quarta-feira, 26 de maio de 2010

A declaração da extinção da punibilidade não pode fazer coisa julgada material.

Conforme consta de https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200901471952&dt_publicacao=24/05/2010, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, decidindo sobre habeas corpus impetrado contra decisão que entendeu ser possível restabelecer ação condenatória em desfavor de quem foi beneficiado com a declaração da extinção da punibilidade fundamentada em certidão de óbito falsa, adotou posição que venho sustentando no meu Execução Criminal: Teoria e Prática. Há algumas edições que faço isso, o que é ratificado na última (6. ed. São Paulo: Atlas, 2.010).

Embora a decisão do STJ não tenha o rigor científico que a discussão merece, corresponde ao que sustento, no sentido de que a extinção da punibilidade constitui questão preliminar prejudicial do exame do mérito, mas não se confunde com este. Por isso, defendo a possibilidade de rever a equivocada decisão, fundamentada em certidão de óbito falsa, de homônimo etc.

Vejamos  a integra da decisão mencionada:

"HABEAS CORPUS N. 143.474 - SP (2009/0147195-2)
RELATOR : MINISTRO CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP)
IMPETRANTE : MARCELO MARTINS FERREIRA
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE : IVANILDO CANUTO SOARES
ADVOGADO : GUILHERME DE MORAIS FALEIRO E OUTRO(S)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP) (Relator): Trata-se de “habeas corpus” impetrado em benefício de Ivanildo Canuto Soares, sob alegação de coação ilegal por parte do e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Aduz o impetrante, em síntese, que o paciente está a responder processo criminal, acusado da prática do delito previsto no artigo 121, parágrafo 2º, incisos I e IV, combinado com os artigos 29; e 69, (por duas vezes), todos do Código Penal. Alega que a decisão de pronúncia deve ser anulada, porque não fora apresentada defesa em favor do paciente. O MM. Juiz deveria ter nomeado Defensor Público para apresentação da defesa, diante da omissão do advogado constituído. O e. Tribunal a quo negou provimento ao recurso em sentido estrito interposto pela defesa, confirmando a decisão de pronúncia.
Acrescenta que a decisão que cancelou a sentença declaratória da extinção da punibilidade da espécie, em relação ao paciente, sob o fundamento de falsidade do atestado de óbito, também deve ser anulada. O MM. Juiz não poderia simplesmente cancelar a decisão, pois já havia ela transitado em julgado. O cancelamento de decisão judicial transitada em julgado causa intranqüilidade social. Ademais, o paciente estava foragido e, assim, não se pode presumir ser ele o responsável pela falsidade do atestado de óbito, se tal fato foi, efetivamente, comprovado. Assevera o impetrante que não há indícios suficientes para lastrear a decisão de pronúncia, tudo levando a crer que o paciente foi acusado de ser um dos autores do delito, porque, no passado, se envolvera com entorpecentes. Pleiteia o impetrante a concessão da ordem, para que seja o paciente despronunciado (f. 2 a 28).
O Ministério Público Federal opinou pelo conhecimento parcial da impetração e, na parte conhecida, pela denegação da ordem (f. 156 a 164). Esse o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP) (Relator): Depreende-se da leitura da r. sentença de pronúncia, a fls. 83/92, que o defensor constituído do paciente fora devidamente intimado a se manifestar, deixando, no entanto, transcorrer “in albis” o prazo assinado para tanto.
Em primeiro lugar, anoto que a falta de apresentação de alegações finais não causou nenhum prejuízo ao paciente, tanto que, no recurso em sentido estrito por ele interposto, nenhuma referência fez quanto a tal matéria. Ademais, é usual que a defesa não queira adiantar suas teses. Estratégia que, evidentemente, longe de viciar o processo, favorece o réu. Mas, se a questão não foi analisada pelo Tribunal Estadual, não cabe a esta Corte Superior dela conhecer e analisar, sob pena de indevida supressão de instância. Confiram-se:
'HABEAS CORPUS. AGRAVO REGIMENTAL. CRIME HEDIONDO. PROGRESSÃO DE REGIME. INDEFERIMENTO. IRRESIGNAÇÃO NÃO MANIFESTADA PERANTE O TRIBUNAL DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. OCORRÊNCIA. PETIÇÃO INICIAL INDEFERIDA LIMINARMENTE. AGRAVO IMPROVIDO.
1. Não obstante o Tribunal de origem tenha mantido o regime integralmente fechado fixado na sentença condenatória, o constrangimento ilegal suportado pelo paciente emana de ato proferido por juízo de primeira instância que indeferiu pedido de progressão de regime, matéria que não foi tratada pelo Tribunal de origem.
2. Agravo regimental improvido.'
(AgRg no HC 68281 / SP, relatora Maria Thereza de Assis Moura, j. em 9.10.2007).
'HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. EXCESSO DE PRAZO. QUESTÃO NÃO ANALISADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO CONHECIMENTO.
1. Não se pode conhecer da alegação de constrangimento ilegal decorrente do excesso de prazo na formação da culpa quando a suposta demora processual não foi objeto de análise pela Corte a quo, sob pena de indevida supressão de instância.
(...)
(HC 100094 / PA, relator Ministro Jorge Mussi, j. em 21.8.2008).'
Ressalto que, estivesse caracterizada a nulidade absoluta, que pode ser reconhecida a qualquer tempo e grau de jurisdição, ficaria afastado o óbice da supressão de instância, mas tal não ocorreu, pelo que não conheço da impetração, nesta parte.
Com referência à alegada nulidade da decisão que anulou a r. sentença que reconhecera extinta a punibilidade da espécie, quando ao paciente, não assiste razão à defesa. O v. acórdão hostilizado, com relação ao assunto, enfatizou que:
'Não há no caso, como se falar em existência de coisa julgada impeditiva do prosseguimento da ação penal. Colhe-se da anterior decisão que a extinção da punibilidade foi decretada com base em certidão de óbito que posteriormente se constatou ser falsa.
Diz o artigo 107, I, do Código Penal que se extingue a punibilidade do agente pela sua morte. Evidentemente, se ele não morreu, não há como se falar que a decisão que declarou a extinção, com base em documentoinidôneo, a extinção de sua punibilidade seria imutável.
O que extingue a punibilidade é a morte do agente e não a certificação de sua morte. Conquanto o Código de Processo Penal em seu artigo 62 exija a certidão de óbito como documento autorizador da extinção da punibilidade, há que se entender que a decisão proferida exclusivamente à vista de tal documento, tendo em vista a facilidade que existe para falsificações e a ocorrência de homônimos, tem que ser tida como rebus sic stantibus.E à evidência, demonstrado que o réu está vivo e que a certidão não se refere a ele ou é falsa, o juiz pode e deve determinar o prosseguimento da ação penal, porque a anterior decisão de extinção deixa de produzir qualquer efeito tanto no campo processual como no direito material'.
O entendimento do e. Tribunal impetrado está em consonância com o entendimento jurisprudencial. A propósito:
'Penal. Processual Pena. Habeas corpus. Extinção da punibilidade amparada em certidão de óbito falsa. Decreto que determina o desarquivamento da ação penal. Inocorrência de revisão pro societate e de ofensa à coisa julgada. Fundamentação. Art. 93, IX, da CF.
I. A decisão que, com base em certidão de óbito falsa, julga extinta a punibilidade do réu e pode ser revogada, dado que não gera coisa julgada em sentido estrito.
II. Nos colegiados, os votos que acompanham o posicionamento do relator, sem tecer novas considerações, entendem-se terem adotado a mesma fundamentação.
III. Acórdão devidamente fundamentado.
IV. H.C. indeferido.'
(Habeas corpus n. 84.525-8/MG, relator Min. Carlos Velloso, j. em 16/11/2004).
Em julgados anteriores, o Supremo Tribunal Federal já decidira que a decisão que julga extinta a punibilidade do agente, com base em certidão de óbito falsa, não faz coisa julgada material. Confiram-se:
'Ementa: Habeas corpus. Processo Crime.
1. Revogação de despacho que julgou extinta a punibilidade do réu, à vista de atestado de óbito baseado em registro comprovadamente falso: sua admissibilidade, vez que referido despacho, além de não fazer coisa julgada em sentido estrito, fundou-se exclusivamente em fato juridicamente inexistente, não produzindo quaisquer efeitos.
2. Condenação do réu, no mesmo processo, por outro crime, fundado em fato novo, posterior ao que deu causa a ação penal, mediante simples aditamento da denúncia; impossibilidade, mormente quando não foram observados os trâmites regulares exigidos para validade do processo, com evidente cerceamento de defesa.
Habeas corpus deferido em parte, para se decretar a nulidade do processo quanto ao segundo crime' (DJ de 29.9.1978).
“Ementa: Habeas corpus. Extinção da punibilidade. Morte do agente. Equívoco da decisão. O desfazimento da decisão que, admitindo por equívoco a morte do agente, declarou extinta a punibilidade, não constitui ofensa à coisa julgada. Habeas corpus indeferido.' (DJ de 17.12.82).
É verdade que a Constituição Federal protege a coisa julgada, mas, no caso concreto, a formalidade não pode ser levada a ponto de tornar imutável uma decisão baseada em uma falsidade. O agente não pode ser beneficiado por sua própria torpeza, nem o Poder Judiciário deve prestigiá-la. Daí a razão pela qual, excepcionalmente, cabe a flexibilização da coisa julgada. Assim, correta a decisão das cortes ordinárias, quanto à retomada do processo.
