quinta-feira, 30 de novembro de 2023

A sustentação oral no agravo interno

 1. Introdução

O estudo que será desenvolvido tem suscitado diversos questionamentos e foi inserido na lei em um momento complicado, tendo a iniciativa partido de um político contaminado por valores ditatoriais, eis que o pai do parlamentar que propôs a lei é filho de um político que construiu toda sua trajetória durante a ditadura militar e foi o último Ministro da Justiça dos governos militares da ditadura militar.

Estamos vivendo um momento em que a democracia vem sendo duramente atacada, no qual crescem os movimentos tendentes a desmoralizarem o Poder Judiciário, seguimentos do Poder Legislativo e toda “política de esquerda”.

A Lei n. 8.906, de 4.7.1994 (Estatuto da Advocacia), no atual contexto, contou com proposta de alteração de iniciativa do Deputado Federal Paulo Abi-Akel (PSDB-MG), apresentado no 26.1.2020, sob o seguinte argumento:

tudo com o objetivo de adequá-lo às novas exigências do mercado e aos novos tempos, reforçando o feixe de prerrogativas agrupadas sob o epíteto “inviolabilidade do advogado”, que a Constituição Federal e o próprio Estatuto assegura a esses profissionais, sempre com vistas a proteger a sociedade civil de ações arbitrárias que possam ser perpetradas pelo Estado.[1]

Advogados travam uma luta para terem efetiva equiparação a Membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, sendo que o projeto surgiu em um momento que se difundia o ódio contra instituições constituídas, especialmente, Poder Judiciário. Então, em um discurso de proteção à classe dos Advogados, aduzindo ser ou aumento das garantias à categoria um instrumento para defesa da coletividade.[2]

2. O alarde momentâneo

Não pode ser democrático pretender destruir a Corte Constitucional de um Estado. No entanto, os ataques a ela e seus Ministros só têm crescido. Isso não representa democracia, especialmente quando os ataques se concretizam em projetos de lei e projetos de emenda à Constituição.

O Ministro Alexandre de Moraes, pessoa que não tem o mínimo do meu apreço, recebeu o duro mister de conduzir o inquérito judicial instaurado para apurar atentados contra o STF, os fatos iniciais trouxeram muitos desdobramentos e o tal Ministro conduziu com muita coragem a investigação, o que resultou em muitas críticas de uma minoria da população. Minoria, mas muito barulhenta.

Tudo piorou porque repetimos os ataques trumpistas ao Capitólio, fizemos arruaças e praticamos crimes.[3] Entendo que o STF está exagerando nas condenações, aplicando penas por crimes inconciliáveis e errando na aplicação dos critérios do Código Penal que a norteiam.[4] Isso não nos dá, por si mesmas, razões para destruir o regime democrático de direito. Recorramos das decisões, resgatemos direitos, uma vez que destruir a democracia não é a solução adequada para o que estamos enfrentando.

3. O ponto central: norma processual e norma procedimental

Em apertada síntese, poderia afirmar que norma processual é aquela que que estabelece os direitos e os deveres dos sujeitos processuais, enquanto a norma procedimental informa o ato processual em si. No entanto, o STF já deixou muito claro ser essa uma distinção complicada.[5]

Entendo que a nova lei não tem poder de alterar o regimento interno, visto que o agravo interno nada mais é do que o agravo regimental, quem o regula é o regimento não a lei processual geral. Muitos Advogados não lerão o presente e, mesmo assim, o texto e o criticarão.

A distinção entre norma processual e norma procedimental é algo complicado. De todo modo, não podemos nos olvidar que a modificação do Estatuto da OAB se deu em um momento em que há notória crise entre os Poderes Legislativo e Judiciário e oportunistas querem se valer disso para se autopromoverem.

