terça-feira, 28 de outubro de 2014

Curiosa sentença condenatória de estuprador da própria filha e que, com ela, teve 7 filhos-netos. Fato ocorrido na Comarca de Riachão-MA.

Obs.: (a) embora a sentença criminal seja pública, retirei o nome das vítimas, bem como o dos réus... Quanto às vítimas menores de 18 anos, os nomes estão publicados, mas por equívoco do juízo. Obviamente, os retirei; (b) corrigi o "ene bolinha", forma equivocada de abreviar a palavra número, visto que inexistindo a palavra númera, não há razão para escrever n.º; (c) a abreviação de folha deve ser apenas f., razão de ter modificado a abreviação "fls." que constava da redação original.
Processo: 478-55.2010.8.10.0114 AUTOR: Ministério Público Estadual RÉUS: (...) e (...) Incidência Penal: art. 213 c/c art. 224, alínea "a", com causa de aumento de pena prevista no art. 226, incisos I e II c/c art. 71, caput e parágrafo único c/c 148,§ 1º, incisos I e V c/c § 2º do mesmo artigo c/c art. 136, §3º, todos do Código Penal. SENTENÇA 1 - RELATÓRIO O Representante do MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL ofereceu denúncia contra (...) e (...), dando-os como incursos nas penas do art. 213 c/c art. 224, alínea "a", com causa de aumento de pena prevista no art. 226, incisos I e II c/c art. 71, caput e parágrafo único c/c 148,§ 1º, incisos I e V c/c § 2º do mesmo artigo c/c art. 136, § 3º, todos do Código Penal. Consta na denúncia que as condutas delituosas que se imputam aos denunciados consistem no fato de que o primeiro denunciado, agindo de forma livre e consciente, constrangeu sua filha (...) carnal, mediante violência física e psicológica e grave ameaça, quando a vítima contava com menos de 14 (quatorze anos) de idade; além de privar a aludida vítima de sua liberdade mediante sequestro e cárcere privado (também físico e moral) e de expor a perigo a saúde (maus tratos) desta e dos menores (...),  (...), (...), (...), (...), (...) e (...). No que tange a segunda denunciada, mãe da vítima (...), aduz a peça exordial que possuía pleno conhecimento e consciência das condutas criminosas praticadas pelo primeiro denunciado, vez que residiu na mesma casa com a vítima e com aquele, omitindo-se e, com isso, contribuindo para o acontecimento dos delitos mencionados. Relata-se que os fatos só vieram a público por ocasião de uma denúncia anônima ofertada ao Conselho Tutelar de que na fazenda Ipanema havia um pai que abusava sexualmente de sua própria filha há vários anos e, inclusive, com ela já teria sete filhos, o que foi imediatamente comunicado à autoridade policial. Expõe a denúncia que, realizando diligência até o local, a polícia e o Conselho Tutelar, encontraram o local (distante, quase inacessível) onde o primeiro denunciado residia (zona rural), onde constataram situação de extrema pobreza, até mesmo com várias crianças privadas de saúde, educação, moradia e dos demais direitos necessários ao desenvolvimento. Ali se encontrava também a vítima (...) (mãe das crianças, que se comportou de forma tímida e desconfiada) e a segunda denunciada, (...), mãe da vítima. Todos foram conduzidos até a Delegacia de Polícia para melhor averiguação do caso. Defronte à autoridade policial, face a diligência realizada até o local dos fatos delituosos, bem como com fulcro no depoimento dos envolvidos (acusados, vítimas e testemunhas), foi constatado a veracidade dos acontecimentos. Conforme expõe o órgão titular da ação penal, embora muito temerosa em um primeiro depoimento, a vítima (demonstrando muito medo, fragilidade emocional e temor em tocar no assunto), após contar a situação de penúria e de total desconhecimento e contato com o mundo exterior, acabou, num segundo momento, quando inquirida pela autoridade policial acerca dos abusos sexuais sofridos, por descortinar a declaração de que o primeiro homem que a abusou sexualmente foi seu tio, atualmente falecido, e depois (...) e que, desde então, vem sendo abusada sexualmente por ele (seu próprio pai), o primeiro denunciado; asseverando, demais disso, que este é genitor de todos os seus 07 (sete) filhos. Aduz a inaugural que "... os denunciados durante todo esse tempo mantinham (...) subjugada, furtava a vítima do convívio das pessoas, e não obstante os moradores daquela localidade nunca tenham visto a ofendida namorar alguém, o primeiro denunciado lhe induzia a dizer que seus filhos eram de "Deus", tudo isto com o único objetivo de ocultar e perpetuar seus crimes. O primeiro denunciado, com a anuência da segunda denunciada, também privava as crianças de alimentação e de outros cuidados indispensáveis, deixando-as sem qualquer higiene e tratamento médico, situações estas que expôs a perigo a saúde dos menores...". Continua afirmando que "... Do seu modo, interrogado em sede policial, o denunciado (...), friamente confessou que abusou sexualmente de sua filha (...), desde criança e, as relações sexuais que mantinha com ela durante todo esse tempo resultaram no nascimento de 07 (sete) crianças, tendo a vítima engravidado de seu primeiro filho quando tinha apenas 15 (quinze) anos de idade. Igualmente confessou que sempre privou a vítima (...) e seus filhos/netos de liberdade, alimentação, saúde, educação e moradia digna, e que a segunda denunciada tinha plena consciência de todas as condutas delituosas praticadas por ele...". Conclui o órgão ministerial indicando (a par de, ao seu entender, estar satisfeita a materialidade e autoria necessária) a prática dos delitos de estupro (na forma continuada e com violência presumida em razão da idade da vítima à época), sequestro e cárcere privado, além do crime de maus tratos. Com a inicial acusatória vieram os documentos de f. 10-56 (Inquérito Policial n. 28/2010), dentre os quais destaca-se o relatório confeccionado pelo Conselho Tutelar, oitiva na fase policial da vítima, dos denunciados e de testemunhas. Recebida a denúncia na data de 21.7.2010 (fls. 59-62). Réus citados às f. 65v-66v. Em razão da não apresentação pelos réus de causídico para patrocinar sua defesa, foi nomeado advogado à f. 60, tendo este renunciado em razão de foro pessoal (vide f. 63-64). Informações a respeito dos procedimentos de realização do exame de DNA à f. 73-75. Às f. 85-109 acostados exame periciais (exame de DNA) demonstrando a paternidade dos filhos da vítima (... 7 nomes e menores), alcançando 99,99% de probabilidade de serem filhos do réu (...). Ato contínuo, os réus devidamente patrocinados pelo Dr. Crisógono Rodrigues Vieira OAB-MA 3180, apresentaram resposta à acusação às f. 117-122, aduzindo, em síntese, a ilegitimidade do Ministério Público para propositura da demanda penal e, no mérito, rechaçando a existência de qualquer ameaça ou violência nas relações sexuais em questão, haja vista que a vítima demonstrou plena aquiescência com os atos praticados pelo réu (...), sendo o ato sexual realizado de forma livre e consciente pela vítima e, ainda, postulando a desclassificação da conduta para o crime constante no artigo 217, CP (crime de sedução). Na oportunidade, foram arroladas testemunhas. Documentação de audiência (una) realizada em 24.5.2011 às f. 134-151, ocasião em que foram ouvidos: a vítima, cinco testemunhas de acusação e duas testemunhas arroladas pela defesa. Em tal momento, como não poderia deixar de sê-lo, foi realizado interrogatório de ambos os réus. A ré (...), nega as acusações e diz não ter conhecimento dos fatos e autoria dos abusos sexuais praticados em desfavor da vítima. O réu (...), da mesma maneira, negou as acusações que lhe foram feitas, aduzindo nunca ter feito sexo com a vítima e não ter conhecimento acerca de quem seria o pai das crianças (filhos da vítima). Não foram requeridas diligências pelas partes, razão pela qual, em atenção ao disposto no § 3º do art. 403 CPP, foi deferido pelo MM Juiz, presidente do feito, apresentação de alegações finais através de memoriais. Apresentadas alegações finais pelo Parquet às f. 156/164, requereu-se a condenação do réu (...) nos delitos inicialmente citados na peça acusatória e, em posição diametralmente oposta, a absolvição da ré (...), tendo em vista a falta de provas para sustentar um decreto condenatório. A defesa, por sua vez, ofereceu alegações finais às f. 165-168, requerendo a absolvição de ambos os acusados, com fundamento nas mesmas assertivas apresentadas em resposta à acusação, destacando-se, de forma subsidiária, o pedido desclassificação da conduta para o crime previsto no art. 217, CP (crime de sedução). No mais, outros atos processuais foram realizados após o encerramento da instrução referente a revogação da prisão preventiva do réu, face o grave estado de saúde do mesmo (vide f. 170-226). É a síntese dos autos. Passo, in continenti, a decidir. 2 - FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA Aos denunciados são imputados a prática dos delitos de estupro (na forma continuada [art. 71, CP] e com violência presumida em razão da idade da vítima à época), sequestro e cárcere privado e maus tratos. Inicialmente, a par dos princípios regentes da direito penal brasileiro, fixo a premissa (desde o início desta motivação jurídica) de que deverão ser aplicados os regramentos vigentes à época dos fatos, sobretudo porque mais benéficos ao réu. Como sabido, o Código Penal capitulava e descrevia (antes da reforma operada pela Lei n. 12.015 / 2009) da seguinte maneira os crimes em alusão: Estupro: Art. 213 - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. [...] Presunção de violência Art. 224 - Presume-se a violência, se a vítima: a) não é maior de catorze anos; b) é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância; c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência. Aumento de pena Art. 226 - A pena é aumentada de quarta parte: I - se o crime é cometido com o concurso de duas ou mais pessoas; II - se o agente é ascendente, pai adotivo, padrasto, irmão, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela; Crime continuado art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. (Redação dada pela Lei n. 7.209, de 11.7.1984) Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Sequestro e cárcere privado: art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado: Pena - reclusão, de um a três anos. § 1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos: I - se a vítima é ascendente, descendente ou cônjuge do agente; I - se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge do agente ou maior de 60 (sessenta) anos. I - se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos; II - se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital; III - se a privação da liberdade dura mais de 15 (quinze) dias. IV - se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos; (incluído pela Lei n. 11.106, de 2005) V - se o crime é praticado com fins libidinosos. (Incluído pela Lei n. 11.106, de 2005) § 2º - Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral: Pena - reclusão, de dois a oito anos. Maus-tratos art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina: Pena - detenção, de dois meses a um ano, ou multa. § 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de um a quatro anos. § 2º - Se resulta a morte: Pena - reclusão, de quatro a doze anos. § 3º - Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos. (Incluído pela Lei nº 8.069, de 1990) Em obediência ao princípio constitucional da individualização (na via penal e processual penal), tratarei separadamente cada réu