se uma lacuna ao não se referir às normas que não excluem a ilicitude, nem a culpabilidade, mas apenas tornam o fato impunível – como no caso das imunidades. O art. 181 do CP prevê que é impunível, por exemplo, o furto praticado por um filho contra o pai, ou seja, mesmo que o fato seja típico, ilícito e culpável, não haverá pena. O fato pode até ter relevância para outros ramos do Direito (Direito Civil, por exemplo, haja vista que poderá ensejar ação de reparação de dano), mas não constituirá fato relevante em matéria jurídico-criminal, haja vista que não havendo punibilidade não haverá interesse em se estabelecer qualquer persecução penal quanto a ele. Desse modo, em outras palavras, em termos estritamente criminais, o artigo nupercitado é permissivo.

Um artigo que traga causa excludente da ilicitude, exculpante ou de impunibilidade, é um fragmento que complementa uma norma, não sendo, portanto, por si só, norma criminal. Aliás, nenhum artigo encerra, por si mesmo uma norma pronta e acabada. Encontramos tão-somente fragmentos de norma que se completam no sistema normativo, assunto que ficará melhor esclarecido no tópico relativo à norma criminal em branco.

Aqui, é oportuna a referência a mais uma espécie de norma mencionada em alguns manuais, que é norma penal incompleta ou imperfeita.[9] Na esteira do exposto, toda norma é imperfeita, mas, no sentido estrito da classificação que emergiu, referida espécie de norma é aquela em que para se saber a sanção cominada é necessário analisar outro preceito de lei. O suposto fato hipotético é bem delimitado pela norma, mas a cominação é feita com remessa a outra norma, v.g., Lei n. 2.889, de 1.10.1956:

Art. 1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal:

a) matar membros do grupo;

(...)

Será punido:

com as penas do art. 121, § 2º, do Código Penal, no caso da letra “a”;

(...)

Pelo que se vê, para saber a pena do genocídio, praticado na modalidade da letra “a”, mister é conhecer o art. 121 do CP, o que permite classificar referida norma como imperfeita, isso nos moldes da classificação proposta. Não obstante isso, adotando a referida classificação, como teremos que verificar, em regra, circunstâncias agravantes ou atenuantes e causas especiais e aumento ou de diminuição da pena, em sentido amplo, sempre estaremos diante de normas imperfeitas – não se olvide, nenhuma norma se encerra em si mesma.

A norma social integra o sistema dinâmico de normas pertencentes ao Direito. Na sociedade não se encontra norma jurídica em sentido estrito porque a norma social não tem sanção jurídica para o fato que regula, mas é indubitável que complementa o sentido da norma incriminadora encontrada na Parte Especial do CP. Veja-se, por exemplo, o que dispunha o art. 131, § 4º do Código Comercial:

O uso e a prática geralmente observadas no comércio nos casos da mesma natureza e, especialmente o costume do lugar onde o contrato deva ter execução, prevalecerá a qualquer inteligência em contrário que se pretenda dar às palavras.

O art. 130 do mesmo código deixava clara sua opção pela interpretação segundo os usos e costumes, prestigiando-se em desfavor de qualquer outra interpretação, inclusive a literal.[10] Hoje, o CC dispõe: “Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. Destarte, não é desarrazoado pensar em lei costumeira, sem qualquer preceito escrito a respeito, eis que “podemos, assim, entender o que significa para o jurista, captar a sociedade como ordem”.[11]

Adotando a classificação exposta nos manuais em geral, posso elaborar a seguinte síntese:

- incriminadora, contém facti species e sanção;

- explicativa, limita-se a esclarecer o conteúdo de determinados artigos de lei, v.g., art. 327 do CP. É criticável porque explicar a lei é atividade da doutrina e da jurisprudência, não da própria legislação;

- excludente, incide sobre a ilicitude, excluindo-a, v.g., arts. 24 e 25 do CP;

- exculpante, incide sobre a culpabilidade, excluindo-a, v.g., art. 22 do CP;

- de impunibilidade (não consta dos manuais), é a da imunidade absoluta, v.g., art. 181 do CP;

- incompleta ou imperfeita, não contém sanção, remetendo a outra norma que a completará, v.g., art. 1º da Lei n. 2.889/1956.

A norma incompleta ou imperfeita não deixa de ser uma norma em branco em sentido amplo, conforme apresentarei adiante, visto que, em face do princípio da legalidade, a pena dependerá de outra lei decorrente da mesma fonte legislativa.

Na Itália, Bobbio incorpora sua idéia positivista de sistemas, em que o Direito se justifica pelo sistema jurídico, não mais pela estrutura, mas pela função que desempenha. Em um ensaio, ele procura demonstrar as bases para a diferenciação de normas primárias e normas secundárias,[12] classificação que tem encontrado resistências na atualidade.[13] A posição de Bobbio, de alguma forma, retrata, ao seu modo, a grande preocupação de Kelsen com o Direito como um sistema dinâmico de normas.[14]

3.4 HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO DA NORMA CRIMINAL

3.4.1 Distinção entre hermenêutica e interpretação

Interpretar significa procurar conhecer o sentido da norma. A hermenêutica, por sua vez, “é a teoria científica da arte de interpretar”.[15] Ela surgiu há muito, mas seu auge se deu com a revolução francesa, tendo em vista que a lei foi elevada a plano tão alto que passou a ser vista como a única fonte do Direito,[16] o que transferiu o problema da ciência do Direito para a interpretação da lei, sendo que tudo se resolveria pela melhor interpretação.

Carlos Maximiliano entende que a interpretação é uma arte que tem suas próprias técnicas, tendo ficado subordinada ao Direito, aos postulados da Sociologia e da Hermenêutica, que por sua vez se aproveita das conclusões da Filosofia do Direito. Com o auxílio delas fixa novos processos de interpretação, enfeixa-os num sistema, e, assim, moderniza a arte, rejuvenescendo-a, aperfeiçoando-a, de modo a que se conserve à altura do seu século, como elemento de progresso, propulsor da cultura profissional, auxiliar prestimosa dos pioneiros da civilização.

Na visão de Carlos Maximiliano, equivocam-se aqueles que confundem as palavras, hermenêutica e interpretação, eis que esta é a aplicação daquela.[17] Porém, mister é reconhecer que se tornou comum tratar as duas expressões como sinônimas.[18]

3.4.2 Escola da exegese

Já informei que os romanos percebiam a lei de forma diferente. Esta surgia de casos concretos, ou seja, diante de cada caso surgia uma solução concreta que se transformava em uma lei aplicável a ele. As decisões se repetiam aos casos semelhantes, o que permitia a edição de uma summa, que regularia os casos que se encaixassem a ela. No entanto, emergiram muitas summas, algumas contraditórias em relação às outras. Desse modo, Justiniano I, entendeu que era necessária uma consolidação das summas.

As summas foram consolidadas, recebendo o nome de Digesto (do latim digerere, significa “por em ordem”) ou Pandectas (do grego pandékokoma, significa “recolho tudo”), escrito em latim e grego, razão das duas denominações. O Corpus Iuris Civilis (Corpo de Direito Civil) também decorreu das legislações existentes à época, tendo sido organizado de 529 a 534 d.C. Elas eram as fontes únicas do Direito, isso segundo a Escola da Exegese. O digesto foi objeto de análise dos germânicos, o que foi feito pelos pandectistas, o que trouxe grande evolução ao pensamento de tal povo.

Antes da publicação do Digesto, Justiniano escolheu três dos compiladores (Triboniano, Doroteu e Teófilo) para organizarem um manual escolar que servisse de introdução ao Digesto. As Institutas foram publicadas em 533 d.C. e, por serem mais simples que o Digesto, tiveram maior difusão do que as compilações: o Corpus Iuris Civilis e o Digesto.

Na França, com o Código Civil de Napoleão, emergiu a Escola da Exegese. Ocorre que referido código tinha a pretensão de plenitude geral, sendo que o intérprete só poderia aplicá-lo, negando-se a ele qualquer possibilidade de exercer atividade criadora. A interpretação era, portanto, gramatical, filológica, ficando o interprete vinculado à literalidade da lei.

3.4.2 Escola histórico-evolutiva e direito livre

Friedrich Karl von Savigny (1779-1861), conforme ensina Karl Larenz iniciou sua doutrina no Curso de Inverno de 1802-1803, sendo que seu trabalho só veio a se completar em 1840, o que permite verificar que foi um período suficiente para que ele modificasse alguns aspectos de seu pensamento.[19] Em seus estudos, firmou entendimento de que os costumes devem funcionar praeter lege (ao lado da lei), dando especial destaque ao momento da criação da lei, ou seja, buscar-se-ia o sentido das palavras insertas no texto legal segundo o momento da criação da lei, o que inaugurou, na Hermenêutica, a Escola Histórica.

Emergiu o entendimento de que se os dados históricos levarem a uma conclusão e fatos supervenientes admitirem outra interpretação, o intérprete deverá optar pela segunda, uma vez que a lei pode ser mais sábia que o legislador.[20]

Foi o francês Gabriel Saleilles quem deu os contornos da teoria da interpretação histórico-evolutiva, que era uma análise do sentido da lei no tempo de sua criação, seguindo-se a evolução até o momento da interpretação. Porém, essa interpretação não admitia atividade criadora, devendo o intérprete se situar no âmbito da lei.

François Gény, um francês, extremou a proposição dos pandectistas germânicos, tendendo ao sistema teleológico, que aquele que visa ao fim colimado pelo dispositivo, ou pelo Direito em geral, dando ensejo ao surgimento do Direito Livre (Libre Recherche). O ponto máximo da busca de uma interpretação do Direito de acordo com a justiça autorizou a proposição de interpretação contra a lei. No entanto, esta perspectiva deve ser controlada, a fim de evitar excessos para não permitir indesejáveis interpretações, que podem trazer consequências desagradáveis.

3.4.3 Métodos de interpretação

A interpretação pode ser classificada em:

Ø quanto ao sujeito: autêntica, doutrinária e jurisprudencial (judicial);

Ø quanto ao meio: gramatical (literal), lógica (histórica, histórico-evolutiva e sistemática) e teleológica;

Ø quanto à extensão: restritiva, extensiva e declarativa.

A interpretação autêntica é aquela dada pelo próprio legislador. Ela pode ser contextual (feita na própria lei) ou não contextual (feita em outra lei ou na exposição de motivos). A exposição de motivos, para a maioria dos autores,[21] é interpretação doutrinária, eis que eles dizem ser o legislador doutrinador ao elaborar a exposição de motivos (o texto que apresenta a lei, justificando o seu conteúdo), fazendo operar apenas comentários sobre a lei. Entretanto, como estamos falando da interpretação feita, tomando por referência o sujeito de quem ela provém, o legislador estará fazendo interpretação autêntica, eis que é dele que a norma emergiu.

Não se olvide que a exposição de motivos é requisito para proposta da lei. É uma explicação da utilidade, da necessidade e da adequação da lei ao que se propõe, atuando o legilsdor em sua atividade típica de instituir leis. Ainda que a lei provenha do Poder Executivo ou Judiciário, a atividade legislativa atípica terá amparo constitucional. Assim, a exposição de motivos será interpretação de legislador.

Como a interpretação autentica toma por referência quem interpreta, o que interessa é saber quem é o autor da interpretação e não como é que o intérprete está agindo.

Diz-se que a interpretação autêntica será contextual se constar da própria lei, vinculando os aplicadores à sua vontade. Em se tratando de intérprete que seja o próprio legislador, mesmo que se trate de construção que aparentemente doutrina, quanto à origem, tratar-se-á de interpretação autêntica. A interpretação não contextual possibilita, portanto, três hipóteses: a) constar de outra lei;[22] b) estar na exposição de motivos; c) constar de livros e artigos em que o autor da lei a interpreta.[23]

Lamento ter que evidenciar a preocupação com o concurso público, mas o farei porque sei que ele é importantíssimo para inúmeras pessoas. Daí ser necessário informar que, para concursos públicos, predomina o entendimento de que a exposição de motivos traz interpretação doutrinária. Para a maioria, quase unânime, o legislador que se posiciona como cientista do Direito só poderá fazer interpretação doutrinária. Posiciono-me em sentido contrário,

Doutrinador é o estudioso do assunto, com notável saber jurídico, expondo suas posições em livros científicos. Por outro lado, quem faz a interpretação judicial, consolidando-a até se transformar em jurisprudência, é o integrante de tribunal. Esta é a que (mesmo que errada) efetivamente vive, salvo se o (sub)sistema afetado passar desconsiderar o tribunal de tal maneira a não levar suas questões a ele, que diverge da sua vontade, caindo, portanto, o Tribunal em um vazio insustentável. Nesse sentido Zaffaroni expõe ser o Poder Judiciário é um setor isolado, que se coloca em um mundo quimérico, ilusório, de suposto poder.[24] Destarte, melhor é ter um Direito dado por todos os setores da sociedade complexa que por um único seguimento, o qual, infelizmente, caracteriza-se como isolado em relação à evolução social.

Acerca da interpretação gramatical, devo informar que ao determinar a reunião das leis romanas, cuja compilação foi chamada de digesto ou pandectas, Justiniano pretendia que a atividade interpretativa se reduzisse à exegese de textos legais, fazendo-se um exame filológico das palavras, pretensão reproduzida coma criação do Código Civil Francês, o que enseou a Escola da Exegese. Depois, percebendo-se a insuficiência do exame gramatical, desenvolveu-se a Escola Histórica, que também se apresentou como deficiente. Mais tarde sobreveio a Escola histórico-evolutiva.

Pela interpretação gramatical, faz-se um exame filológico da lei, procura-se o sentido das palavras pelo seu aspecto literal. Faz-se interpretação histórica por meio da busca do conhecimento do sentido da lei ao tempo de sua elaboração. Será histórico-evolutiva se o intérprete procurar conhecer o sentido da lei no tempo em que foi elaborada, bem como nos dias atuais, considerando as transformações culturais havidas.

Para a Escola Histórico-Evolutivo o intérprete não cria prescrições, nem posterga as existentes. Ele deduz a nova regra para um caso concreto, do conjunto das disposições vigentes, consentâneas com o progresso geral. Deve o intérprete buscar a vontade do legislador, procurando saber o que ele quis quando elaborou a norma, mas deve, também, procurar saber o que ele quereria, se ele vivesse no tempo atual, enfrentasse determinado caso concreto hodierno, ou se compenetrasse das necessidades contemporâneas de garantias, não suspeitadas pelos antepassados.[25] Finalmente, é importante observar que o intérprete sempre se situava no âmbito da lei, não se admitindo interpretação criadora, à margem da lei ou a despeito dela. É essa a interpretação histórico-evolutiva que até hoje se conserva.

Relembro que se percebeu que as leis não conseguem regular todos fatos possíveis em uma sociedade complexa. Daí ter se desenvolvido o movimento do libre recherche (da livre pesquisa). Tal movimento foi se radicalizando de tal maneira que se chegou à conclusão de que o que deve prevalecer é o direito justo, “quer na falta de previsão legal (praeter legem) quer contra a própria lei (contra legem)”.[26] Em matéria criminal, posturas que permitem o arbítrio do intérprete necessitam de veemente rejeição.

Na interpretação sistemática, o intérprete procura conhecer a lei segundo o ordenamento jurídico, levando em consideração todo sistema normativo, pois nenhuma lei está isolada no mundo jurídico.

Teleologia é o estudo da vontade. Assim, pela interpretação teleológica procura-se conhecer a vontade, que pode ser a do legislador (interpretação subjetiva), ou a da norma (interpretação objetiva). Nos tempos modernos, prefere-se a interpretação objetiva.

Diz-se restritiva a interpretação em que o intérprete considera que a lei fala mais que gostaria de dizer, sendo necessário restringir-lhe o sentido, v.g., o art. 63 do CP fala na prática de “novo crime” para caracterizar a reincidência. Assim, mesmo sendo a contravenção espécie de crime, para efeitos de reincidência não é admitida, ou seja, para que se considere criminoso reincidente, é necessário que tenha sido condenado anteriormente por crime (se a condenação anterior resultar de contravenção penal, será tecnicamente primário).

A interpretação declarativa, por sua vez, corresponde à procura do efetivo sentido da lei, segundo o que ela declara, não a ampliando, nem a reduzindo. E, finalmente, a interpretação extensiva procura alcançar todo o sentido da lei, visto que ela diz menos que gostaria de dizer, v.g., entende-se como casamento que gera a extinção da punibilidade nos crimes contra os costumes toda constituição legítima de família, incluindo-se aí a união estável.

Guerra Filho chega ao extremo de defender a tese de que “o Judiciário deve assumir, na atualidade, a posição mais destacada, entre os demais Poderes estatais, na produção normativa”.[27] Ocorre que não se pode ser cândido o suficiente para acreditar em homens bons o suficiente para não deturparem o sentido de leis, o que afasta qualquer possibilidade de se admitir um sistema fora de controle legal, visto que a proposta do autor permite pensar em um Judiciário plenamente livre de controle.

De todo o exposto, o arguto estudioso do Direito pode desenvolver diferentes teses com bases em único preceito normativo. Daí a grande beleza do Direito, que permite a todos aqueles que pensam em efetivamente existir. Com efeito, só existimos enquanto pensantes, o que nos leva a sempre exercitarmos a arte de interpretar para podermos marcar nossa existência no mundo jurídico. Porém, isso só será possível se conhecemos o mínimo sentido da palavra hermenêutica.

Ocorre, no entanto, que Paulo Queiroz me entregou um artigo de sua autoria em 15.10.2004, o qual evidencia praticamente um desabafo muito bem articulado, no sentido de que ele “nos primeiros anos de faculdade, [aprendeu] que interpretar é dar ao texto legal seu correto significado, ideia que pressupõe a existência de um sentido prévio à interpretação, sentido a ser descoberto por meio de métodos de interpretação...”.[28] Ele, embora seja Procurador Regional da República conseguiu vislumbrar, talvez antes de mim, a formação equivocada da jurisprudência, uma vez que afirmou:

Só agora, porém, tanto tempo depois de formado, é que me dou conta disso claramente, tal é a força do discurso jurídico dito dominante, que me fez acreditar, acriticamente, em tantas tolices ou metáforas hoje vazias de sentido, como aquela “o juiz é a boca que pronuncia as palavras da lei”.

Conclui, então, que hoje, como ontem, o decisivo não é a lei, mas o homem, e, pois, a formação que se lhe dá![29]

Cheguei à mesma conclusão que ele. O direito, enquanto discurso, se presta a atender sentimentos pessoais, só restando ao jurisdicionado a esperança de que o julgador de seu litígio seja pessoa que tenha boa história familiar e cultural em sua formação. Daí minha resistência às teorias do discurso, pois, ratifico, elas são tendentes ao casuísmo e, portanto, à insegurança.

3.5 LEI CRIMINAL NO TEMPO

3.5.1 Princípios da legalidade e da reserva legal

O art. 1º do CP encerra, na verdade, vários princípios. Porém, para não criar confusão terminológica, tratar-se-á aqui unicamente do princípio da legalidade, que traduz que só há crime, ou pena, se houver lei. Esta deve ser vista em sentido estrito, não sendo fonte criadora de crimes a medida provisória, o decreto, a resolução etc. Nesse sentido dispõe o CP: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”.

O princípio da legalidade se dirige a todas as pessoas sujeitas à lei, traduzindo que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, enquanto o princípio da reserva legal se dirige ao legislador, traduzindo que ele deve criar leis adequadas, atendendo a previsão da Constituição Federal.[30]

O princípio da legalidade foi alçado ao nível de garantia individual fundamental (CF, art. 5º, inciso XXXIX) e com total razão, tendo em vista que não se pode conceber um Estado de Direito em que as pessoas sejam acusadas de delito não previstos em lei. Afinal, não podemos nos olvidar, antes de ser um Direito tutelar de garantias sociais, o DCrim visa proteger os fundamentais direitos individuais da liberdade, da dignidade da pessoa humana, da integridade física etc.

Não é pacífica na doutrina a posição acerca da origem do princípio da legalidade (ou princípio da reserva legal). José Frederico Marques via as raízes do princípio da legalidade nas normas no Direito medieval, mormente nas magníficas instituições do Direito ibérico.[31] Não obstante isso, é dominante o entendimento de que a origem do princípio da legalidade está no Estatuto da Terra, da Inglaterra, datado de 1.215, visto que sua cláusula 39 dispunha que nenhum homem podia ser preso ou privado de seus bens a não ser pelo julgamento legal de seus pares ou pela lei da terra.