Não podemos nos olvidar que parte de parlamentares que se elegeram a partir de movimentos trumpistas de suposta direita recentemente subiram em palanques para bradarem contra o Ministro Alexandre de Moraes,[6] aquele que é relator dos processos criminais que estão resultando em condenações daqueles que participaram de atos antidemocráticos

3.1 Defesa de democracia em tempos de crise

Não tenho vontade de ser Juiz, ocupar algum “quinto”, razão de ser isento o suficiente para defender a Democracia, a qual exigirá, no mínimo, 3 poderes. O grande problema é aquilo que venho advertindo desde 2015, pouco depois da deflagração da operação lavajato, fazendo um paralelo com aquilo exposto pelo ex-Juiz Federal Sérgio Fernando Moro acerca da operação “mani pulite”[7] e as suas péssimas consequências na Itália, eis que ali o parlamento adotou uma série de medidas que fortaleceu a corrupção, ao contrário do seu combate.[8] E, conforme demonstrei, é em nome da defesa da sociedade que surgiu a alteração da Lei n. 8.906/1994, o que se deu pela edição da Lei n. 14.365, de 2.6.2022, que inseriu dentre as prerrogativas do Advogado (art. 7º):

§ 2º-B. Poderá o advogado realizar a sustentação oral no recurso interposto contra a decisão monocrática de relator que julgar o mérito ou não conhecer dos seguintes recursos ou ações:

I - recurso de apelação;

II - recurso ordinário;

III - recurso especial;

IV - recurso extraordinário;

V - embargos de divergência;

VI - ação rescisória, mandado de segurança, reclamação, habeas corpus e outras ações de competência originária.

Há poucos dias, viralizou[9] na rede mundial de computadores um vídeo no qual um Advogado pediu para fazer sustentação oral porque o relator do seu recurso mudou o voto e, à unanimidade, a turma desproveu o recurso do seu cliente.[10] Vejam o absurdo, valer-se do art. 301 do Código de Processo Penal,[11] em substituição aos constitucionais princípios do contraditório e ampla defesa (CF, art. 5º, inciso LV)[12] e do devido processo legal (CF, art. 5º, inciso LIV)[13], o que pressupõe valer-se de todos os recursos em Direito admissíveis. Todavia, optam-se por redes sociais e movimentos populares desatinados, em desprestígio ao Direito e à democracia.

Advogados e pessoas manipuladas estarem difundindo a ideia de que Juízes, Desembargadores de Justiça e Ministros podem ser presos por Advogados só gera instabilidade e representam acinte à democracia, até porque a matéria deve ser discutida juridicamente.

O Ministro Alexandre de Moraes não é meu amigo. Não tenho razões para pretender advogar em seu favor. Mas, reconheço, ele lutou para ser Ministro do STF e tinha todos os requisitos para tal, os quais se mantém incólumes. À posição do referido Ministro do STF está o Código de Processo Civil, in litteris:

Art. 12. Os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão.

§ 1º A lista de processos aptos a julgamento deverá estar permanentemente à disposição para consulta pública em cartório e na rede mundial de computadores.

§ 2º Estão excluídos da regra do caput:

(...)

VI - o julgamento de agravo interno;

O preceito evidencia que o agravo interno é uma exceção e como tal deve ser tratado. Portanto, a discussão merece ser amadurecida mediante adequado procedimento.

3.2 Aprofundamento necessário

A União legisla privativamente sobre normas processuais e, concorrentemente, os estados-membros e o Distrito Feral legislam sobre normas procedimentais (respectivamente, CF, art. 22, inciso I; e CF, art. 24, inciso XI). Mas, isso informa pouco, até porque a mesma Constituição preceitua:

Art. 96. Compete privativamente:

I - aos tribunais:

a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;

Não existirá conflito insuperável de lei federal com lei estadual, visto que existindo dúvida sobre o que constitui norma geral e o que é norma especial, deverá o Poder Judiciário interpretar e, caso mesmo assim, o estado membro não queira cumprir a lei federal, será a hipótese de intervenção na unidade federativa (CF, art. 34, inciso VI).