desta demanda penal. Primeiro, analiso as questões pertinentes ao primeiro denunciado, (...). Réu (...): Da análise detida de todo o caderno processual vejo que as pretensões punitivas externadas na exordial em desfavor do réu (...) quanto aos crimes de estupro, sequestro/cárcere privado e maus-tratos, merecem prosperar. Ao meu sentir, não resta dúvida quanto à materialidade e autoria delitiva, estando ambas devidamente alicerçadas nos autos em exame. No que tange ao crime de estupro (com violência presumida, em razão da idade da vítima), explicando o tipo objetivo descrito no artigo 213, à época em que vigente antiga redação, Celso Delmanto afirma que: "O núcleo é constranger (forçar, compelir, obrigar). A pessoa a quem se constrange é mulher, de forma que a vítima deste crime somente pode ser do sexo feminino, seja ela menor ou maior, virgem ou não, honesta ou prostituta. O constrangimento visa a conjunção carnal, isto é, a união sexual, a cópula vagínica. É indiferente que a cópula seja completa ou não, ou que ocorra a ejaculação; mas é imprescindível que haja a introdução, completa ou não, do órgão copulador do agente na vagina da vítima. (...). O constrangimento deve ser feito mediante violência (física) ou grave ameaça (ameaça de mal sério e idôneo) e deve haver dissenso da vítima". Como se nota, o delito de estupro configura-se quando presentes, portanto, os elementos integrantes do tipo penal, quais sejam, a conjunção carnal, a violência (física ou moral) e a resistência da vítima (rememorando que, em se tratando de vítima menor de quatorze anos, [levando em conta a legislação vigente], a violência é presumida). Assim é que concluo que a materialidade e a autoria estão sobejamente demonstradas em desfavor de tal acusado, conforme exponho doravante. Já de início, os laudos periciais (exames de DNA) conduzem a uma convicção, por assim dizer, quase que inquestionável acerca da paternidade dos filhos da vítima, deixando a míngua de qualquer dúvida que o pai/réu (...) teve relações sexuais com sua própria filha/vítima (..), resultando no nascimento de 08(oito) filhos (e não sete) da relação incestuosa. A título de ilustração, o exame pericial é claro em atestar conclusivamente: "...não está excluída a paternidade do Sr. (...) sobre (..)". "... Portanto a probabilidade de o Sr. (...) ser pai biológico de (...) é de 99,9999%...". E o resultado do laudo pericial se repete para todos os outros filhos, colocando em patamares de extremada certeza que houve sim prática de ato sexual do referido réu com a vítima por inúmeras vezes, resultando, inclusive, no nascimento de 8 (oito) filhos. Aliás, embora saiba que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, o resultado de tal exame faz sucumbir, em meu pensamento motivado, qualquer outra alegação em sentido contrário (no sentido de não ter havido as aludidas relações sexuais). Obtempero que, da leitura do caderno processual, observa-se que a violência/grave ameaça restam demonstradas à saciedade. O dissenso, a não concordância, a resistência, oferecida pela vítima emerge com clareza das provas produzidas, até mesmo pela inquestionável conclusão direcionada a firmar o fato de que havia, sem dúvida, trato de submissão e temor da vítima para com o indigitado réu. Assim, afasto por completo a alegação da defesa de que as relações foram consentidas. Nessa vereda, o próprio relatório confeccionado pelo Conselho Tutelar e juntado aos autos colabora imensamente na edificação da verdade processual da qual se extrai elementos suficientes a fundamentar a justa aplicação do jus puniendi estatal. Nesse sentido, o depoimento da vítima, em fase judicial, é claro ao relatar que: "... que começou a ter relação do o réu com doze anos; que teve seu primeiro filho com quinze anos; que é mãe de oito filhos e um falecido; que o réu ameaçava de morte a declarante se acaso ela contasse sobre a paternidade de seus filhos; que o réu não falava nem para a sua esposa sobre a paternidade seus filhos; que sua mãe é adoentada e não sabia que o réu era o pai das crianças; que somente vive para o trabalho e sua família, ou seja, não saia de jeito nenhum de casa, por determinação do réu; que nunca teve namorado; que tinha vontade de se matar na época; Que a sua mãe tinha medo do pai; que atualmente não quer ver seu pai de jeito nenhum; Que o réu batia na declarante para ter relações com ele e também demonstrar para as outras pessoas a sua indignação com as gravidezes; Que o réu era bastante ciumento; Que não queria de jeito nenhum ter relações sexuais com o réu, nem filhos; Que tem vergonha desses fatos; Que até gostava de sair, mas o réu não deixava; Que o réu batia nos filhos da declarante; Que as marcas duravam, às vezes, uns três dias..." (grifo nosso). Ad argumentadum tantum, como se sabe, o estupro é um crime que, em regra, é praticado distante do conhecimento de terceiros. Por essa razão, uma das questões mais relevantes no estudo do delito de estupro é a que diz respeito à palavra da ofendida, que tem grande valor e constitui excelente meio de prova, máxime quando encontra apoio em outros elementos de prova existente nos autos. Sem dúvida, "tanto nos crimes de índole sexual, como nos crimes de roubo, que geralmente ocorrem as escondidas, as declarações da vítima são de suma importância, e estando estas plausíveis, coerentes e equilibradas com o conjunto probatório, inafastável a condenação do réu". Magalhães E. NORONHA, a respeito da palavra do ofendido, ensina que, "não se pode negar a qualidade de provas às suas declarações. Com efeito, delitos há em que a prova não se completa ou aperfeiçoa sem sua palavra. Assim, nos crimes contra os costumes". O ofendido como sujeito ou fator de prova, quando presta declarações, escreve TORNAGHI, ele próprio realiza o ato probatório factum probans. A autoria dos delitos sexuais, de regra cometidos às escondidas, pode ser comprovada, validamente, pela palavra do ofendido, coerente com as circunstâncias e demais elementos reunidos no processo. Assim, a palavra da vítima, principalmente quando corroborada com a comprovada existência de violência real ou moral por ela relatada, são reputados suficientes à caracterização do delito de estupro. Corroborando as assertivas acima, oportuno transcrever os seguintes julgados: APELAÇÃO CRIMINAL - PENAL E PROCESSUAL PENAL - ROUBO QUALIFICADO E ESTUPRO - CONDENAÇÃO - CONTRARIEDADE À PROVA DOS AUTOS - MATERIALIDADE E AUTORIA - INSUFICIÊNCIA DE PROVA - NEGATIVA DE AUTORIA - ESTUPRO - LAUDO DE EXAME DE CONJUNÇÃO CARNAL - RESCINDIBILIDADE - PALAVRA DA VÍTIMA AJUSTADA AO CONJUNTO PROBATÓRIO - VALORAÇÃO - RECURSO IMPROVIDO - 1. A tese de negativa de autoria deverá encontrar ressonância no conjunto probatório, no caso inocorridas, dado que conduz a culpabilidade dos réus. 2. A constatação no laudo de conjunção carnal, de vestígios da cópula e de violência, afigura-se prescindível para a caracterização do crime de estupro, porque se a vítima não é mais virgem, não foram observadas lesões corporais ou outros vestígios do ataque sexual, prescindindo-se que a cópula seja completa. 3. A palavra da vítima do crime de estupro deve preponderar, mormente quando ajustada ao conjunto probatório. 4. Recurso conhecido e improvido. (TJAC - ACr 01.000455-6 - (1.452) - C.Crim. - Relª Desª Eva Evangelista - J. 04.05.2001) grifei SENTENÇA - NULIDADE - INOCORRÊNCIA - DECISÃO FUNDAMENTADA - TESES DA DEFESA SUFICIENTEMENTE EXAMINADAS - PRELIMINAR REJEITADA - ESTUPRO - CRIME CARACTERIZADO - Palavra da vítima corroborada por outros meios de prova - Ausência de exame de corpo de delito - Irrelevância - Vestígios da infração já desaparecidos - Condenação mantida - Regime prisional - Estupro - Delito que não resultou em lesões corporais graves nem morte - Infração não alcançada pela Lei dos Crimes Hediondos - Progressão - Possibilidade - Recurso parcialmente provido para modificar o regime prisional para inicialmente fechado. (TJMG - APCR 000.285.559-1/00 - 3ª C.Crim. - Rel. Des. Kelsen Carneiro - J. 03.12.2002) CRIMINAL. RESP. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. ABSOLVIÇÃO EM SEGUNDO GRAU. REVALORAÇÃO DAS PROVAS. PALAVRA DA VÍTIMA. ESPECIAL RELEVO. AUSÊNCIA DE VESTÍGIOS. RECURSO PROVIDO. I. Hipótese em que o Juízo sentenciante se valeu, primordialmente, da palavra da vítima - menina de apenas 8 anos de idade, à época do fato -, e do laudo psicológico, considerados coerentes em seu conjunto, para embasar o decreto condenatório. II. Nos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, a palavra da vítima tem grande validade como prova, especialmente porque, na maior parte dos casos, esses delitos, por sua própria natureza, não contam com testemunhas e sequer deixam vestígios. Precedentes. III. Recurso provido, nos termos do voto do Relator. (Recurso Especial n. 700800/RS (2004/0147242-2), 5ª Turma do STJ, Rel. Min. Gilson Dipp. j. 22.03.2005, unânime, DJ 18.04.2005). TJRJ-011351) AÇÃO PENAL. ROUBO. EMPREGO DE ARMA. ESTUPRO. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. RELEVÂNCIA DA PALAVRA DA VÍTIMA. NEGATIVA DE AUTORIA. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO COM ALEGAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA DE PROVAS, NO CASO DO ROUBO. NÃO APREENSÃO DA ARMA; NO ESTUPRO. INEXISTÊNCIA DE VIOLÊNCIA SEXUAL PELA NÃO COMPROVAÇÃO DE LESÕES. INDEFERIMENTO. AUTORIA E MATERIALIDADE INQUESTIONÁVEIS. FATOS TIPIFICADOS NA SUA EXATA DIMENSÃO. AVALIAÇÃO DA PROVA JUSTA E PERFEITA. CONDENAÇÃO MANTIDA. Se a vítima aponta o réu como autor dos crimes, sendo suas declarações corroboradas por fatos e circunstâncias incontestáveis, convincente se faz a certeza para um Juízo de condenação, inobstante a ausência de vestígios ou lesões específicas no laudo pericial, já que configurada a coação real e moral (grave ameaça pelo uso da arma), o que impossibilitou a reação da ofendida, inexistindo, assim, violência física capaz de deixar vestígios expressivos, reforçado pelo fato de tratar-se de mulher com hímen complacente. Em crimes desta natureza, geralmente cometidos na clandestinidade, há consenso jurisprudencial sobre a importância que se deve dar às informações das vítimas se são elas coerentes com as demais provas dos autos, não havendo motivos para delas se duvidar. Se na ocasião da prática do crime contra os costumes o agente, mediante grave ameaça, subtrai os bens da vítima, configurado está o crime de roubo em concurso material com aquele. Não é necessária a apreensão e exame da arma para que seja reconhecida a agravante, admitindo-se a prova de seu emprego por outros meios, no caso, a testemunhal. Recurso improvido. (Apelação Criminal n. 2003.050.00908, 1ª Câmara Criminal do TJRJ, Rel. Des. Paulo César Salomão. j. 12.08.2003). Dessa maneira, não há dúvida que, nestes autos, conforme dito acima, juntamente com os demais elementos coligidos merece inteira credibilidade a palavra da ofendida no sentido de que o juízo condenatório merece vingar. Seguindo adiante, percebo, ademais, que o triste relato da vítima é, incontroversamente, corroborado pelas demais testemunhas. Com a leitura de todos os depoimentos testemunhais (espécie de prova assaz relevante nas especificidades do presente caso) mergulha-se num lago de elementos, um a um, que deságuam na confirmação do relato acusatório ministerial. Verbi gratia, a testemunha Gildázio Batista Mendes, conta com detalhes como fora feito o procedimento de busca até o local, ermo (fazenda de