Para Antolisei a origem do princípio do princípio da legalidade está no mencionado Estatuto da Terra,[32] mas não se pode olvidar que Asúa sustentou que as declarações espanholas superam em antigüidade o sentido democrático do estatuto inglês.[33] De qualquer modo, é mais razoável a posição de Heleno Fragoso, no sentido de “o mais seguro antecedente do princípio da reserva legal é a Magna Charta, imposta pelos barões ingleses ao rei João Sem Terra”,[34] (o Estatuto da Terra), visto que é de tal diploma legal que se extrai a primeira expressão escrita do referido princípio.

O princípio da legalidade constou de todas as Constituições brasileiras, desde a de 1824, bem como de todos os códigos. Com efeito, o Código Criminal de 1830 tratava do princípio da legalidade, o que foi mantido em todos os códigos penais posteriores.

3.5.2 O garantismo e o direito criminal funcionalista

O garantismo tem vista os vários sistemas integrantes do sistema social complexo, mas, em relação ao funcionalismo, de forma diversa. Enquanto o garantismo coloca em discussão o funcionamento dos diversos sistemas estatais, o funcionalismo tem em vista a comunicação em/entre tais sistemas.

Procurando explicar o sistema teológico-racional (funcional) do DCrim, mister é a referência a Günter Jakobs, que é um dos grandes nomes da atualidade, acerca do funcionalismo criminal, sendo referência para a maioria dos autores. Sobre tal doutrina, Roxin diz que suas bases estão Niklas Luhmann.[35] Não se olvide, no entanto, que, embora não fazendo Roxin referência expressa a Habermas, podemos verificar em sua postura funcional, sistêmica, certas semelhanças com o pensamento deste, outro grande nome da Filosofia contemporânea, conforme exposto.

A visão sistêmica valorativa de Roxin diverge da posição de Luhmann, eis que este não admite a inserção de valores na formação do Direito, que é autopoiético, ou seja, é dado pelo procedimento. De outro modo, conforme exposto, Habermas entende que todos os sistemas se comunicam, sendo o Direito comunicação, que é apreendido segundo os valores dos interlocutores.

Damásio E. de Jesus chama a atenção para a maior divulgação da teoria da imputação objetiva na Alemanha e na Espanha.[36] De outro modo, na Itália há um grande pensador, Luigi Ferrajoli, que desenvolve um pensamento filosófico que converge para a imputação objetiva, mas com perspectivas e denominações diversas. O autor brasileiro sustenta que a imputação objetiva dá “maior relevância ao princípio constitucional da ofensividade”,[37] princípio este muito bem desenvolvido por Luigi Ferrajoli, daí tratarmos adiante do garantismo, que é uma construção teórica do autor nupercitado.

3.5.3 Bases do garantismo

Luigi Ferrajoli, assim como os autores que tratam do funcionalismo, tem especial preocupação com os diversos setores da sociedade complexa.[38] O mundo jurídico vive hoje cercado de problemas que configuram uma crise. Em verdade, pode-se até dizer que há contínua crise jurídica.[39] Uma primeira crise é a mudança de paradigma de observação do fenômeno jurídico, haja vista que não mais se admite a ideia de Direito baseada unicamente em parâmetros estatais.[40]

Considerando apenas os parâmetros estatais, especificamente no plano interno, percebe-se uma incapacidade cada vez mais patente de o chamado Estado de Bem-Estar suprir os problemas gerados a partir da inaplicabilidade efetiva de preceitos esboçados como direitos fundamentais. Aliás, sobre o assunto já discorremos neste livro, quando conjugamos o pensamento de vários autores, demonstrando a complexidade da sociedade moderna, o que induziu à crise do Direito.[41]

Apesar de tais constatações, a teoria do Direito não consegue dar respostas satisfatórias a esse quadro de mudanças estruturais. De um lado, o positivismo, em sua vertente tradicional formalista, não atende aos anseios de produção jurídica extra-estatal, o que é um fato em sociedades eminentemente periféricas. De outro, o sociologismo exacerbado, que não consegue soluções para os problemas colocados, em virtude de se tentar privilegiar o social em detrimento do estatal, incorrendo no mesmo formalismo anteriormente criticado.

Os parâmetros adotados pelo direito dogmático não mais se adequam a uma possível essência jurídica. A própria noção de direito dogmático resta prejudicada em função do distanciamento com o social. O direito, como fenômeno complexo que é, não pode se restringir unicamente ao Estado como única forma legítima de produção do fenômeno jurídico. O chamado “monopólio da produção e aplicação do direito pelo Estado” é cada vez mais uma pretensão.[42]

A partir da realidade social complexa, pode-se dizer que as teorizações têm naufragado num vazio ontológico, sem de dar conta disso, pois, ainda assim, buscam fixar pontos inexoráveis de partida. Todavia, existe uma tentativa de explicação teórica do social e do jurídico sem se prender unicamente aos parâmetros dogmáticos, de um lado, e eminentemente extra-dogmáticos, de outro. A teoria garantista se desenvolve carregada de posições críticas e busca uma essência no social baseada em um caráter eminentemente procedimental, sem se prender às tradicionais formas de observação do fenômeno.

A abordagem central de Luigi Ferrajoli parte do pressuposto de que o garantismo surge exatamente pelo descompasso existente entre a normatização estatal e as práticas que deveriam estar fundamentadas nelas. No aspecto penal, destaca o autor que as atuações administrativas e policiais andam em desarmonia com os preceitos estabelecidos nas normas jurídicas estatais.[43] Então, a ideia do garantismo é, de um modo geral, a busca de uma melhor adequação dos acontecimentos do mundo empírico às prescrições normativas oficiais. Todavia, seu conceito é mais complexo.

O garantismo seria o nexo entre a normatividade e a efetividade. Estas são diversas, sendo que Luigi Ferrajori tem como ponto-de-partida a distinção entre ser e dever-ser, que ocorre tanto no plano externo, ou ético-político, como também no plano interno, ou jurídico. Assim, há uma necessidade de uma justificação externa do modelo garantista.

Claro que o garantismo teria influência não apenas no campo jurídico, mas também na esfera política, minimizando a violência e ampliando a liberdade, a partir de um arcabouço de normas jurídicas que dá poder ao Estado de punir em troca da garantia dos direitos dos cidadãos. Ou seja, o sistema seria mais garantista quando conseguisse minimizar a distância existente entre o texto da norma e a sua aplicação ao mundo empírico, o que é uma preocupação comum a muitas teorias do direito.

Luigi Ferrajoli estabelece as bases conceituais e metodológicas do que foi chamado de garantismo criminal. Todavia, percebe que os pressupostos estabelecidos na seara penal podem servir de subsídios para uma teoria geral do garantismo, que se aplique, pois, a todo o direito e a seus respectivos ramos (administrativo, civil etc.). A partir de tal conclusão, ele busca estabelecer, nos dois últimos capítulos do referido livro, uma teoria do garantismo a partir das acepções do respectivo termo.

Inicialmente, a palavra garantismo, no contexto da obra em comento, seria um “modelo normativo de direito”. Tal modelo normativo se estrutura a partir do princípio da legalidade, que é a base do Estado de Direito.[44] Tal forma normativa de direito é verificada em três aspectos distintos, mas relacionados. Sob o prisma epistemológico, pressupõe um sistema de poder que possa reduzir o grau de violência e soerguer a ideia de liberdade – não apenas no âmbito criminal -, mas em todo o direito.[45]

No aspecto jurídico, procura criar um sistema de proteção aos direitos dos cidadãos que seria imposto ao Estado. Ou seja, o próprio Estado, que pela dogmática tradicional tem o poder pleno de criar o direito e todo o direito, sofre uma limitação garantista ao seu poder. Assim, mesmo com seu ius imperii, o Estado deve respeitar um elenco sistêmico de garantias que devem por ele ser efetivados. Este é o primeiro passo para a configuração de um verdadeiro Estado Constitucional de Direito.

Além de ser um modelo normativo de direito entendido nos planos político, jurídico e epistemológico, o garantismo também pressupõe uma teria que explique os problemas da validade e da efetividade. Sua teoria consiste em buscar aproximar tais elementos, muito embora parta do pressuposto de que são diferentes, visto que pode existir validade sem efetividade e, em um grau inferior de garantismo, efetividade sem validade. Para ilustrar um exemplo deste último caso, pode-se verificar que certas práticas adotadas por policiais não são dotadas de validade, como no caso de uma confissão obtida por meios não permitidos pelo Estado, como a tortura. Então, observando-se o sistema jurídico de modo tradicional, não-garantista, verifica-se que os graus de garantismo podem variar conforme o compasso (ou o descompasso) que vai existir entre a normatividade e a efetividade do direito.

O garantismo não pode ser medido apenas por um referencial. Dessa forma, Ferrajoli fala em graus de garantismo, pois ele seria maior se observássemos apenas as normas estatais vigentes sobre os direitos sociais em um país. Todavia, se o ponto de observação for o de sua aplicabilidade, o grau de garantismo diminui. Percebe-se, então, que o grau de garantismo depende do ponto de partida de observação do analisador.

Ocorre, todavia, que tal determinação apriorística da distinção entre normatividade e efetividade não tem por escopo determinar certezas absolutas e/ou dados inquestionáveis, tais como a unidade e a coerência de um ordenamento jurídico estatal, trabalhados assim de modo tradicional. O autor quer o questionamento, a dúvida, a capacidade de poder perquirir, mesmo a partir do referencial estatal, acerca da validade das leis e de suas possibilidades de aplicação ao mundo empírico. Reconhecendo os problemas de sua própria teoria da validade e da vigência, afirma o autor serem tipos ideais de legitimação de suas próprias bases. Todavia, mesmo sendo reconhecidamente tipos ideais, há que se determinar a sua visão de validade e vigência como a possibilidade de verificação de um garantismo no direito.

O garantismo é uma forma de direito que se preocupa com aspectos formais e substanciais que devem sempre existir para que ele seja válido. Essa junção de aspectos formais e substanciais teria a função de resgatar a possibilidade de se garantir, efetivamente, aos sujeitos de direito, todos os direitos fundamentais existentes. É como se a categoria dos direitos fundamentais fosse um dado ontológico para que se pudesse aferir a existência ou não de um direito; em outras palavras, se uma norma é ou não válida.

O terceiro entendimento ou acepção que o termo garantismo pode estabelecer é o de uma busca de justificativa externa dos parâmetros garantistas adotados internamente pelos Estados. Assim, Ferrajoli determina que a legitimidade dos comandos e práticas garantistas são de cunho ético-político; externos, portanto, ao sistema interno, propriamente jurídico no pensamento do autor (ou, como afirma em seu livro, a distinção entre o ser e dever-ser no direito, de cunho político, em relação ao mundo do ser e dever-ser do direito, próprios do âmbito interno de observação). Tais elementos políticos são as bases fundamentais para o surgimento dos comandos jurídicos do Estado. Seriam, pois, bases metajurídicas, algo como uma metafísica jurídica.

Como se vê, há uma tentativa de, dentro do normativismo, ampliar o leque de possibilidades para a garantia efetiva de direitos, fazendo da norma estatal um ponto de partida (logo, uma ontologia) para a observação de sua compatibilização, ou não, à realidade social.

O garantismo traz uma nova forma de observação do fenômeno jurídico, ao afirmar a existência de aspectos formais e substanciais no mundo jurídico, sendo o aspecto substancial algo novo e que deve ser observado na formação das constituições e respectivos ordenamentos jurídicos. De outro modo, o aspecto formal do direito está no procedimento prévio existente, que funciona como pressuposto de legitimidade do surgimento de uma nova norma estatal. Ou seja, uma norma só será válida e legítima se for composta de acordo com os procedimentos formais traçados previamente pelo ordenamento jurídico. Até então, a idéia de validade colocada por Ferrajoli traz muita similitude com a teoria pura do direito.

Para Kelsen a validade de uma norma está em uma outra norma, que lhe é anterior no tempo e superior hierarquicamente, que traçaria as diretrizes formais para que tal norma seja válida. Logo, para Kelsen, existe um mecanismo de derivação entre as normas jurídicas, dentro de uma idéia de hierarquia entre as espécies normativas. A isso, Ferrajoli acrescenta um novo elemento. Para ele, uma norma será válida não apenas pelo seu enquadramento formal às normas do ordenamento jurídico que lhe são anteriores e configuram um pressuposto para a sua verificação. A tal procedimento de validade, eminentemente formalista, acrescenta um dado que constitui exatamente o elemento substancial do universo jurídico.

A validade traz em si, também, elementos de conteúdo, materiais, como fundamento da norma. Esses elementos seriam os direitos fundamentais. Essa idéia resgata uma perspectiva de inserir valores materialmente estabelecidos no seio do ordenamento jurídico, fazendo um resgate da ética material dos valores de Max Scheler (1874-1928).[46]

Ferrajoli afirma que o conceito de validade em Kelsen é equivocado, pois uma norma seria inválida se não estivesse de acordo com os direitos fundamentais elencados na Constituição. Assim, caso uma norma ingressasse no ordenamento jurídico a partir do esquema formal de Kelsen e não estivesse de acordo com as normas que consagram os direitos fundamentais, tal norma seria inválida, em função de não estar de acordo com a racionalidade material, pressuposto indispensável de validade das normas jurídicas. Em decorrência, afirma Ferrajoli que o conceito de validade em Kelsen se confunde, equivocadamente, com o de vigência.[47] Aliás, a Filosofia de Kelsen, no que concerne ao conceito de validade, não é clara, eis ela, também, é confundida com legalidade.

Ferrajoli é partidário da opinião de que a teoria pura do direito só pretende que a nova norma estatal tenha sido criada pelas autoridades competentes e de acordo com o procedimento prévio e formal de elaboração normativa, sem se preocupar com questões de conteúdo das normas elaboradas. Aqui, é possível verificar a convergência das doutrinas de Ferrajoli e Roxin, visto que ambos pugnam pelo afastamento de conceitos exageradamente abstratos, com prestígio do enfoque ético-político, que dá conteúdo material à norma.

Há certa proximidade do garantismo até mesmo com as bases funcionalistas, visto que aquele traduz que uma norma vigente, não dotada do caráter da validade (eminentemente material), estaria expurgada do ordenamento jurídico, revogada – no sentido amplo do termo – em função de sua incompatibilidade, não com as diretrizes formais de seu surgimento, mas com a materialidade dos direitos fundamentais que se formariam através de um processo histórico, que continua em seu dever, conquistado através da experiência, não dotados de uma ontologia, em virtude de serem os direitos fundamentais construídos através dos tempos.[48]

Os direitos fundamentais, no garantismo, são dados por princípios de secularização cultural que os formam. Tal postura é objeto da crítica de Alexandre da Maia, que entende ser a tentativa de Ferrajoli, no sentido de dar um conteúdo ao universo jurídico, teoria que esbarra no formalismo, exatamente pelo vazio que existe no que caracterizaria efetivamente os direitos fundamentais. Logo, em verdade, há apenas uma mera tentativa de se impor conteúdos, sem na verdade precisá-los.[49]

3.5.4 Congruência das teorias: funcionalismo e garantismo

Inicialmente, devemos esclarecer que ler e entender o trabalho de Luigi Ferrajoli exige alguma atenção, não podendo ser um trabalho ágil, ligeiro, visto que até mesmo a quantidade de páginas de seu trabalho, 1.003 para sermos exatos, demonstra a a complexidade e a exatidão de seu pensamento.[50] Não podemos, portanto, dedicar apenas pouco mais de duas páginas para estudar construção tão ampla. É por isso que dedicamos um pouco mais de espaço para tratar do garantismo, reconhecendo que, mesmo com nossa a postura, não apresentaremos senão algumas noções da teoria.

O garantismo é, em primeiro lugar, um modelo normativo de direito, na medida de modelo de “estrita legalidade”, portanto, assegurador de direitos individuais. Em segundo lugar, é uma teoria que se prende à validade efetiva, com uma praxe operativa da norma. E, por último, o garantismo é uma filosofia política que requer do Direito e do Estado o ônus de justificar sua base externa, que provém de bens e interesses, de cujas tutelas as normas visam.[51] Neste último ponto, o garantismo se identifica com a origem do funcionalismo, visto que Durkheim já dizia que o Direito não deveria ser interventor, repressor, mas cooperativo.[52]

Tratamos, apenas pontualmente, acerca da posição de Kant neste livro, procurando demonstrar que, para ele, a norma exprime o dever ser. De outro modo. Ferrajoli explica que o dever ser não pode ser isolado da prática, dando-lhe conteúdo material.[53] Nesse sentido, tende à “justiça do caso concreto”, invocada por Roxin.

De outro modo, a proteção da liberdade pessoal, para Ferrajoli, é uma variável dependente de uma série de garantias contra o exercício do poder de punir. É, na verdade, uma barreira, um obstáculo contraposto (contra o poder), no qual litigam executivo e cidadão.[54] Corolário é a proposição, no campo legislativo, de oportuna política, assim considerada:

Ø legislador só deve qualificar como crime o comportamento materialmente lesivo;

Ø legislador deve formular as leis penais – em particular, aquelas disposições (ou partes de disposições) descrevem as figuras dos crimes – com linguagem rigorosa e factual. É rigorosa a linguagem em que todos os termos empregados são definidos. É factual uma linguagem que emprega somente termos referenciais, não valorativos.[55]

O fundo filosófico do garantismo de Ferrajoli está na distinção entre Direito e moral, ensinando:

Ø os comportamentos juridicamente relevantes não podem ter observação unicamente com relação às normas, mas o julgamento de justo, ou injusto, deve resultar de critérios valorativos (ou de justificação) extrajurídicos;

Ø Ferrajoli se contrapõe ao que denomina de formalismo, ou convencionalismo jurídico, em virtude do qual um comportamento é ilícito se vedado pelo Direito. Para ele, do ponto de vista jurídico, é irrelevante se uma conduta é relevante para a (ou para uma) moral. Uma conduta não é, somente por isso, ilícita, e vice-versa.

Ø a separação de Direito e moral envolve a idéia de que a lei criminal deve proibir unicamente ações que são “externas” (não interiores) e danosas aos terceiros (não privadas).

Neste curso a distinção entre Direito e moral é diversa da feita por Ferrajoli, não obstante serem vetustas as teorias que, procurando distinguir o Direito da moral. Já se procurou dizer que o Direito é interior e a moral exterior,[56] mas as teorias da interioridade e exterioridade do conteúdo das normas morais e jurídicas não têm lugar neste curso porque aqui definiu-se ser a moral externa, dada pelos costumes, sendo a Ética a ciência que se ocupa da moral, o que esvazia a distinção que se pretende fazer, no sentido de ser a norma moral interna e a norma jurídica externa.

Do ponto de vista teórico-geral, o livro de Ferrajoli é constituído, em grande parte, de quatro predicados que convergem para a norma:

justiça: uma norma é justa quando responde a qualquer critério valorativo ético-político (portanto extrajurídico);

Ø vigência: a norma é vigente quando imune de vícios formais (deve emanar, ou ser promulgada, do sujeito ou órgão competente, de acordo com o procedimento prescrito);

Ø validade: só ocorre se a norma é imune de vícios materiais, ou seja, ela não está em contradição a alguma norma hierarquicamente superior;

Ø eficácia: ocorre quando a norma é observada pelos seus destinatários (ou aplicada pelos órgãos de aplicação).[57]

Porém, a ponto central de Ferrajoli está na apreciação da meta da ciência jurídica, que não está no conhecer, mas na valoração e crítica do Direito vigente, no sentido de denunciar:

Ø a inobservância ou a equivocada aplicação da norma válida (normas ineficazes, ainda que válidas);

Ø a observância e aplicação de normas inválidas (normas eficazes, ainda que inválidas);

Ø e, sobretudo, a invalidade de normas vigentes (normas vigentes, ainda que inválidas).[58]

As análises expostas são, segundo Ferrajoli, tarefas valorativas porque os juízos de validade/invalidade não são juízos de fato, mas particulares tipos de juízos de valor. De um lado, deve-se constatar que uma norma responde aos critérios de validade (ou de identificação) de um certo sistema jurídico; de outro, deve-se observar se tais critérios podem ser aprovados. É nesse ponto que as duas teorias estudadas se convergem, eis que para a moderna concepção do DCrim não basta que a conduta se enquadre na norma criminal para que seja considerada relevante, mas somente as que valorativamente puderem ser assim consideradas, incluindo-se na análise critérios extrajurídicos.

