domingo, 11 de janeiro de 2009

Procurador Federal ingressa com ação contra a Revista "Rio for Partiers" (Rio para Forasteiros).

O Procurador Federal Marco Di Túlio promoveu ação tendente à obrigação de fazer e reparação de danos pela utilização da marca "Brasil", em nome da Embratur, contra a Editora Solcat, a qual publica a revista "Rio para Forasteiros", sendo que uma amiga, Isabela Torres, perguntou-me sobre eventual prática de crime e entendi oportuno tornar pública minha posição sobre o assunto.

A mensagem eletrônica que a Isabela me mandou continha o seguinte trecho:

"Às fls. 113 da referida publicação (documento IV), procede a editora Ré à classificação da mulher brasileira, indicando quatro grupos a que podem pertencer: 'Britney Spears', 'Popozuda', 'Hippie/Raver' e 'Balzac'.

A respeito da classificação das mulheres brasileiras no estereótipo indicado como 'Britney Spears', o Memorando em anexo (documentos I e II) traz a seguinte tradução para o texto: 'São as filhinhas de papai, se vestem como a Britney Spears, são maravilhosas, mas não deixam ninguém cantá-las. Por quê? Porque elas têm uma longa lista de servidores esperando por elas da sua antiga escola/universidade, dos filhos dos amigos dos seus pais, etc. Elas têm o direito de ser metidas. Pode esquecê-las a menos que seja apresentado a uma.'

As 'Popozudas', por seu turno, são indicadas como: 'Máquina de sexo bunduda. Elas malham, usam calças apertadas enfiadas na bunda, pintam o cabelo de loiro e se esforçam ao máximo para aparecer. Bom para você investir seu tempo porque o motel é sempre uma possibilidade com essas maravilhas... se você estiver disposto.'

As 'Balzac': "Quer se divertir, dançar, beber e beijar. Trate-as como uma dama que elas te tratarão como um rei, talvez não hoje à noite, mas amanhã com certeza.' Por fim, as 'Hippie/Raver': 'A hippie e raver - festas rave. São garotas divertidas, fáceis de se aproximar, fáceis de conversar, difíceis de beijar, fáceis de ir para a balada.'

Outra prática nefasta realizada pela Ré consiste na indicação de locais para os turistas que buscam sexo na cidade do Rio de Janeiro. Às fls. 82 do exemplar (documento IV), encontra-se o seguinte texto (com a tradução constante dos documentos I e II): 'Bailes de carnaval: são festas ao ar-livre com atividades de semi-orgias (não tem sexo em público, mas é garantido quando você traz ele/ela de volta)... Alguns bailes estão cheios de prostitutas, enquanto a maioria tem pessoas comuns.'

No que se refere à mulher brasileira, a publicação (fls. 112) incita a prática da exploração sexual:

'A maioria dessas mulheres ainda vive com os pais, porque o Rio é uma cidade perigosa para uma garota viver sozinha. Isso quer dizer que você não será convidado para ir à sua casa. Você vai, no entanto, conseguir beijá-la em trinta minutos conversando com elas, às vezes muito mais rápido do que isso. Se as coisas forem muito bem e a química entre vocês funcionar, você pode levá-las para um motel para uma sessão de duas horas (veja nossa lista de motéis na pág. 104. Mas só um lembrete: beijá-las não garante que você vai dormir com elas, como é comum na Europa e EUA. Você pode estar beijando uma beijoqueira.'

Na mesma página da publicação encontram-se as seguintes informações:

'Se você se encontrar tendo uma conversa significante com uma garota brasileira, seu próximo passo é naturalmente trepar/transar. Já que não tem nenhum lugar apropriado no Rio, como becos bonitinhos, parques ou praias seguras, sua melhor aposta é levá-la para seu hotel (se a recepção não tiver citado nenhuma restrição contra isso) ou levá-la para um motel. Já que você vai estar provavelmente se deslocando de táxi, o procedimento é falar ao taxista qual o motel que você quer ir enquanto ela estiver entrando no carro. Desse jeito ela não vai ficar com vergonha. Um bom motel para memorizar é o Motel VIP´s'."

A maioria dos problemas de uma sociedade complexa tem solução metajurídica. Pior é pretender imiscuir o Direito Criminal nesse assunto porque é sabido que a situação narrada é verdadeira, sendo que importaria em pretender fazer prevalecer cegueria proposital à prostituição que grassa no País, a qual pode ser obtida facilmente em qualquer cidade de médio ou grande porte do Brasil.