difícil acesso), onde foram encontrados os réus e a vítima, além das crianças em situação de total abandono e completa falta de condições mínimas de saúde, higiene, etc. A testemunha Luis Lopes Farias Filho, também corrobora tal narrativa. As testemunhas Silas de Sousa Silva (Conselheiro Tutelar) e Dulce Coelho Castro (Assistente Social), que acompanharam de perto o episódio, ratificaram em todos os termos os fatos, inclusive a última afirmando expressamente, quando em contato com a vítima: "... que esta falava muito pouco e assustada, que a vítima demonstrava vergonha de falar quem era ao pai de seus filhos, que a vítima falava que tinha sido seu pai...". Deveras, verifico que os depoimentos das testemunhas em juízo, consentaneamente com a bem construída denúncia do parquet, mostram-se seguros, coerentes e afinados com os demais elementos de convicção acostados apud acta. Vale dizer, firmo a concepção que os depoimentos prestados pelas testemunhas, tanto na fase policial quanto em Juízo, apresentam verossimilidade, coerência e total plausibilidade, coadunando-se com o fato típico descrito no art. 213 do CP e levando, por corolário, a uma convicção de condenação. De fato, não há divergências ou discrepâncias nos depoimentos colhidos. Outrossim, cotejando com elementos trazidos pela investigação policial, ainda que analisado sob o prisma de valor relativo, tem -se que, apesar de negar a autoria em juízo, o réu confessou a prática de relações sexuais com sua filha perante a autoridade policial, inclusive afirmando estar arrependido. A essa altura, esclareço aqui que, em minha compreensão, a violência/grave ameaça (física e psicológica) estão claramente demonstradas. Isso é fato. Todavia, ainda que não estivessem, é fulcral rememorar-se que, pela apreciação do processo, ficou comprovado que as relações sexuais entre pai e filha (réu e vítima, respectivamente) se realizaram desde quando ela contava com idade inferior a catorze anos, mais precisamente desde o 12 (doze) anos de idade e perdurou durante muitos anos. Com efeito, à luz da legislação vigente à época, configuraria o crime de estupro independentemente da comprovação real da existência de grave violência física ou ameaça (casuística que a lei penal tratava sob os pilares da violência presumida [em razão da idade da vítima], não sendo necessário, portanto, qualquer prova cabal de transgressão, violência ou gravíssima ameaça para a configuração do delito). E, quanto a idade da vítima, me convenço que, à época do início dos abusos, teria ela sim idade inferior a 14 (catorze) anos, qual seja, 12 (doze) anos. Aliás, o próprio depoimento da vítima é claro em dizer em juízo que: "...começou a ter relação sexual do réu com doze anos...". Ademais, volto a mencionar, por ser de importância ímpar, que os laudos periciais de (DNA), ultimam, na mais extremada última análise, que a autoria e a materialidade do crime de estupro continuado ficaram plenamente evidenciada em prejuízo deste réu. Portanto, o conjunto de provas contidos nos autos é suficiente e robusto para embasar juízo condenatório. O exame das letras procedimentais atesta que a vítima (...), de fato, desde quando contava com menos de catorze anos, sofreu sequenciais e repetitivos abusos sexuais. Ademais, mesmo após a vítima ultrapassar a idade de 14 (quatorze) anos, a mesma foi forçada a manter relações sexuais com o réu por diversos anos, através de ameaças e agressões físicas, o que resultou no nascimento de 08 (oito) filhos de seu próprio pai; e que foi absurdamente privada de sua liberdade, bem como sofreu maus tratos juntamente com seus filhos (filhos-netos). Pois bem. Em obediência ao princípio constitucional da fundamentação e motivação das decisões judiciais, bem como em apreço à ampla defesa e contraditório, destaco, dando atenção aos argumentos defesa, que a negativa de autoria pelo réu (...) (modificando o depoimento inicialmente dado em fase policial) não é capaz de desconstituir as acusações (fortemente edificadas no transcorrer da passagem rito-processual) dirigidas contra ele, especialmente o exame pericial e os depoimentos das testemunhas, provas altamente contundentes na formação da convicção do julgador. Do mesmo modo descabe qualquer desclassificação para crime diverso. Nada obstante, não se pode chegar a outro entendimento senão o de que a negativa de autoria/materialidade é rechaçada, afastada, refutada pelos demais elementos probatórios produzidos ao longo da marcha processual (estes, por seu turno, inteiramente em consonância e harmonia com um juízo condenatório). De fato, como afirmou o MP: "... a versão eleita pelo Primeiro Acusado (negativa de autoria com a tentativa de denegrir a imagem da vitima) restou isolada e dissonante de todo o conjunto probatório...". Enfim, não há como serem acatadas as teses defensivas externadas. Por último, nos inúmeros estupros praticados, absorvo estar plenamente concretizado, no sopesar das circunstâncias fáticas e jurídicas do presente caso, o instituto penal da continuidade delitiva, todavia, não na modalidade qualificada do parágrafo único do artigo 71, haja vista que os diversos estupros foram praticados em detrimento de uma mesma vítima. In verbis: art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. (Redação dada pela Lei n. 7.209, de 11.7.1984) Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código.(Redação dada pela Lei n. 7.209, de 11.7.1984) Deveras, observando que o réu cometeu sucessivos estupros contra a mesma vítima, fica claro que o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, praticou mais de um crime da mesma espécie (mais de um crime de estupro) contra a mesma vítima e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, devendo-se aplicar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. Mudando o quadro, passando a analisar outro delito, a mesma linha de aquiescência com o pleito punitivo sigo quanto ao crime de sequestro e cárcere privado. Os círculos probatórios conduzem à indesejável conclusão de que o réu (...) privava a própria filha de sua liberdade, impedido-a de livre locomoção, o que contribuiu sobremaneira na inaceitável formação de um ser humano com pouca socialização e quase nenhum contato com o mundo exterior Como é amplamente consabido a privação da liberdade mediante sequestro ou cárcere privado é espécie subsidiária ao delito de constrangimento ilegal, e se configura quando a autor embaraça, injustificadamente, a liberdade de locomoção da vítima, exatamente como ocorreu in casu. Novamente, o depoimento testemunhal contribui para a correta configuração delituosa ao asseverar "...que a vítima era isolada e não ia para canto nenhum; que apenas saía em companhia do réu; que a vítima falava muito pouco e assustada...". Também aqui, mais uma vez, as palavras da vítima são contundentes ao declarar: "...que não saia de jeito nenhum de casa, por determinação do réu; que o réu batia na declarante para ter relações com ele e também demonstrar para as outras pessoas a sua indignação com as gravidezes; que até gostava de sair, mas o réu não deixava...". O próprio estado de desconhecimento quase completo da realidade, assim como a falta de ciência e contato com o mundo fora da propriedade rural em que vivia, plenamente demonstrados nos autos, e tudo por exigência do réu (que não permitia que a vítima de lá se retirasse), dá conta de que o delito de cárcere privado e a autoria recainte sobre o réu (...) estão, ambos, devidamente claros e incontroversos, podendo, desse modo, o decreto condenatório ser infligido ao aludido réu. Nesse crime, desde já adianto, em se verificando que o fato é passível de ser configurado tanto na modalidade qualificada pelo § 1º do Art. 148 (§ 1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos: I - se a vítima é ascendente, descendente ou cônjuge do agente e V - se o crime é praticado com fins libidinosos) quanto na modalidade qualificada pelo § 2º do Art. 148 (§ 2º - Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral. Pena - reclusão, de dois a oito anos). Desta forma, merece destaque o fato de que no presente caso estaríamos diante de uma situação que, aparentemente, se amolda a ambos os parágrafos (1º e 2º, do art. 148, do CP). Em consequência, hei por bem, para evitar o bis in idem, acolher tão somente um deles, vale dizer, o que tem a maior pena cominada, isto é, a qualificadora estampada no § 2º do Art. 148, do Código Penal. Por certo, a referida qualificadora é composta por vários elementos de natureza normativa que estão a exigir valoração. Por maus-tratos se deve entender qualquer ação ou omissão que cause ou possa causar danos ao corpo ou saúde da vítima ou vexá-la moralmente. Por outro lado, a expressão natureza da detenção refere-se ao modo e condições objetivas da detenção em si mesma. No presente caso, de toda a prova produzida ficou constatado que o réu agredia fisicamente a vítima frequentemente (maus-tratos), além de realizar a detenção da mesma para servir de verdadeira "escrava sexual", o que por certo ocasionou grave sofrimento físico e moral à jovem vítima. Em consequência, compartilho entendimento que restou comprovado que o réu (...) privou a liberdade de sua filha, em cárcere privado por diversos anos (desde sua infância até a vida adulta), resultando à vítima, em razão dos maus-tratos sofridos e da natureza da detenção, pois a filha era forçada a ter constantes relações sexuais com o pai, grave sofrimento físico e moral. Na mesma toada, contra o réu (...) configurou-se da prova produzida plena caracterização do crime de maus tratos, especialmente quanto às crianças (filhos-netos), absolutamente privados das mínimas condições de saúde, educação, alimentação, cuidados indispensáveis, saneamento, expondo, concretamente, à perigo suas vidas. De mais a mais, com esteio nos depoimentos outrora transcritos, emerge dos autos que, configurando e/ou corroborando mais uma vez o crime de maus tratos, ficou constatado que o réu batia nos filhos da vítima e que as marcas duravam, às vezes, três dias (fl. 135). Dessa maneira, fica plenamente subsumida a conduta do réu ao tipo penal em comento (que assim está redigido: "Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina") na forma qualificada do § 3º do art. 136 (que assim está redigido: "Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos"), como ratificam as certidões de nascimento das crianças (juntadas à fl.s 24 e ss.). As testemunhas que participaram, após as denúncias, da ida até o local em que viviam vítima e agressor, são indubitáveis e firmes em dizer e corroborar as condições inadmissíveis em que viviam a vítima e seus filhos, condições essas determinadas pela vontade e comportamento do réu (...). No plano em alusão, a testemunha Gildázio Batista Mendes afirmou: "...que parte de seus filhos ou todos, seriam filhos de (...); que moram em um local de difícil acesso, privados de assistência à saúde, educação e alimentação; que perto não existe escola nem posto de saúde...". A testemunha Silas de Sousa Silva também reitera que os envolvidos moravam "... em um local de difícil acesso, privados de assistência à saúde, educação e alimentação...". A testemunha Dulce Coelho Castro arrematou "... que o local é muito isolado; que foi em uma caminhonete traçada, até a casa do réu, inclusive derrubando mato; que o acesso é difícil e muito distante; que a moradia era precária; que a casa era totalmente sem higiene; que não dava