Niklas Luhmann propunha uma formação autopoiética do Direito, a qual se mediante a comunicação que passa por um procedimento de comunicação que se estabiliza pela tradição. A corrupção da comunicação importará em alopoiese, o que pode ser exemplificado por imposições abrutas de um (sub)sistema social sobre outro. No caso, teríamos alopoiese pela pressão exercida pelo Poder Legislativo sobre o sistema jurídico.

Há muitos anos que o Brasil vem desenvolvendo um sistema que valorize aquilo que J.J. Calmon de Passos denominava de “eudeusada celeridade processual”. Com efeito, a Constituição Federal previu a criação de Juizados Especiais cíveis e criminais (art. 98). A Lei n. 9.099, de 26.9.1195, regulou esse artigo. Mais tarde, a Emenda Constitucional n. 22, de 18.3.1999, inseriu o parágrafo único no mencionado art. 98 para autorizar a criação de juizados especiais federais, o qual foi regulado pela Lei n. 10.259, de 12.7.2001.

Na linha da celeridade processual, instituímos a antecipação da tutela (Lei n. 8952, de 13.12.1994), criamos a ação monitória (Lei n. 9.079, de 14.7.1995) e passamos pela execução mais célere (Lei n. 10.444, de 7.5.2002; e Lei n. 11.232, de 22.12.2005), instituindo um processo sincrético, mantido no Código de Processo Vigente (Lei n. 13.105, de 18.3.2015). Esses são alguns exemplos de uma luta por processos mais céleres, estando a Lei n. 14.365/2022 na contramão desse processo legislativo.

Quando penso na ação comunicativa proposta por Jürgen Habermas, verifico que o seu princípio do “u”, uma regra de universalidade que tende ao consenso na sociedade complexa, parece ter sido olvidada pelo Poder Legislativo ao instituir o § 2º-B no EOAB.

Moacir Amaral Santos (1902-1983) ensina que as leis processuais fazem a organização judiciária, disciplinam a capacidade das partes e estabelecem as formas de atuação, os direitos e os deveres dos órgãos jurisdicionais e das partes no processo, a forma e os efeitos dos atos processuais.[14]

Não se pode olvidar que na construção da teoria das normas processuais, desenvolvida por Francesco Carnelutti (1879-1965), a função do processo, que é a composição de conflitos para aplicação da lei processual ao caso concreto, firmando o poder-dever do Juiz, suas obrigações quanto aos direitos das partes, bem como as obrigações das partes e de terceiros correlativos aos direitos das partes. Enfim, o processo tem a finalidade composição de conflitos de interesses deduzidos no processo e determinados pelo processo.[15]

O caráter instrumental das normas processuais é destacado por José Federico Marques (1912-1933), eis que tais normas disciplinam a aplicação das normas substanciais, regulando a competência para fazê-la atuar, regulando os meios para tornar as normas substanciais efetivas e as vias adequadas para provocar o seu cumprimento e efetivação.[16]

O neoconstitucionalismo e o neoprocessualismo têm especial atenção de Fredie Didier Jur., induzindo a uma interpretação jurisdicional mais voltada a uma prática do que ao formalismo que exclua a proteção de direitos subjetivos.[17] Nesse aspecto é que emerge a dúvida sobre a efetiva pacificação social quando se criam mecanismos procedimentais que tornaram os processos mais longos, mais demorados e mais formais.

Normas processuais e normas procedimentais não podem aqui serem diferenciadas porque dependerão de interpretação do Supremo Tribunal Federal, uma vez que tem direta ligação com a Constituição Federal (art. 22, inciso I, e art. 24, inciso XI).

4. Conclusão

Não pretendo esgotar a matéria porque ela é incipiente no nosso tribunal constitucional. Exime maiores discussões e a estabilização dos sistemas para chegarmos a uma autopoiese. No entanto, o princípio da universalidade (Habermas) sempre estará prejudicado se um (sub)sistema social estiver se sobrepondo a outro.