Os crimes só podem ser praticados por pessoas físicas. Embora parte da doutrina brasileira, bem como a jurisprudência, tenha se orientado no sentido de que a prática de crime ambiental por pessoa jurídica seja possível, entendo que a teoria do crime é incompatível com qualquer construção nesse sentido.

Crime é fato típico, ilícito culpável, sendo que a conduta é a ação ou a omissão humana, socialmente reprovável e dominada ou dominável pela vontade que gera o resultado jurídico-criminal. Destarte, a pessoa jurídica não é capaz de praticar conduta jurídico-criminal.

A pessoa jurídica também não pode praticar fato culpável porque a culpabilidade importa em imputabilidade, potencial consciência da ilicitude, exigibilidade de conduta conforme o Direito (teoria normativa, decorrente de Welzel) e dolo ou negligência (o elemento subjetivo, ou normativo, conforme o caso, será exigível se optarmos pela teoria psicológica-normativa da culpabilidade, a qual prefito). Sendo a pessoa jurídica uma ficção do Direito, é incapaz de dominar sua vontade, razão de necessitar de representante legal. Assim, quem pode praticar crime é o representante da pessoa jurídica.

Proponho, pois, a interpretação restritiva do art. 225, § 3º, da Constituição Federal, pela qual a pessoa jurídica será responsabilizada civilmente e administrativamente pelos danos causados ao meio ambiente, enquanto seu representante legal poderá ser responsabilizado criminalmente.

Nos crimes contra a honra, a pessoa jurídica não pode ser autora de crime. De outro modo, a calúnia admite a exceção da verdade e a difamação a exceção de notoriedade. Não é o caso de calúnia porque a Revista não apresenta fatos que consituiriam crimes de mulheres brasileiras.

Impossível é a difamação porque não há imputação de fato específico e, mais ainda, é notória a ocorrência do que a revista narra. Então, emerge a possibilidade de indagar sobre a ocorrência de injúria, a qual não exige que imputação seja falsa, ou qualidade específica. O crime do art. 140 do Código Penal (injúria) não está caracterizado porque não há vítima específica.

Não vejo sequer a prática do crime do art. 17 da Lei n. 5.250, de 9.2.1967 (Lei de Imprensa) pela prática, visto que o tipo é: "ofender a moral pública e os bons costumes".

A revista relata situação corrente que evidencia a moral estabelecida na cidade do Rio de Janeiro. Em consulta ao sistema mundial de computadores, inseri em www.google.com.br a seguinte pesquisa: "rio de janeiro" "sexo" "mulher" "nua" "foto". O resultado foi de 20.400 páginas eletrônicas que contenham todas as palavras (acesso em 11.1.2009, às 11h49). Interessante notar que dentre os resultados apresentados, muitos com páginas de pesquisa de prostituição, consta a informação de atriz com "tapa-sexo" de tamanho total de 4 cm, dentre outros casos de notória exposição pública do sexo no Rio de Janeiro.

A prostituição se classifica pelo pagamento para obter favores sexuais, sendo que as matérias não indicam isso ou qualquer intermediação ao sexo, até porque, assim como no suicídio, prostituir-se não constituirá crime, mas participar (induzindo, instigando ou auxiliando) à prostituição (ou do suicídio) alheia constituirá delito contra os costumes.

Considero oportuna a ação judicial, a fim de tentar criar movimento que, de forma metafísica, contribua para o estabelecimento de uma moral em que as pessoas sejam livres, mas sem se subjugarem ao domínio econômico de estrangeiros. Com isso, quiçá, melhoraremos o nível econômico, cultural e social dos nossos turistas.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