nem par entrar; que tinha bichos nas comidas; que tinha roupas pelo chão; que não havia nada para comer; que as crianças estavam num estado muito ruim; que as crianças eram isoladas, inclusive uma corria da testemunha; que três crianças menores não se aproximaram de jeito nenhum...". Assim sendo, quanto ao réu (...) tenho por comprovadas as condutas que resvalam na cabal existência da prática dos crimes de tipificados no art. 213 c/c art. 224, alínea "a", com causa de aumento de pena prevista no art. 226, incisos II c/c art. 71, caput c/c 148, §2º, c/c art. 136, §3º, todos do Código Penal. Saliento, além disso, que, à luz da legislação vigente à época, o crime de estupro, embora não tenha ocorrido lesão corporal grave ou morte, é considerado também crime hediondo, ante o disposto no artigo 1º, inciso V, da Lei nº 8.072/90 (antiga redação). Nada obstante, em virtude de não haver qualquer menção a tais questões na peça acusatória, em obediência ao princípio da correlação, deixo de tecer dilações sobre o assunto. E por todo o aqui já exposto, e deixando para parte final propositadamente, rechaço também a alegação de ilegitimidade ad causam do Ministério Público Estadual para intentar a ação penal em trato aqui, eis que, ficou demonstrando que as relações sexuais tiveram início em época que a vítima possuía idade inferior a catorze anos, mais precisamente 12 (doze) anos, o que configura o modus de estupro com violência presumida e, com isso, atrai também a legitimidade do Ministério Público. Por outro prisma, após a vítima ultrapassar a marca dos 14 (quatorze) anos de idade, a mesma foi forçada a ter relações com o réu durante muitos anos, sendo ameaçada e agredida fisicamente para tanto. A esse respeito, súmula 608 STF: Estupro - Violência Real - Ação Penal - No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada. Além disso, de bom alvitre observar que rezava o antigo Art. 225 do Código Penal (redação antiga, contudo aplicável ao caso): Art. 225 - Nos crimes definidos nos capítulos anteriores, somente se procede mediante queixa. § 1º - Procede-se, entretanto, mediante ação pública: I - se a vítima ou seus pais não podem prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família; II - se o crime é cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador. § 2º - No caso do nº I do parágrafo anterior, a ação do Ministério Público depende de representação. (revogado) Forçoso observar que, mesmo que se entendesse ser o crime de ação penal pública condicionada à representação, só a título de argumentação, o entendimento do STJ sempre foi remansoso no sentido que a representação não exige formalidades exacerbadas, sendo certo que o simples comparecimento perante a autoridade policial já é suficiente para demonstrar a vontade de ver o acusado submetido ao processo penal (tendente à aplicação do jus puniendi estatal), valendo, desse modo, como representação, o que, de fato, efetivamente ocorreu nos presentes autos. Ex positis, diante das razões mencionadas, resta incólume a atuação/iniciativa ministerial. Ré (...) No que se tange à ré (...), corroboro entendimento de que a pretensão punitiva externada na denúncia não merece prosperar. Impera neste julgador sentimento de dúvida, imprecisão, incerteza, absolutamente incompatíveis com um juízo de condenação. Abstraio que a persecução penal carece de prova robusta a evidenciá-la da maneira necessária e adequada a subsidiar um juízo de condenação. O próprio titular da ação penal pediu a absolvição da aludida ré, nos termos enunciados às 162-164. De fato, os elementos probatórios tendentes a incriminar a ré são rarefeitos e frágeis. Vale dizer, escassos são os subsídios probatórios produzidos apud acta para a formação de uma convicção condenatória desse magistrado. Debruçando-me sobre o iter procedimental, noto que a própria prova testemunhal, e mesmo a arrolada pela acusação, mostra-se incipiente no sentido de firmar com solidez a participação efetiva (dolosa ou culposa) dessa ré. Apenas como exemplo, tomemos a testemunha Dulce Coelho Castro, que em seu depoimento afirmou: "...que a vítima está recebendo acompanhamento médico e psicológico; que a ré (...) demonstrava ter medo do réu; que vizinhos informaram que o réu batia na ré (...) e a vítima...". Na mesma toada, a própria vítima admite que: "...que o réu não falava nem para sua esposa sobre a paternidade; que sua mãe é adoentada e não sabia que o réu era o pai das crianças; que a sua mãe tinha medo do pai..". E, por fim, vê-se, também, que a própria acusada nega cabalmente que tenha participado dos delitos que lhe são imputados, e que é pessoa idosa com sérios problemas de saúde. Assim, creio que não há provas suficientes para afirmar que a mãe da vítima possuía pleno conhecimento e consciência das condutas criminosas praticadas pelo primeiro denunciado. Não há prova de que houve aquiescência, concordância, omissão dolosa ou culposa ou até mesmo aderência à conduta perpetrada pelo corréu (...). Aliás, o tão-só fato de residir na mesma casa com a vítima e com aquele, não leva à necessária consequência de que ela haveria se omitido e, assim, contribuído decisivamente para o acontecimento dos delitos. Tais ilações dependem de prova mais contundente, inexistentes, a meu ver, nesse momento, contra tal ré. Ademais, o relato da própria vítima não traz nenhuma informação de que essa ré tinha ciência da violência sexual perpetrada por seu marido. Portanto, abstraio que os elementos produzidos na fase policial não ganharam o devido respaldo em juízo, devendo, assim, diante da inexistência de prova robusta e em respeito ao princípio do in dubio pro réu, ser absolvida a ré (...). 3 - DISPOSITIVO Diante do exposto, levando em consideração as provas colhidas nos autos, restando provada a materialidade e autoria delitiva, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva externada na denúncia para CONDENAR o réu (...), dando-o como incurso nas penas do arts. 213 c/c art. 224, alínea "a", com causa de aumento de pena prevista no art. 226, incisos II c/c art. 71, caput c/c 148, § 2º, c/c art. 136, § 3º, todos do Código Penal. Entretanto, no que se refere a ré (...), JULGO IMPROCEDENTE a pretensão punitiva externada na denúncia para ABSOLVER a aludida processada dos crimes previstos Art. 213 c/c art. 224, alínea "a", com causa de aumento de pena prevista no art. 226, incisos I e II c/c art. 71, caput e parágrafo único c/c 148,§1º, incisos I e V c/c §2º do mesmo artigo c/c art. 136, §3º, todos do Código Penal, o que faço com espeque no art. 386, VII, do Código de Processo Penal. Nesse diapasão, a inteligência do Código de Processo Penal: "Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: [...] VII - não existir prova suficiente para a condenação" Passo, então, nesse momento, a aplicar a sanção pertinente ao réu (...), na medida exata à sua reprovação, prevenção e repreensão pelos crimes praticados, dosando-lhe a pena nos termos do disposto no artigo 59 e 68, ambos do Código Penal. I - Quanto ao crime de ESTUPRO previsto no antigo artigo Arts. 213 c/c art. 224, alínea "a", com causa de aumento de pena prevista no art. 226, inciso II c/c art. 71 , todos do Código Penal: A) 1ª Fase: Circunstâncias Judiciais (Art. 59 do CP): a) Culpabilidade com grau de reprovação acentuado, pois estuprou a própria filha desde os 12(doze) anos de idade até a vida adulta e, ainda, como se não bastasse, com ela teve vários filhos (filhos-netos). O réu sabia que agia ilicitamente, sendo-lhe exigida conduta diversa; b) O réu é possuidor de bons antecedentes, não existindo registro anterior de qualquer condenação definitiva por fato delituoso que venha desabonar essa circunstãncia; c) A conduta social, apesar da barbárie criminal cometida, é regular, trabalhando como lavrador, pessoa sem instrução e dedicada ao labor rurícola de subsistência; d) Não existem dados precisos sobre a sua personalidade, razão pela qual deixo de valorá-la; e) O motivo do crime constitui a vontade de satisfazer seus desejos sexuais, o que já é punido pela própria tipicidade e previsão do delito, de acordo com a própria objetividade jurídica dos crimes de ordem sexual. Ademais, o fato do crime ter vitimado uma filha do réu, que caracteriza causa de aumento de pena, será observado na fase posterior, razão pela qual deixo de valorá-la neste momento, como forma de não incorrer em bis in idem; f) Quanto as circunstâncias também as vejo prejudiciais, vez que o acusado agia em local ermo e remoto, afastado da comunidade local, aproveitando-se do temor reverencial, da vulnerabilidade, do isolamento, da desinformação e falta de proteção da vítima, sua própria filha, para o cometimento do crime. De fato, o modus operandi perpetrado depõe contra o acusado; g) As consequências do crime foram nefastas para a vítima e, especialmente, para os inúmeros "filhos-netos" oriundos de tal relação incestuosa, principalmente em uma cidade do interior em que toda a população acaba tendo conhecimento do delito. Com efeito, uma prole inteira foi gerada em decorrência de estupros incestuosos, revelando uma consequência negativa que vai muito além da violência sexual punida pelo tipo penal; h) Por derradeiro, o comportamento da vítima em nada contribuiu para o evento danoso. Dessa maneira, considerando o número das circunstâncias desfavoráveis, fixo a pena-base em 07 (sete) anos e 06 (seis) meses de reclusão. B) 2ª Fase: Circunstâncias Legais: Não concorrem circunstâncias atenuantes. Todavia, verifico a existência de duas agravantes descritas no art. 61, inciso II, alíneas "f" e "h", consistentes no fato do réu ter agido prevalecendo-se de relações domésticas e de coabitação, bem como contra criança. Assim aumento a pena em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses, resultando em 10 (dez) anos de reclusão. C) 3ª Fase: Causas de Aumento e de Diminuição: Não se encontram presentes causas de diminuição de pena. Por sua vez, amoldando-se ao disposto na Lei Penal, vejo que aplicável a causa de aumento de pena prevista no artigo art. 226, II, do CP, eis que o processado é ascendente da vítima (pai), tendo inclusive sobre ela autoridade, o que implica na majoração da pena em sua metade, perfazendo um total, assim, de 15 (quinze) anos de reclusão. Segundo, em se tratando de crime continuado (art. 71, CP), como já anteriormente debatido, entendo que o quantum de aumento deve ter como base o número de infrações criminais praticadas, ou seja, a quantidade de resultados obtidos pelo agente. Nesse sentido tem entendido o STJ: "(...) O aumento da pena pela continuidade delitiva se faz basicamente, quanto ao art. 71, caput, do Código Penal, por força do número de infrações praticadas. Qualquer outro critério, subjetivo viola o texto legal enfocado (precedente do STF e do STJ). (...) (STJ, Pet 4530/RJ, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª Turma, julgado em 12.06.06, DJ de 14.08.06, p. 300) e "(...) No aumento da pena pela continuidade delitiva deve-se levar em consideração o número de infrações cometidas. Precedentes." (STJ, REsp 628639/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, j. em 24.08.04, DJ de 04.10.04, p. 339). A par desse entendimento os Tribunais Superiores têm adotado uma margem de aumento de 2/3 (dois terços) quando praticados 07 (sete) ou mais crimes. Nesse sentido: "(...) O aumento da pena pela continuidade delitiva se faz, basicamente, quanto ao art. 71, caput, do Código Penal, por