domingo, 31 de dezembro de 2017

Resenha, com opiniões pessoais, da "Carta Sobre a Felicidade (a Meneceu)", de Epicuro

1. Introdução[1]
1.1 Cronologia de Epicuro[2]
Epicuro (341 a 270 a.C.), nasceu na Ilha de Samos, mas ostentava a cidadania ateniense, herdada do pai. Dos 14 aos 18 anos foi aluno de Pânfilo, filósofo platônico. Em 323 a.C., transferiu-se para Atenas para cumprir 2 anos de serviço militar obrigatório aos homens jovens. Ali encontrou Menandro, futuro dramaturgo, de quem se tornou amigo e, também, grandes filósofos, dentre eles Teofrasto, sucessor de Aristóteles no Liceu, e Xenócrates, diretor da academia.
O sucessor de Alexandre Magno decidiu, em 322 a.C., expulsar todos os colonos Atenienses da ilha de Samos, com isso todos os familiares de Epicuro foram desterrados para Cólofon, costa asiática, onde ele foi viver. Perto dali, em Teos, passou a acompanhar as lições de Nausífanes, atomista que iniciou Demócrito, mas que empreendeu e criou sua própria escola em Cólofon.
Em 311-310 a.C. Epicuro tentou, sem sucesso, criar uma escola, em Mitilene, ilha de Lesbos, isso devido à relutância dos aristotélicos que ali imperavam. Então, ele se mudou para Lâmpsaco, nos Dardanelos, onde criou sua escola, mas com forte oposição dos platônicos. Ali encontrou os amigos que o acompanharam por toda vida: Hermarco, Colotes, Metrodoro, Pítocles e Heródoto.
As três cartas mais célebres de Epicuro, que expressam o seu pensamento, foram dirigidas aos dois últimos e a Ameceu. Mais tarde, em 306 a.C. se transferiu para Atenas, onde adquiriu ampla casa nos arredores da cidade e instalou sua escola, logo conhecida como o “Jardim de Epicuro”, onde seguidores passaram a residir em tendas.
Após a sua morte, Hermarco o sucedeu na direção da escola.
1.2 A doutrina de Epicuro[3]
A carta sobre a felicidade é esclarecedora para evitar confusões entre o epicurismo e o hedonismo puro e simples.[4] O epicurismo não confunde com a busca pelo gozo imoderado dos prazeres mundanos. Entre os mestres e discípulos do Jardim de Epicuro prevalecia o fervor de uma vida quase ascética,[5] comendo hortaliças (eles próprios cultivavam), pão e tomando água. Nas ocasiões especiais, acresciam queijo.
Alguns afirmam que Epicuro é uma imitação superficial de Demócrito,[6] este um original e profundo filósofo. Foi Karl Marx (1818-1883) quem primeiro tentou corrigir esse equívoco, isso em 1841, na sua tese de doutorado A relação entre a filosofia de Epicuro e a de Demócrito,[7] enunciando:
Segundo Marx a teoria atômica de Demócrito, que se distingue primeiramente pela crença universal na lei de causa e efeito, aplica-se indistintamente tanto ao mundo da natureza quanto ao homem. Portanto, Demócrito, do ponto de vista filosófico, pode ser imediatamente considerado determinista ou fatalista. Quanto a Epicuro, se é verdade que aceitava a teoria de Demócrito, na parte referente à constituição e ao comportamento da matéria, por outro lado, repelia veementemente o determinismo e o fatalismo. Mais uma vez, essa rejeição aparece explícita na nossa Carta sobre a felicidade, quando se diz “mais vale aceitar o mito dos deuses do que ser escravo do destino dos naturalistas”. Com efeito, na sua descrição do átomo, Epicuro não deixa de preservar a vontade humana e a liberdade individual, incluindo em seu sistema a sociedade e a consciência moral. Hoje parece haver dúvida de que esses outros aspectos tiveram influência decisiva no próprio pensamento marxista.[8]
Epicuro, por mais que tenha sido criticado, sobreviveu ao tempo, encontrando em Lucrécio, Sêneca e Cícero os seus seguidores mais ilustres tardios.
1.3 A carta sobre a felicidade
As três cartas mais famosas de Epicuro são: (a) a Heródoto, sobre física atômica; (b) a Pítocles, acerca de fenômenos celestes; (c) a Meneceu, mais conhecida como Carta sobre a felicidade, tem em vista a conduta humana tendente a alcançar a saúde de espírito.
Descreve-se o roteiro da carta, da seguinte maneira: (I) exortação à filosofia, cuja meta é tornar o homem feliz; (II) tópicos que considera essenciais à felicidade, a partir na crença na existência de deuses; (III) o enfrentamento da morte, pois de nada adiantará viver eternamente. O importante é a qualidade da vida, não a sua duração; (IV) sobre as modalidades dos desejos e a necessidade imperiosa de controlá-los; (V) não acreditar cegamente no destino e na sorte.
2. Carta sobre a felicidade (a Meneceu)[9]
Antes de ler a carta, eu já afirmava o que nela está contido:
Que ninguém hesite em se dedicar à filosofia enquanto jovem, nem se canse de fazê-lo depois de velho, porque ninguém jamais é demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito. Quem afirma que a hora de dedicar-se à filosofia ainda não chegou, ou que já passou, é como se dissesse que ainda não chegou ou que já passou a hora de ser feliz.[10]
Devo aqui, então, destacar que Epicuro é muito pretencioso ao afirmar que Meneceu deve praticar e cultivar os seus ensinamentos porque são essenciais a uma vida feliz.[11] Digo isso porque sabemos que a felicidade é relativa. Entendo que o conhecimento é caminho para a felicidade, mas aquilo que me faz feliz, a muitos poderá desagradar.
Diz ser essencial a crença nos deuses e que eles de fato existem. Mas, é interessante o que afirma: “Ímpio não é o que rejeita os deuses em que a maioria crê, mas sim quem atribui aos deuses os falsos juízos dessa maioria. Com efeito, os juízos do povo a respeito dos deuses não se baseiam em noções inatas, mas em opiniões falsas”.[12] Entendo que as maiores falsidades que criamos em termos dos deuses são as que tendem à dominação. Caso exista um deus, em nossa percepção judáico-cristã, não poderá ser explicado e compreendido por seres finitos, uma vez que é infinito. Aliás, nós sequer nos compreendemos...