INTERNAÇÕES PREVISTAS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

A Lei n. 10.216, de 6.4.2001, dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Ela estabelece:
“Art. 6o A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.
Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:
I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;
II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e
III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça”.
A internação é tratamento e deve ser excepcional, só sendo admissível quando as medidas extra-hospitalares não se mostrarem suficientes (Lei n. 10.216/2001, art. 4º). Por isso, é necessário modificar a cultura judicial, construída no sentido de pretender uma patética legalidade que determina a internação sempre que o fato definido como crime concretizado tiver pena cominada de reclusão (CP, art. 97, caput).
O doente mental incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de se conduzir conforme seu próprio entendimento pode praticar fato típico e ilícito, mas não é imputável. Por isso, faltar-lhe-á culpabilidade, razão de não poder praticar crime. Destarte, estará sujeito à medida de segurança e não à pena.
A ocorrência do crime é condição objetiva de punibilidade. Consequentemente, entendo que a medida de segurança não tem o aspecto de sanção, mas de medida administrativa decorrente do poder de polícia estatal. É desumano pretender ver na medida de segurança certa espécie de sanção a ser imposta ao doente mental.
O CP exige que a internação se dê em local com características hospitalares (art. 99), bem como a Lei n. 10.216/2001 tem especial preocupação com a preservação da dignidade humana, o que não se verifica na prática. Desse modo, a maioria das ilegalidades exercidas na execução das medidas de segurança são praticadas com a chancela judicial e com manifestações favoráveis do Ministério Público.
Como a internação, na prática, constitui espécie de prisão ilegal, pode ser atacada por meio de habeas corpus, a fim de resgatar a liberdade atingida por um nevasto sistema estatal que não se prepara para respeitar direitos fundamentais dos nossos doentes mentais.
É admitida a internação provisória, a ser determinada pela justiça criminal (CPP, art. 152, § 1º). Todavia, é oportuna a lição de Maurício Kuehne: “Parece-nos, contudo, que os requisitos da medida de segurança em caráter provisório devam ser os mesmos que ensejam a decretação da custódia cautelar”.[1]
O condenado que apresentar sintomas de doença mental, antes do Juiz da Execução decidir sobre o incidente de conversão da pena em medida de segurança, poderá transferi-lo provisoriamente para manicômio judicial, mas a conversão da pena em medida de segurança não admitirá reversão da situação, isso em face da adoção do sistema vicariante.[2]
A Lei n. 11.343, de 23.8.2006, não inova significativamente em relação ao sistema vicariante (ou da substituição). Ela prevê a absolvição do inimputável com imposição de medida de segurança, no caso de dependência (art. 45). No entanto, tratando-se de sentenciado semi-imputável, o Juiz não poderá substituir a pena por medida de segurança, não sendo aplicável o art. 98 do CP, porque o art. 46 prevê unicamente a imposição de pena reduzida. E, mesmo estando previsto o tratamento compulsório no art. 47 da Lei n. 11.343/2006, sustento que não foi adotado o sistema do duplo-binário, mas assistência à saúde[3].
Outra internação possível é a do adolescente. A criança e o adolescente são inimputáveis (CF, art. 228 e CP, art. 27). Estes não praticam crimes, mas atos infracionais (Lei n. 8.069, de 13.7.1990, art. 103), estando as crianças sujeitas unicamente às medidas protetivas do art. 101 da Lei n. 8.069/1990.
Ao adolescente é possível impor as medidas sócio-educativas do art. 112 da Lei n. 8.069/1990. Dentre elas surge a internação, a qual terá prazo máximo de 3 anos (art. 121, § 3º). Outrossim, é possível a internação provisória, pelo prazo máximo de 45 dias (art. 108).
A internação não pode ter o aspecto de sanção, mas de medida que pretende atender aos necessários fins sócio-educativos da medida. De outro modo, a medida protetiva deve ser vista como atividade estatal para proteção da criança. E, finalmente, o doente mental terá direito a tratamento.
Há um sério equívoco na prática forense. Observe-se que a CF dispõe:
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
(...)
§ 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:
(...)
V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade”.
O grande problema do Brasil é anterior ao criminal, sendo que não se respeita nada. A prática é a de internar provisoriamente todo adolescente que concretizar ato infracional grave. Não se examina adequadamente os maléficos reflexos da medida e já se lança o adolescente em uma prisão para menores, como se estivessem fazendo um bem para alguém que está na peculiar situação de pessoa em desenvolvimento.
O tratamento reeducativo não pode estar presente na Lei n. 8.069/1990, visto que ela se volta às pessoas que ainda não foram educadas. Por isso, é necessário atentar para as peculiaridades do aspecto educativo da medida, colocando os adolescentes em locais apropriados. Todavia, o que se vê é o absurdo de determinar o recolhimento de uma adolescente de 15 anos em uma cela em que estavam presos vários homens.
É notório o caso da menina que foi presa em Abaetetuba, Estado do Pará, fato alardeado pela imprensa no mês de novembro de 2.007. Concluiu-se depois que a adolescente tinha problemas mentais, agravados pelas violências sexuais que sofreu no cárcere para obter alimentação.
A proteção ao doente mental é constitucional (CF, art. 227, § 1º, inc. II), sendo que a Lei n. 8069/1990 faz referência expressa ao adolescente doente mental, o qual deve ser colocado em local adequado (art. 112, § 3º). Normalmente, o que há é a violação aos direitos fundamentais dos adolescentes e doentes mentais, ao determinar suas internações em locais que sabem não atenderem ao previsto na Constituição Federal e todo ordenamento jurídico pátrio.
Não vejo a sentença que absolve o réu e impõe medida de segurança como absolutória imprópria porque não vejo a medida de segurança como sanção. O mesmo posso dizer da sentença que determina a adoção de medida protetiva ou medida sócio-educativa. Aliás, concordo com Paulo Vasconcelos Jacobina, no sentido que há um descompasso entre o CP, a LEP e a Lei n. 10.216/2001, bem como a solução não deveria estar no âmbito da Justiça Criminal.[4]