De todo modo, agressões de tribunais, pretensões de Advogados e do Poder Legislativo não podem gerar a ruptura do sistema por meio do ódio propagado em redes sociais. Assim, devemos esperar adequados recursos e a maturidade do procedimento para a construção de um direito autopoiético.

Referências:

ABI-ACKEL, Paulo. Projeto de Lei n. 5.284/2020. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1944297&filename=P&filename%205284/2020>. Acesso em: 28.11.2023, às 16h59.

ARREGUY, Juliana. Em ato contra morte de patriota, bolsonaristas miram STF e “Xandão”: ato na Avenida Paulista neste domingo reuniu parlamentares e simpatizantes de Bolsonaro; Salles foi recebido com gritos de “prefeito”. Brasília: Metrópoles. Notícias Brasil, 26.11.2023. Disponível em: <https://www.metropoles.com/sao-paulo/em-ato-contra-morte-de-patriota-bolsonaristas-miram-stf-e-xandao>. Acesso em: 29.11.2023, às 8h45.

CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil: introdução e função do processo civil. São Paulo: Cassic Book, 2000. v. 1.

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: Introdução ao direito processual civil e processo de conhecimento. 16. ed. Salvador: JusPODIVM, 2014. V. 1.

MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1971. v. 1.

MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Análise da condenação de Aécio Lúcio Costa Pereira pelos atos antidemocráticos de 8.1.2023. Publicado em 17.11.2023. Disponível em: <https://sidiojunior.blogspot.com/2023/11/1.html>. Acesso em: 28.11.2023, às 19h45.

______. O artigo de autoria do Juiz Federal Sérgio Fernando Moro, de 2004, sobre a Operação Mãos Limpas, "Mani Pulite", evidenciando suas práticas na Operação Lava Jato. Publicado em 15.9.2015. Disponível em: <https://sidiojunior.blogspot.com/2015/09/o-artigo-de-autoria-do-juiz-federal.html>. Acesso em: 29.11.2023, às 6h28.

O GLOBO. Brasil. Rio de Janeiro. Advogado que deu voz de prisão a Desembargador em tribunal diz que vídeo foi editado: Tiago Jonas Aquino afirmou, também, que não sabia que estava sendo filmado. Publicado em 25.9.2022. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2022/09/advogado-que-deu-voz-de-prisao-a-desembargador-em-tribunal-diz-que-video-foi-editado.ghtml>. Acesso em: 29.11.2023, às 8h28.

SANTOS, Moacir Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1981. v. 1.

STF. Tribunal Pleno. Habeas Corpus n. 90.900-SP. Redator do acórdão: Ministro Menezes Direito. Julgamento em 30.10.2008. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=604581>. Acesso em: 29.11.2023, às 9h36.



[1] ABI-ACKEL, Paulo. Projeto de Lei n. 5.284/2020. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1944297&filename=P&filename%205284/2020>. Acesso em: 28.11.2023, às 16h59.

[2] Ibidem.

[3] Veja-se os notórios fatos de 8 de janeiro de 2023. Neles, uma turba conduzida por falsos democratas, os quais buscavam um golpe de estado, depredaram a Praça dos Três Poderes de Brasília, destruindo bens de elevados valores históricos e financeiros. Um vandalismo sem precedentes em nome da democracia. Ora, liberdade de expressão tem limites, todos brasileiros sabem ou deveriam saber disso.

[4] Já escrevi sobre isso alhures. Veja-se: MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Análise da condenação de Aécio Lúcio Costa Pereira pelos atos antidemocráticos de 8.1.2023. Publicado em 17.11.2023. Disponível em: <https://sidiojunior.blogspot.com/2023/11/1.html>. Acesso em: 28.11.2023, às 19h45.