Era um epicurista antes de ler a sua carta, visto que sempre defendi que só existe o passado. Com efeito, só há o que está na nossa imaginação, aquilo que percebemos e só percebemos algo, no tempo, um pouco depois que o momento passou. É nesse sentido que Epicuro coloca a morte como algo sem sentido porque o que interessa ao homem é a sensação e a morte nos priva dela.[13] É interessante notar que em Eclesiastes 9:10 consta:
Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque na sepultura, para onde tu vais, não há obra nem projeto, nem conhecimento, nem sabedoria alguma.
Atribui-se o momento cronológico em que o livro de Eclesiastes foi escrito, bem antes da vida de Epicuro. Sempre que utilizo esse conhecimento para aproximar a cultura judaica à grega. Mas, é uma evolução, sem dúvida, o que Epicuro afirma: “É tolo, portanto, quem diz que tem medo da morte, não porque a chegada dela lhe trará sofrimento, mas porque aflige a própria espera: aquilo que não nos perturba quando presente não deveria afligir-nos enquanto está sendo esperado”.[14]
A morte, na visão de Epicuro é um nada, por isso “O sábio não desdenha viver, nem teme deixar de viver; para ele, viver não é um fardo e não viver não é um mal”.[15] O importante não é o conforto, mas o viver honestamente e morrer honestamente.
Em Epicuro, é tolo aquele que diz que seria melhor não ter nascido, pois é livre para fazê-lo se realmente deseja a morte; mas se o faz por brincadeira é frívolo por brincar com aquilo que não admite brincadeira. Aqui emerge um complicador porque o suicídio pode ser uma expressão de covardia, uma ausência de coragem de enfrentar problemas, ou uma coragem extrema de se livrar do problema, ainda que seja com a própria morte. Ocorre que, acima de tudo, o suicídio representará, em regra, um ataque aos ascendentes, especialmente aos pais, evidenciando um fracasso naquilo que eles – normalmente – mais buscaram: propiciar a felicidade dos seus descendentes.
O “futuro não é totalmente nosso, nem totalmente não nosso”. Vivo exatamente isso que Epicuro afirma, entre determinismo e livre-arbítrio. Daí a importância do controle sobre os desejos.
Interessante notar que “só sentimos necessidade do prazer quando sofremos pela sua ausência; ao contrário, quando não sofremos, essa necessidade não se faz sentir”. Mas, o importante é:
Embora o prazer seja o nosso bem primeiro e inato, nem por isso escolhemos qualquer prazer: há ocasiões que evitamos muitos prazeres, quando deles nos advêm o mais das vezes desagradáveis; ao passo que consideramos muitos sofrimentos preferíveis aos prazeres, se um prazer maior advier depois de suportarmos essas dores por muito tempo... Convém, portanto, avaliar todos os prazeres e sofrimentos de acordo com o critério dos benefícios e dos danos.[16]
Há isso em toda Psicologia freudiana, em que devemos conseguir controlar os nossos desejos. E, Epicuro afirma: “tudo que é natural é fácil de conseguir; difícil é tudo que é inútil”.[17] Hoje, o difícil será suportar os desejos que as propagandas visam a nos convencer de “necessidades” inúteis.
Epicuro defende as virtudes da vida simples, o que é complexo no momento em que a sociedade se adaptou ao consumismo, à necessidade de exposição e projeção social, especialmente com baixo nível intelectual, como é o caso da brasileira. Surge, então, o ponto central do pensamento epicurista:
Quando então dizemos que o fim último é o prazer, não nos referimos aos prazeres dos intemperantes ou aos que consistem no gozo dos sentidos, como acreditam certas pessoas que ignoram o nosso pensamento, ou não concordam com ele, ou interpretam erroneamente, mas ao prazer que é ausência de sofrimentos físicos e de perturbações da alma. Não são, pois, bebidas, nem banquetes contínuos, nem a posse de mulheres e rapazes, nem o sabor dos peixes ou de outras iguarias de uma mesa farta que tornam doce a vida, mas um exame cuidadoso que investigue as causas de toda escolha e de toda rejeição e que remova as opiniões falsas em virtude das quais uma imensa perturbação toma conta dos espíritos. De todas essas coisas, a prudência é o princípio e o supremo bem, razão pela qual ela é mais preciosa do que a própria filosofia; é dela que originaram todas as demais virtudes; é ela que nos ensina que não existe vida feliz sem prudência, beleza e justiça, e que não existe prudência, beleza e justiça sem felicidade. Porque as virtudes estão intimamente ligadas à felicidade, e a felicidade inseparável delas.[18]
Em 30.12.2017, às 23h55, em um programa de televisão, um cantor, Nego do Borel, disse ser referência para a sua comunidade porque conquistou seus sonhos e uma pessoa será do tamanho dos seus sonhos. Essa ideia de poder, ao contrário, do enunciado, deve ser contida porque muitos furtam, praticam latrocínio (roubo com morte) etc. porque se frustram por terem desejos de poder não alcançados. Em Epicuro, fama e poder são inúteis ao homem.
Concluo essa resenha, repleta de opiniões pessoais em um momento complicado da minha vida. Terminando um ano com a esperança de que, especialmente os meus filhos, tenham um pouco daquela vontade que tenho de agir hoje de forma que amanhã não venham a se envergonhar das condutas de hoje.
O erro é natural ao humano, mas devemos evitar erros graves que venham a nos envergonhar por toda vida. Também, sempre será momento para tentar estabelecer um novo dia em que amanhã poderemos nos orgulhar dele. Quanto mais fizermos isso, mais estaremos preparados para uma maturidade feliz!