força do número de infrações praticadas. Qualquer outro critério, subjetivo, viola o texto legal enfocado. Logo, no caso de sete ou mais infrações, o aumento deve dar-se na fração de 2/3 (dois terços) (precedentes do STF e do STJ) (...) (STJ, RESp 773487/GO, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª Turma, DJ de 12.02.07, p. 294)". Pois bem. Em sendo aplicável ao caso a regra prevista no artigo 71, do Código Penal (crime continuado), a vista da existência concreta da prática de pelo menos 08 (oito) crimes de estupro, haja vista que a vítima teve 08(oito) filhos com o réu, o que por certo traz a conclusão matemática de que pelo menos em oito oportunidades distintas a vítima foi violentada, podendo, inclusive, ter sido estuprada por dezenas de vezes, posto que, nem sempre o estupro resulta em gravidez, majoro a pena em 2/3 (dois terços), totalizando 25 (vinte e cinco) anos de reclusão. À míngua de outras circunstâncias a considerar, torno a pena definitiva em 25 (vinte e cinco) anos de reclusão. Não obedecendo aos requisitos do art. 77, CP, inviável a suspensão condicional da pena. Da mesma maneira, não se amoldando aos ditames do art. 44, CP, incabível a substituição por pena restritiva de direitos. Nos termos do art. 33, § 2, "a", o regime de cumprimento da pena, inicialmente, será o fechado. II - Quanto ao crime de CÁRCERE PRIVADO previsto 148, §2º, do Código Penal: A) 1ª Fase: Circunstâncias Judiciais (art. 59 do CP): a) Culpabilidade com grau de reprovação acentuado, pois manteve em cárcere privado a própria filha quando ainda era menor de idade e, ainda, como se não bastasse, durante vários anos (longo lapso temporal subjugando sua liberdade/locomoção); b) Réu primário e bons antecedentes, não respondendo nem condenado em nenhum outro processo criminal; c) A conduta social, apesar da barbárie criminal cometida, é regular, trabalhando como lavrador, pessoa sem instrução e dedicada ao labor rurícola de subsistência; c) Não existem dados precisos sobre a sua personalidade; d) Os motivos do crime não favorecem o acusado, pois se resumem à manter em cárcere a descendente para, com isso, instrumentalizar e viabilizar a prática de seus intentos sexuais; e) Quanto as circunstâncias também as vejo prejudiciais ao réu. O modus operandi perpetrado escapa a um nível que se possa considerar comum ou ordinário ao crime. De fato, o acusado agiu em circunstâncias condignas da mais alta repressão, haja vista que realizou o cárcere em local de dificílimo acesso, mantendo a vítima durante anos longe de contato com a sociedade, subjugando-a, excluindo-a do convívio social; f) As consequências do crime foram nefastas para a vítima, especialmente porque, em razão do cárcere a vítima foi absolutamente impedida do contato normal com a sociedade, retirando, quase que absolutamente, todas as perspectivas, anseios, experiências e demais caracteres essenciais a vida de qualquer ser humano; g) Por derradeiro, o comportamento da vítima em nada contribuiu para o evento danoso. Nesse crime, ressalto que a segunda forma qualificada (§ 2º, do art. 148, CP), como já anteriormente dissertado, mostrou-se devidamente configurada, eis que a vítima em razão de maus tratos e da natureza da detenção sofreu grave sofrimento moral. Dessa maneira, considerando a preponderância das circunstâncias desfavoráveis, fixo a pena-base em 05 (cinco) anos de reclusão. B) 2ª Fase: Circunstâncias Legais: Não concorrem circunstâncias atenuantes. Todavia, verifico a existência de três agravantes descritas no art. 61, inciso II, alíneas "e", "f" e "h", consistentes no fato do réu ter agido contra descendente (filha), prevalecendo-se de relações domésticas e de coabitação, bem como contra criança. Assim aumento a pena em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, resultando em 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de reclusão. C) 3ª Fase: Causas de Aumento e de Diminuição: Não vislumbro causas de aumento ou de diminuição de pena. À míngua de outras circunstâncias a considerar, torno a pena definitiva em 07 (sete) anos 06 (seis) meses de reclusão. Não obedecendo aos requisitos do art. 77 (especialmente caput e inciso II), CP, inviável a suspensão condicional da pena. Da mesma maneira, não se amoldando aos ditames do art. 44 (especialmente inciso I e III), CP, incabível a substituição por pena restritiva de direitos. Nos termos do art. 33, § 2º, "b", o regime de cumprimento da pena, inicialmente, será o semi-aberto. III - Quanto ao crime de MAUS-TRATOS previsto no art. 136, §3º, do Código Penal: A) 1ª Fase: Circunstâncias Judiciais (Art. 59 do CP): a) Culpabilidade com grau de reprovação acentuado, pois concretizou o crime de maus tratos contra diversas crianças, seus filhos, deixando-as em estado de completa penúria e total falta de condições (mínimas) em uma localidade de dificílimo acesso; b) Réu primário e bons antecedentes, não respondendo nem condenado em nenhum outro processo criminal; c) A conduta social, apesar da barbárie criminal cometida, é regular, trabalhando como lavrador, pessoa sem instrução e dedicada ao labor rurícola de subsistência; d) Não existem dados precisos sobre a sua personalidade; e) Os motivos do crime também ficam à neutralidade, pois não abstraio dos autos a motivação que alavancou a prática dos maus tratos contra referidas vítimas; f) Quanto as circunstâncias, as vejo prejudiciais, vez que o acusado agiu em circunstâncias condignas da mais alta repressão, isso levando em conta que as vítimas eram seus "filhos-netos" e, mormente, porque foram fruto de reprovável situação incestuosa; g) As consequências do crime foram funestas para as vítimas porquanto, em razão dos maus tratos e isolamento social, observa-se como resultado crianças extremamente arredias, dessocializadas, sem as inafastáveis experiências sociais e educação necessárias a um sadio desenvolvimento físico e mental de qualquer pessoa.; h) Por derradeiro, o comportamento das vítimas em nada contribuíram para o evento danoso. Dessa maneira, considerando o empate das circunstâncias judiciais, fixo a pena-base em 06 (seis) meses de detenção. B) 2ª Fase: Circunstâncias Legais: Não concorrem circunstâncias atenuantes. Todavia, verifico a existência de três agravantes descritas no art. 61, inciso II, alíneas "e", "f" e "h", consistentes no fato do réu ter agido contra descendentes (filhos), prevalecendo-se de relações domésticas e de coabitação, bem como contra criança. Assim aumento a pena em 03 (três) meses, resultando em 09 (nove) meses de detenção. C) 3ª Fase: Causas de Aumento e de Diminuição: Não antevejo causa de diminuição de pena. Aumento a pena em um terço (art. 136, § 3º), tendo em conta que o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, resultando em 01 (um ano) de detenção. À míngua de outras circunstâncias a considerar, torno a pena definitiva em 01 (um) ano de detenção. Não obedecendo aos requisitos do art. 77 (especialmente caput e inciso II), CP, inviável a suspensão condicional da pena. Da mesma maneira, embora os incisos I e II do art. 44, CP, pareçam ser favoráveis ao réu, tenho que o inciso III do mesmo artigo é insuperável, não permitindo, pelos motivos já expostos na fundamentação deste decisum a substituição da pena por pena restritiva de direitos. Nos termos do art. 33, § 2, "c", o regime de cumprimento da pena, inicialmente, será o aberto. Não obstante, obtém-se o raciocínio que é da inércia ou inoperância estatal em punir o autor do injusto dentro dos lapsos razoáveis estabelecidos no art. 109 e incisos do Código Penal que se produz o instituto da prescrição. A rigor, não há de se falar em jus puniendi como sendo um direito que o Estado possa exercer eternamente, devendo, portanto, serem observados os prazos listados na legislação, sob pena de perecimento do poder punitivo estatal em relação aos autores de violações às normas penais. Como é sabido, o fenômeno da prescrição pode se manifestar através de duas modalidades diversas, que são a prescrição da pretensão punitiva e da pretensão executória. Nessa ordem de pensamento, sendo lícita a afirmativa que o Estado possui o poder-dever de punição todas as vezes que se dá violação de norma penal, deve-se ter em mente também que ao acusado é assegurado o direito de ser processado de forma justa e democrática, inclusive observando-se prazos razoáveis para a conclusão do feito. Pois bem. Tendo em vista que o recebimento da denúncia se deu no dia 21 de julho de 2010, portanto há mais de 04 (quatro), o presente caso concreto encontra-se prescrito já que pela dicção do art. 109, V, do Código Penal, que afirma que quando aplicada pena privativa de liberdade de até 01(um) ano o crime prescreve em 04 (quatro) anos. Com efeito, é cediço que a prescrição, sendo matéria de ordem pública, deve ser decretada, quando reconhecida, em qualquer fase do processo, de ofício ou a requerimento das partes. Ante tais condições e com lastro em tudo o mais que dos autos consta, DECLARO PRESCRITO O CRIME DE MAUS-TRATOS, à luz do que dispõe o artigo 107, inciso IV c/c artigo 109, todos do Código Penal. IN FINE, desponta, na hipótese dos autos, o concurso material de delitos. Pelo que, somando a pena de 25 (VINTE E CINCO) anos de reclusão aplicada ao crime de estupro continuado, mais a pena de 07 (SETE) anos e 06 (SEIS) meses anos de reclusão aplicada ao crime de sequestro/cárcere privado, RESULTA UMA PENA TOTAL DEFINITIVA DE 32 (TRINTA E DOIS) ANOS E 06 (SEIS) MESES DE RECLUSÃO. Nos termos do art. 33, § 2º, "a", o regime de cumprimento da pena, inicialmente, será o FECHADO, a ser cumprida na Unidade Penitenciária de Balsas/MA, procedendo-se à devida detração da pena privativa de liberdade cumprida em caráter cautelar. Considerando que, em decisão fundamentada, já colacionada nos autos, em virtude da grave situação de saúde do réu (...), atualmente agraciado pela substituição da prisão preventiva por cautelar de prisão domiciliar, CONCEDO AO PROCESSADO O DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. Isso porque revelar-se-ia um contrassenso segregá-lo nessa fase processual, nos termos de orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, sem motivação idônea. Isento o acusado no pagamento das custas processuais em razão de sua reconhecida hipossuficiência financeira. De outra banda, tendo em vista que os réus encontram-se patrocinados pelo Dr. Crisógono Rodrigues Vieira, OAB-MA 3180, atualmente exercendo o cargo de Prefeito do Município de Riachão, o que o impossibilita de atuar na presente, determino a intimação pessoal dos réus para devida ciência do teor da sentença, bem como para constituírem novo causídico, no prazo legal. Em não sendo constituído patrono no prazo legal, nomeio o Dr. Agnaldo Coelho de Assis, OAB-MA 12.120, para fins recursais e demais atos processuais. Intimem-se as vítimas acerca desse decisum. Dê-se ciência ao Ministério Público Estadual. Publique-se. Registre-se. Intime-se, sendo que os réus pessoalmente. Após o trânsito em julgado, lance-se o nome do réu condenado no rol dos culpados, com as anotações e comunicações de rigor, expedindo-se a competente Guia de Execução Criminal. Comunique-se à Justiça Eleitoral, para o lançamento dos procedimentos correspondentes quanto à suspensão dos direitos políticos do réu (art. 15, III, da Constituição Federal). Riachão-MA, 20 de outubro de 2014. ALESSANDRO ARRAIS PEREIRA Juiz de Direito - Titular da Comarca de Riachão-MA Resp: 1503218