[5] STF. Tribunal Pleno. Habeas Corpus n. 90.900-SP. Redator do acórdão: Ministro Menezes Direito. Julgamento em 30.10.2008. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=604581>. Acesso em: 29.11.2023, às 9h36. Para não deturpar, esclareço que o habeas corpus pedia para declara inconstitucional a Lei n. 11.819, de 5.1.2005, do Estado de São Paulo, que dispôs em seu art. 1º: “Nos procedimentos judiciais destinados ao interrogatório e à audiência de presos, poderão ser utilizados aparelhos de videoconferência, com o objetivo de tornar mais célere o trâmite processual, observadas as garantias constitucionais”. Por isso apresento o que considero esclarecedor dos votos:

A Ministra Ellen Gracie, originalmente relatora, expôs no seu voto:

5. O tema envolve procedimento, e não processo penal e, por isso, autoriza a edição de lei estadual ou distrital para regulá-lo (CF, art. 24, XI). Processo é o conjunto de atros processuais interligados pelos vínculos da relação jurídico-processual, ao passo que o procedimento consiste na ordem, forma e sucessão de tais atos processuais. (p. 12/65)

O voto divergente do Ministro Menezes Direito foi o vencedor, o qual invocou o art. 185 do CPP, o qual explicitamente regulou a matéria, portanto, o art. 22, inciso I, da Constituição Federal impede que o estado membro legisle sobre o interrogatório por videoconferência. Corroborando à divergência, a Ministra Cármen Lúcia afirmou:

... a eminente Ministra-Relatora considerou ser de procedimento e não de processo. Eu considero que processo é meio e procedimento é modo. Trata-se de meio, do processo pelo qual se chega a um determinado objetivo. Portanto, para mim, isso é matéria processual não expugnável pela via da legislação estadual, porque contraria exatamente o artigo 22, inciso I. (p. 20/65)

O Ministro Ricardo Lewandowiski, considerando ser o interrogatório ato de defesa, portanto material, acompanhou a divergência (p. 2365 a 24/65). Aduzindo ser conveniente falar quando não se tem nada a acrescer, acompanhando a divergência, o Ministro Eros Grau se manifestou no sentido de voto anterior em que se juntou ao Ministro Cezar Peluso, citado pela Ministra Ellen Gracie como contrário ao dela, ou seja, pela concessão da ordem (p. 25/65).

Aduzindo ser norma de procedimento, o Ministro Carlos Britto, citou livro da sua autoria para dizer que o modo de realização de cada um dos atos do processo é procedimento. A leitura do seu voto se torna interessante porque, por outro motivo, de ordem material, divergiu da relatora (ver f. 26/65 a 29/65). Corrobora o voto do Ministro Cezar Peluso, visto que entende que a norma afeta direito material, portanto, inconstitucional. (p. 30/65 a 54/65).

O Min. Marco Aurélio, invocando a posição do Ministro Cezar Peluso, o acompanhou, a fim de conceder a ordem de habeas corpus (p. 55/65 a 57/65). O Ministro Gilmar Mendes, por sua vez, reafirmou sua posição, na qual negou inconstitucionalidade material, concedendo a ordem por inconstitucionalidade formal (p. 68/65 a 64/65).

[6] ARREGUY, Juliana. Em ato contra morte de patriota, bolsonaristas miram STF e “Xandão”: ato na Avenida Paulista neste domingo reuniu parlamentares e simpatizantes de Bolsonaro; Salles foi recebido com gritos de “prefeito”. Brasília: Metrópoles. Notícias Brasil, 26.11.2023. Disponível em: <https://www.metropoles.com/sao-paulo/em-ato-contra-morte-de-patriota-bolsonaristas-miram-stf-e-xandao>. Acesso em: 29.11.2023, às 8h45.

[7] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. O artigo de autoria do Juiz Federal Sérgio Fernando Moro, de 2004, sobre a Operação Mãos Limpas, "Mani Pulite", evidenciando suas práticas na Operação Lava Jato. Publicado em 15.9.2015. Disponível em: <https://sidiojunior.blogspot.com/2015/09/o-artigo-de-autoria-do-juiz-federal.html>. Acesso em: 29.11.2023, às 6h28.