[1] LORENCINI, Álvaro; CARRATORE, Enzo Del. Introdução. In EPICURO. Carta sobre a felicidade (a Meneceu). São Paulo: Unesp, 2002.
[2] Ibidem. p. 5-9.
[3] Ibidem. p. 9-13.
[4] Em vernáculo (Do grego hedone), hedonismo é substantivo masculino. Antigo sistema filosófico que estabelecia o prazer como o objetivo principal de vida.
[5] Em vernáculo, ascético decorre de asceta, que significa pessoa que se entrega aos exercícios espirituais e à penitência.
[6] Demócrito de Abdera, o filósofo que ri (460-370 a.C.), considerado normalmente pré-socrático, mas foi contemporâneo de Sócrates (esclareça-se que o renomado Sócrates, ao meu sentir, é um personagem platônico). Demócrito foi discípulo e depois sucessor de Leucipo de Mileto, tendo sistematizado o pensamento e a teoria atomista, que tudo que existe é formado por elementos indivisíveis (átomos).
[7] Parece-me que houve um equívoco na tradução, visto que o título correto da tese é: Diferenças da filosofia da natureza em Demócrito e Epicuro.
[8] LORENCINI, Álvaro; CARRATORE, Enzo Del. Introdução. In EPICURO. Carta sobre a felicidade (a Meneceu). São Paulo: Unesp, 2002. p. 12-13.
[9] EPICURO. Carta sobre a felicidade (a Meneceu). São Paulo: Unesp, 2002. p. 12-13. p. 19-51.
[10] Ibidem. p. 21.
[11] Ibidem. p. 23.
[12] Ibidem. p. 25.
[13] Ibidem. p. 27.
[14] Ibidem. p. 29.
[15] Ibidem. p. 31.
[16] Ibidem. p. 39.
[17] Ibidem p. 41.
[18] Ibidem. p. 45.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Filho de pais divorciados pode mudar o nome de genitor em seu registro civil