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Democracia? Houve isso ontem, 26.10.2014?

Heródoto (485?-420 a.C), em suas Histórias (Livro III, §§ 80-82), trouxe uma Discussão Célebre, reproduzida por Bobbio, sendo que deste extraio:
Uma história das tipologias das formas de governo, (...) entre três persas-Otanes, Megabises e Dario-sobre a melhor forma de governo a adotar no seu país depois da morte de Cambises. O episódio, puramente imaginário, teria ocorrido na segunda metade do século VI antes de Cristo, mas o narrador, Heródoto, escreve no século seguinte. De qualquer forma, o que há de notável é o grau de desenvolvimento que já tinha atingido o pensamento dos gregos sobre a políticaura século antes da grande sistematização teórica de Platão e Aristóteles (no século IV).
A passagem é verdadeiramente exemplar porque, como veremos, cada uma das três personagens defende uma das três  formas de governo que poderíamos denominar de "clássicas" - não só porque foram transmitidas pelos autores clássicos mas também porque se tornaram categorias da reflexão política de todos os tempos (razão por que são clássicas mas igualmente modernas). Essas três formas são: o governo de muitos, de poucos e de um só, ou seja, "democracia", "aristocracia" e "monarquia", embora naquela passagem não encontremos ainda todos os termos com que essas três modalidades de governo foram consignadas à tradição que permanece viva até nossos dias. Dado o caráter exemplar do trecho, e sua brevidade, convém reproduzi-lo integralmente:
"Cinco dias depois de os ânimos se haverem acalmado, aqueles que se rebelaram contra os magos examinaram a situação; as palavras que disseram então pareceriam incríveis a alguns gregos, mas foram realmente pronunciadas.
Otanes propôs entregar o poder ao povo persa, argumentando assim: 'Minha opinião é que nenhum de nós deve ser feito monarca, o que seria penoso e injusto. Vimos até que ponto chegou a prepotência de Cambises, e sofremos depois a dos magos. De que forma poderia não ser irregular o governo monárquico se o governo monárquico se o monarca pode fazer o que quiser, se não é responsável perante nenhuma instância?
Conferindo tal poder, a monarquia afasta do seu caminho normal até mesmo o melhor dos homens. A posse de grandes riquezas gera nele a prepotência, e a inveja é desde o princípio parte da sua natureza. Com esses dois defeitos, alimentará todas as malvadezas: cometerá de fato os atos mais reprováveis, em alguns casos devido à prepotência, em outros à inveja. Poderia parecer razoável que o monarca e tirano fosse um homem despido de inveja, já que possui tudo.
Na verdade, porém, do modo como trata os súditos demonstra bem o contrário: tem inveja dos poucos bons que permanecem, compraz-se com os piores, está sempre atento às calúnias. O que há de mais vergonhoso é que, se alguém lhe faz homenagens com medida, crê não ter sido bastante venerado; se alguém o venera em excesso, se enraivece por ter sido adulado. Direi agora, porém, o que é mais grave: o monarca subverte a autoridade dos pais, viola as mulheres, mata os cidadãos ao sabor dos seus caprichos.
O governo do povo, porém, merece o mais belo dos nomes, 'isonomia'; não faz nada do que caracteriza o comportamento do monarca. Os cargos públicos são distribuídos pela sorte; os magistrados precisam prestar contas do exercício do poder; todas as decisões estão sujeitas ao voto popular. Proponho, portanto, rejeitarmos a monarquia, elevando o povo ao poder o grande número faz com que tudo seja possível'.
Esse foi o parecer de Otanes. Megabises, contudo, aconselhou a confiança no governo oligárquico: 'Subscrevo o que disse Otanes em defesa da abolição da monarquia; quanto à atribuição do poder ao povo, contudo, seu conselho não é o mais sábio. A massa inepta é obtusa e prepotente; nisto nada se lhe compara. De nenhuma forma se deve tolerar que, para escapar da prepotência de um tirano, se caía sob a da plebe desatinada. Tudo o que faz, o tirano faz conscientemente; mas o povo não tem sequer a possibilidade de saber o que faz. Como poderia sabê-lo, se nunca aprendeu nada de bom e de útil, se não conhece nada disso, mas arrasta indistintamente tudo o que encontra no seu caminho? Que os que querem mal aos persas adotem o partido democrático; quanto a nós, entregaríamos o poder a um grupo de homens escolhidos dentre os melhores - e estaríamos entre eles. É natural que as melhores decisões sejam tomadas pelos que são melhores'.
Foi esse o parecer de Megabises. Em terceiro lugar, Dario manifestou sua opinião: 'O que disse Megabises a respeito do governo popular me parece justo, mas não o que disse sobre a oligarquia. Entre as três formas de governo, todas elas consideradas no seu estado perfeito, isto é, entre a melhor democracia, a melhor oligarquia e a melhor monarquia, afirmo que a monarquia é superior a todas.
Nada poderia parecer melhor do que um só homem- o melhor de todos; com seu discernimento, governaria o povo de modo irrepreensível; como ninguém mais, saberia manter seus objetivos políticos a salvo dos adversários.
Numa oligarquia, é fácil que nasçam graves conflitos pessoais entre os que praticam a virtude pelo bem público: todos querem ser o chefe, e fazer prevalecer sua opinião, chegando por isso a odiar-se; de onde surgem as facções, e delas os delitos. Os delitos levam à monarquia, o que prova que esta é a melhor forma de governo.
Por outro lado, quando é o povo que governa, é impossível não haver corrupção na esfera dos negócios públicos, a qual não provoca inimizades, mas sim sólidas alianças entre os malfeitores: os que agem contra o bem comum fazem-no conspirando entre si. É o que acontece, até que alguém assume a defesa do povo e põe fim às suas tramas, tomando-lhes o lugar na admiração popular; admirado mais do que eles, torna-se monarca. Por isso também a monarquia é a melhor forma de governo.
Em suma, para dizê-lo em poucas palavras: de onde nos veio a liberdade? Quem a deu? O povo, uma oligarquia, ou um monarca?
Sustento que, liberados por obra de um só homem, devemos manter o regime monárquico e, além disso, conservar nossas boas instituições pátrias: não há nada melhor'."
A passagem é tão clara que é quase desnecessário comentá-la. (...)[1]
Habermas e Luhmann já evidenciaram que a ditadura da maioria não é democracia. Lamentavelmente, um povo inculto é dominado, apenas dominado, e piora a situação do Estado. Isso verificamos ontem!