[1] KUEHNE, Maurício. Lei de execução penal anotada. 5. ed. (ano 2.005). Curitiba: Juruá, 2.007. p. 464.
[2] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução... Op. cit. p. 183-185.
[3] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Comentários... Op. cit. p. 118-125.
[4] JACOBINA, Paulo Vasconcelos. Direito penal da loucura: medida de segurança e reforma psiquiátrica. Brasília: Boletim dos Procuradores da República n. 70, ano VI, Abr 2.006, p. 16-21. Disponível em: http://www.anpr.org.br/portal/files/boletim_70.pdf. Acesso em: 14.9.2009, às 23h55.
Texto que constitui parte de: MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Internação e prisão provisórias: naturezas . Teresina: Jus Navigandi, ano 12, n. 1906, 19 set. 2008. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11742. Acesso em: 06 jan. 2009, às 22h20.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Furto perpetrado com a utilização da rede de computadores.

Durante uma palestra, realizada em Teresina, Estado Piaí, no dia 15.11.2008, tive o prazer de conhecer o Magitrado Euler Jansen. Ele evidenciou sua paixão pela informática e, então, recordando-me dele, passei a pensar no crime de furto praticado por meio da rede mundial de computadores.

Aquele que encaminha mensagem fraudulenta, a fim de obter dados pessoais e acessar conta bancária para retirar valores dali pratica furto mediante fraude (CP, art. 155, § 4º, inc. II). O mesmo dispositivo será aplicável no caso de agente que seja empregado da instituição financeira ou ainda de autor com conhecimento técnico especial e dele venha a se valer para adentrar nos dados da instituição financeira e fazer a retirada valores, em face da destreza.

Os valores, em regra, são particularmente baixos, mas o somatório dos clientes da instituição financeira gera vultosos valores. Desse modo, caso fosse considerado cada dano particularizado, em regra, poder-se-ia aplicar o princípio da insignificância. No entanto, como a instituição deve reparar o dano de cada cliente afetado, tem-se proposto a criação de um tipo autônomo para tais condutas, as quais teriam penas muito maiores.

Por enquanto, a solução jurídica possível é negar a aplicação do princípio da insignificância, aplicando-se a regra do concurso formal (CP, art. 70), não parecendo razoável aplicar a regra do concurso formal imperfeito, pela qual cada furto resultará em pena autônoma (art. 70, caput, in fine). Sugiro, então, a aplicação - embora seja mais técnico o concurso formal imperfeito - aplicar a regra do concurso formal ideal, ou seja, a pena de um dos crimes será exasperada de até 1/2 (art. 70, caput, primeira parte), devendo o Juiz analisar prudentemente as circunstâncias judiciais, fazendo preponderar as conseqüências do crime, isso em relação ao vulto do dano, visto que pode afetar, inclusive, a ordem econômica pelo repasse, pela instituição financeira, do dano aos seus clientes.

Sobre a criação de novo tipo (nova definição legal de crime), tenho por desnecessário, até porque não creio que a solução jurídico-criminal seja a melhor. Destarte, proponho soluções meta-jurídicas e, ainda que jurídicas, preponderantemente preventivas, administrativas e civis, deixando a solução criminal para ultima ratio. Talvez assim, consiguiremos nos aproximar do garantismo proposto por Luig Ferrajoli.