Tratarei aqui de uma experiência particular como algo útil ao conhecimento geral: FILHOS DE PAIS DIVORCIADOS NÃO PRECISAM MANTER O NOME (DE CASADO) DO GENITOR NO REGISTRO CIVIL, O QUE PODE SER FEITO ADMINISTRATIVAMENTE.
Eu namorava uma mulher quando ela engravidou. Antes do casamento, em 8.6.1991, nasceu a minha primeira filha. Depois, na constância do casamento, nasceu um filho, isso em 7.10.1994.
Ao me divorciar da mãe, ela voltou a usar o nome de solteira. Então, em 2007, o meu filho promoveu ação para modificação do nome da mãe no seu registro civil, obtendo êxito perante o Juízo da Vara de Registro Públicos e Precatórias do Distrito Federal. O Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (MPDFT) apelou e o Tribunal Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) manteve a decisão recorrida. Então, o MPDFT interpôs o Recurso Especial n. 1033294/DF (2008/0036688-5), ao Superior Tribunal de Justiça, quando o Ministro Massami Uyeda, monocraticamente, decidiu:
RECURSO ESPECIAL - REGISTROS PÚBLICOS - ALTERAÇÃO DO NOME DE UM DOS CÔNJUGES EM RAZÃO DE SEPARAÇÃO OU DIVÓRCIO - RETIFICAÇÃO DO ASSENTO DE NASCIMENTO DE FILHOS - ADMISSIBILIDADE - RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.
1. A alteração do nome de um dos pais, que - em virtude de separação ou divórcio - volta a usar o seu nome anterior ao casamento, pode ser averbada no assento de nascimento dos filhos.
2. Recurso especial a que se nega seguimento.
DECISÃO:
Cuida-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS com fundamento no art. 105, III, alínea "a", da Constituição Federal.
O aresto a quo foi assim ementado:
"RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO. ALTERAÇÃO DO NOME DA MÃE. DIVÓRCIO.
I - É admissível a retificação do registro de nascimento do filho para a alteração do nome de sua mãe se, depois do divórcio, essa passou a adotar o nome de solteira.
II - Apelação desprovida. Unânime."
Busca o recorrente a reforma do v. acórdão, apontando, em síntese, ofensa aos arts. 39, 40, 54, 7º, 109 da Lei n. 6.015/1973 e 3º, parágrafo único, da Lei n. 8.560/1992.
O Ministério Público Federal oficiou pelo improvimento do recurso especial (f. 93-95).
É o relatório.
O inconformismo não merece prosperar.
Com efeito.
A alteração do nome de um dos pais, que - em virtude de separação ou divórcio - volta a usar o seu nome anterior ao casamento, pode ser averbada no assento de nascimento dos filhos. Nesse sentido, confira-se:
"RETIFICAÇÃO. REGISTRO. NASCIMENTO. Trata-se de matéria inédita entre os julgamentos deste Superior Tribunal, em que menor, representada por sua mãe, pretende a retificação de seu registro de nascimento para acrescentar o patronímico de sua genitora, omisso na certidão, além de averbar a alteração para o nome de solteira da sua mãe, que voltou a usá-lo após a separação judicial e é grafado muito diferente daquele de casada, tudo no intuito de facilitar a identificação da criança no meio social e familiar. O pai da menor não se opôs, mas o MP recorreu quanto à averbação do nome da mãe concedida pelas instâncias ordinárias, uma vez que o registro de nascimento deve refletir a realidade da ocasião do parto, o que impediria tal averbação nos termos das Leis ns. 6.015/1973 e 8.560/1992. A Min. Relatora observou que, no caso dos autos, conforme comprovado nas instâncias de 1º e 2º grau, há a situação constrangedora de mãe e filha terem que portar cópia da certidão de casamento com a respectiva averbação para comprovarem a veracidade dos nomes na certidão de nascimento, bem como não existe prejuízo para terceiros, o que afastaria o pleito do MP. Os interesses da criança estariam acima do rigorismo dos registros públicos por força do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ademais, essa é a solução mais harmoniosa e humanizada. Com essas considerações, entre outras, a Turma não conheceu do recurso do MP."
(Informativo de jurisprudência n. 381, período de 15 e 19 de dezembro de 2008. REsp 1.069.864-DF, 3ª Turma, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 18/12/2008).
Nega-se, pois, seguimento ao recurso especial.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 09 de fevereiro de 2009.[1]
A minha filha também quis que o nome da mãe, em seus documentos, voltasse a ser o nome de solteira. Estranhei que ela tivesse retirado nova certidão de nascimento com o nome da mãe de casada, visto que quando ela nasceu a mãe era solteira. Ocorre que tinha ocorrido legitimação e o cartório se recusou a retornar ao status quo ante. Ela promoveu ação para alteração do nome da mãe no seu registro civil e o Juiz da Vara de Registro Públicos do Distrito Federal decidiu que ela deveria provar o interesse de agir, in verbis:
Justifique o interesse processual, uma vez que o art. 245, § 1º, do Provimento Geral da Corregedoria Aplicado aos Serviços Notariais e de Registro, autoriza a averbação nos registros civis dos descendentes, independentemente de autorização judicial, da alteração do nome do ascendente, decorrente de decisão judicial, de adoção ou de reconhecimento de paternidade e de maternidade.
Requeri a certidão de nascimento da minha filha, administrativamente, e a consegui, agora com o nome de solteira da mãe, o que evitará complicações administrativas em alguns casos. Isso me levou a, representando processualmente a minha filha, desistir da ação judicial, uma vez que ela não tinha mais interesse de agir. Também, fui impulsionado a esclarecer aqui para ajudar pessoas.




[1] BRASIL. STJ. Recurso Especial n. 1.033.294-DF. Rel. Massami Uyeda. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=MON&sequencial=4695288&num_registro=200800366885&data=20090220&formato=PDF>. Acesso em: 4.11.2017, às 16h.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Maturidade, decepções nas relações humanas e felicidade...