Do ponto de vista prático, Ferrajoli fez uma analise funcionalista das normas, ao menos no que se refere à correlação entre o direito material e o direito processual, a fim de evitar juízos arbitrários.[59] Nesse ponto, ele demonstra a utilidade do formalismo jurídico, traduzindo uma clara ideia de validade e vigor das normas materiais e processuais de natureza criminal.[60] A doutrina de Ferrajoli não restou imune à filosofia do discurso, pela qual direito é comunicação, nem se apartou integralmente das perspectivas sociológicas, no que concerne aos institutos criminais.[61] Seu livro está impregnado da filosofia do discurso, bem como não abandonou o funcionalismo, mormente no que tange à justificação da pena e às soluções de aparentes conflitos normativos.[62]

O garantismo apresenta especial preocupação com a delimitação do poder punitivo estatal, reformulando o programa do DCrim mínimo,[63] dando especial atenção à punibilidade, a partir da crítica dos critérios quantitativos e qualitativos estruturados para assegurar o poder punitivo do Estado.[64]

É importante perceber que Ferrajoli faz referência ao “Estado autopoiético”, no entanto, não o admite. Sua concepção, que foi denominada de liberal, se aproxima da filosofia habermasiana quando põe fim à ideia de existência de um Estado de direito fundado na concepção de que a pena é um mal necessário, representando, assim, o liberalismo de Ferrajoli, uma luta antiautoritária,[65] ou seja, uma luta tendente ao consenso.

O que foi exposto evidencia a convergência das teorias para a classificação do DCrim como sendo subsidiário, não se justificando a imposição de penas por fatos que não tenham atingido determinado bem jurídico, protegido por lei específica. Outrossim, devem ser analisados aspectos extrajurídicos, a fim de delinear a censurabilidade dos fatos, bem como para se dizer a medida da pena a ser imposta.

3.4.3 Criação, extinção e repristinação da norma criminal

Criar uma lei é fácil, basta ter vontade. O mesmo se pode dizer da sua extinção, ou seja, basta que uma nova lei discipline a matéria de forma diversa da lei anterior, sendo incompatíveis seus textos, ou que expressamente declare revogada a lei anterior. Finalmente, repristinar a lei significa restaurar a lei revogada.

Kelsen propunha o Direito como um sistema fechado, adstrito ao sistema normativo. Para ele, uma norma válida seria aquela que encontrasse fundamento de validade em outra que lhe é superior. Aplicando tal proposta ao nosso modelo normativo, veremos o seguinte:

Ø Constituição Federalé nossa “lei” maior, portanto, nenhuma norma interna pode contrariá-la. Sua finalidade é, como se pode extrair da própria denominação, dizer a estrutura do Estado, sua forma de governo, seus Poderes e enunciar direitos e garantias fundamentais, não descrevendo ilícitos penais, nem cominando penas;a emenda à Constituição tem o mesmo status desta, uma vez que passa a integrar o texto constitucional. Toda lei promulgada e publicada é presumidamente válida, mas algum vício pode retirar-lhe a validade. Como poder constituinte reformador, que se manifesta por meio de emendas constitucionais encontra limitações materiais e circunstanciais, bem como a edição de uma emenda à Constituição exige o preenchimento de certos requisitos nas fases instrutória, constitutiva e complementar, pode ocorrer de ser declarada inconstitucional.[66] De qualquer forma, a emenda à Constituição, como passa a integrar a própria CF não visa à descrição de condutas criminosas e à cominação de penas;

Ø lei complementar é instituída para regular matérias expressamente previstas na Constituição, a qual depende de maioria qualificada para sua aprovação, visto que se entende que tais normas dependem de maior durabilidade. Aliás, as matérias mereceriam estar na própria Constituição, mas só não constam dela porque não se pode engessar tão significativamente o tratamento delas.

Entendemos que a lei complementar está no mesmo nível da lei ordinária, mas aquela não se destina a descrever crimes e a cominar penas. Ela é uma lei em sentido estrito, que passa por todas fases do processo legiferante (instrutória, constitutiva e complementar), portanto, eventualmente, pode até vir a estabelecer crimes e penas, mas isso constituirá uma exceção nada salutar.

Ø lei ordinária é aquela que deve disciplinar o Direito Criminal material. Ela passa pelas fases: a) instrutória, que se caracteriza pela iniciativa prevista no art. 61 da CF; b) constitutiva, manifestada pelas deliberações parlamentar e executiva; c) complementar, na qual se dá a promulgação e a publicação.

A lei complementar, conforme apresentado, passa pelas mesmas fases da lei ordinária, mas é esta quem está sujeita a modificações mais facilmente, visto que trata de matérias que não influem diretamente na estrutura do Estado e, embora atingindo direito fundamental (liberdade), em face das constantes transformações da sociedade complexa, necessita de maior flexibilidade, ou seja, não pode ter critérios muito rígidos para alteração.

Ø atos normativos inferiores v.g., medida provisória, decreto, portaria etc. -, mas nenhum deles tem potencial para instituir crimes ou penas.

Todos os atos normativos mencionados podem ser federais, estaduais e municipais,[67] sendo cabíveis ao campo criminal todas as colocações expostas, independentemente do âmbito de aplicação da norma, salvo no que concerne à lei ordinária, visto que o Município não pode instituir crimes.

A medida provisória não poderá inovar em matéria criminal (CF, art. 62, § 1º, inc. I, alínea “b”). A Constituição Federal não ressalva, portanto, a medida provisória não poderá sequer criar abolitio criminis. No entanto, o STF entendeu que a medida provisória que fosse mais benéfica à pessoa sujeita à incidência da norma criminal, após convertida em lei, será válida. Em sentido contrário, caso a medida provisória institua rigor jurídico-criminal, ainda que venha a ser convertida em lei, será inválida. Nesse sentido:

Da mesma forma, a Emenda Constitucional n. 32/2001 tornou inviável a edição de medida provisória em qualquer assunto de direito penal. Antes da EC n. 32/2001, predominava a interpretação de que a criação de tipos penais estava impossibilitada, em função do princípio da legalidade e do princípio da segurança jurídica em tema de restrição à liberdade física, incompatível com lei sob condição resolutiva. O STF admitia, entretanto, que se dispusesse sobre matéria penal, por meio de medida provisória, em benefício do acusado, como em caso de criação de hipótese de extinção da punibilidade. Hoje, o art. 62, § 1º, I, b, da CF veda a edição de medida provisória sobre toda matéria relativa a “direito penal, processual penal e processual civil”.[68]

Por isso espero que não se cometa mais o equívoco contido no art. 8º da MP n. 10, de 21.10.1988, que criminalizou a pesca com explosivos e substâncias tóxicas, convertida na Lei n. 7.679, de 23.11.1988, que manteve a redação originária da medida provisória, a qual só foi revogada pela Lei n. 11.959, de 29.6.2009. Mas, a parte criminal já tinha sido revogada tacitamente pelo art. 35 da Lei n. 9.605, de 12.2.1998.

Existem competências legislativas que são privativas da União. Assim, os Estados e os Municípios não podem se imiscuir em tais matérias. Desse modo, como a CF estabeleceu que compete privativamente à União legislar sobre DCrim, ficam afastadas as demais entidades federativas.[69] Ocorre que constitucionalistas no sentido de que a norma está errada, visto que ele não é entidade federada.

Ø o Estado-membro poderá instituir crimes e penas se houver autorização da União, esta que será manifestada em lei complementar (CF, art. 22, parágrafo único).[70]

A lei criminal é a lei em sentido estrito. Embora a medida provisória tenha o mesmo nível da lei, enquanto vigente, ela não pode instituir crimes e cominar penas. Conforme ensina Alberto Silva Franco, citando Bettiol, para regulação de matéria criminal se exige a manifestação do Poder instituído com a faculdade legislativa, ou seja, o Poder Legislativo.353 Como a medida provisória, antes de sua conversão em lei, não tem a participação do referido poder, constituiria violação ao Estado democrático de direito admitir a criação de crimes e a cominação de penas por meio de tal diploma legal. Consequentemente, em face da reserva legal instituída pela CF (art. 5º, inciso XXXIX), somente a lei em sentido estrito, que obedecerá ao processo legislativo mencionado, descreverá crimes e cominará penas.

O problema se instala no caso de matéria criminal regulada por medida provisória, de maneira a abrandar o tratamento a ser dispensado àquele que praticou fato jurídico-criminal. Entendemos que a medida provisória não pode regular matéria criminal, nem mesmo quando é mais benéfica à pessoa sujeita à norma criminal. Nesse sentido, há proibição expressa na CF (art. 62, § 1º, inciso I, alínea “b”). Porém, como o STF tem sido exageradamente contido na apreciação dos excessos da Presidência da República, a regulação de maneira mais branda de matéria criminal por medida provisória, é admitida por referido tribunal.[71]

A matéria criminal, por sua própria natureza, não pode ser regulada açodadamente. Daí exigir-se o procedimento regular da lei em sentido estrito, não o célere procedimento para conversão da medida provisória em lei. Porém, assim como se tem admitido a regulação de matéria processual por medida provisória, o que é proibido pelo art. 62, § 1º, inciso I, alínea “b”, da CF, admite-se a regulação de matéria criminal por medida provisória, desde que a inovação trazida por esta seja mais benéfica, não obstante a vedação contida em referido preceito.

O Decreto Lei n. 4.657, de 4.9.1942, foi equivocadamente denominado pelo legislador de “Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro”. É certo que a maioria das relações que se dão entre as pessoas interessam mais a elas mesmas, portanto, a lei que mais se relaciona com o cotidiano de todos é o Código Civil. Daí, sempre que há substituição de um Código Civil por outro, é conveniente a edição de uma lei de introdução a ele. No entanto, tal lei não visará unicamente ao referido código, mas a todo ordenamento jurídico do País. Desse modo, a melhor denominação para a “Lei de Introdução ao Código Civil” seria “lei geral de aplicação das normas jurídicas”, isso porque tal lei se aplica a todo ordenamento jurídico do Estado. Hoje se denomina Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, isso por força da Lei n. 12.376, de 30.12.2010.

Uma lei, decorrido o processo legislativo, passa a ser existente, ou seja, ela pertence ao mundo jurídico a partir de sua publicação. No entanto, conforme estabelece o Decreto-Lei n. 4.657/1942, ela, como regra geral, deve ficar sem entrar em vigor, no território nacional, a fim de que seus destinatários tomem conhecimento dela, por um período de quarenta e cinco dias (art. 1º, caput). No exterior, a lei brasileira só produzirá efeito depois de três meses de oficialmente publicada (art. 1º, § 1º). Esse período de maturação, que perdura entre a data da publicação e a da vigência (data em que a lei entra em vigor, ou seja, passa a produzir efeitos), é denominado vacatio legis.

A modificação de uma lei (correção) durante o período de vacatio provoca o reinício do prazo de vacância, a contar da nova publicação (Decreto-Lei n. 4.657/1942, art. 1º, § 3º). Porém, se uma lei estiver em vigor e surgir outra, mesmo que seja para corrigir eventual falha da anterior, constituirá nova lei (Decreto-Lei n. 4.657/1942, art. 1º, § 4º).

Uma lei, como regra, terá prazo de vigência indeterminado, ou seja, permanecerá em vigor até que outra a revogue – que é o ato pelo qual uma lei é retirada no todo ou em parte de determinado ordenamento jurídico. Tal revogação pode ser expressa – quando a lei nova se refira expressamente à retirada de vigor da lei anterior, v.g., art. 4º da Lei n. 9.455/1997 – ou tácita – quando a lei nova regula a matéria da lei anterior de forma diversa, ou seja, a nova lei é incompatível com a antiga.

Havendo revogação expressa ou tácita, caso a lei revogadora venha a ser revogada por lei nova, lei anterior não se restaura, salvo se a nova expressamente determinar (Decreto-Lei n. 4.657/1942, art. 2º, § 3º).

Repristinar significa restaurar expressamente lei revogada. Essa é a única forma que existe para se restaurar lei retirada do ordenamento jurídico, visto que, conforme prelecionava Carlos Maximiliano, “na dúvida não se admite a ressurreição da lei abolida pela ultimamente revogada. Exige-se a prova do propósito restaurador, a declaração expressa, a legge repristinatoria, dos italianos”.[72]

A revogação expressa não apresenta maiores problemas, mas a revogação tácita sim, precisando, portanto, ser melhor detalhada. Inicialmente, é importante destacar o fato de que a lei não deve conter palavras vãs, portanto, por não existir qualquer utilidade na tradicional expressão contida no último artigo de praticamente toda lei nacional, doravante o legislador deveria não mais inseri-la. Aqui, faz-se referência à expressão: “revogam-se as disposições em contrário”. Ora, se a lei nova é incompatível com a lei anterior, esta resta tacitamente revogada por aquela, sendo desnecessária a expressão. Nesse sentido, prelecionava Carlos Maximiliano:

... revogam-se as disposições em contrário: uso inútil; superfetação, desperdício de palavras, desnecessário acréscimo! Do simples fato se promulgar lei nova em contrário, resulta ficar a antiga revogada. Para que perderem tempo as Câmaras em votar mais um artigo, se o objetivo do mesmo se acha assegurado pelos anteriores? Nos textos oficiais se não inserem palavras supérfluas.[73]

Uma lei, em relação a outra, pode ser considerada especial ou geral. A edição de uma lei geral, em princípio, não revoga nem modifica a lei especial e vice-versa. No entanto, conforme consta da lição de Carlos Maximiliano, pode a lei geral revogar tacitamente a especial, o que se dá quando aquela modifica inteiramente a matéria disciplinada por esta.[74] De outro, o surgimento de uma lei especial provocará a revogação parcial (derrogação) da lei geral, ou seja, ao menos no que se refere à matéria específica da lei especial a lei geral não terá mais vigência, ocorrendo, portanto, diminuição do seu alcance.

O art. 2º, § 2º da Lei de Inbtrodução às Normas do Direito Brasileiro dispõe que “a lei nova que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga, nem modifica a lei anterior”, mas tal preceito, conforme exposto, merece pequeno reparo, visto que a lei especial derroga a lei geral, ao menos no que se refere à matéria por ela disciplinada. De outro modo, às vezes é fácil de se perceber a vontade da lei geral no sentido de revogar a lei especial, total ou parcialmente, ocasião em que o preceito nupercitado não terá aplicação.

Estudaremos a norma penal em branco no próximo item. Ela, conforme veremos, é aquela que depende de complementação de outra norma. Assim, pode surgir alguma dúvida no tocante à revogação da norma criminal em branco em face da revogação da norma que a complementa. Por questões didáticas trataremos do assunto no final do próximo item.

3.4.4 Tipo (elementos e espécies) e norma criminal em branco

O tipo é o suposto fato hipotético (facti species), ou seja, é a descrição fato que – se concretizado – constitui crime. Verifica-se que alguns artigos da lei criminal, ao contrário de descreverem condutas proibidas autorizam a prática de condutas inicialmente delituosas, eles foram denominados normas permissivas, ou, com base na teoria dos elementos negativos do tipo (essa teoria traduz que “matar alguém” só é crime se não estiver presente alguma elemento implícito do tipo, como a excludente de ilicitude, visto que esta constitui elemento negativo do tipo) tratou-se de tipos permissivos. Porém, considero inútil a classificação das normas quanto ao conteúdo (em incriminadora, permissiva e explicativa).

Ao expor as espécies de normas criminais, quanto ao conteúdo, manifestei-me contrário à existência de normas não incriminadoras, visto que os elementos mínimos de uma norma são: suposto fato hipotético e preceito.

Ora, como as denominadas normas permissivas, bem como as explicativas, não contêm preceito (cominação de uma sanção), são meras complementações às normas efetivas, quais sejam as incriminadoras. Por oportuno, não se olvide que Kelsen considerava o suposto fato hipotético como preceito secundário, visto que primário seria aquele preceito que dá força, coercibilidade, ao direito, ou seja, a cominação de sanção. Para não deturpamos o pensamento do mestre, transcrevemos parte de sua lição:

... pressupõe que a norma jurídica seja dividida em duas normas separadas, dois enunciados de “dever ser”: um no sentido de certo indivíduo “deve” observar certa conduta e outro no sentido de que outro indivíduo deve executar uma sanção no caso de a primeira ser violada. Um exemplo: não se deve roubar; se alguém roubar, será punido. Caso se admita que a primeira norma, que proíbe o roubo, é válida apenas se a segunda norma vincular uma sanção ao roubo, então, numa exposição jurídica rigorosa, a primeira norma é, com certeza, supérflua. A primeira norma, se é que ela existe, está contida na segunda, a única norma jurídica genuína.[75]

Deve-se preferir a visão científica do tipo somente como a descrição do delito, negando, portanto, a existência de supostos tipos permissivos. Só existe tipo incriminador (não obstante criarem-se teses em sentido contrário), que contém os seguintes elementos:

Ø núcleo – é o verbo que exprime a ação ou omissão proibida. O núcleo pode ser simples, ou seja, previsto por um único verbo, ou composto, que é aquele tipo que exige mais de uma conduta típica. O núcleo composto se subdivide em duas espécies alternativo (nos quais a lei insere mais de uma conduta, mas basta uma delas, v.g., CP, art. 122), ou complexos (nos quais não basta a realização de uma conduta para a caracterização do delito, v.g., a revogada Lei n. 9.437/1997). O núcleo composto alternativo contém a partícula alternativa “ou” entre os verbos, enquanto que o núcleo composto complexo contém a partícula aditiva “e”;

Ø elementos descritivos – apresentam circunstâncias e dados objetivos do suposto fato hipotético.

Denomina-se tipo normal somente aquele que contém unicamente os elementos acima expostos. Ocorre que tal visão é equivocada, visto que todo tipo exige a análise do elemento subjetivo (dolo ou negligência subjetiva) ou normativo (negligência em sentido estrito), o que nos autoriza a dizer que todo tipo é anormal. Não obstante, reconhecemos que se têm entendido que o tipo anormal é aquele que contém algum dos elementos abaixo:

Ø subjetivo – é o dolo específico. Esta expressão é criticada pelos finalistas porque ela traduz a existência de um certo dolo genérico, mas como todo aquele que se conduz tem uma finalidade, todo dolo seria específico, portanto, a denominação conteria manifesto o equívoco.

O partidário da teoria finalista da ação denomina de especial fim de agir contido no tipo, aquilo que a doutrina anterior chamou de dolo específico. Mas, com o devido respeito aos partidários de posição contrária, o especial fim de agir não deixa de ser dolo específico, em relação a um determinado dolo referencial. Os crimes do art. 148 e 159 do CP se distinguem exatamente pelo dolo, ou seja, o do art. 148 é genérico (restringir a liberdade da vítima) e o do art. 157 (privar a vítima da liberdade para obtenção de vantagem patrimonial).

O dolo dirigido à vantagem patrimonial é específico em relação à privação da liberdade, não sendo inoportuno falar em dolo específico. Ora, se a expressão só contribui para o esclarecimento do que se pretende dizer, não existe razão para afastá-la. De qualquer modo, em regra, em todo fato jurídico-criminal o dolo, que é elemento subjetivo do tipo, será apreciado. Restando ele afastado, será analisada a negligência.

Ø normativos – são elementos que exigem análise de outras normas (sociais ou jurídicas) para complementação, v.g., ato obsceno (CP, art. 233), warrant (CP, art. 178) etc. O delito negligente é excepcional, ou seja, só existirá se presente referência expressa a ele no artigo que descreve a conduta proibida (CP, art. 18, parágrafo único). Assim, se o fato não decorreu por dolo, havendo previsão da incriminação da negligência, passa-se a verificar se houve negligência em sentido amplo (imprópria ou subjetiva), ou em sentido estrito (própria ou objetiva).

Enquanto elemento do tipo, a negligência será sempre normativa, visto que a norma não distingue tais espécies. De qualquer modo, o julgador, ao analisar a censurabilidade do fato deverá analisá-la, distinguindo a negligência própria (normativa) da imprópria (subjetiva), a fim de fazer a correta dosimetria da pena.

O conhecimento dos elementos do tipo é fundamental, visto que o CP faz referência a eles em dois momentos em que a análise doutrinária é razoavelmente complicada (arts. 20 e 30), o que será estudado no momento oportuno. Aqui, é importante perceber que o art. 30 do CP se refere às circunstâncias e condições de caráter pessoal, que podem ter cunho objetivo ou subjetivo, v.g., a violenta emoção (CP, art. 121, § 1º) tem caráter eminentemente subjetivo, enquanto ser funcionário público (CP, art. 312) é objetivo. Mas, o que interessará concretamente das condições e circunstâncias será verificar se pessoais e não é se elas são (ou não) objetivas.