[8] Na Itália, no auge da Operação Lava Jato, já se dizia que a Operação Mãos Limpas incrementou a corrupção. Veja-se:

Mas para o cientista político Alberto Vannucci, um dos maiores estudiosos da Operação "Mãos Limpas" na Itália, que serviu de inspiração para a Lava Jato, investigações judiciais não conseguem acabar com a corrupção em um país quando ela é sistêmica.

"Inquéritos judiciais, mesmo quando bem-sucedidos, podem colocar na cadeia alguns políticos, burocratas e empresários corruptos, mas não conseguem acabar com as causas enraizadas da corrupção", disse ele à BBC Brasil.

E mais. Para Vannucci, que é professor da Universidade de Pisa, a Mãos Limpas italiana ainda acabou permitindo o surgimento de mecanismos mais sofisticados de corrupção no país. (In BANDEIRA, Luíza. A operação que inspirou Lava Jato foi fracasso e criou corruptos mais sofisticados, diz pesquisador. BBC Brasil em Londres, 17.3.2016. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/03/160316_lavajato_dois_anos_entrevista_lab>. Acesso em: 28.11.2023, às 6h20).

[9] Palavra decorrente do necessário neologismo dos novos tempos. Viralizar é o conteúdo da rede mundial de computadores que ganha repercussão, às vezes inesperada, na rede, como se fosse uma epidemia, uma vez que é compartilhado inconscientemente ou quase assim.

[10] O GLOBO. Brasil. Rio de Janeiro. Advogado que deu voz de prisão a Desembargador em tribunal diz que vídeo foi editado: Tiago Jonas Aquino afirmou, também, que não sabia que estava sendo filmado. Publicado em 25.9.2022. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2022/09/advogado-que-deu-voz-de-prisao-a-desembargador-em-tribunal-diz-que-video-foi-editado.ghtml>. Acesso em: 29.11.2023, às 8h28.

[11] Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

[12] LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

[13] LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

[14] SANTOS, Moacir Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1981. v. 1, p. 25.

[15] CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil: introdução e função do processo civil. São Paulo: Cassic Book, 2000. v. 1, p. 144-146.

[16] MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1971. v. 1, p. 60.

[17] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: Introdução ao direito processual civil e processo de conhecimento. 16. ed. Salvador: JusPODIVM, 2014. V. 1, p. 30-33.

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O PRINCÍPIO DA PERSONALIZAÇÃO DA PENA

 1. Introdução

Tratarei aqui de um princípio constitucional, assim expresso no art. 5º da Constituição Federal:

XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;

No título deste texto, que será sucinto, optei pela denominação princípio da personalização da pena. No entanto, poderia ter optado por outra denominação, conforme passarei a demonstrar.

2. Alcance do princípio

O texto constitucional merece algum reparo, eis que o princípio não se aplica unicamente ao condenado, não sendo um princípio exclusivo do Direito de Execução Criminal. Ele se estende ao Direito Processual Criminal, retirando a legitimidade passiva de qualquer pessoa pelo fato de outrem, salvo nos casos de concurso de pessoas, em que a autoria, coautoria ou participação será própria.

É um princípio, também, de direito material que impede que o legislador infraconstitucional edite alguma lei que preveja pena a terceira pessoa que não concorreu para o fato, assim é, também, um princípio de Direito Criminal. Portanto, o texto constitucional deve ser interpretado extensivamente, eis que enuncia menos do que gostaria de dizer, assegurando a todos os réus, a todos os condenados, enfim, a todas as pessoas que não serão responsabilizadas criminalmente por delitos de outrem.