O que devo conceber por maturidade?
Volto à minha velha visão sobre a felicidade, perguntando-me se a maturidade, decorrente do amadurecimento pela idade, é propiciadora de felicidade ou frustração.
Freud indicava 3 sérias objeções a considerar o homem como destinado à felicidade, a saber: (1ª) a felicidade é frágil, tépida, visto que logo as razões de outrora cederão lugar às novas razões de felicidade, o que nos levará à constante busca por ela; (2ª) o nosso destino certo é terrível, visto que é a morte. Digo mais, uma morte natural só pode nos definhar, nos mostrar a involução para chegarmos ao seu ponto máximo – à ela, a morte; (3ª) a que mais nos frustrará, a decorrente das relações humanas, visto que será onde mais nos decepcionaremos.
O porquê de estar refletindo sobre isso agora é exatamente a frustração nas relações humanas, pois confiar em pessoas, lutar por amigos, pode levar às mais diversas decepções, sendo que a maturidade parece só servir para cada dia desconfiar mais das pessoas e, talvez, levar à autoneutralização para manter uma aparência entediante.[1]
A vida nos apresenta diversas pessoas, em muitas confiamos e sempre veremos nelas aspectos que nos decepcionarão. Porém, a maturidade parece nos ensinar a sermos naturalmente partidários do estoicismo, a sermos relutantes aos impulsos, aos arroubos de felicidade, a viver uma vida diversa da que vivemos, buscando sempre viver uma vida que sabemos dever ser vivida.
Fui muito passional nos últimos dias, em defesa de amigos, e, na infidelidade ao estoicismo, perdi a serenidade, foi quando falhei. Espero poder reparar os danos que causei e crescer a cada experiência, sendo que as recentes me trazem a profunda reflexão sobre a importância da serenidade para alcançarmos um nível de (in)felicidade média e, portanto, tolerável. Isso não importa em afirmar que podemos desistir da felicidade, mas devermos ser serenos para mantermos padrões aceitáveis de vida.




[1] FREUD, Sigmund. O mau-estar na cultura. Porto Alegre: L&PM, 2010. p. 35.

terça-feira, 15 de agosto de 2017

Não existe autonomia absoluta de "servidor público"! Membro do MP também tem que respeitar a autoridade do cargo de pessoas que estão em planos estratégicos superiores.

O móvel da sucinta manifestação é uma preocupação que me assola nos últimos anos, em face dos excessos que vislumbro, especialmente no tocante à crítica que Procurador da República faz à Procuradora-Geral da República nomeada, Dr.ª Raquel Dodge.

Não podemos conceber a independência e a autonomia institucional do Membro do Ministério Público dissociada da unidade e da indivisibilidade. Por isso, não se pode, no afã de fazer prevalecer absurdos consolidados na prática processual da Operação Lava Jato, desde as ilegais conduções coercitivas de acusados, pressionar a atuação do órgão de nível gerencial estratégico máximo da instituição, Ministério Público da União, lançando afirmações lacônicas e de cunho pessoal para os meios de comunicação de massa e, com isso, intimidar a futura Procuradora-Geral da República, já nomeada para o cargo.

Raquel Dodge encontrou-se com o Excelentíssimo Presidente a República Michel Temer sem que houvesse formal agendamento da visita ao Palácio do Jaburu. No entanto, seria pueril a crença de que tal encontro não seria vazado pelos meios de comunicação de massa e, portanto, é crível a tese de que a urgência e a exiguidade de tempo geraram tal situação, mas sem a busca de manter o sigilo.

O que me preocupa é que o Membro do MP não tenha em vista a interdependência harmônica entre os poderes, sendo que Hely Lopes Meirelles, citando Duguit, advertia para o fato de que "o princípio do poder hierárquico domina todo o Direito Administrativo e deveria ser aplicado, ainda mesmo que nenhum texto legal o consagrasse", o que é mantido pelos atualizadores (MEIRELLES, Hely Lopes et al. Direito administrativo brasileiro. 35. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 123).

Não se olvide que a natureza jurídica do Ministério Público é executiva e que, mesmo os Poderes Legislativo e Judiciário têm atividades executivas atípicas, nas quais o poder hierárquico se manifestará presente, sendo, portanto, descabida a crítica pública que menciono.

domingo, 13 de agosto de 2017

Crime, delito e contravenção

Publiquei um artigo no qual tratei da classificação dos crimes. Numa das revistas eletrônicas em que ele foi publicado, fiz o seguinte comentário:
Cometi um equívoco neste artigo (item 4.3.12), a saber: Na França, os crimes vão ao júri; os delitos aos tribunais correcionais; e as contravenções aos tribunais administrativos (de Polícia).
Tomei por base: GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1956. v. 1, t. 1, p. 198.
Mas, TODO MUNDO ERRA, TODO MUNDO UM DIA IRÁ ERRAR. (Grupo Revelação, Velocidade da Luz).
Ao Editor do Conteúdo Jurídico, solicitei pessoalmente a correção, visto que ali também está publicado.[1] Na minha página, também, corrigi.[2] Basileu Garcia trata da matéria em 3 páginas, sendo que induz a maioria a aceitar a sinonímia entre crime e delito.
A maioria dos autores afirma que a palavra crime é sinônima da palavra delito. Vejo de modo diverso porque essa mesma maioria vê que as fontes do direito subjetivo são: a lei, o contrato e o delito. A palavra delito nessa acepção é tomada em sentido amplo, podendo ser ele criminal, administrativo, civil trabalhista etc. Assim, em matéria criminal, verifico legalmente três espécies de delito legalmente instituídas: (a) crime; (b) contravenção; (c) de menor potencial ofensivo, que é o abrangido pelo art. 61 da Lei n. 9.099, de 26.9.1995, quais sejam: todas a contravenções e os crimes cujas penas máximas cominadas sejam iguais ou inferiores a 2 anos.
Ratifico que a palavra delito, ao meu sentir, é um gênero que admite diversas modalidades de violações ao Direito, considerando reducionista a perspectiva de a tratar a palavra sinônima de crime.