Considero excessiva a concepção apresentada em muitos manuais acerca da classificação quanto à completude da norma, o que obrigaria a falar em tipo fechado (norma fechada), tipo aberto (norma aberta), norma em branco em sentido estrito e norma em branco em sentido amplo. Apenas tratarei do assunto porque os alunos poderão ser indagados sobre ele futuramente.

Denomina-se norma criminal em branco aquela que exige complementação, que será feita por outra norma. Nelson Hungria assim expõe as normas criminais em branco:

Hás certas leis penais que dependem, para sua exequibilidade, do complemento de outras normas jurídicas in fieri ou da futura expedição de certos administrativos (regulamentos, portarias, editais). É o que se chama "leis penais em branco", "cegas" ou "abertas".[76]

Anibal Bruno deixa evidente sua opção por considerar a norma em branco apenas aquela que será complementada por outra disposição legal, já existente ou futura.[77] A norma incriminadora, certamente, exige complementação, portanto, classificamos toda norma incriminadora como norma criminal em branco em sentido amplo. De outro modo, algumas normas por, cristalinamente, exigirem complementação, são, neste curso, denominadas normas criminais em branco em sentido estrito. Não obstante isso, reconhece-se que é dominante o seguinte entendimento:

Ø norma criminal em branco em sentido estrito (heterogênea ou própria) é aquela que exige complementação de norma de outra fonte legislativa (a lei será complementada por decreto, portaria, resolução etc., v.g., o art. 33 da Lei nº 11.343/2006 é complementado por portaria da Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Agência Reguladora vinculada ao Ministério da Saúde (antes era a Dimed, do referido Ministério);

Ø norma criminal em sentido amplo (homogênea ou imprópria) é aquela que exige complementação de norma que provém da mesma fonte legislativa, v.g., o art. 178 do CP será complementado por outra lei a fim de que se possa conhecer o que significa “conhecimento de depósito” ou “warrant”, que são espécies de título de crédito.

Os manuais fazem a distinção entre norma aberta (tipo aberto) que é aquela que contém elementos normativos, exigindo complementação, e norma fechada (tipo fechado). Esta não exige complementação, descrevendo toda conduta típica, de maneira a exigir interpretação restritiva. A distinção não satisfaz porque seria exemplo de crime de tipo aberto o do crime negligente, uma vez que é impossível descrever todas as hipóteses de negligência. Também, defende-se que o crime contra a ordem econômica deva ter tipos abertos, uma vez que não se pode criar delitos econômicos com tipos fechados porque a necessidade de acompanhar a mutabilidade célere da economia só poderá ser atingida se a lei permitir certa margem interpretativa ao julgador. O tipo do art. 121, caput, do CP, por exemplo, seria um tipo fechado, uma vez que se esgota em si mesmo. Data venia, matar alguém, por si só, não constituirá crime. Assim, o tipo do art. 121, caput, do CP, exige complementação, o que torna vazia e inútil a distinção que se faz, até porque todo tipo, ante o caso concreto, precisará ser interpretado.

Álvaro Mayrink ensina que foi Binding quem criou as expressões norma penal em branco e lei aberta, significando a norma penal específica, fragmentária, e de complementação heterogênea, ou seja, o tipo nela inscrito será complementado por norma inferior.[78] Esse conceito restritivo não pode manter seu lugar no mundo jurídico.

Neste curso, afastarei a distinção entre norma aberta e lei em branco (tipo aberto), ampliando o conceito desta última para alcançar todas as hipóteses em que a norma exige complementação. Desse modo, posso sustentar que toda norma incriminadora constitui norma criminal em branco, eis que não existe norma que não seja complementada por outra, v.g., “matar alguém” (CP, art. 121, caput) é o suposto fato hipotético do homicídio, ou seja, a descrição na lei do fato hipoteticamente proibido.

Caso alguém realize uma conduta que se adequa ao tipo, ocorrerá o que se denomina de realização do tipo. Então, conclui-se que o delito se concretizou. Nada mais equivocado, Tício matar Caio, por si só, não constitui crime. É necessário verificar se o fato não foi praticado com alguma excludente de ilicitude ou de culpabilidade, pois se esta se fizer presente não haverá crime.

No atual estágio do DCrim, alguns aspectos devem ser verificados na análise dos fatos: (a) se a conduta delituosa foi praticada negligentemente ou dolosamente; (b) possibilidade de estarem presentes excludentes do delito, incluindo-se aí a adequação social, visto que a conduta socialmente adequada não pode constituir crime. Ademais, as normas da PG/CP complementam as da PE/CP, não havendo, portanto, norma que não exija complementação. Ademais, se diante de cada fato, possível delito, devemos observar a adequação social, chegamos à conclusão de que toda norma penal incriminadora constitui norma criminal em branco.

Ante o exposto, ratifica-se, considera-se neste curso norma criminal em branco em sentido amplo toda norma penal incriminadora, enquanto que a norma criminal em branco em sentido estrito é aquela que remete o intérprete, necessariamente, a outras normas, escritas e de nível inferior, para sua complementação. Essa posição visa, mais uma vez, a evitar confusões terminológicas, frequentemente localizadas nos livros que tratam da norma criminal.

Imagine-se que uma pessoa venha a ser acusada da prática do crime de falsificação de warrant, mas tal espécie de título de crédito venha a ser abolida do nosso ordenamento jurídico. No caso, haverá derrogação do art. 178 do CP? Hoje, portar para uso próprio determinadas drogas constitui crime, mas, imagine-se que a portaria da Anvisa exclua alguma delas do rol das substâncias entorpecentes proibidas, restando saber se a norma criminal estará revogada pela referida portaria. E se a pessoa violar tabela de preço, haverá o crime do art. 2º, inciso VI da Lei n. 1.521/1951, mesmo que o preço praticado seja, no momento do recebimento da denúncia, inferior ao novo preço da tabela?

Como regra, a revogação da norma complementar não revoga a norma criminal que era por aquela complementada. No entanto, a revogação de uma norma em caráter definitivo, certamente, produz a revogação da norma complementada. Assim, na hipótese do art. 178 é possível se vislumbrar sua revogação. Do mesmo modo, é possível verificar a revogação do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, ao menos em relação à droga excluída da relação da Anvisa. No entanto, a modificação da tabela de preço não provoca a revogação da norma criminal, em face da temporariedade da tabela de preços.

Recapitulando, posso apresentar as seguintes posições:

Ø a visão restritiva da norma em branco só admite vê-la como sendo aquela que é complementada por outra de nível inferior, ou seja, a heterogênea ou própria;

Ø desenvolveu-se, na doutrina, o conceito de norma em branco em sentido amplo, que é aquela complementada por outra do mesmo nível (homogênea ou imprópria);

Ø os livros que melhor detalharam os estudos de Direito Criminal, elaborados por Nelson Hungria e Álvaro Mayrink, não distinguiram a norma em branco da norma aberta. Todavia, manuais dizem ser impossível confundir as duas espécies de normas porque a norma em branco exige complementação de outra norma, enquanto a norma aberta exige um juízo de valor do julgador para sua complementação;

Ø prefiro denominar norma em branco em sentido estrito toda norma incriminadora que exige complementação por outra escrita de nível inferior, enquanto norma em branco em sentido amplo são todas normas incriminadoras, visto que todas exigem complementação do intérprete.

O assunto relativo à revogação da norma criminal, em face da norma complementar restará completamente explicado um pouco adiante, quando trataremos da retroatividade benéfica da norma.

3.5.5 Princípio da anterioridade

Pelo que se pode extrair do art. 1o do CP, a lei deve ser anterior à ocorrência do fato. Com efeito, conforme exposto, ninguém pode ser acusado de crime não previsto, portanto, a lei deve ser anterior.

Este princípio, assim como o anterior, assenta suas raízes no Estatuto da Terra de 1215. Embora José Frederico Marques indique outra origem para os princípios da legalidade e da anterioridade,362 é razoável manter a atribuição da origem ao referido diploma legal britânico que dispunha expressamente que nenhum homem poderia ser preso, ou privado de sua propriedade, a não ser pelo julgamento de seus pares, “ou pela lei da terra”.

3.5.6 Princípio da irretroatividade

Pelo que se pode extrair do art. 1o do CP, somente só há crime se lei criminal for existente na data do fato. Desse modo, a lei criminal é irretroativa, ao menos no que concerne à criação de crimes. Esse preceito ganhou conotação constitucional, visto que a CF dispõe que “a lei penal não retroagirá” (art. 5o, inciso XL). Em face do preceito constitucional – “a lei criminal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu” – podemos concluir inversamente: a lei criminal retroagirá quando for mais benéfica ao réu.

São espécies de leis novas irretroativas:

Ø  incriminadora – aquela que institui novos crimes e comina penas, v.g., a Lei nº 9.455/1997, criou o crime de tortura, não existente até a criação da referida lei;

Ø  lex gravior ou novatio legis in peius (lei mais grave ou lei nova lei em prejuízo) – a nova lei aumenta o rigor para quem cometer o delito já existente, v.g., Lei nº 8.072/1990 (esta lei é hedionda porque pior que os crimes que enumera. Ela aumentou as penas os rigores a serem impostos àqueles que forem acusados dos crimes por ela enumerados).

3.4.7 Retroatividade benéfica da lei criminal

A lei nova mais benéfica pode constituir:

Ø abolitio criminis (abolição de crime) – lei nova que extingue o crime, v.g., a Lei nº 9.521/1997, extinguiu a contravenção do art. 27 do Decreto-Lei nº 3.688/1941;

Ø ex mitior ou novatio legis in mellius (lei melhor ou lei nova melhor) – é a lei que não extingue o crime, mas atenua a pena ou o tratamento para quem incorrer em determinado delito, v.g., a Lei nº 9.268/1996 vedou a conversão da pena de multa em privativa de liberdade, outrora autorizada. Assim, quem estava preso, em face da conversão, foi posto imediatamente, em liberdade.

A CF, em seu art. 5o, inc. XL, assegura a retroatividade benéfica da norma criminal. Podemos afirmar: a lei criminal é irretroativa, mas, excepcionalmente, retroagirá, o que se dará somente quando favorecer aquele que praticou conduta descrita como crime. Nesse sentido, dispõe o CP:

Lei penal no tempo

Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.

Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.

A abolitio criminis beneficia aquele que não foi condenado e o condenado, mas é importante perceber que a extinção da punibilidade, em face da abolitio criminis, não extingue todos os efeitos da condenação. Conforme o art. 2º preceitua, só são afetados os efeitos criminais (reincidência, inclusão do nome no rol dos culpados, dever de cumprir a pena etc.), restando mantidos os efeitos civis (perda do instrumento do delito, perda do cargo público, dever de indenizar etc.).

A lei posterior que “de qualquer modo favorecer o agente” deve ser aplicada em favor dele(CP, art. 2º, parágrafo único, e LEP, art. 66, inciso I). Dessa forma, cabível é a conjugação de normas. Sobre o assunto, escrevemos alhures.[79] Aqui convém unicamente destacar que existem duas teorias a respeito:

Ø da ponderação unitária – não admite a conjugação de leis, eis que norma é um todo unitário, que não pode ser quebrado. Essa teoria foi adotada pelo CPM (art. 2º, § 2º).

Ø da ponderação diferenciada – entende que a lei é dotada de partes com autonomia relativa, podendo haver a conjugação das partes autônomas.

Dominantemente, em nosso meio, os autores pugnam pela admissão da conjugação de normas. Não obstante, o STF não tem admitido a conjugação de normas, embora existindo, de outros tribunais, precedentes que a admitem.[80] Entendemos que melhor é admitir a conjugação de normas, a fim de beneficiar a pessoa, visto que se a Constituição Federal não cria restrição à aplicação da lei mais favorável, não pode estabelecer o aplicador da lei. Outrossim, nenhum artigo encerra norma jurídica acabada, visto que os textos legais se complementam, sendo que o simples fato de estarem dois ou mais fragmentos de norma em um mesmo artigo não é suficiente para impedir a retroatividade benéfica da lei.

Diz-se que conjugar artigo, a fim de extrair a norma mais favorável constitui violação à competência privativa do Poder Legislativo, eis que assim agindo o julgador estará criando uma terceira lei, que será o resultado da conjugação das partes de duas leis (anterior e posterior). Entretanto, entendemos que o julgador deve analisar as partes da norma, verificando se elas constituem fragmentos autônomos, sendo que a conjugação de tais partes constituirá trabalho de hermenêutica, que está afeto à atividade do julgador.

Aqui é oportuno o retorno ao estudo da norma criminal em branco em sentido estrito. O órgão público competente para expedir a relação de substâncias entorpecentes consideradas ilícitas é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Estando a substância na lista é “ilícita”, mas se não estiver ou se for retirada da lista deixa de ser ilícita. A resolução da Anvisa complementará a Lei n. 11.343/2006.

Em 7.12.2000 a Anvisa publicou a Resolução n. 104, de 06.12.2000, e retirou o cloreto de etila (lança-perfume) da Lista F2 (substâncias entorpecentes ou psicotrópicas), colocando-o na Lista D2 (insumos químicos precursores, que não são proibidos, senão apenas controlados pelo Ministério da Justiça). Com isso, eliminou o caráter ilícito do cloreto de etila. Tal situação perdurou por uma semana. Em 15.12.2000 voltou a proibição. Então, Luiz Fávio Gomes publicou artigo expondo:

No período de 7.12.2000 a 14.12.2000 houve a descriminalização do produto, isto é, abolitio criminis, que apaga todos os efeitos penais do delito e tem eficácia retroativa, alcançando todos os fatos precedentes. A republicação da Resolução 104 alterou completamente o texto anterior. Logo, é uma verdadeira lei nova. Sendo mais severa, vale tão-somente para fatos ocorridos a partir dela. A republicação evidentemente não tem eficácia retroativa porque é prejudicial aos réus. Nossa conclusão: todos os fatos envolvendo lança-perfume ocorridos no nosso país até 14.12.2000 estão completamente fora de qualquer conseqüência jurídico-penal relacionada com a Lei de Tóxicos. Pode eventualmente a conduta configurar contrabando, caso se comprove a importação do produto. Mas droga ilícita não pode ser considerada (até 14.12.00).[81]

O STJ, entretanto, refutou esse entendimento salientando ter ocorrido erro material na primeira publicação da Resolução 104, falta de urgência etc..[82] Concordamos com Luiz Flávio Gomes, que expõe:

Múltiplas razões jurídicas revelam o desacerto dessa decisão. Parte-se da premissa de que houve erro material na primeira publicação da Resolução (que se deu em 07.12.2000). Ora, a nova publicação de um texto para corrigir erro material de lei anterior (e a resolução 104 tem força de lei, aliás, lei penal, porque cuidou de complemento de norma penal em branco) está disciplinada na LICC, art. 1º, § 3º e 4º, que dizem o seguinte: „Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação‟; „As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova‟.

A Resolução 104 foi publicada pela primeira vez em 07.12.2000; entrou em vigor na mesma data da sua publicação; foi republicada em 15.12.2000; a correção não se publicou antes da sua vigência; ao contrário, depois dela; logo, é lei nova; lei penal nova mais severa, como ensinamos aos estudantes de direito, desde o primeiro ano, não retroage.

Um acórdão do TJSP (HC 339.463-3), apesar disso, chegou a dizer equivocadamente que a republicação referida tem efeito retroativo. Essa afirmação conflita integralmente com o texto constitucional (art. 5º, inciso XL), que diz que a lei penal nova só retroagirá se beneficiar o agente. Se a correção publicada em 15.12.00 é lei nova, só poderia retroagir se fosse benéfica. Total descompasso existe entre o acórdão e a Constituição brasileira. Aliás, o acórdão citado está em desacordo também com toda doutrina penal a respeito desse ponto, que não é nova: vem de 1764 (quando Beccaria escreveu seu Dei delitti e delle pene).[83]

O ato do Diretor-Presidente da Anvisa teria sido ad referendum da Diretoria Colegiada, baseado na urgência, mas tal espécie normativa produz efeitos imediatos, embora não referendada pelo colegiado. O fato de não ter sido a norma referendada, não quer dizer que ela não tenha existido e produzido efeitos jurídicos.

Foi um ato administrativo válido, tendo em vista que o Presidente da Anvisa praticou ato que não lhe é defeso por lei. O fato de o colegiado não ter referendado a Portaria n. 104/2000, não quer dizer que ela tenha sido ilegal. Apenas se decidiu, em face de critérios de conveniência e oportunidade, não a referendar, o que é plenamente normal.

Não houve, em princípio, vício de consentimento (simulação, coação, erro ou dolo) capaz de viciar o ato. O Presidente da Anvisa, pessoa absolutamente capaz, no uso das faculdades que a lei lhe dá, publicou uma norma ad referendum. Portanto, não há como dizer que vício de procedimento a torna seja inválida.

A resolução foi publicada e passou a vigorar em 07.12.2000. A modificação posterior do entendimento não produz efeitos no penal, eis que a Constituição Federal estabelece, sem restrições, que a lei penal retroagirá para beneficiar (art. 5º, inciso XL). Não obstante isso, não se pode concordar com as conclusões de Luiz Flávio Gomes, com todo respeito que sua intelectualidade é merecedora. Concorda-se que “não há nenhuma comprovação empírica sobre a existência de urgência”, o que permite concluir que se trata de uma norma válida, mas criada para uma situação excepcional. Desse modo, tratando-se de texto normativo em branco, cuja norma complementar só deixou de viger por certo período considerado – ao menos deveria ser assim – excepcional, somente a esse período é aplicável, ou seja, só estão isentos de responsabilidade jurídico-criminal aqueles que eventualmente foram acusados de fatos ocorridos de 7.12.2000 a 14.12.2000.

Imagine-se que em uma situação de calamidade, uma seca extensa, determinada norma autorize a caça em um local que esteve com a fauna em extinção, mas devido ao combate à caça predatória conseguiu restruturar seu meio ambiente. Referida norma extraordinária não retroagirá. Ela terá nascido para referida circunstância, não para beneficiar aqueles que não pretendiam deixar a situação voltar ao normal, ou seja, a lei anterior, mais severa, perdura no tempo – é ultra-ativa (não é atingida pela lex mitior nem pela abolitio criminis), mutatis mutandis, é, também, a lei nova irretroativa (não constitui lei nova mais benéfica capaz de ensejar a aplicação do art. 2º do CP).

A lei temporária e a lei excepcional, constituem espécies de leis que nascem para vigorar por certo período, não sendo concebível que elas revoguem definitivamente normas anteriores, salvo se expressamente declararem a revogação. São leis especiais e como tais devem ser tratadas. Portanto, não se pode invocar a abolitio criminis para fatos pretéritos a 7.12.2000, isso no exemplo considerado.

3.5.8 Ultra-atividade da lei criminal

Diz-se que uma lei é ultra-ativa quando é aplicada mesmo depois de estar em vigor. Isso é mera decorrência do princípio tempus regit actum, ou seja, em princípio um fato deve ser regulado pela lei que estava em vigor no momento de sua ocorrência. Desse modo, a regra é a aplicação da lei do momento do fato, mesmo que ela venha a ser revogada posteriormente, v.g., se uma pessoa faz um testamento e vem a morrer dez anos depois, devem consideradas as regras relativas à capacidade testamentária do momento da elaboração do testamento, não o da abertura da sucessão, que é o momento da morte. Porém, em matéria criminal, algumas peculiaridades se apresentam, em face da retroatividade benéfica da lei criminal.

São três as hipóteses de ultra-atividade da lei criminal, a saber: a) o fato ocorreu na vigência de uma lei que foi revogada por outra mais grave. Nessa hipótese, a nova lei é irretroativa, consequentemente a lei anterior é ultra-ativa; b) o crime se deu na vigência de lei temporária; c) o fato se concretizou na vigência de lei excepcional.

O CP dispõe:

Lei excepcional ou temporária

Art. 3º - A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.

Lei temporária é aquela que nasce com prazo de vigência pré-determinado. Esta é uma lei que se auto-revoga visto que nasce com os dias de início e fim de vigência constantes de seu texto. Como as pessoas sujeitas a tais leis ficam sabendo antecipadamente do término da vigência da lei, não se sentirão intimidados a cumpri-la, mormente quando ele estiver próximo. Assim, a previsão da ultra-atividade da lei (CP, art. 3º) tem fundamento lógico.