[1] BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. 10. ed. Brasília: UnB, 1981. p. 39-41.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Policial Civil que prendeu segurança do Centro Clínico Júlio Adnet, em princípio, praticou crime, gerando a responsabilidade objetiva do Estado


Ao meio-dia de 14.10.2014, um Agente de Polícia da Divisão de Operações Especiais da Polícia Civil do Distrito Federal (DOE/PCDF), pulou uma catraca e entrou em no Centro Médico Júlio Adnet, localizado no SEPS 709/909, em Brasília-DF, sem se identificar. Ao sair, quando questionado sobre o seu comportamento, o policial algemou e prendeu o segurança e eu pude ouvir que ele dizia, na presença da imprensa, que estava agindo daquele modo porque fora ameaçado. Na Delegacia de Polícia, ao que consta, registrou-se eventual desacato.

A PCDF teria informado que o caso estaria sendo investigado pela sua Corregedoria e o Agente de Polícia se disse abalado porque o filho estava como crise alérgica, sendo que a PCDF teria declarado à Rede Globo de Televisão que se fosse comprovado o abuso de autoridade, ele poderia ser advertido ou suspenso de suas atividades.

Dentre várias razões, sou contra a autonomia política do DF até porque as suas Polícias Civil e Militar são organizadas e mantidas pela União. Por isso é a Lei Federal n. 4.878, de 3.12.1965, que constitui Estatuto da PCDF, do qual extraio o seguinte:

Art. 43. São transgressões disciplinares: (...) VIII - praticar ato que importe em escândalo ou que concorra para comprometer a função policial; (...) XVII - faltar à verdade no exercício de suas funções, por malícia ou má-fé; (...) XX - deixar de cumprir ou de fazer cumprir, na esfera de suas atribuições, as leis e os regulamentos; (...) XXV - apresentar maliciosamente, parte, queixa ou representação; (...) XXIX - trabalhar mal, intencionaImente ou por negligência; (...) XXXVIII - maltratar preso sob sua guarda ou usar de violência desnecessária no exercício da função policial; (...) XLVIII - prevalecer-se, abusivamente, da condição de funcionário policial.

Art. 44. São penas disciplinares: I - repreensão; II - suspensão; III - multa; IV - detenção disciplinar; V - destituição de função; VI - demissão; VII - cassação de aposentadoria ou disponibilidade.

Art. 45. Na aplicação das penas disciplinares serão considerados: I - a natureza da transgressão, sua gravidade e as circunstâncias em que foi praticada; Il - os danos dela decorrentes para o serviço público; Ill - a repercussão do fato; IV - os antecedentes do funcionário; V - a reincidência.

A Lei n. 4.898, de 9.12.1965, dispõe:

Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: a) à liberdade de locomoção (...).

Art. 4º Constitui também abuso de autoridade: a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder (...).

Art. 6º O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa civil e penal. § 1º A sanção administrativa será aplicada de acordo com a gravidade do abuso cometido e consistirá em: a) advertência; b) repreensão; c) suspensão do cargo, função ou posto por prazo de cinco a cento e oitenta dias, com perda de vencimentos e vantagens; d) destituição de função; e) demissão; f) demissão, a bem do serviço público. § 2º A sanção civil, caso não seja possível fixar o valor do dano, consistirá no pagamento de uma indenização de quinhentos a dez mil cruzeiros. § 3º A sanção penal será aplicada de acordo com as regras dos artigos 42 a 56 do Código Penal e consistirá em: a) multa de cem a cinco mil cruzeiros; b) detenção por dez dias a seis meses; c) perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo até três anos. § 4º As penas previstas no parágrafo anterior poderão ser aplicadas autônoma ou cumulativamente.

Parece-me evidente que o prejulgamento manifestado pela PCDF, demonstrando certo corporativismo, visto que procura omitir dados do policial e atenua, sem um devido processo legal, a eventual responsabilização possível. Isso se manifesta porque o Jornal Correio Brasiliense informa dados do segurança preso, mas não informa o nome de Agente de Polícia, como se houvesse sigilo, quando a regra da Administração Pública é da publicidade (Constituição Federal, art. 37, caput). Com isso, não digo que ele mereça demissão, mas ela será, em tese, possível até o julgamento final pela autoridade administrativa com poderes para tal.

Um Estado mal estruturado que só tem polícia prevista constitucionalmente como órgãos ou corporações de segurança pública (Constituição Federal, art. 144) precisa melhorar muito. Observe-se que Professores Doutores têm vencimentos iniciais menores do que Agentes de Polícia, o que evidencia o descaso estatal.

Houve um tempo em que os policiais eram rejeitados socialmente. Convivi um pouco com esse momento, quando era Cadete e Oficial da Polícia Militar do Distrito Federal (de 1987 a 1994). Naquela ocasião, policiais civis não gostavam muito de estarem uniformizados, mas houve uma mudança nesse cenário e agora todos querem se apresentar caracterizados, uniformizados, quando o policiamento ostensivo deve ser reservado à polícia preventiva (Polícias Militares e Policia Rodoviária Federal).

Viatura descaracterizada deveria ser a preferência da polícia repressiva ou judiciária (Polícias Civis e Polícia Federal). Mas, ao contrário, especialmente os grupos de operações especiais preferem se exibirem, tornarem ostensivos, invertendo princípios básicos das atividades policiais. Aliás, sobre isso, o mesmo Agente de Polícia, em 29.9.2014, poucos dias antes, durante a operação policial do sequestro no Hotel St. Peter fez uma foto de si mesmo e de um atirador de elite que fazia visada do sequestrador, o que sem dúvida representa um ato de exibicionismo inadequado.

Isso demonstra que é necessário organizar o Estado, dar senso de responsabilidade a certos policiais e que não podemos ficar esperando por protecionismos, até porque, espero, o segurança proporá ação de indenização por danos morais contra o Estado, devendo a Procuradoria mover ação regressiva contra o Agente de Polícia que provocou a responsabilidade civil do Estado por seu ato evidentemente abusivo.

Esclareça-se que os crimes mencionados, ameaça (Código Penal, art. 147) e desacato (Código Penal, art. 331), são de menor potencial ofensivo, não ensejando, em princípio, autuação em flagrante (Lei n. 9.099, de 26.9.1995, art. 69). Assim, a exposição pública do segurança do prédio àquela prisão em flagrante traz a responsabilidade objetiva do Estado pelos danos causados pelo seu agente público.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Caso absurdo de pedofilia que teria solução ainda pior no Brasil.

Hoje, às 14h27, o Terra publicou notícia sob o seguinte título: "Britânica é presa por fazer sexo com filho de 12 anos: a mulher gravou a cena para o namorado que a dizia o que fazer com a criança" (veja-se aqui).
 
Segundo a notícia, a mulher, ouvia as orientações de como proceder durante o ato sexual com o adolescente, advindas do namorado que vive em outro país, isso por aparelho eletrônico auricular, sendo que foi condenada a 3 anos.
 