[1] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Uma rápida apreciação da Parte Especial do Código Penal: classificação dos crimes. Brasília: Conteúdo Juridico, 19.3.2013. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.42533>. Acesso em: 11.8.2017, às 23h40.
[2] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Uma rápida apreciação da Parte Especial do Código Penal: classificação dos crimes. Brasilia: Estudos Jurídicos e Filosóficos. 7.8.2017. Disponível em: <http://www.sidiojunior.com.br/media/1086/classificacaodoscrimes.pdf>. Acesso em: 13.8.2017, às 10h.

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Estou denunciado por injúria e calúnia!

A pedido de uma aluna, defendi um borracheiro em atuação pro bono. Ele estava preso, busquei, sem sucesso, a sua liberdade, até que veio o dia da audiência de instrução e julgamento, data em que insisti no pedido de soltura, mas o Juiz de Direito só determinou a sua soltura 38 dias depois, quando publicou a sentença absolutória por insuficiência de provas.

Subscrevi apelação em que se requereu: (a) modificação da fundamentação da absolvição, da insuficiência de provas para não ter sido o apelante o autor dos fatos; (b) declaração da abusividade da prisão, desde a data da audiência de instrução, que também era para ser de julgamento, mas o Juiz alegou acúmulo de audiências, razão de não ter decido naquele dia.

Fui duro nas razões do apelo e o Juiz se sentiu ofendido em sua honra, representando criminalmente. Surpreso, esclareci ao Juízo a ausência de animus injuriandi vel difamandi, mas ele despachou simplesmente:
- NADA A PROVER.

O Ministério Público, por seu representante, ofereceu denúncia contra a minha pessoa e espero que ela não seja recebida. Caso seja, terei que me defender, mas lamentando que se viole o direito de opinião. Aliás, fico pensando sobre os efeitos práticos de eventual recebimento da denúncia e o direito de impetrar habeas corpus se ele terá por fundamento ilegalidade ou abuso de poder. Cometerei novos crimes de calúnia se dizer que o recebimento da denúncia é abusivo?

É certo que a imunidade do Advogado é absoluta, salvo se evidente o desejo de violar a honra do julgador ou Membro do Ministério Público. Mas, será que uma defesa séria e combativa será motivo para acusação do Advogado por crimes contra a honra?

sexta-feira, 14 de abril de 2017

Desejo a todos, sem simbolismos religiosos, que a páscoa represente felicidade!

Nesse momento em que muitos ocidentais comemoram a páscoa, gostaria de relembrar que a sua origem está dentre os judeus da antiguidade, muito antes da existência do Jesus Cristo histórico que se pretende defender.
Primeiramente devemos observar que o ano judaico se iniciava em março, e o último mês fevereiro, menor e variável para não criar problemas. Daí em nosso idioma ficar esquisito termos os meses de setembro, outubro, novembro e dezembro, respectivamente como, os meses nove, dez, onze e doze. Ora, como [sete]mbro é nove e... [dez]embro é doze?
Entre os judeus, a páscoa, remonta a saída do Egito. Não digo que seria propriamente uma fuga porque Yafe teria enviado 10 pragas, dentre elas, teria matado todos os primogênitos daqueles que não tivessem fé e não tivessem tingido os umbrais das suas portas com sangue de cordeiro (Êxodo, Caps. 6-12.).
A tese de Joseph Atwill, no sentido de que a figura Jesus Cristo é uma farsa criada pela aristocracia romana para controlar as massas e, ao longo da história, só tem causado danos à humanidade, é notória. De qualquer modo, a única referência ao tal Jesus histórico seria de Flavo Josefo, que teria escrito:
772. Nesse mesmo tempo, apareceu JESUS, que era um homem sábio, se é que podemos considerá-lo simplesmente um homem, tão admiráveis eram as suas obras. Ele ensinava os que tinham prazer em ser instruídos na verdade e foi seguido não somente por muito judeus, mas também por muitos gentios. Ele era o CRISTO. Os mais ilustres dentre os de nossa nação acusaram-no perante Pilatos, e este ordenou que o crucificassem. Os que o haviam amado durante a sua vida não o abandonaram depois da morte. Ele lhes apareceu ressuscitado e vivo no terceiro dia, como os santos profetas haviam predito, dizendo também que ele faria muitos outros milagres. É dele que os cristãos, os quais vemos ainda hoje, tiraram o seu nome.[1]
Muitos acreditam que essa referência foi enxertada durante a idade média, considerando oportuno o que escrevi alhures:
Cristo nasceu entre os anos 7 e 4 a.C., mas muitos negam a sua existência histórica, até porque Flávio Josefo, o único historiador antigo que teria se referido a ele, nasceu aproximadamente 5 anos após a sua morte e os escritos do Novo Testamento, na maioria, não decorrem de discípulos, mas de apóstolos. Ademais, as poucas linhas do livro de Flávio Josefo (Guerras Judaicas) que se referem a Cristo foram, comprovadamente, alteradas/enxertadas por líderes religiosos da Idade Média.[2]
Hoje, não paira dúvida de que os evangelhos são posteriores às cartas e que, possivelmente, possam ter enxertado, durante a Idade Média, algumas falsas perspectivas dos criadores do cristianismo naquilo que conhecemos como Novo Testamento. Afirmo que o cristianismo era para ser incompatível com o judaísmo, mas Paulo, com a sua genialidade, acabou compatibilizando o que seria impossível de se ajustar para a coexistência. De todo modo, Erasmo de Rotterdã já havia criticado a conjugação de judaismo e cristianismo, vendo inconsistências nela. Também, criticou práticas cristãs e de seus sacerdotes.[3]
Sem pretender me valer aqui de qualquer estratagema preconizado por Schopenhauer para vencer um debate sem precisar ter razão, especialmente do último, dos desesperados,[4] que é atacar o opositor, devo alertar para o fato de que crer em Flavo Josefo é complicado, eis que ele foi preso com toda a tropa que comandava e foi o único que não foi executado.
De toda forma, com André Comte-Sponville afirmo que se a páscoa lhe trouxer felicidade, um momento de felicidade atual, não para a vida seguinte, deve ser vivida intensamente,[5] eis que devemos buscar a nossa felicidade para hoje, não para o amanhã. Assim, mesmo não crendo no simbolismo da ressurreição, espero que todas as páscoas sejam de felicidade!