A lei excepcional é mais comum que a lei temporária, mas também tem prazo de vigência limitado. A lei excepcional vige durante determinada circunstância, ou seja, enquanto estiver presente certa situação, a lei estará em vigor, mas no dia em que a circunstância cessar, ela perde a vigência. O exemplo mais típico de lei excepcional é o CPM, na parte relativa aos crimes de guerra. Ele é dividido em duas partes principais (Geral e Especial), sendo que sua Parte Especial está dividida em duas: (a) crimes em tempo de paz; (b) crimes em tempo de guerra.

O Brasil nas suas relações internacionais tem por princípio a solução pacífica de seus conflitos (CF, art. 4º, inciso VII). Consequentemente, o estado de guerra é excepcional, o que faz com que a parte do CPM que trata dos crimes de guerra durante o tempo de paz não esteja em vigor, visto que ela só estará em vigor enquanto perdurar a guerra. Obviamente, caso houvesse uma guerra declarada, muitas pessoas, percebendo a proximidade do fim da guerra poderiam praticar crimes de guerra sem risco de sofrerem as sanções previstas para o período e, mesmo que fossem atingidas pela lei, logo seriam beneficiadas pela retroatividade benéfica manifestada pelo retorno da aplicação da parte dos crimes em tempo de paz, que é mais branda. Tal possibilidade dá ensejo à previsão do art. 3º do CP, a fim de se preservar o fim preventivo do DCrim.

3.4.9 O fenômeno da ultra-atividade e retroatividade da lei ao mesmo tempo (lex tertia)

A lei antiga mais favorável é ultra-ativa, visto que a lei nova mais grave não retroage. De outro modo, a lei antiga mais grave é atingida pela retroatividade da lei nova mais benéfica. Desse modo, imagine-se a hipótese: lei “a” prevê pena de 10 anos para um crime x. Esta é revogada pela lei “b” que prevê pena de 5 anos para o mesmo crime. Finalmente, tal crime é atingido pela lei “c” que prevê pena de 15 anos para quem o cometer.

Do que foi construído acima, é possível concluir três situações:

Ø se Tício praticou o crime x na vigência da lei “a”, em favor dele a lei “b” será retroativa, enquanto que, em relação à lei “c”, a lei “b” será ultra-ativa;

Ø se Tício praticou o crime x na vigência da lei “b”, ela, em relação à lei “a” será irretroativa, enquanto que, em relação à lei “c”, será ultra-ativa;se Tício praticou o crime x na vigência da lei “c”, esta, tendo em vista o princípio da legalidade, será aplicada, prevalecendo, então, o princípio tempus regit actum. Aqui, não há como falar em retroatividade benéfica, visto que o fato se concretizou depois que a lei mais benéfica estava extinta. Outrossim, não há como falar em ultratividade porque a justificativa para dar a retroatividade à lei reside no fato de que o ordenamento, aperfeiçoado, considerou o fato menos grave. Assim, manter os rigores criminais da lei revogada seria manter aquilo que foi reconhecidamente considerado equivocado. De outro modo, manter a vigência de lei revogada, aplicando-a ao fato posterior à sua vigência, importará em dar efetividade ao que foi manifestamente declarado inadequado.

Uma lei nova é presumidamente mais evoluída e melhor adaptada à civilização. Os fatos que ocorrerem na sua vigência, ainda que ela seja mais grave, devem sujeitas aos seus rigores. Caso a nova lei seja mais benéfica, mister será reconhecer sua aplicação aos fatos pretéritos, tão-somente em matéria criminal, visto que a CF só excepciona em relação às mesmas.

Os administrativistas procuram fazer incidir a retroatividade da norma sancionatória administrativa, isso por analogia ao DCrim. Essa não é a perspectiva constitucional, até porque a elevada mutabilidade do Direito Administrativo é incompatível com a aplicação de uma norma aos fatos ocorridos na vigência de outra norma. Adotar, em Direito Administrativo, a regra da retroatividade benéfica da norma nova poderá incentivar os administrados a não a cumprirem, visto que, em face da elevada mutabilidade, muitas normas não seriam respeitadas.

3.4.10 Tempo do crime

Existem três teorias acerca do tempo do crime, a saber:

Ø  da atividade – considera-se praticado o delito no momento da ação ou omissão delituosa, ainda que outro seja o momento do resultado;

Ø  do resultado – considera-se praticado o delito no momento do resultado, não interessando o momento da conduta delituosa;

Ø  mista – considera-se tempo do crime, tanto o momento da ação, quanto o do resultado. Desse modo, se Tício atirasse em Caio e este viesse a morrer, em razão das lesões experimentadas pelo disparo, um ano depois da ação de Tício, seria considerado momento do homicídio (art. 121 do CP) tanto a data da ação de Tício, quanto o da morte de Caio.

O CP adotou a teoria da atividade, dispondo: “Art. 4º - Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado”. Aqui cumpre-me apresentar a classificação dos delitos, segundo a consumação, a saber:

Ø  crimes instantâneos – são aqueles em que a consumação pode ocorrer no momento da ação ou omissão delituosa. Fala-se em crime instantâneo de efeito permanente, que é aquele em que o efeito do crime permanece para sempre, v.g., homicídio. Neste a consumação pode ocorrer no momento da ação delituosa, mas o resultado jamais se apaga, visto que a vida não pode ser restaurada;

Ø  crimes permanentes – são aqueles cuja consumação se protrai no tempo, ou seja, enquanto permanecer a conduta delituosa estará ocorrendo a consumação, v.g., seqüestro, redução à condição análoga à de escravo etc.

Ø  crimes habituais – são aqueles cuja consumação depende da reiteração da conduta delituosa. Tais delitos são os denominados crimes profissionais, v.g., exercício ilegal da profissão de médico.

É importante diferenciar crime habitual de habitualidade delitiva. O Crime habitual foi definido (observe-se a classificação exposta), enquanto que a habitualidade delitiva representa a prática reiterada de crimes, que podem ser da mesma espécie ou não. A habitualidade delitiva induz à idéia de criminoso habitual, ou seja, pessoa que tem o vício do crime. O criminoso habitual poderá se submeter a várias penas, enquanto o crime habitual só enseja uma pena, v.g., quem exerce ilegalmente a profissão de dentista por vários anos, pratica um único crime.

Um crime do art. 148 do CP (seqüestro ou cárcere privado), no nordeste brasileiro, perdurou por mais de vinte anos, eis que um pai manteve a mulher e filhas presas em casa por longo espaço de tempo. Nesse caso, se a lei tivesse sido modificada no ínterim do cárcere privado a que estavam submetidas as vítimas, tornando-se mais grave, ele estaria sujeito à nova lei mais grave, visto que não seria hipótese de aplicação retroativa de lei, mas a aplicação da lei penal do tempo, a fato ocorrido em sua vigência. Ora, se o crime é permanente, estava ocorrendo enquanto as vítimas permaneceram em poder do agente, desse modo, se a consumação se deu no tempo da lei nova mais grave, prevaleceria o princípio tempus regit actum.

O mesmo entendimento que se aplica ao crime permanente cabe para o crime habitual, tendo em vista que este é um único crime, cuja consumação depende da reiteração da conduta delituosa.

O crime continuado não é um único crime, mas vários crimes que preenchem os requisitos do art. 71 do CP. No momento oportuno tratar-se-á de tal espécie de concurso de crimes, porém, não é demais dizer que sendo reconhecida a série continuada, caso a lei mais grave tenha sobrevindo após a ocorrência de algum delito, em princípio, esta lei será aplicável à toda série continuada, salvo se ela tornar a situação mais grave que a consideração de cada um dos delitos separadamente. Caso isso venha a ocorrer, deve prevalecer a regra da realidade – que será mais favorável -, punindo-se cada um dos delitos separadamente.

Acerca do assunto, o STF editou a Súmula n. 711, in verbis: “A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência”.

Quanto ao crime permanente, a súmula transcrita não apresenta maiores complicadores, sendo compatível com o exposto neste topoi. De outro modo, no tocante ao crime continuado, em se tratando de concurso de crimes, a súmula precisa ser analisada diante da série continuada concretizada, a fim de verificar se a aplicação da nova lei não induz à retroatividade da lex gravior aos crimes pretéritos, ou seja, a lei nova mais grave só será aplicada se não tornar pior à realidade decorrente da imposição da pena da lei nova a série de fatos praticados em continuidade delitiva do que seria concretizado se considerado cada crime da série continuado isoladamente (CP, art. 71, parágrafo único).

3.6 LEI CRIMINAL NO ESPAÇO

3.6.1 Princípio da territorialidade

O princípio da territorialidade é, sem dúvida, o mais significativo critério norteador do Direito Internacional, traduzindo a ideia de que um Estado, em respeito à sua soberania tem o poder de impor a sua lei ao fato que ocorreu no âmbito de seu território.

3.6.1.1 Sentido do princípio

A lei criminal, no que concerne ao espaço, deve ser a do lugar do crime. Não obstante, temos outras regras gerais, aplicáveis ao espaço, conforme princípios consagrados aqui e alhures, acerca do Direito Criminal. O primeiro deles, em decorrência da soberania, é o princípio da territorialidade, ou seja, respeita-se o lugar afetado pelo delito, que é aquele do território em que o crime se concretizou. Esse é o principal princípio que norteia a aplicação da lei no espaço.

É território nacional a superfície, o subsolo, o mar territorial[84] e o espaço aéreo. É espaço aéreo todo aquele que correponde ao solo e ao mar territorial. Não obstante isso, o CP estabelece determinada expansão do território nacional, in verbis:

Art. 5º - Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.

§ 1º - Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar.

§ 2º - É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em voo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil.

É lógico que toda pessoa que se encontra em território nacional está sujeita à lei brasileira. Isso é decorrência da nossa soberania. Do mesmo modo, se uma pessoa brasileira estiver em outro País, deve se sujeitar à lei daquele, a fim de se preservar a soberania estrangeira. Daí a regra do § 2º do art. 5º.

Todo artigo 5º do CP trata do princípio da territorialidade, considerando como se fosse territorial brasileiro, toda embarcação e aeronave a serviço do governo brasileiro, onde quer que se encontrem, e embarcações e aeronaves localizados no alto mar ou no espaço aéreo existente sobre tal área.

Um crime ocorrido no interior de uma fragata da Marinha do Brasil interessa, principalmente, ao governo brasileiro, mesmo que a embarcação esteja atracada no porto de qualquer País estrangeiro. Daí a regra do art. 5º, § 1º, primeira parte, do CP. De outro modo, estende-se, como se fosse nosso território, áreas que não constituem territórios com jurisdição nacional de qualquer País, evitando-se, assim, casos de impunidade (CP, art. 5º, § 1º, in fine).

3.6.1.2 O princípio da territorialidade ante a Corte Internacional Criminal

O Estatuto de Roma instituiu a Corte Internacional Criminal (CIC), marcando uma tentativa de evitar tribunais de exceção para julgamentos dos crimes de guerra e outros mais graves que ferem a humanidade. Referido estatuto tem a grande vantagem de dar coercibilidade permanente ao Direito Internacional, sepultando a velha argumentação de que se tratava de ramo do Direito despido de coercibilidade.

O Direito Criminal sofreu, desde a antiguidade, influência dos conflitos armados. Aliás, o Direito de Guerra, que com o tempo transformou-se em Direito Criminal Militar, influenciou fortemente a evolução de todo Direito Criminal.

No âmbito internacional, o Direito Criminal ganhou relevância no século XX devido ao acontecimento de duas grandes guerras. Também, eclodiram guerras regionais, às vezes internas, que mereceram observação da comunidade global, v.g., antiga Iugoslávia e Ruanda.

Os esforços para criação de uma Corte Internacional para tratar da matéria criminal data do início do século XX. A criação da Associação Internacional de Direito Penal, em 1924, marcou o início de uma tentativa permanente de instituição de referido tribunal.[85]

Os crimes praticados durante a Segunda Grande Guerra fizeram ressurgir as discussões em torno da criação de uma corte internacional para decidir sobre matérias criminais. Não obstante isso, o ambiente internacional não estava propício para a instituição de referida corte. Com efeito, o mundo constatava uma guerra fria entre duas potências bélicas, vivendo em um ambiente bipolar que prejudicava toda pretensão de se instituir uma corte internacional permanente.

A queda do Muro de Berlim e o processo de globalização da economia constituíram importantes eventos favoráveis ao retorno da discussão em torno da instituição de uma corte internacional para lidar das questões mais sérias que afetam a humanidade. Daí, em 17.7.1998, ter sido aprovado, em Roma, o tratado que cria a Corte Internacional Criminal.

Em 1948, as Nações Unidas celebraram a adoção da “Convenção para Prevenção e Sanção do Delito de Genocídio”, tornando crime internacional atos que conduzam ao extermínio de grupos nacionais, étnicos, religiosos ou raciais. Essa criação se deu, logo após a Segunda Grande Guerra, evidenciando a importância desse evento para a discussão acerca da proposta de criação de uma ordem criminal internacional.

Na década de 1950, a Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas (CDI) recebeu atribuições pela Assembléia Geral de codificar os princípios fundamentais de Nuremberg e preparar um projeto de estatuto para a criação de uma Corte Internacional Criminal. O advento da guerra fria constituiu sério obstáculo aos trabalhos, que não progrediu até a década de 1990.

A CDI apresentou, em novembro de 1994, a versão final do projeto do estatuto do no Sexto Comitê da 49ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas e recomendou uma conferência de plenipotenciários para a instituição de um tratado que efetivasse o estatuto e a corte.

De 16 de março a 3 de abril de 1998, realizou-se a sexta e última sessão dos plenipotenciários Assim, de 15 de junho a 17 de julho de 1998, em Roma, realizou-se a Conferência Diplomática de Plenipotenciários das Nações Unidas para o Estabelecimento de uma Corte Internacional Criminal. Firmou-se o tratado que constitui o Estatuto da CIC permanente, iniciando-se o processo de ratificação.

Em 6 de junho de 2.002, o Congresso Nacional aprovou o texto do Estatuto de Roma da CIC, emitindo o Decreto Legislativo nº 112. E, em 25 de setembro de 2.002, o Presidente da República promulgou o Estatuto de Roma da CIC, ato que foi publicado no Diário Oficial da União, Seção 1, de 26.9.2002.[86]

Muitas discussões ainda necessitam de maior aprofundamento. De um lado emergem partidários de uma ordem internacional mais ampla, defendendo a CIC, mas há forte corrente contrária, eis que se procura fazer prevalecer direitos e garantias constitucionais consolidadas em nossa Constituição depois de muitos anos de discussão e aprimoramento jurídico.

Um Direito consensualista, como proposto por Jürgen Habermas, parece impossível para a matéria criminal no âmbito internacional, haja vista que os interesses são totalmente diversos e é difícil pensar em uma política criminal global. Aliás, falar em um Direito Criminal funcionalista no âmbito internacional parece uma utopia, haja vista que não há um procedimento seguro a ensejar a autopoiese, sugerida por Niklas Luhmann.

Uma CIC, do ponto de vista pragmático, tende a um DCrim criminal garantista, uma vez que os tribunais internacionais de exceção não adotavam uma política estabelecida pela tradição, essencial ao garantismo desenvolvido por Luigi Ferrajoli. Pior, não há a estrita legalidade, uma vez que as penas são previstas de forma genérica, permitindo decisões díspares, mormente porque não se pode invocar certo costume se não havia uma CIC, a ponto de permitir a segurança do commom law.

Muitas questões precisam ser discutidas adequadamente, eis que foi homologado um acordo que possibilita a entrega de nacionais natos para serem processados em outro país (Holanda), onde está situada a CIC (arts. 89/90). Outro problema que precisa ser bem examinado é o decorrente da previsão da prisão perpétua como pena (art. 77.1.b), quando a CF veda tal pena (art. 5º, inciso XLVII, alínea “b”).

Corroborando, o Estatuto de Roma prevê a imprescritibilidade como regra (art. 29), quando a CF só admite a imprescritibilidade em dois casos (art. 5º, incisos XLII e XLIV). Tais problemas, ao lado de muitos outros, precisariam ser melhor discutidos sob o ponto de vista da legalidade, em face da Constituição Federal e, mais ainda, sob o enfoque do Direito Criminal na atualidade. Ocorre que a CIC, com à Emenda à Constituição n. 45, de 8.12.2004, passou a integrar a própria CF, restringindo os direitos fundamentais do seu art. 5º (CF, art. 5º, inciso § 4º).

A discussão em torno do cabimento de normas de Direito Internacional mais graves que as do Direito interno tem merecido interpretação tolerante por parte dos defensores do Estatuto de Roma. Aliás, o Supremo Tribunal Federal tem adotado postura extremamente rígida e incompatível com o disposto no art. 5º, § 2º, da Constituição Federal.[87]

A constituição elenca vários direitos e garantias em seu art. 5º. O parágrafo 2º do artigo enuncia que os direitos ali expressos não excluem outros provenientes de tratados e convenções de Direito Internacional. Desse modo, é coerente afirmar que as normas de Direito Internacional que geram direitos individuais, havendo a adesão do Brasil ao tratado que as instituiu, ganham status constitucional. Mais ainda, havendo conflito aparente entre as normas (interna e externa), deve-se solucionar o problema optando-se pela norma mais benéfica.[88]

Dizer que é possível a entrega de nacionais, importa em admitir certa retórica para distinguir a “entrega” da “extradição”. Também, não fascina a pretensão de entregar qualquer pessoa para julgamento com a possibilidade de imposição de pena de prisão de caráter perpétuo.

O Prof. Cachapuz chama a atenção para o fato do Supremo Tribunal Federal estar autorizando extradições para locais em que a possível pena a ser imposta aos extraditandos é a prisão perpétua, considerando que “se somos benevolentes com ‘nossos delinquentes’, isso só diz bem com os sentimentos brasileiros. Não podemos impor o mesmo tipo de ‘benevolência’ aos países estrangeiros”.[89]

Entender o delito como um fato normal e aumentar a “benevolência”, respeitando à dignidade da pessoa humana e construindo um DCrim mais humano, é uma exigência da sociedade complexa, aplicável aqui e alhures, sendo que posições tendentes a estabelecer uma perspectiva de extremo rigor evidenciam a concretização de certo ostracismo jurídico, realizado na contra-mão da história dos Direitos Fundamentais. Observe-se que têm sido criados Pactos Internacionais de Direitos Humanos como anseios da comunidade internacional de consolidar a proteção de direitos humanos,[90] o que evidencia a necessidade de maior “benevolência”, não de maior rigor.

A criação da CIC nasceu de uma ótima idéia, que foi a tentativa de maior segurança jurídica, evidenciada pela extinção de tribunais de exceção.[91] Não obstante isso, muitos aspectos precisam ser melhor investigados, haja vista a existência de possibilidade de se concretizar situações iníquas. Aliás, a retirada dos Estados Unidos da América (EUA) evidencia que a CIC constitui engodo para disciplinar países mais fracos segundo a vontade dos mais ricos.

Os EUA não aderiram ao Estatuto de Roma, não se sujeitando, portanto, à CIC. Cadermatori critica a posição estadunidense porque a CIC, visa a julgar precipuamente indivíduos (não Estados) e, também, representa a ordem supranacional para tratar de crimes que afetam profundamente a humanidade, v.g., genocídio, estupros em massa, torturas e outros crimes praticados durante a guerra.

Operações de paz da ONU existem em vários locais do mundo, sendo os EUA aqueles que mais enviam soldados para tais operações. A participação dos EUA é fundamental, mas podem ocorrer crimes sob a jurisdição da CCI durante as operações de paz. Assim, para evitar isso, os EUA fizeram gestão junto ao Conselho de Segurança da ONU, a fim de obterem, para lhes favorecer, a edição da Resolução nº 1.422, de 12.7.2002, durante o 4.572º encontro de referido conselho.

O art. 16 do Estatuto de Roma preceitua:

Nenhuma investigação ou processo poderá ser iniciado ou continuado, sob este Estatuto, por um período de doze meses após a adoção pelo Conselho de Segurança de resolução, em conformidade com o disposto no Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, que solicite ao Tribunal medida nesse sentido; tal solicitação poderá ser renovada pelo Conselho de Segurança nas mesmas condições.