Finalmente, quanto à negativas de autoria e insuficiência de indícios para a pronúncia, são questões que exigem exame acurado do conjunto probatório, defeso em tema de 'habeas corpus'. Ilustrativamente:
'PENAL – PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO – PRISÃO PREVENTIVA – REVOGAÇÃO – AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA – ESTREITA VIA DO WRIT – CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL – GARANTIA DE APLICAÇÃO DA LEI PENAL – AUSÊNCIA DE QUALQUER MOTIVAÇÃO – OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS – RESGUARDO DA ORDEM PÚBLICA – AGENTE QUE, EM TESE, ESPANCOU O ENTEADO ATÉ A MORTE – MODUS OPERANDI QUE EVIDENCIA SUA PERICULOSIDADE – ACUSADA QUE POSSUI OUTROS TRÊS FILHOS MENORES – INCONVENIÊNCIA DE MANTÊ-LA EM CONTATO – MANUTENÇÃO DA CUSTÓDIA – NULIDADE – FALTA DE INTIMAÇÃO DA DEFESA PARA A RECONSTITUIÇÃO DO CRIME – PROVA NÃO PRODUZIDA, MAS APENAS O LEVANTAMENTO DO LOCAL DOS FATOS – DILIGÊNCIA QUE DEVE SER FEITA LOGO APÓS O CRIME – INQUÉRITO POLICIAL QUE NÃO SE PAUTA PELO CONTRADITÓRIO – ORDEM DENEGADA.
1. A estreita via do habeas corpus, carente de dilação probatória, não comporta o exame de questões que demandem o profundo revolvimento do conjunto fático-probatório colhido nos autos do inquérito policial instaurado contra a paciente, assim como da ação penal que o seguiu. Precedentes.
2. Evidenciando-se que a tese de negativa de autoria demanda o aprofundado exame de provas, porquanto não demonstrada cabal e inequivocamente pelos elementos de convicção colacionados aos autos, além de que já foi, inclusive, prolatada decisão de pronúncia pelo Juízo singular, mostra-se inviável seu acolhimento por meio da via eleita.
3. A simples menção aos pressupostos da prisão preventiva, desacompanhados de sua respectiva fundamentação com base nos fatores concretos do processo, viola frontalmente a garantia constitucional de necessidade de motivação das decisões judiciais, insculpida no inciso IX do artigo 93 da Constituição da República. Precedentes.
4. A concreta periculosidade da agente, revelada pelo modus operandi com que teria supostamente agido, porquanto teria, em tese, espancado o próprio enteado até a morte, é suficiente para motivar a necessidade da manutenção de sua prisão preventiva, a bem do resguardo da ordem pública, notadamente em função da existência de outros três filhos menores. Precedentes.
5. Unicamente as supostas primariedade, bons antecedentes, residência fixa e ocupação lícita da paciente, ainda que comprovados estivessem, não são aptos a garantir-lhe a revogação da prisão preventiva, notadamente quando presentes os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal no caso concreto. Precedentes.
6. O levantamento do local dos fatos, diligência que em nada se confunde com a reconstituição do delito, independe de prévia intimação da defesa.
7. Ordem denegada.'
(HC 107763 / SP, relatora Ministra Jane Silva. Desembargadora convocada do TJ/MG, j. em 28.8.2008).
'HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA MANTIDA EM SEDE DE RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. MERA ALEGAÇÃO DE INOCÊNCIA. NECESSIDADE DE EXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA.
1. Acolher a tese defensiva de falta de justa causa para a ação penal porque não houve animus necandi, mas, sim, um disparo acidental contra a vítima, demanda minucioso exame do conjunto fático e probatório, inviável, na via exígua do habeas corpus.
2. Na fase de pronúncia serão admitidas todas as acusações que tenham ao menos probabilidade de procedência, a teor do disposto no art. 408 do Código de Processo Penal, não se fazendo necessário um juízo de certeza, mas que o Juiz se convença da existência do crime e de indícios suficientes de autoria. Precedentes.
3. Habeas corpus denegado.'
(HC 80660 / SP, relatora Ministra Laurita Vaz, j. em 1.9.2009).
Não é demais relembrar que, para a pronúncia, bastam os indícios de autoria e prova da materialidade. Ao E. Tribunal Popular caberá analisar, em profundidade, as teses apresentadas pela defesa. Não se divisa, pois, coação ilegal a ser sanada por esta Corte Superior.
Em face do exposto, conheço em parte da impetração e, na parte conhecida, denego a ordem."


Foi o servidor do DNIT Leandro quem me alertou sobre tal decisão, o que me levou a divulgá-la porque, embora entendendo que ela poderia ser um pouco mais científica, concordo com o resultado.

2 comentários:

Anônimo disse...

fui sua aluna no ceub... gostaria de saber qual sua posição acerta do art 33 paragrafo 2o da lei 11343/06 no que diz respeito a consumçao. desde ja agradeco a atencao
ana paula

Sidio Rosa de Mesquita Júnior disse...

Nos meus "Comentários à Lei Antidrogas: Lei b. 11.343" São Paulo: Atlas, 2.007), de 23.8.2006, afirmo ser o delito plurissubsistente e, portanto, admitir tentativa (p. 85).