[1] JOSEFO, Flavo. História dos hebreus. www.ebooksgospel.com.br. Disponbível em: <https://docs.google.com/file/d/0Bzh9viT4NH21YmtGRndfZ1h3eTg/edit>. Acesso em: 14.4.2017, às 8h40.
[2] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Principais paradigmas do pensamento jurídico. Teresina: Revista Jus Navigandi, ano 20, n. 4241, 10.2.2015. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/36218>. Acesso em: 31.1.2017, às 23h25.
[3] ROTTERDAM, Erasmo. ROTTERDAM, Erasmo. Elogio da loucura. São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 81-83.
[4] SCHOPENHAUER, Arthur. Como vencer um debate sem precisar ter razão: em 38 estratagemas. Rio de Janeiro: Topbooks, 1.987. passim.
[5] CONTE-SPONVILLE, André. A felicidade desesperadamente. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

sexta-feira, 17 de março de 2017

Ameaça espiritual é crime?



Passo a tratar aqui de uma inusitada decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso Especial n. 1.299.021, divulgada no dia 9.3.2017. Tal decisão chegou até a minha pessoa por postagem de uma amiga, Susana Bruno,[1] que diz professar a fé segundo os ditames do candomblé. Curiosamente, foi considerada extorsão a ameaça de fazer trabalhos contra “cliente” que se negou a reforçar os “trabalhos” inicialmente pactuados. Veja-se a informação do STJ:

Ameaça espiritual serve para configurar crime de extorsão
Em decisão unânime, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou que a ameaça de emprego de forças espirituais para constranger alguém a entregar dinheiro é apta a caracterizar o crime de extorsão, ainda que não tenha havido violência física ou outro tipo de ameaça.

Com esse entendimento, seguindo o voto do relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, a turma negou provimento ao recurso de uma mulher condenada por extorsão e estelionato.

O caso aconteceu em São Paulo. De acordo com o processo, a vítima contratou os serviços da acusada para realizar trabalhos espirituais de cura. A ré teria induzido a vítima a erro e, por meio de atos de curandeirismo, obtido vantagens financeiras de mais de R$ 15 mil.

Tempos depois, quando a vítima passou a se recusar a dar mais dinheiro, a mulher teria começado a ameaçá-la. De acordo com a denúncia, ela pediu R$ 32 mil para desfazer “alguma coisa enterrada no cemitério” contra seus filhos.

Extorsão
A ré foi condenada a seis anos e 24 dias de reclusão, em regime semiaberto. No STJ, a defesa pediu sua absolvição ou a desclassificação das condutas para o crime de curandeirismo, ou ainda a redução da pena e a mudança do regime prisional.

Segundo a defesa, não houve qualquer tipo de grave ameaça ou uso de violência que pudesse caracterizar o crime de extorsão. Tudo não teria passado de algo fantasioso, sem implicar mal grave “apto a intimidar o homem médio”.

Para o ministro Rogerio Schietti, no entanto, os fatos narrados no acórdão são suficientes para configurar o crime do artigo 158 do Código Penal.

“A ameaça de mal espiritual, em razão da garantia de liberdade religiosa, não pode ser considerada inidônea ou inacreditável. Para a vítima e boa parte do povo brasileiro, existe a crença na existência de forças sobrenaturais, manifestada em doutrinas e rituais próprios, não havendo falar que são fantasiosas e que nenhuma força possuem para constranger o homem médio. Os meios empregados foram idôneos, tanto que ensejaram a intimidação da vítima, a consumação e o exaurimento da extorsão”, disse o ministro.