Valendo-se de referido preceito, o Conselho de Segurança editou a Resolução n. 1.422, de 12.7.2002, permitindo que a acusação de crime que envolver Oficiais de países não-signatários do estatuto que estejam participando, ou tenham participado, de operações de paz, a CIC não dê início aos procedimentos investigatórios no prazo de um ano, podendo o Conselho de Segurança da ONU prorrogar referido prazo ad infinitum. Tal disposição institui certa imunidade em favor das tropas estadunidenses, deixando-as fora da jurisdição da CIC.

Os EUA, que se apresentam como baluartes da democracia mundial, adotaram postura inicialmente pouco compreensiva, até porque têm inegável força perante a ONU, da qual a CDI é parte integrante. No entanto, observando o contigente de suas tropas em operações de paz, é fácil entender porque a postura é coerente.

O fato dos EUA estarem fora da jurisdição da CIC diminui significativamente expressão prática da CIC. Mais ainda, evidencia que a negociação dos países com a CDI não é a única que exerceu influência direta sobre a CIC. Com efeito, o exposto demonstra a importância do Conselho de Segurança para a redação final do Estatuto de Roma e, consequentemente, seu alcance prático.

Hoje, fala-se na possibilidade de processarem criminalmente militares estadunidenses por crimes de guerra perpetrados em território afegão,[92] o que significa que a imunidade não foi renovada. Porém, em tempos de trumpismo, a CIC nada ou pouco conseguirá frente aos EUA, caso pretenda processar criminalmente militares estadunidenses.

3.6.3 Da extraterritorialidade

O principal princípio acerca da aplicação da lei no espaço é o da territorialidade – já o dissemos. No entanto, outros princípios informam a aplicação da lei no espaço, provocando a extraterritorialidade da lei criminal. Nos casos do art. 7º, inciso I, do CP, a extraterritorialidade é incondicionada, ou seja, a lei brasileira é aplicada, mesmo que a pessoa tenha sido condenada, ou absolvida no exterior, bem como independe da entrada do agente no território nacional (§1º). Ocorre que, desde já informo, a extraterritorialidade da lei contra aquele que for julgado no exterior encontra forte controvérsia.

Estabelece o CP:

Extraterritorialidade

Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:

I - os crimes:

a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República;

b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público;

c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço;

d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil;

II - os crimes:

a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;

b) praticados por brasileiro;

c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados.

§ 1º - Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro.

§ 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições:

a) entrar o agente no território nacional;

b) ser o fato punível também no país em que foi praticado;

c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição;

d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;

e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.

§ 3º - A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior:

a) não foi pedida ou foi negada a extradição;

b) houve requisição do Ministro da Justiça.

No caso do art. 7º, inc. I, alíneas “a”, “b” e “c”, a lei adotou o princípio da defesa, ou da proteção real, defendendo o objeto jurídico de interesse nacional, não interessando a nacionalidade do agente. Com efeito, para o princípio da proteção, basta o interesse jurídico pelo objeto tutelado, conforme se vê nas alíneas mencionadas. A hipótese da letra “d” do referido artigo, por sua vez, se refere ao princípio da justiça universal.

O princípio da justiça universal, ou da justiça cosmopolita, se baseia na idéia de que a pessoa deve ser punida onde for detida, segundo as leis desse lugar, não interessando a nacionalidade do agente, o lugar do delito etc., pois se a justiça é universal, de todo o mundo – dessa “cadeia global” de que tratou Herbert Marshall McLuhan (1911-1980) – não se pode pensar em barreiras para aplicação da lei criminal.

O art. 8º, § 4º, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica – promulgado pelo Decreto n. 678, de 6.11.1992): dispõe “O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos”. Com base dele, digo que o § 1º do art. 7º do CP é parcialmente inconstitucional.

Há um filme intitulado Risco Duplo, o qual tem os seguintes dados básicos divulgados: Título original: Double Jeopardy. Duração: 84 minutos (1 hora e 24 minutos). Gênero: Suspense. Direção: Bruce Beresford. Ano: 1999. País de origem: EUA.[93]

A história fictícia do filme apresenta, em síntese, o seguinte: Libby (Ashley Judd) é uma jovem mulher casada com Nick (Greenwood). Aparentemente ambos levam uma vida feliz. Eles têm um filho saudável de quatro anos, Matty, e uma ajudante, Angie (Annabeth Gish). Nick comprou um veleiro e juntos foram para alto mar. O casal teve uma noite maravilhosa, e Libby acorda no dia seguinte acordou sozinha e suja de sangue. Ela observa pegadas no assoalho e as segue, encontrando uma faca. Nick sumiu e a polícia chegou, momento em que prendeu Libby. Suspeita do assassinato por ser a beneficiária do seguro de vida de Nick, Libby é julgada e condenada, quando pede a Angie para que ela adote Matty. Na prisão, ela descobriu Angie e Matty estão vivendo com Nick em São Francisco e que o ex-marido armou seu próprio assassinato e adotou uma nova identidade. Então, Libby foi orientada por Margaret, uma advogada presa por matar seu próprio marido, a qual disse que quando ela saísse da prisão, estaria livre para matar Nick porque ela não poderia ser condenada duas vezes pelo mesmo crime. Seis anos mais tarde, Libby recebeu a condicional e ficou sob a vigilância de Travis Lehman (Lee Jones). Este não tolerava a menor quebra de regras, mas Libby violou as condições do livramento para procurar Matty e Nick. Lehman persegue Libby, mas só a alcançou depois que ela matou Nick, quando ela não podia ser presa porque já havia sido condenada por ter matado Nick anteriormente.

À luz da legislação brasileira, a solução jurídica correta seria, desconstituir a sentença condenatória anterior em sede de revisão criminal (CPPB, art. 621, inc. III) e julgar o homicídio motivado pela vingança da mulher. Na hipótese, sequer seria cabível a detração do tempo da pena que foi cumprido,[94] não obstante as posições existentes em sentido contrário.

No caso, não seriam os mesmos fatos, não se podendo falar em princípio non[ne] bis in idem ou em princípio da vedação da dupla punição ou do duplo processo pelo mesmo fato, visto que uma condenação decorreria de crime forjado, enquanto que a segunda decorreria de crime novo.

De qualquer modo, como o adequado, em face da soberania, é que é a pessoa, em matéria criminal, seja julgada segundo a jurisdição do Estado que imporá a pena. Em caso de extraterritorialidade, nada será mais razoável do que condenar aquele que fugir e ingressar em seu estado nacional, de onde não poderá ser extraditado (nenhum Estado pode ser obrigado a extraditar os seus nacionais). Assim, será coerente julgar pelo mesmo fato e, se condenado, sujeitar ao cumprimento da pena, respeitando o art. 8º do CP.

A inconstitucionalidade do art. 7º, § 1º, do CP, está em prever que o absolvido será julgago novamente pelo mesmo fato, eis que o Pacto de São José da Costa Rica é norma materialmente constitucional e veda a hipótese de duplo julgamento, quando o agente tiver sido absolvido (art. 8º, § 4º).

Nas hipóteses do inciso II, temos a ocorrência de extraterritorialidade condicionada. Ela se dá com fundamento em princípios diferentes, sendo que devem estar presentes todas as condições do § 2º do art. 7º do CP, a fim de que se possa falar em aplicação da lei brasileira aos fatos ocorridos no exterior.

A hipótese do art. 7º, inciso II, letra “a”, encontra fulcro no princípio da justiça universal. Desse modo, se presentes as condições do § 2º do art. 7º, independentemente do lugar do crime, será aplicada a lei brasileira ao agente que, por exemplo, praticar tráfico internacional de substância entorpecente.

Na hipótese do art. 7º, inciso II, letra “b” do CP, prevalece a nacionalidade do agente. Isso é uma decorrência do princípio da nacionalidade, que traduz que o agente deve ser punido segundo as leis de seu País, não interessando o lugar do delito, visto que os nacionais devem cumprir as leis brasileiras onde quer que se encontrem. Por fim, a hipótese do art. 7º, inciso II, letra “c” do CP decorre da adoção do princípio da representação ou da bandeira, pelo qual, havendo excessiva liberalidade do País em que o delito ocorreu, ou ainda, por qualquer outro motivo ocorra ineficácia do sistema criminal País do em que ocorreu o delito.

É importante perceber que o estrangeiro também pode ser punido segundo a lei brasileira, por crime praticado no estrangeiro contra brasileiro. Nesse caso, devem se fazer presentes todas as condições do § 2º e, ainda, caso tenha sido pedida a extradição do estrangeiro para que ele venha a ser processado no Brasil, tal pedido não tenha sido negado (art. 7º, § 3º, letra “a”), bem como a iniciativa da ação estará condicionada à requisição do Ministro da Justiça. Tal condição se justifica porque a ação poderá gerar um incidente diplomático entre o Brasil e o país do agente, fazendo-se necessária uma análise mais acurada dos fatos, a fim de se evitar decisões politicamente desastrosas.

Mencionei anteriormente a extradição, que “é o ato pelo qual um Estado entrega um indivíduo, à justiça de outro, que o reclama, e que é competente para julgá-lo e puni-lo”.[95] Ela está disciplinada no Estatuto do Estrangeiro (Lei n. 6.815, de 19.8.1980). Outrossim, a CF trata da extradição, vedando-a ao brasileiro nato e limitando-a ao brasileiro naturalizado. A Carta Magna proíbe, ainda, a extradição de estrangeiro por crime político (art. 5º, incisos LI e LII). Desse modo, caso o Brasil tenha interesse em processar criminalmente alguma pessoa que se encontra em outro País, deverá requerer sua extradição.

Nos termos do Estatuto do Estrangeiro (art. 77), não se concederá extradição: a) ser o extraditando brasileiro, salvo se naturalizado e o motivo da extradição se deu antes da naturalização; b) ser o fato considerado crime em ambos países; c) o Brasil for competente para julgamento do delito; c) cominação de pena de prisão igual ou inferior a um ano; d) tiver ocorrido a prescrição segundo a lei de algum dos dois países; e) crime político; f) o extraditando tiver que responder no Estado requerente perante juízo de exceção.

Tem-se interpretado restritivamente a palavra crime restritivamente. Por isso, entende-se que se o fato constituir contravenção, seja no Brasil ou no Estado requerente, não se pode extraditar. Essa visão decorre do fato do sistema normativo ter feito a distinção entre lei e contravenção, embora não haja distinção conceitual entre os dois fenômenos.

De outro modo, caso algum País requeira a extradição de pessoa que se encontra no Brasil, competirá ao Supremo Tribunal Federal decidir sobre o pedido, sendo que o deferimento está condicionado à presença das hipóteses materiais (CF, art. 5º, incisos LI e LII) e dos seus requisitos formais (Leis nº 6.815/1980 e 6.964/1981).

Como regra geral, não se admite a extradição de pessoa que cumpre pena privativa de liberdade, mas é admitida a expulsão, que é uma medida preventiva de polícia, a fim de retirar do território nacional o estrangeiro não desejado. Mas, no atual estágio do mundo globalizado, algumas regras encontram-se flexibilizadas, sendo que já verificamos, inclusive, a remoção de estrangeiros para o cumprimento de penas privativas de liberdade em seus países de origem.[96]

O Brasil aderiu ao Estatuto de Roma que instituiu a Corte Internacional Criminal (CIC), que é discutível a partir de sua denominação (na doutrina pátria prefere-se falar em Tribunal Penal Internacional). Em referida norma consta a possibilidade de entrega de nacionais para julgamento perante referida corte. Não há acordo na doutrina a respeito de referida previsão, havendo quem entenda que a disposição é inconstitucional (essa tese da inconstitucionalidade resta esvaziada pela inserção da CIC, por força da Emenda à Constituição nº 45, no art. 5º, § 4º, da CF). O que se vê, na verdade, é que o Direito Internacional caminha para normas criminais mais duras, estabelecendo na ordem externa uma prática semelhante à estabelecida no âmbito interno, construída com base em discursos humanitários e funcionalistas, mas cruel na cominação, aplicação e execução das penas.

3.6.4 Lugar do crime

Ao exemplo do tempo do crime, o lugar do crime também tem três teorias a respeito, a saber:

Ø da atividade – considera-se praticado o delito no lugar da ação ou omissão delituosa, ainda que outro seja o lugar do resultado. É defeituosa porque pode gerar casos de impunidade, eis que a pessoa poderia praticar a conduta em lugar que ela não é crime e a produção do resultado em lugar em que ele é seria punido, restaria isenta da aplicação da lei;

Ø do resultado – considera-se praticado o delito no lugar do resultado, não interessando o local da conduta delituosa. Também defeituosa, a lei levaria pessoas a praticarem condutas ali para produção de resultados em lugares distantes em que não seriam punidos;

Ø da ubiquidade – considera-se lugar do crime, tanto o da ação ou omissão, quanto o do resultado. Desse modo, se Tício, no Brasil, atirasse em Caio e este viesse a morrer, no Paraguai em razão das lesões experimentadas pelo disparo, é considerado lugar do homicídio (art. 121 do CP) tanto o Brasil (lugar da ação), quanto o Paraguai (lugar do resultado. O CP, preferiu esta teoria).

Ubiquidade lexicologicamente significa a propriedade ou o estado de ubíquo (de toda parte), ou seja, indica ser cosmopolita ou onipresente. “ubi”, palavra latina, que significa “onde, aonde”, é utilizada para indicar o lugar em que as coisas habitualmente se encontram.

O CP adotou a teoria da ubiquidade, in verbis: “Art. 6º - Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado”.

A adoção da teoria da ubiquidade visa a evitar casos de impunidade, em face de conflitos negativos de competência. Com efeito, se um país adota o princípio da atividade e outro o princípio do resultado, pode ocorrer de, no delito à distância (a ação ocorre em um país e o resultado em outro), de se verificar a impunidade. Destarte, sendo ambos competentes, o risco de impunidade é inexistente, mas outro problema se apresenta, que é a possibilidade de duplo julgamento.

O problema que pode emergir do duplo julgamento é a possibilidade de serem impostas duas penas para o mesmo fato, o que é resolvido pela regra do art. 8º do CP, visto que a pena cumprida no estrangeiro é descontada da pena imposta no Brasil, conforme veremos adiante.

Cezar Roberto Bitencourt apresenta outras teorias, a saber: a) da intenção – o lugar do delito é aquele em que o agente espera que o resultado ocorra. Tal teoria não abrange os delitos negligentes e preterdolosos; b) do efeito intermédio ou do efeito mais próximo – é lugar do delito aquele em que a atuação do autor atinge a vítima ou o bem jurídico; c) da ação à distância ou da longa mão – é lugar do crime aquele em que se verificou o ato executivo; d) limitada da ubiquidade – é lugar do crime o da conduta e o do resultado; e) pura da ubiquidade, mista ou unitária – é lugar do crime o da ação, o do resultado ou o do bem jurídico.[97]

Imagine-se que um cidadão estadunidense coloque uma bomba em um avião, com destino a Brasília, para matar cidadão brasileiro, mas no meio do caminho o artefato é descoberto e desarmado, isso na América Central. São competentes o Estados Unidos da América, o Brasil e o País em que houve o desarmamento da bomba, visto que adotou-se a teoria pura da ubiqüidade. Caso tivesse sido adotada a teoria limitada da ubiquidade, só se poderia considerar como local do crime aquele em que houve a ação, uma vez que não houve resultado, o que afastaria o Brasil, mas como se adotou outra teoria a competência se estende ao Brasil.

Observe-se que essa é a construção que nós obtivemos do texto citado, mas reconhecemos que o autor pode, ante o exemplo, dar solução diferente. Parece-nos que há um equívoco em sua obra, tendo em vista que ele sustenta que o lugar do crime, para a teoria pura da ubiquidade é o da ação, o do resultado, ou o “lugar do bem jurídico atingido”. Não obstante isso, melhor é entender que a palavra “atingido” foi inserida por equívoco, visto que o próprio autor remete o leitor de seu livro ao art. 6º do CP, que admite também o lugar em que o resultado deveria se produzir, ou seja, o lugar do bem jurídico, independentemente da ocorrência ou inocorrência da lesão.

Não se admite, em matéria criminal analogia in malam partem. Em face disso, não se pode punir no Brasil, como lugar do crime, a simples preparação, por exemplo, se ela se deu nos Estados Unidos da América e na América Central, sendo detectada nesta, a competência brasileira fica afastada. O aplicador da norma, deve verificar seus limites, o que o induzirá à análise do iter criminis (matéria que será estudada no próximo capítulo), a fim de poder definir a competência. Desse modo, se atos de execução, nos exemplos dados, foram praticados nos Estados Unidos da América, a lei brasileira será aplicável, mas se alhures foram praticados unicamente atos preparatórios, restará afastada a competência do Juiz nacional.

Caso seja consumado um crime no estrangeiro e seu exaurimento se dê no Brasil, também, não há como falar em aplicação da lei nacional, salvo nos delitos em que o exaurimento integra a figura típica do delito, ou seja, incidirá a regra que do art. 6º que determina a aplicação da lei brasileira se aqui o delito for praticado no todo ou em parte.

3.7 A NORMA CRIMINAL QUANTO ÀS PESSOAS

3.7.1. Distinção entre imunidade e prerrogativa de foro

A previsão da existência de uma Justiça Militar foi critica aqui e alhures porque muitos entendem que ela constitui protecionismo ao militar, o que não é verdade. Ao se estabelecer Justiças Especializadas procura-se alcançar à especialização necessária, mormente porque o conhecimento científico é fragmentário. O mesmo se dá ao estabelecer a prerrogativa de foro.

A jurisdição (poder de dizer o direito aplicável ao caso) é delimitada pela competência. Destarte, ao criar justiças e varas especializadas, procura-se melhores resultados, não o protecionismo. De qualquer modo, classifica-se a competência em: ratione materae (em razão da matéria, v.g., o tráfico internacional se substância entorpecente é julgado pela Justiça Federal), ratione personae (em razão da pessoa, v.g., Ministro de Estado é julgado perante o STF), ratione loci (em razão do lugar, v.g., em regra, um crime deve ser julgado no lugar de sua consumação) e ratione temporis (em razão do tempo, v.g., negociar bebidas alcoólicas no dia do sufrágio para Presidente da República, constitui crime eleitoral).

A competência ratione personae é criticada porque o privilégio de foro não decorre da pessoa em si, mas do cargo ou função. Tem-se em vista que determinadas pessoas públicas não podem ficar à mercê de perseguições políticas, bem como alguns casos exigem maior maturidade, presente nos tribunais e ausentes perante os Juízes novatos.

Enquanto as imunidades constituem causas extintivas da punibilidade, ou obstáculos ao exercício desta, a prerrogativa de foro não representa extinção ou obstáculo à punibilidade, mas a busca de maior segurança jurídica nas decisões judiciais.

3.7.2 Imunidades

Imunidade decorre do latim immunitas. É o privilégio outorgado a alguém para que se livre ou se isente de certas imposições legais. Em virtude dela, a pessoa não será obrigada a cumprircertos encargos ou certa obrigação determinada em caráter geral.[98]

3.7.2.1 Espécies básicas

O estudo da imunidade deve ser feito neste capítulo porque com ele se refere, uma vez que constitui limitação à aplicação da lei. Existem duas espécies de imunidade, a saber:

Ø absoluta – constitui causa extintiva da punibilidade, visto que o autor do injusto não estará sujeito à lei penal;

Ø relativa – constitui mero obstáculo à punibilidade. Esta, embora existindo, é mais difícil de ser alcançada.

Toda imunidade, seja ela absoluta, ou relativa encontra fundamento em razões lógicas de política criminal. Na maioria dos casos, elas visam possibilitar o livre exercício de atividades importantes, que só poderão ser bem desempenhadas se asseguradas por determinados instrumentos de garantia das liberdades individuais. No entanto, conforme veremos a seguir, existem imunidades que visam unicamente tornar possível a manutenção do vínculo familiar.

3.7.2.2 Imunidade absoluta

A imunidade absoluta não exclui a ilicitude. Outrossim, não exclui a culpabilidade. Tais elementos do delito são mantidos, o que se torna evidente na imunidade diplomática, visto que o diplomata poderá ser punido segundo as leis do país creditante (Estado de origem). Ademais, o terceiro que concorre para o delito é punido, o que demonstra que o delito continuará existindo, só sendo beneficiado a pessoa detentora da imunidade.