Aqui no Brasil, ante a informação pericial, de um Psiquiatra, de que ela sobre de transtorno que a torna suscetível ao domínio alheio (namorado), ela poderia ser considerada inimputável ou semi-imputável, o que a tornaria suscetível de medida de segurança ou pena reduzida (CP, art. 26). Porém, a se confirmar a condenação como imputável, a pena mínima possível seria 8 anos (Código Penal, art. 217-A, caput), a ser majorada de metade (Código Penal, art. 226, inc. II). Pior ainda, a lei do cárcere é a de que o estuprador deve ser violentado.
 
Costumo criticar o excesso de rigor do Direito anglo-saxão, mas esse caso demonstra que temos aqui Direito mais severo a se concretizar, o que é lamentável, pois o fato absurdo concretizado jamais poderá ser solucionado pela absurda pena a se concretizar.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Confirmada a inconstitucionalidade da Resolução n. 23.396-TSE

Mencionei, em postagem de 21.4.2014, que a Resolução n. 23.396-TSE é inconstitucional. Em 21.5.2014, o STF suspendeu liminarmente a eficácia do art. 8º da referida reunião, isso porque ele exigia autorização judicial para que fosse feita investigação judicial, o que afetou gravemente o sistema acusatório.
 
Veja-se aqui o informativo do STF que explica as razões da decisão, sendo que ela foi publicada no dia 16.6.2014 (podendo ser visualizada aqui).
 
O último andamento da ADI n. 5104 é o da publicação recém-mencionada. Com isso, pode o Ministério Público pode investigar crime eleitoral, mas, obviamente, não poderá instaurar inquérito policial, uma vez que não integra a polícia judiciária.

domingo, 22 de junho de 2014

O "Ronaldo de Lula" e a improcedência do seu pedido de reparação de danos morais

1. FINALIDADE
Recebi uma provocação de um amigo de infância, Pedro Américo Pinheiro Câmara, acerca de uma sentença, proferida pela 2ª Vara Cível da Comarca de São Paulo (Processo n. 011.06.119342-9), acerca do "Ronaldo de Lula", o Lulinha (ou Fábio Luís Lula da Silva), cujo inteiro teor está disponível na rede mundial de computadores,[1] sendo que resolvi tecer aqui alguns comentários.
2. DESENVOLVIMENTO
Não tratarei de todo processo, mas da sentença que julgou improcedente o pedido de reparação de danos morais, formulado por Fábio Luís Lula da Silva contra a Editora Abril S.A. e Alexandre Oltramari, em face da Edição n. 1979 da Revista Veja, de 25.10.2006, intitulada “O Ronaldo de Lula”.
Na parte relativa aos recursos, menciono aspectos não inseridos na sentença, os quais não serão melhor explicitados aqui porque, no tocante à imprensa, não houve significativa alteração.
A matéria impugnada faz um paralelo entre o autor e Ronaldo Luís Nazário de Lima, o "Ronaldo Fenômeno do futebol", isso porque o pai de Fábio Luís Lula da Silva, enquanto Presidente da República, disse que este era um fenômeno dos negócios, isso quando indagado sobre o crescimento vertiginoso da Empresa GamesCorp (do seu filho), vinculado o sócio do autor, Kalil Bittar, a influentes lobistas de Brasília.
Houve divulgação autorizada da imagem do autor (inclusive na capa da revista), mas entendeu ele que houve dano moral cujo valor deveria ser arbitrado pelo juízo. Porém, em contestação, os réus sustentaram que o autor é pessoa pública, que o paralelo entre ele e o jogador de futebol foi feito pelo seu pai e que os fatos são de interesse público, estando sendo investigados pela CVM e pelo Ministério Público e divulgados por outros meios de comunicação de massa. Com isso, não houve qualquer pretensão ofensiva, mas de informação baseada na informação de fontes concretas, inclusive de Alexandre Paes Santos, que detalhou suas atividades de lobista, ao lado do seu sócio, Kalil Bittar.
Como fundamento da decisão, a juíza, em apertada síntese, expôs:
(a) a legislação brasileira, desde o Decreto de 18.11.1823, considera a liberdade de imprensa “um dos mais firmes sustentáculos dos governos constitucionais”, fazendo rápida apresentação da evolução legislativa para afirmar que “o legislador brasileiro sempre quis assegurar a liberdade de imprensa, vedada a censura, restringindo a responsabilidade dos órgãos de imprensa à ocorrência de abuso”;
(b) vislumbrou o conflito entre princípios constitucionais: liberdade de imprensa (art. 5º, inc. IX, e art. 220 da Constituição Federal) e inviolabilidade da honra e da imagem da pessoa (art. 5º, inc. X, da Constituição Federal). Porém, invocando lições doutrinárias, inclusive do referencial teórico acadêmico e imprescindível sobre o assunto – Robert Alexy – conclui que a imprensa divulgar fatos de interesse público é mais do que um direito, é um dever;
(c) o repórter demonstrou não ter sido irresponsável, uma vez que investigou profundamente os fatos, sendo que – posteriormente à reportagem – foi “comprovada pela edição do decreto presidencial e pela compra da Brasil Telecom pela Oi, antiga Telemar e que integrava a GameCorp, da qual o autor era sócio (consoante o esquema trazido na petição inicial, à f. 4).
A sentença, datada de 20.11.2009, me faz lembrar de aspectos importantes:
(I) no dia 8.7.2008, Daniel Dantas foi preso, isso como resultado da Operação Satiagraha, da Polícia Federal, enquanto todos comentavam que ia acontecer a operação entre a Oi e a Brasil Telecom, com investimentos da própria República Federativa do Brasil, ela se realizou;
(II) com tudo acontecendo às escâncaras, em 10.12.2013, nos autos da apelação n. 0170712-77.2010.8.26.0000, deu-se provimento parcial ao apelo de Fábio Luís Lula da Silva. Sendo essa a conclusão do relator:
Pelo exposto, DÁ-SE PROVIMENTO EM PARTE ao recurso para condenar-se o requerido Alexandre Paes dos Santos a compensar o autor, por dano moral, na forma constante da fundamentação, além das custas do processo e honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor devido, nos termos do art. 20, § 3º, do CPC e reduzir os honorários advocatícios a que foi condenado o autor a pagar aos requeridos Editora Abril e Alexandre Oltramari para R$ 2.000,00, na data deste julgamento, por equidade, em conformidade com o art. 20, § 4º, do CPC, a partir de quando serão atualizados pelos índices da Tabela Prática do TJSP. Juros de mora de 1% ao mês somente serão devidos, não havendo o cumprimento espontâneo, a partir da intimação para pagamento.
O decisum, tomado por maioria, ficou assim ementado:
EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL – Dano Moral – Gravação de entrevista feita por jornalista na qual o entrevistado se refere ao autor como “idiota”, “uma decepção” e ainda, ser portador de uma “disfunção”, da qual toma conhecimento do conteúdo pela juntada da degravação do CD em outra ação – Injúria - Ainda que a opinião pessoal sobre uma pessoa seja expressa em ambiente familiar, de confradaria ou num círculo particular e sem repercussão pública, é inadmissível que se possa tecer qualquer tipo de comentário ofensivo à dignidade ou ao decoro de outrem, livre de qualquer consequência. A liberdade de opinião é consentânea ao dever de reparar o mal causado – Inequívoca intenção de ofender – Inexistência de culpa do Semanário e do jornalista – Juntada aos autos da degravação da conversação entre os corréus, indispensável diante da negativa do interlocutor quanto a sua realização, estando inserido no direito de ampla defesa, uma vez que a liberdade de imprensa, nestas circunstâncias, não isentava o veículo de comunicação da prova, não da veracidade da notícia, mas da existência da imputação veiculada contra o autor - Honorários advocatícios – Redução - Recurso provido em parte.
Foram opostos embargos de declaração, sendo que, em 25.3.2014, eles foram rejeitados, havendo recurso especial pendente de análise de admissibilidade no Superior Tribunal de Justiça. De qualquer modo, em relação à imprensa, a decisão colegiada não inova, haja vista que a condenação (em sede recursal) se refere a uma pessoa que foi entrevistada pelo repórter e que foi fonte da matéria publicada.
3. CONCLUSÃO
Hoje eu lia um livro e fiz um grifo com nota marginal em que consignei “perguntas inquietantes”:
“Por que membros de famílias paupérrimas preferem morrer a roubar? Por que políticos, magistrados, delegados, que têm uma boa posição social e recebem polpudos salários, se acumpliciam com o crime organizado? Por que pessoas bem posicionadas desviam dinheiro da merenda escolar?”[2]
Não estou afirmando que há corrupção de magistrado, até porque Alexandre Paes dos Santos não é citado na sentença de 1ª instância. Também, a sentença não menciona os argumentos relativos à suposta injúria, cujo lugar próprio seria o foro criminal. Por isso, parece-me estranho que a 1ª Câmara de Direito Privado, por relatoria de Alcides Leopoldo e Silva Júnior, tenha reformado parcialmente a sentença, dando ensejo a continuar a discussão sobre a matéria.
O Brasil parece pretender apenas o erro, a falácia etc. Fico tentando alertar para a necessidade, nestes tempos de eleição, pretender mudar o poder e a cultura de mantermos regimes totalitários (correntes na história do Brasil), em que há alternância de governantes, mas se mantém o mesmo núcleo de poder.[3] Por isso, espero mudanças, e no caso da sentença exposta, somente à vista dos autos poderia dizer se a manteria.



[1] BRASIL. TJSP. 2ª Vara Cível da Comarca de São Paulo. Processo n. 011.06.119341-9. Juíza de Direito Auxiliar Luciana Novakoski F. A. de Oliveira. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/decisao-lulinha-editora-abril.pdf>. Acesso em: 22.6.2014, às 17h38.
[2] LISBÔA, Antonio Marcio Junqueira. A primeira infância e as raízes da violência: propostas para a diminuição da violência. Brasília: LGE, 2007. p. 63.
[3] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Entre dois totalitarismos, o militar e o petista. Disponível em: <http://sidiojunior.blogspot.com.br/2014/05/entre-dois-totalitarismos-o-militar-e-o.html>. Acesso em:  22.6.2014, âs 19h22.