Curandeirismo
Em relação à desclassificação das condutas para o crime de curandeirismo, previsto no artigo 284 do Código Penal,o ministro destacou o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo de que a intenção da acusada era, na verdade, enganar a vítima e não curá-la de alguma doença.

“No curandeirismo, o agente acredita que, com suas fórmulas, poderá resolver problema de saúde da vítima, finalidade não evidenciada na hipótese, em que ficou comprovado, no decorrer da instrução, o objetivo da recorrente de obter vantagem ilícita, de lesar o patrimônio da vítima, ganância não interrompida nem sequer mediante requerimento expresso de interrupção das atividades”, explicou Schietti.

Pena mantida
O redimensionamento da pena também foi negado pelo relator. Schietti entendeu acertada a decisão do tribunal paulista de considerar na dosimetria da pena a exploração da fragilidade da vítima e os prejuízos psicológicos causados.

Foi determinada, ainda, a execução imediata da pena, por aplicação do entendimento do Supremo Tribunal Federal de que seu cumprimento pode se dar logo após a condenação em órgão colegiado na segunda instância.[2]
Provocado, entendi que não era o caso de existir ameaça, essencial para concretização, na espécie, tendo assim exposto:

"Ameaçar alguém (...) de mal injusto grave" (CP, art. 147). Trata-se de crime formal, bastando que potencialmente seja capaz de afetar a liberdade da vítima. Sinceramente... considero excesso de rigor porque, fora as crendices, a macumba não tem potencial ofensivo à liberdade individual. Só não como e bebo as oferendas porque não creio na higiene de quem as "abandona"! O PIOR É O RELATOR "GARANTISTA" ENTENDER SER EXTORSÃO: CP, art. 158: "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica,..." Não vejo, a ameaça!
O garantismo, de Luigi Ferrajoli, é um modelo de estrita legalidade.[3] A ameaça é crime formal, mas exige o “mal injusto e grave”. Daí eu ter exposto na mesma rede social:

O problema é que a potencialidade lesiva da ameaça não deve ser observada sob a ótica da crendice psicótica de quem tem uma fé exagerada em milagres, mas segundo |o homem médio. Como examinamos a potencialidade lesiva da ameaça?
O "mal injusto" (ilícito ou imoral) se realizaria com a anuência e pela força das entidades espirituais?

E o mal "grave" seria "sério" ou "verossímil"? Eu não vejo a ameaça porque não vejo a possibilidade do "mal injusto e grave" por ação humana.
Não conheço o candomblé, mas não acredito que as pessoas dominem as entidades que incorporam. Ao contrário, a “entidades” incorporadas teriam o controle. Desse modo, sob a ótica do Direito Criminal, não existiria conduta humana capaz de ensejar crime, eis que a ameaça, em nome de entidades espirituais, não seria adequada, por duas razões:

(1ª) a “entidade” espiritual não estaria sob o controle do homem, sendo contrário à lógica e ao conhecimento teológico, admitir qualquer crendice sem suporte de razoabilidade;

(2ª) o candomblé é uma “seita” ou “religião” tendente ao mal?

Suas “entidades”, especialmente os “Exus”, não podem ser pré-concebidas como más ou maus, senão toda religiosidade estará sufragada pelo preconceito da maldade.

Crime é fato decorrente de conduta humana. Com isso, embora a hipótese concreta evidencie vítima que crê na possibilidade de serem os Exus maus, na ameaça, como evidencia crime formal, seria incapaz de amedrontar o homem médio e, portanto, não seria ameaça.

São requisitos da ameaça, ser o ato: que gera mal injusto; idôneo – o que não vejo na ameaça espiritual; sério, quando ao homem médio, a utilização de “entidades” para o mal parecerá “animus jocandi”; verossímil, sendo que a hipótese parece ser semelhante à da pessoa comum que venha a dizer que irá lançar bomba atômica sobre a casa da vítima; e iminente – ora, como poder determinar a vontade da “entidade”?

O exposto me permite estranhar a decisão, eis que o relator do recurso noticiado se diz garantista, quando a decisão foge da legalidade estrita e o STJ adota posição inusitada, à qual, nesse momento, me recuso a me submeter ideologicamente, ao menos até melhor amadurecimento das análises.

[1] Disponível em: <https://www.facebook.com/susana.bruno.35/posts/1286938901344034? comment_id=1288013034569954&reply_comment_id=1288545474516710&notif_t=mentions_comment&notif_id=1489612119724968>. Acesso em:
[2] BRASIL. STJ. Notícias. Recurso Especial n. 1.299.021. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Amea%C3%A7a-espiritual-serve-para-configurar-crime-de-extors%C3%A3o>. Acesso em: 16.3.2017, às 18h41.
[3] GIANFORMAGGIO, Letícia. Direito e ragione tra essere e dover essere. GIANFORMAGGIO, Letizia (Org.). Le regioni del garantismo: discutendo com Ferrajoli. Turim: Gianppichelli, 1993. p. 25.