Conhecemos algumas espécies de imunidades absolutas, a quais serão enumeradas exemplificativamente (outras hipóteses podem ser acrescidas) a seguir:

Ø diplomática – o Decreto n. 56.435, de 8.6.1965 ratificou a Convenção de Viena, de 18.4.1961, que institui a imunidade absoluta para os diplomatas, demais funcionários da embaixada, relacionados na mala, e seus respectivos familiares. O art. 5º do CP consagra o princípio da territorialidade, mas ressalva hipóteses em que os crimes praticados no território nacional não estão sujeitos à lei brasileira, quais sejam, as decorrentes de tratados e convenções de Direito Internacional. Tais pessoas ficam sujeitas às leis penais dos países creditantes.

Cumpre observar que gozam da referida imunidade todos aqueles que são relacionados pelo País creditante na mala diplomática. Ocorre que a imunidade é extensiva aos seus familiares e, como ela é absoluta, os que dela gozam não podem ser presos, nem processados criminalmente segundo as leis brasileiras. Aliás, elas têm, inclusive, o direito de se negar a deporem na qualidade de testemunha (artigos 29 e 31 do Decreto n. 56.435/1965).

Os funcionários brasileiros que trabalham na embaixada, por não serem relacionados na mala diplomática, não gozam de imunidade. No entanto, mesmo quem não tem imunidade, caso adentre na embaixada, terá em seu favor a possibilidade de obtenção de asilo político (Decreto n. 55.929/1969, que ratificou a Convenção de Caracas sobre Asilo Diplomático).

O fato de ser possível a concessão de asilo diplomático na embaixada não impede, por si só, a possibilidade de extradição pelo STF (Lei n. 6.815/1980, arts. 28-29), o que demonstra que a embaixada não constitui território estrangeiro no Brasil. De qualquer modo, enquanto o asilado estivber na embaixada, dali não poderá ser retirado enquanto não houver autorização do país creditante.

Os cônsules, por representarem interesses privados, não gozam de imunidade diplomática. Eles não representam os interesses do Estado de origem, enquanto pessoa de Direito Público na relação bilateral com o Brasil, mas os interesses privados, tais quais as relações comerciais de seus compatriotas.

A imunidade diplomática é irrenunciável pelo diplomata, ou seja, não pode ser desconsiderada mesmo que o diplomata concorde com tal hipótese. Não obstante isso, o Estado creditante pode renunciá-la, o que autorizará o Brasil a processar criminalmente e a punir o diplomata.

Finalmente, imunidade semelhante tem os funcionários da ONU que, ao seu serviço se encontrarem no território nacional (Carta da ONU, art. 105).

Ø parlamentar – a imunidade parlamentar visa possibilitar o exercício, em nome do povo, do mandato. Caso não existisse a imunidade parlamentar, ele jamais poderia suscitar a modificação de uma lei penal, senão incorreria em incitação ao crime (CP, art. 286).

Muito se discutiu sobre a previsão de imunidade relativa ao parlamentar, sendo que a Emenda à Constituição n. 35/01 praticamente a suprimiu, conforme veremos no próximo item. Porém, acertadamente, foi mantida inalterável a imunidade absoluta. Aliás, a imunidade absoluta foi ampliada, a imunidade que outrora era apenas criminal, passou a ser, expressamente, também civil.[99]

O STF, o guardião da Constituição Federal, vem violando a literalidade da Constituição Federal, tendo autorizado a prisão de Deputado Federal e de Senador da República por crime afiançável, o que é um absurdo percebido até por membro do Ministério Público,[100] eis que isso viola a sua imunidade relativa.

A imunidade absoluta se estende aos Senadores, Deputados Federais (CF, art. 53, caput), Deputados Estaduais e Distritais (CF, art. 27, § 1º) e Vereadores (CF, art. 29, inciso VIII). Ela é essencial porque assegura a liberdade de expressão por meio de palavras, opiniões e votos, no que eles são invioláveis.

Os Senadores e Deputados Federais têm imunidade em todo território nacional, enquanto que os Vereadores somente na circunscrição do município, em face de disposição expressa do art. 29, inciso VIII, da CF. Ocorre que a CF é omissa quanto aos Deputados Estaduais e Distritais, apenas expressando que a eles são estendidas as imunidades. Porém, ad fortiori, deve-se entender que a imunidade criminal é adstrita aos limites da unidade federativa que os elegeu, visto que ali que deverão exercer suas atividades.

Os vereadores não têm a imunidade relativa em comento e a imunidade absoluta só lhes é estendida para os delitos de opinião em que eles praticarem no exercício do mandato, ou seja, na tribuna da Câmara Municipal (CF, art. 29, inciso VIII). Aliás, a imunidade absoluta de Senadores e Deputados, segundo a jurisprudência do STF, só estará assegurada se as palavras, as opiniões e os gestos estiverem vinculados de alguma maneira ao exercício do mandato.

Finalmente, a imunidade parlamentar pode ser suspensa durante o estado de sítio, ex vi do art. 53, § 8º da CF. Observe-se que, como regra, estará mantida e, em todo caso, só poderá ser destituida por vontade de 2/3 da casa. No entanto, o STF tem “rasgado” a Constituição Federal para mitigar as imunidades absoluta e relativa.

Ø decorrente de parentesco – tem imunidade absoluta aquele que pratica crime sem violência e sem grave ameaça contra cônjuge, na constância da sociedade conjugal, descendente e ascendente (CP, arts. 181 e 183).

Entende-se que a imunidade é incompatível com as normas constitucionais programáticas de proteção à mulher e ao idoso. O mesmo entendimento deveria alcançar as crianças e os adolescentes, mas o art. 183, inc. III, do CP só exclui a imunidade no caso de vítima idosa e a jurisprudência, no caso de violência doméstica à mulher, ainda que a violência seja exclusivamente patrimonial. Assim, havendo violência doméstica patrimonial contra o homem, estará preservada a imunidade.

3.7.2.3 Imunidade relativa

A imunidade relativa constitui mero obstáculo processual à punibilidade. Enquanto a imunidade absoluta é denominada material, a relativa é formal. Nesta, pode ocorrer a punição, desde que atendidas determinadas condições de procedibilidade ou de prosseguibilidade.

A imunidade parlamentar formal deveria ser suficiente para impedir prisão por crime afiançável, mas o STF vem desrespeitando a CF para determinar a prisão de parlamentares por crimes afiançáveis. Já tivemos Deputado Federal e Senador da República, sendo que deixo de declinar aqui os seus nomes porque eles têm direito ao esquecimento.

A imunidade parlamentar que era prevista para os delitos comuns, não abrangidos pela imunidade absoluta, era a mais relevante das imunidades relativas. Dispunha a CF que o Juiz, ou Tribunal, antes de receber a denúncia oficiaria à respectiva Casa do parlamentar solicitando autorização para processá-lo, caso não houvesse deliberação, ou havendo fosse negada a autorização, o parlamentar não poderia ser processado até o final do mandato.

A EC n. 35/2001 alterou toda realidade. O tribunal receberá a denúncia e comunicará à respectiva Casa do parlamentar que deverá se manifestar no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias sobre a situação, decidindo sobre a sustação do processo. Tal prazo, nos termos constitucionais é improrrogável. Desse modo, não pode a Casa decidir sustar o processo de decorrido o referido prazo.

Os Senadores e Deputados Federais serão processados no STF, enquanto os Deputados Estaduais e Distritais serão processados perante os respectivos Tribunais de Justiça. Finalmente, os vereadores não gozam de tal espécie de imunidade. Eles só são detentores de imunidade absoluta.

O cônjuge separado judicialmente, o irmão, o tio e o sobrinho (os dois últimos somente quando habitam sob o mesmo teto), gozam de imunidade relativa nos crimes contra o patrimônio, praticados sem violência e sem grave ameaça, visto que mesmo os crimes de ação penal de iniciativa pública incondicionada passam a depender de representação (CP, arts. 182-183), ou seja, a lei criou um obstáculo processual em favor das referidas pessoas. Não se olvide, no entanto, que não se aplicará a imunidade se a vítima for mulher (em violência doméstica) ou idosa (em qualquer caso).

Membros do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Advocacia Geral da União e os Advogados públicos e privados em geral terão imunidade relativa, embora as imunidades dos Advogados sejam praticamente ignoradas pelo Poder Judiciário.

3.8 PENA CUMPRIDA NO ESTRANGEIRO

Discute-se sobre a constitucionalidade do art. art. 8º do CP, que dispõe: “Art. 8º - A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas”.

Tal artigo visa a minimizar os rigores do art. 7º, § 1º do CP, que prevê a dupla punição pelo mesmo fato. Guilherme Nucci fala em princípio da vedação da dupla punição e do duplo processo pelo mesmo fato.[101] Significa non (ou ne) bis in idem (não repetir no mesmo), ou seja, a mesma pessoa não poderá ser responsabilizada duas vezes pelo mesmo fato.

Nucci entende que a pessoa não poderá er julgada a segunda vez pelo mesmo fato, considerando inconstitucional o art. 7º, § 1º e este art. 8º do CP. André Estevam, referindo-se ao princípio non bis in idem, adota posição intermediária, aduzindo que o art. 8º resolve o problema da dupla condenação pelo mesmo fato. De todo modo, não se olvide, o Pacto de São José da Costa Rica impede o segundo julgamento do absolvido com sentença passada em julgado (art. 8º, § 4º).

É necessário que haja julgamento do nacional no seu País, por crime havido no exterior, no caso de extraterritorialidade incondicionada ou condicionada. Assim, no caso de ter sido condenado alhures e ali não ter cumprido a pena, retornando à sua terra natal, dependerá de novo julgamento no país de origem.

A pena cumprida no estrangeiro é descontada da pena aplicada no Brasil se da mesma espécie, ou aquela servirá de atenuante se for de espécie diferente. Desse modo, se uma pessoa foi condenada a 2 anos por um delito no exterior e ali cumpriu integralmente a pena, mas chegando no Brasil ela se depara com uma pena de 8 anos, decorrente do mesmo fato, em face da aplicação da extraterritorialidade incondicionada da lei penal brasileira, terá que cumprir, aqui, somente o prazo restante, ou seja, 6 anos. Nesse sentido, dispõe o CP: “Art. 8º - A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas”.

Imagine-se que uma pessoa foi condenada à pena de multa no exterior e, aqui, à pena privativa de liberdade. Nesse caso, o Juiz deverá fazer uma prudente análise do valor pago pela pessoa em razão da multa que lhe foi aplicada, a fim de definir a quantidade de dias-multa. Depois, ele converterá a pena de multa em privativa de liberdade na razão dos dias-multa apurados, abatendo-os da privativa de liberdade que aqui foi imposta. Assim, se uma pessoa foi condenada a US$ 10,000.00 (dez mil dólares) no exterior e aqui foi condenada a 4 anos de reclusão, o Juiz fará prudente análise do valor, a fim de aferir a quantos dias-multa ele pagou. Caso ele entenda, por exemplo, que o valor corresponde a 180 dias-multa, ele abaterá 6 meses da pena privativa de liberdade, ficando o condenado obrigado a cumprir somente 3 anos e 6 meses da pena.

Pode surgir um problema na atenuação da pena imposta no Brasil, em face da pena de multa cumprida no exterior, caso o Juiz verifique que o somatório pago equivale a período superior ao máximo admitido em nosso Direito para a pena de multa, que o de 360 dias-multa (CP, art. 49, caput). No entanto, não parece haver qualquer obstáculo, podendo o Juiz atenuar a pena por período maior, desde que ponderamente.

A pena restritiva de direito substitui a pena privativa de liberdade por prazo igual. Desse modo, se o condenado tem em seu favor a substituição da pena privativa de liberdade de 2 anos por pena restritiva de direito, na modalidade de prestação pecuniária, esta também terá a duração de 2 anos. Desse modo, a pena restritiva de direito cumprida no estrangeiro deve ser descontada do prazo da pena imposta no Brasil, calculando o tempo cumprido para fins de detração (desconto do tempo da condenação) como se fosse pena privativa de liberdade, descontando-o integralmente.

3.9 SENTENÇA ESTRANGEIRA

Em face da nossa soberania, a sentença estrangeira relativa a delito ocorrido no Brasil não tem potencial para produzir qualquer efeito em nosso meio. De qualquer modo, se uma pessoa praticou crime aqui e o fato é atingido pela extraterritorialidade incondicionada, mesmo que o agente seja condenado no Brasil, poderá ser julgado no exterior e, em sendo o caso, poderá ser extraditado após o cumprimento da pena imposta aqui.

Não nos olvidemos que a lei brasileira é aplicada aos fatos ocorridos no território nacional. Outrossim, a sentença estrangeira não pode sujeitar a pessoa ao cumprimento da pena imposta no exterior, sendo direito da pessoa ao julgamento segundo a lei brasileira, caso incida alguma hipótese de aplicação da nossa lei criminal. Porém, se a pessoa tiver sido absolvida no exterior, tratando-se de caso de extraterritorialidade condicionada ou incondicionada, a sentença impede que haja novo julgamento no Brasil. Porém, a sentença condenatória estrangeira não impedirá novo julgamento, segundo a lei brasileira, desde que a pessoa não tenha cumprido a pena ou tenha ocorrido extinção da punibilidade.

Defendo, inclusive, na hipótese de extraterritorialidade incondicionada, novo julgamento, ainda que o agente tenha cumprido a pena, com aplicação do art. 8º do CP. Essa posição que adoto não é pacífica, havendo quem entenda ser inconstitucional a dupla punição pelo mesmo fato, isso em face do art. 8º, § 4º do Pacto de São José da Costa Rica. Porém, volto a dizer, referido preceito só impede o 2º julgamento do absolvido.

Acerca da eficácia da sentença estrangeira, o CP dispõe:

Eficácia de sentença estrangeira

Art. 9º - A sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produz na espécie as mesmas consequências, pode ser homologada no Brasil para:

I - obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis;

II - sujeitá-lo a medida de segurança.

Parágrafo único - A homologação depende:

a) para os efeitos previstos no inciso I, de pedido da parte interessada;

b) para os outros efeitos, da existência de tratado de extradição com o país de cuja autoridade judiciária emanou a sentença, ou, na falta de tratado, de requisição do Ministro da Justiça.

A sentença estrangeira não obriga a pessoa a cumprir a pena no Brasil, seus efeitos são exclusivamente os do art. 9º do CP, a saber:

Ø obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis;

Ø sujeitá-lo a medida de segurança.

Para que a sentença estrangeira produza efeitos no Brasil, era necessária homologação, feita pelo Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, inc. I, alínea h). Com a Emenda à Constituição n., 45, o exequatur (cumpra-se) é expedido pelo Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, inc. I, alínea i). Esta depende:

Ø para obrigar a reparação do dano, de pedido da parte interessada;

Ø para os outros efeitos, da existência de tratado de extradição com o país de cuja autoridade judiciária emanou a sentença, ou, na falta de tratado, de requisição do Ministro da Justiça.

Requisição é uma palavra que exprime requerimento na forma da lei, sendo uma ordem ou um comando legal. O Ministro da Justiça provocará o Procurador-Geral da República e este promoverá a homologação da sentença estrangeira, mas o Ministério Público não está subordinado ao Ministério da Justiça, tendo independência funcional (CF, art. 127, § 1º). Destarte, a palavra requisição traduz apenas manifestação de vontade, como condição de procedibilidade, ou seja, a promoção da homologação por parte do Ministério Público, no caso de inexistência de tratado, situação que dependerá da manifestação prévia do Ministro da Justiça.

Por disposição expressa do CP, a condenação no estrangeiro produz o efeito criminal da reincidência (art. 63). No entanto, não pode produzir outros efeitos. Isso reforça o entendimento de que a medida de segurança não constitui espécie de sanção criminal, é, na verdade, medida administrativa estatal decorrente de seu poder de polícia.

A pena imposta no estrangeiro, salvo acordo específico entre os países, não poderá produzir efeitos no Brasil, isso em respeito à soberania que é a característica da existência de um Estado, pessoa jurídica de Direito Internacional. Desse modo, caso algum brasileiro seja condenado na Inglaterra a uma pena de 30 anos de reclusão, mas fuja antes do término da pena, seu ingresso no Brasil permitirá a extraterritorialidade condicionada da lei brasileira. Assim, ele não cumprirá o restante da pena que lhe foi imposto no exterior, mas poderá ser condenado segundo as leis brasileiras, descontando-se o tempo que ficou preso antes de fugir, cumprirá a pena que aqui será imposta.

3.10 CONTAGEM DO PRAZO

A lei processual prevê que os seus prazos são calculados desconsiderando o dia do início e considerando o dia do vencimento (CPP, art. 798, § 1º). A lei material, por sua vez, prevê que o dia do começo se inclui no cômputo do prazo, in verbis:

Contagem de prazo

Art. 10 - O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendário comum.

Frações não computáveis da pena

Art. 11 - Desprezam-se, nas penas privativas de liberdade e nas restritivas de direitos, as frações de dia, e, na pena de multa, as frações de cruzeiro.

Os anos deverão ser contados segundo o calendário comum, ou seja, o gregoriano, considerando-se as frações do dia do início como um dia por inteiro. Assim, mesmo que o crime seja praticado às 23h30, os trinta minutos relativos ao dia do crime deverão ser considerados como um dia inteiro. Assim, se um crime é praticado em 1.1.2017, às 23h30, com imediata intervenção policial, tendo o acusado ficado preso por três horas e sido liberado mediante fiança, ficou preso por um dia, visto que foi posto em liberdade no dia seguinte ao da prisão. Mas, caso o delito e a prisão tenham ocorrido à 1h de 1.1.2017, com soltura às 23h do mesmo dia, prevalece a regra do art. 11 do CP, que manda desprezar da pena privativa de liberdade as frações de dia.

A pena restritiva de direito, em princípio, é autônoma, mas pode substituir a pena privativa de liberdade por igual período. Desse modo, é logicamente acertado o dispositivo que determina o desconto de frações de dia da pena restritiva de direito.

O CP dispõe sobre frações de cruzeiro, moeda que existiu no Brasil. Hoje, nossa moeda é o real. Diz-se que é vedada a analogia em DCrim, sendo que a extinção do cruzeiro leva a crer que está revogada a norma criminal. No entanto, esta se complementa em outra, sendo que a revogação da norma complementar não leva necessariamente à revogação da norma principal. Desse modo, se aqui a norma criminal é a principal e ela não foi revogada, cumpre-nos tão somente atualizar o preceito, segundo a norma complementar vigente. Desse modo, se hoje a moeda corrente denomina-se real, a palavra cruzeiro, contida no CP, deve ser lida como real.

Não se impõe, ou se executa multa de centavos. Esta é aplicada em valores exatos, desprezados os centavos, visto que o art. 11 do CP obriga a desconsiderar as frações de cruzeiro, hoje real. T

Alguns Juízes, equivocadamente, condenam pessoas a 90 dias de reclusão, ou a 360 dias de detenção. Em face do art. 11 do CP, o primeiro prazo corresponde a 3 meses e o segundo a 1 ano, isso porque um mês corresponde a trinta dias, independentemente da data da decisão. Com efeito, se uma prisão ocorreu no dia 2.3.1997, um mês se completou às 24h de 1.4.1997. Também, se encerrará em 1.3.03, o prazo de um mês iniciado em 2.2.02, mesmo que não tenha decorrido 30 dias, visto que se leva em consideração o dia da data, salvo nas hipóteses de condenações (ou prisões) a prazos superiores a 360 dias. Em síntese:

Ø se o Juiz condenar o acusado a 30 dias, o prazo será de um mês, levando-se em consideração “dias de data”, portanto, pode o réu ficar 28, 29, 30 ou 31 dias preso, dependendo unicamente do mês envolvido;

Ø se o Juiz condenar o réu a 364 dias, o prazo será de 1 ano e 4 dias;

Ø se o Juiz condenar qualquer pessoa a 5.000 horas, o prazo será de 6 meses e 28 dias, visto que desprezadas as frações de hora, restaram 208 dias, os quais, divididos por 30 (quantidade de dias do mês) possibilitaram o resultado mencionado.

3.11 LEGISLAÇÃO ESPECIAL

Merece crítica a classificação que trata de Direito Criminal Comum e Direito Criminal Especial, visto que o critério adotado é o processual, ou seja, é especial o DCrim que é aplicado pela Justiça especial e comum o afeto à Justiça Comum. Agora, diante da dicotomia legislação criminal comum e legislação criminal especial, mais evidente se torna a ausência de critério reinante, pois é legislação comum o Código Penal e legislação especial aquela que consta de leis criminais não inseridas no texto do Código Penal.