3. Denominações e relevância do estudo

O ponto central da análise está na própria justificativa de manutenção da pena e do Direito Criminal. Nesse sentido, defendendo a denominação princípio da transcendência mínima, Rodrigo Duque Estrada Roig sustenta:

Estabelece o princípio da intranscendência (pessoalidade) que a pena não poderá passar da pessoa do criminoso (art. 5º, XLV, da CF e art. 5º, item 3, da Convenção Americana de Direitos Humanos). Uma visão mais realista do sistema penal entende, que não existe a intranscendência dos efeitos penais, posto que a pena criminal, de algum modo, sempre afeta outras pessoas (ex.: familiares de presos). Por essa razão, dá-se a ele o nome de princípio da transcendência mínima. Seja qual for a denominação conferida, fato é que o princípio possui importante função limitadora, tanto no Direito Penal quanto no Direito de Execução Penal.[1]

Vê-se no texto transcrito as denominações princípios da intranscendência e princípio da pessoalidade, bem como a opção por princípio da transcendência mínima.

O saudoso administrativista José Cretella Júnior (1920-2015), comentando o inc. XLV do art. 5º da Constituição Federal expõe:

A pena é pessoal, individualizada, intransferível, adstrita à pessoa do delinquente. Mors ominia solvit. A morte rompe todos os vínculos. Na época do Brasil Colônia, a pena transmitia-se aos parentes do réu, como aconteceu com Tiradentes, (...) a Carta Política do Império do Brasil de 1824, no art. 179, 20, firmou a regra da intransmissibilidade ou não-ultrapassagem da pena, pela qual a pena se fixa na pessoa do delinquente e a nota de infâmia do réu não se transmite aos parentes em qualquer grau que seja, cabendo à lei a regulamentação da individuação (e não individualização) da pena.[2]

Vê-se novas denominações ao princípio em comento (intransmissibilidade, não ultrapassagem e individuação), distinguindo-o do princípio da individualização da pena, este expresso em diversos incisos do art. 5º da Constituição Federal, especialmente, no XLVI, que estabelece: “a lei regulará a individualização da pena...”.

Desde o advento da Lei n. 9.268, de 1.4.1996, defendo a possibilidade da execução da multa, desde que a pena tenha transitado em julgado durante a vida do delinquente até as forças da herança, isso porque, a multa é dívida de valor (Código Penal, art. 51) e, em face do princípio da saisina, na abertura da sucessão, o autor da herança transmite direitos e obrigações. Com isso, a obrigação de pagar poderá ser habilitada nos autos do processo de inventário e partilha, uma vez que não atingirá o sucessor, mas a herança deixada pelo de cuius sucetione agitur.

Veja-se que não estou contrariando o princípio da personalização da pena, visto que a multa estará recaindo sobre a pessoa condenada e respeitará a regra da sucessão em benefício do inventário, pela qual o herdeiro só responderá pelas obrigações até as forças da herança.[3]

Juarez Cirino dos Santos denomina o princípio em discussão de princípio da responsabilidade penal pessoal. Ele vincula tal princípio ao da [não] culpabilidade, o qual enuncia, em apertadíssima síntese, que somente o agente criminalmente capaz (imputável), que tenha consciência potencial da ilicitude e do qual seja exigível conduta conforme o direito (diversamente da concretizada), poderá ser responsabilizado criminalmente.[4]

Dentre os princípios fundamentais do Direito Criminal, Luiz Regis Prado conjuga os princípios da pessoalidade e da individualização da pena. Com isso, ensina que a responsabilidade criminal é pessoal, dosada segundo a gravidade do fato e indicativos do autor.[5] Não é à toa que autor afirma:

Desse caráter estritamente pessoal decorre que a sanção criminal – pena e medida de segurança – não é transmissível a terceiros. Tal princípio, em sentido amplo, pode ser definido: “a responsabilidade penal é pessoal. Ela é determinada, a título do autor, instigador ou cúmplice, segundo o comportamento da pessoa processada e em razão da própria culpa”.[6]

A vinculação dos princípios da personalização da pena e da individualização da pena se dá na própria estrutura da Constituição, a qual os menciona no art. 5º, incisos XLV e XLVI. Comentando o inciso XLV, Alexandre de Moraes fala em princípio da pessoalidade ou da incontagiabilidade ou intransmissibilidade da Pena. De todo modo, a sua posição não diverge totalmente da minha, no tocante à possibilidade de atingir bens alcançados por coisas julgadas durante a vida do condenado, in litteris:

O princípio da incontagiabilidade ou da intransmissabilidade da pena também se aplica em relação à obrigação de reparação do dano, bem como à decretação do perdimento de bens. A norma constitucional só permite que essas duas medidas sejam estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do patrimônio transferido em virtude da herança, nunca, portanto, com prejuízo do patrimônio próprio e originário dos mesmos.[7]

Falar em princípio da transcendência mínima em matéria criminal, visto que a pena atinge quem está no entorno do condenado, ao meu sentir, não é exclusividade do Direito Criminal, visto que a demissão, enquanto sanção administrativa (própria do Direito Administrativo) atingirá a família do servidor público. Do mesmo modo, a dispensa do empregado por justa causa, do Direito do Trabalho, atingirá sua família etc. O fato é que as intervenções mais drásticas – a do Direito Criminal é a mais severa delas – não se restringirão ao condenado. Seria, portanto, absurda a pretensão de abolir a pena tão somente porque tem efeitos diretos sobre terceiros.

Quando aprendo, com Alexy, que todos os princípios e todas as normas são ponderáveis, até porque princípios e normas se diferenciam apenas qualitativamente,[8] verifico que não se pode negar a possibilidade de intervenção jurídico-criminal unicamente porque o princípio da personalização da pena estaria afetado pelos reflexos limitadores da pena.

4. Reflexão a ser colocada em discussão

Não é uma última reflexão porque o assunto deverá ser revisitado diversas vezes, sendo este texto apenas uma provocação. Com efeito, entendo razoável falar em princípio da individuação da pena, da pessoalidade da pena, da personalização da pena e da intranscendência.

Parece-me excesso de zelo falar em transcendência mínima, visto que todos os direitos fundamentais e todos os princípios são ponderáreis. Eles orientam o legislador e o aplicador da lei sobre os limites de atuação, sem gerar a necessária extinção imediata do Direito Criminal ou da pena.

Sabemos que nenhuma teoria da pena a justifica adequadamente e que o Direito Criminal vem sendo colocado em xeque desde o fim do Século XIX. De todo modo, não tendo nada menos pior a oferecer, o Direito Criminal e a pena vêm se perpetuando nos diversos sistemas sociais modernos. Outrossim, nos vários ramos do Direito, a sanção reflete em pessoas próximas e até na coletividade, visto que, por exemplo, uma demissão gera mais um desempregado no mercado de trabalho. De todo modo, não podemos eliminar o Direito, um instrumento para a pacificação social.

Referências:

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988. v. 1.

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

PRADO, Luiz Regis. Tratado de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. v. 1.

______. Direito Penal Brasileiro: parte geral. 15. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. v. 1.

ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução penal: teoria crítica. 6. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2022.

ROSSETO, Enio Luiz. Teoria e aplicação da pena. São Paulo: Atlas, 2014.

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral. Curitiba: Lumen Juris, 2006.



[1] ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução penal: teoria crítica. 6. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2022. p. 56-57.

[2] CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988. v. 1, p. 497.

[3] Em sentido contrário: NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 91; ROSSETO, Enio Luiz. Teoria e aplicação da pena. São Paulo: Atlas, 2014. p. 99. Este último trata do caráter personalíssimo da pena, não se podendo transferir a outrem. Isso é equivocado, eis que se a multa integra o patrimônio negativo do morto, deve alcançar por inteiro a herança (não o sucessor).

[4] SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral. Curitiba: Lumen Juris, 2006. p. 31-32.

[5] PRADO, Luiz Regis. Tratado de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. v. 1, p. 178-179.

[6] Idem. Direito Penal Brasileiro: parte geral. 15. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. v. 1, p. 90.

[7] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 329.

[8] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.