Pequena observação deve ser feita, a fim de auxiliar o neófito, qual seja, nem todas as leis reunidas em um Código Penal compilado por alguma editora jurídica, integram o CP, visto que somente seus artigos fazem parte do texto. As demais leis correlatas anexadas ao Código Penal, as quais variam em número e espécie (segundo o organizador do compêndio), fazem parte da denominada legislação especial.

Ante o princípio da especialidade, a lei especial afasta a lei geral, sendo que, quanto mais específica é a norma, melhor aplicável será ao caso por ela previsto. Corolário é a certeza de que as regras do CP só são aplicáveis à legislação especial se não for incompatível com ela. A lei geral não revoga a especial tacitamente, mas o fenômeno, por via inversa, em regra, se concretiza. Dissemos que a lei especial, em regra, revoga a geral, porque se um fato está previsto na lei geral como contravenção penal, por exemplo, e surge uma lei especial disciplinando a mesma matéria, restará, em princípio, afastada a lei especial, mas nem sempre. Vejamos o art. 309 da Lei n. 9.503/1997 – Código de Trânsito – que incrimina a direção sem habilitação, disciplinando a matéria do art. 32 do Decreto-lei n. 3688/1941 – LCP:

Ø LCP – “Art. 32. Dirigir, sem a devida habilitação, veículo na via pública, ou embarcação a motor em águas públicas”.

Ø CT – “Art. 309. Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida permissão para dirigir ou habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano”.

O exemplo restará melhor compreendido no segundo volume deste livro, quando tratarmos especificamente dos crimes de perigo. Não obstante, aqui é oportuno dizer que para a caracterização da contravenção basta o perigo abstrato, enquanto o crime exige o perigo concreto. Outrossim, o crime se restringe aos veículos automotores terrestres, enquanto a contravenção abrange embarcações. Em síntese, por essa concepção, resta mantido o art. 32 da LCP. Ocorre que, conforme ensina Carlos Maximiliano, havendo mudança completa de uma ordem jurídica, caso algum preceito subsista sem qualquer alteração aparente, deve-se entender revogado, uma vez que a vontade era a de criar um novo sistema jurídico.[102] Assim, como o Código de Trânsito (Lei n. 9.503/1997) modificou toda matéria que rege o trânsito de veículos automotores em vias públicas terrestres, deve-se entender revogada a contravenção de dirigir veículo automotor em vias terrestres, para o que subsiste a infração administrativa do art. 162, inciso I, de referido código.[103] A contravenção, portanto, fica reservada às embarcações a motor (LCP, art. 32, in fine).

O princípio da especialidade é importante, conforme exposto, para definirmos qual crime foi praticado. Imagine-se, por exemplo, que uma pessoa, valendo-se do cargo subtraia coisa móvel da Administração. Não teremos o crime de furto (CP, art.155), mas o de peculato (CP, art. 312), isso em face do princípio da especialidade, pelo qual a norma especial afasta a geral. Do mesmo modo, caso a mãe mate o filho logo após o parto, sob a influência do estado puerperal, será infanticídio (CP, art. 123), mas caso o pai, descontrolado emocionalmente porque não sabe como enfrentar aquela situação que complicará sua vida familiar (já que o filho é resultante de adultério e ele é líder religioso), venha a matar a criança logo após seu nascimento, será homicídio (CP, art. 121).
Destaque-se que há quem pretenda distinguir: (a) legislação criminal extravagante; (b) legislação criminal especial. A primeira seria aquela não inserida no Código penal, julgada pelo Direito Penal Comum. A legislação criminal especial seria a não inserida no Código Penal Militar ou no Código Eleitoral, mas julgadas pelas justiças criminais especializadas (militar ou eleitoral). Mas, ratifico, o Código Penal não faz tal distinção.

[1] SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 20. ed. 3. tir. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 558.

[2] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito – técnica, decisão, dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 102.

[3] CAPEZ, Fernando. Direito penal: parte geral. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 1, p. 28.

[4] KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. 3. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 86-87.

[5] Para melhor compreensão do exposto, leia-se: BOBBIO, Noberto. Dalla struttura alla funzione. Milão: Comunitá, 1977.

[6] ORDEIG, Enrique Gimbernat. Conceito e método da ciência do direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 24.

[7] FERRI, Enrico. Princípios do direito criminal. 2. ed. Campinas: Bookseller, 1998. p. 141.

[8] GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2003. p. 22.

[9] GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2003. p. 27-28.

[10] A parte primeira do Código Comercial (arts. 1º–456 da Lei nº 556, de 25.6.1850) cedeu lugar ao CC/2002. Discutia-se acerca da denominação Direito Comercial, que vinha sendo substituída pela denominação Direito Empresarial. Aquela decorria do fato de todo Código Comercial ter adotado como ponto central o ato de comércio (habitualidade, fim de lucro e intermediação). Ao nosso sentir, como os capítulos revogados constituíam a parte geral, não subsistindo praticamente nada da parte especial daquele código, prevalece a denominação Direito Empresarial.

[11] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Op. cit. p. 106.

[12] BOBBIO, Noberto. Dalla struttura alla funzione. Milão: Comunitá, 1977. passim.

[13] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 125.

[14] KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. Sobre o sistema estático de normas, escreveu: “É essencial apenas que as várias normas de qualquer sistema sejam dedutíveis da norma fundamental, assim como o particular é dedutível do geral, e que, portanto, todas as normas particulares sejam obteníveis por meio de uma operação intelectual, a saber, a inferência do particular, a partir do geral” (p. 164). E sobre o sistema dinâmico de normas: “O poder de criar normas é delegado de uma autoridade para outra autoridade... A norma fundamental de um sistema dinâmico é a regra básica de acordo com a qual devem ser criadas todas as normas do sistema” (p. 165).

[15] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 1.

[16] REALE, Miguel. Lições preliminares do direito. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 274.

[17] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 1.

[18] Ibidem. p. 2.

[19] LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 9 (nota de rodapé n. 1).

[20] Ibidem.

[21] Só a título de exemplo: BARROS, Flávio Augusto Monteiro. Direito penal: parte geral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 33.

[22] Ibidem: entende que referida espécie constitui interpretação posterior, ou seja, nova lei explicativa da que já existe. No entanto, data venia, sua visão é reducionista, uma vez que duas leis podem surgir no mesmo momento, podendo ocorrer a explicação de uma por outra, v.g., Leis n. 7.209/1984 e 7.210/1984, que foram publicadas e, após vacatio legis, tiveram início de vigência nas mesmas datas. As regras do regime fechado estão na LEP (Lei n. 7.210/1984), que explica o mencionado regime constante do CP (Lei n. 7.209/1984). O exposto permite repudiar a sinonímia entre outra lei e lei posterior, eis que, nem sempre, a outra lei será uma lei posterior.

[23] Clóvis Beviláqua. ao comenar o Código Civil que ele elaborou, pode até ter atuaado como doutrinador, mas, sendo o autor, quanto a origem, mesmo vencido, insisto que foi o autor e a interpretação foi autêntica.

[24] ZAFFARONI, Raul Eugenio, PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro – parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 77.

[25] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 47.

[26] REALE, Miguel. Lições preliminares do direito. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 284.

[27] GUERRA FILHO, Willis Santiago. A filosofica do direito: aplicada ao direito processual e à teoria da constituição. São Paulo: Atlas, 2.001. p. 97.

[28] QUEIROZ, Paulo de Souza. A hermenêutica como hoje a entendo. Florianópolis: Investidura. Disponível em: <http://www.investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/hermeneutica/665-a-hermeneutica-como-hoje-a-entendo>. Acesso em: 30.3.2017, às 1h40.

[29] Ibidem.

[30] MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Atlas, 1.997. p. 110.

[31] MARQUES, José Frederico et al. Tratado de direito penal. Campinas: Bookseller, 1997. vol. 1, p. 182.

[32] ANTOLISEI, Francesco. Manuale di diritto penale. 2. ed. Milão: Giufrè, 1949. parte geral, p.31.

[33] ASÚA, Luiz Jimez de apud MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. Campinas: Bookseller, 1997. vol. 1, p. 182.

[34] FRAGOSO, Heleno Cláudio, FRAGOSO, Fernando. Lições de direito penal. Rio de Janeiro: Forense, 1990. parte geral, p. 90.

[35] ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2.002, p. 209.

[36] JESUS, Damásio Evangelista de. Imputação objetiva. São Paulo: Saraiva, 2.000, nota do autor.

[37] FERRAJOLI, Luigi. Diritto e ragione: Teoría del Garantismo Penale. Roma: Laterza, 1990. Esta é uma obra exemplar, servindo de base para a maioria dos trabalhos de Direito Criminal desenvolvidos na atualidade.

[38] Acerca do garantismo, que tem como maior representante Luigi Ferrajori, há um artigo que, ao nosso sentir, traduz bem o pensamento do mestre (MAIA, Alexandre da. O garantismo jurídico de Luigi Ferrajoli: notas preliminares. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/553>. Acesso em: 26.6.2001, às 3h17), daí termos aproveitado parte do seu conteúdo.

[39] Crise é uma palavra que indica a idéia de fase, instabilidade repentina, momentânea. Assim, não seria correto falar em crise permanente, mas a que assola o DCrim é tão duradoura que parece constituir definitiva, a ser superada apenas pela criação de um novo Direito.

[40] Sobre o tema: SANTOS, Boaventura de Sousa: O Discurso e o Poder:-Ensaio sobre a Sociologia da Retórica Jurídica. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 84 e seguintes. Apud MAIA, Alexandre da. O garantismo jurídico de Luigi Ferrajoli: notas preliminares. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/ item/id/553>. Acesso em: 26.6.2001, às 3h17.

[41] Um exemplo do exposto foi a citação de: HABERMAS, Jürgen. A crise de legitimação no capitalismo tardio. 3. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1999. passim.

[42] FERRAZ JÚNIOR., Tércio Sampaio: Introdução ao Estudo do Direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1996. p. 85-94.

[43] FERRAJOLI, Luigi. Diritto e ragione: teoría del garantismo penale. Roma: Laterza, 1990. p. 795-799.

[44] FERRAJOLI, Luigi. Diritto e ragione: teoría del garantismo penale. Roma: Laterza, 1990. p. 891.

[45] Ibidem. p. 892.

[46] SCHELER, Max. Ética: Nuevo Ensayo de Fundamentación de un Materialismo Ético. Buenos Aires: Revista de Occidente Argentina, 1948, tomo 1, p.159-216; apud Mesmo atrasado, aceite os meus votos de parabéns e felicidades!.

[47] FERRAJOLI, Luigi. O Direito como Sistema de Garantias. In OLIVEIRA JR., José Alcebíades de (Org). O Novo em Direito e Política. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 95-97. Não esqueçamos que Kelsen não distinguiu, também, validade de legalidade, expressões que para ele, normalmente, se apresentaram como sinônimas de legitimidade.

[48] FERRAJOLI, Luigi. O Direito como Sistema de Garantias. In OLIVEIRA JR., José Alcebíades de (Org). O Novo em Direito e Política. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 84-95.

[49] MAIA, Alexandre da. O garantismo jurídico de Luigi Ferrajoli: notas preliminares. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/ item/id/553>. Acesso em: 26.6.2001, às 3h17.

[50] Nesse sentido: COSTA, PIETRO. Un modello per un‟analisi: la teoria del “garantismo” e la comprensione storico-teorica della “modernità” penalistica”. GIANFORMAGGIO, Letizia (Org.). Le regioni del garantismo – discutendo com Ferrajoli. Turim: Gianppichelli, 1993. p. 11. Observe-se que a autora se refere ao original em italiano, eis que a versão nacional, publicada pela Editora Revista dos Tribunais, em 2.002, conta com 766 páginas.

[51] GIANFORMAGGIO, Letícia. Direito e ragione tra essere e dover essere. GIANFORMAGGIO, Letizia (Org.). Le regioni del garantismo – discutendo com Ferrajoli. Turim: Gianppichelli, 1993, p. 25.

[52] Sobre o funcionalismo de Durkheim, tratamos anteriormente no primeiro capítulo desta dissertação. Aliás, ele representa o funcionalismo, enquanto que os mais recentes representam o neofuncionalismo.

[53] GIANFORMAGGIO, Letícia. Direito e ragione tra essere e dover essere. GIANFORMAGGIO, Letizia (Org.). Le regioni del garantismo – discutendo com Ferrajoli. Turim: Gianppichelli, 1993. p. 31.

[54] GUASTINI, Riccado. I fondamenti teorici e filosofici del garantismo. GIANFORMAGGIO, Letizia (Org.). Le regioni del garantismo – discutendo com Ferrajoli. Turim: Gianppichelli, 1993. p.49.

[55] GUASTINI, Riccado. I fondamenti teorici e filosofici del garantismo. GIANFORMAGGIO, Letizia (Org.). Le regioni del garantismo – discutendo com Ferrajoli. Turim: Gianppichelli, 1993. p. 53.

[56] RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. 6. ed. Coimbra: Armênio Amado. 1979. p. 97-113.

[57] FERRAJOLI, Luigi. Diritto e ragione: Teoría del Garantismo Penale. Roma: Laterza, 1990, p. 351 e seguintes.

[58] Ibidem. p. 158-159.

[59] FERRAJOLI, Luigi. Diritto e ragione: Teoría del Garantismo Penale. Roma: Laterza, 1990. p. 547.

[60] JORI, Mario. La cicala e la formica. GIANFORMAGGIO, Letizia (Org.). Le regioni del garantismo – discutendo com Ferrajoli. Turim: Gianppichelli, 1993. p. 81-91.

[61] FERRAJOLI, Luigi. Op. cit. p. 318-322.

[62] LUZZATI, Claudio. Sulla giustificazione della pena e sui conflitti normativi. GIANFORMAGGIO, Letizia (Org.). Le regioni del garantismo – discutendo com Ferrajoli. Turim: Gianppichelli, 1993, p. 120-157.

[63] PADOVANI, Tullio. Un percorso penalistico. GIANFORMAGGIO, Letizia (Org.). Le regioni del garantismo – discutendo com Ferrajoli. Turim: Gianppichelli, 1993, p. 316.

[64] FERRAJOLI, Luigi. Diritto e ragione: Teoría del Garantismo Penale. Roma: Laterza, 1990. p. 466 e seguintes.

[65] Ibidem. p. 957 e seguintes.

[66] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 495.

[67] Observe-se que não se admite a edição de medida provisória pela unidade da federação, o que constitui contradictio in terminis inadmissível.

[68] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 842.

[69] O município está sendo tratado como ente federado somente porque o art. 1º, caput, da CF assim estabelece, mas, é totalmente adequada a crítica feita por José Afonso da Silva, aduzindo que o município não tem a natureza de ente federal, mas de estadual (Curso de direito consticuional positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 474-475).

[70] O Decreto-Lei n. 4.657, de 4.9.1942, em seu art. 1º, § 2º, contém preceito semelhante ao do art. 22, parágrafo único da CF/1988. Hoje, os maiores organizadores dos códigos inserem nota no sentido de que aquele preceito foi regido pela CF/1937, não tendo mais aplicação desde a CF/1946. Tal postura decorre do disposto no art. 2º, § 3º do referido decreto-lei que estabelece que a revogação da norma revogadora não restaura a revogada, salvo se expressamente a nova lei determinar.

[71] BRASIL. STF. Pleno. RE 254.818 – PR. Rel. Sepúlveda Pertence. DJ, Seção 1, 19.12.2002, p. 81.

[72] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 366.

[73] 356 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 357-358.

[74] Ibidem. p. 135.

[75] Kelsen, Hans. Teoria geral do direito e do estado. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 86.

[76] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1.958. v. 1, t. 1, p. 95/96

[77] BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2.005. t. 1, p. 122.

[78] COSTA, Álvaro Mayrink. Direito penal: parte geral. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1.998. v. 1, t. 1, p. 318.

[79] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Manual de execução penal. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 157-158. Idem. Prescrição penal. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 120-127.

[80] Precedentes judiciais em ambos os sentidos em: FRANCO, Alberto Silva et al. Código penal e sua interpretação jurispudencial. 6. ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 1997. Vol. 1, t. 1, p. 80-81.

[81] GOMES, Luiz Flávio. Descriminalização do cloreto de etila. Disponível em: <www.estudoscriminais.com.br>. Acesso em: 15.8.2002, às 2h30.

[82] BRASIL. STJ. 5. Turma. REl. José Arnaldo da Fonseca. REsp 299.659. Julgamento de 18.02.02. DJ, 18.3.2002. p. 285. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/ 7817534/recurso-especial-resp-299659-rj-2001-0003672-4-stj>. Acesso em: 26.2.2012, às 12h25.

[83] GOMES, Luiz Flávio. Descriminalização do cloreto de etila. Disponível em: <www.estudoscriminais.com.br>. Acesso em: 15.8.2002, às 2h30.

[84] O mar territorial tem a extensão de 12 milhas marítimas (Lei n. 8.617, de 4.1.1993, art. 1º), não prevalecendo a ideia de que o território brasileiro se estende por toda Plataforma Continental (Decreto-lei n. 1.098, de 25.3.1970, art. 1º). Sobre esta, o Estado brasileiro tem privilégios quanto à exploração econômica, mas não constitui território nacional (Lei n. 8.617/1993, arts. 6º-14).

[85] JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. O tribunal penal internacional – a internacionalização do Direito Penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2.004. p. XVII-XVIII.

[86] A sequência cronológica que apresentamos tomou por base o seguinte artigo: CADERMATORI, Lindolpho. O Tribunal Penal Internacional e o unilateralismo da Doutrina Bush. www.google.com, 8.2.2004, 2h.

[87] PINHEIRO, Carla. Direito internacional e direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2.001. p. 94-105.

[88] Ibidem. p. 76-78.

[89] MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz de. O tribunal penal internacional e a constituição brasileira. MIRANDA, Nilmário et al. O que o tribunal penal internacional. www.camara.gov.br/cdh/Publicações, 20.3.2004. p. 6.

[90] JUBILUT, Liliana Lyra. Os pactos internacionais de direitos humanos. ALMEIDA, Guilherme Assis de; PERRONE-MOISÉS, Cláudia (Coord.). Direito internacional dos direitos humanos – instrumentos básicos. São Paulo: Atlas, 2.002. p. 50.

[91] SABÓIA, Gilberto Vergne. Conferência: A criação do Tribunal Penal Internacional. Diponível em: <http://www.cjf.gov.br/revista/numero11/Conferencia.htm>. Acesso em:  8.2.2004, às 2h40.

[92] FERRER, Isabel. Tribunal Penal Internacional tem indícios de que EUA cometeram crimes de guerra no Afeganistão: Promotores examinaram os fatos e cogitam pedir autorização aos juízes para iniciar um processo formal. Madrid: El País, 16.11.2016. Disponível em: <http://brasil.elpais.com/brasil/2016/11/15/ internacional/1479205978_967419.html>. Acesso em: 5.4.2017, 2h.

[93] Disponível em: <http://www.filmesdecinema.com.br/filme-risco-duplo-4385/>. Acesso em: 31.7.2011, às 21h45.

[94] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução criminal. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2.007. p. 333.

[95] ACCIOLY, Hildebrando. Manual de direito internacional público. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 89.

[96] Tal matéria ocupa o campo do Direito de Execução Criminal, daí concitarmos o leitor a verificar: MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Manual de execução penal. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 188/189.

[97] BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 1, p. 119.

[98] SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2.002. p. 418.

[99] Todo conjunto da CF levava a crer que a imunidade era apenas criminal, sendo que o art. 53, caput, dispunha: “Os Deputados e Senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos”. Hoje, depois da emenda 35/2001, a redação é: “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e criminalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.

[100] MOREIRA, Rômulo de Andrade; ROSA, Alexandre Morais da. Para (não) entender a prisão de um Senador pelo STF. ISSN 2446-7405. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/para-nao-entender-a-prisao-de-um-senador-pelo-stf-por-romulo-de-andrade-moreira-e-alexandre-morais-da-rosa/>. Acesso em: 5.4.2017, às 12h20.

[101] 2 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 8. ed. São Paulo: 2.008. p. 48.

[102] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 358: “Se a lei nova cria, sobre o mesmo assunto da anterior, um sistema completo, diferente, é claro que todo o outro sistema foi eliminado”.

[103] STF. 1ª Turma. RE 319556/MG. Rel. Sepúlveda Pertence. DJ, Seção 1, de 12.4.2002. p. 67.