segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

O brasileiro não está acostumado à democracia

Democracia, do grego demokratía, “governo do povo”, é exercida representativamente por uma regra da maioria, severamente criticada por Niklas Luhmann (1927-1998). Mas, Luhmann foi produtivo em um momento anterior à rede mundial de computadores, afirmando que a sociedade conhece a si própria através dos meios de comunicação de massa.[1]

Celso Campilongo, um dos pupilos de Raffaele de Giorgi, que trabalhou com Luhmann, tratou, em brinhante livro, acerca do pensamento dos dois. Ele entende que a produção do Direito só se legitima com o beneplácito da maioria.[2]

Neste artigo, teremos especial preocupação com isso, até porque o acoplamento estrutural da sociedade complexa se dá por intermédio do parlamento, onde estão os representantes do povo.[3]

Não podemos nos olvidar da “Célebre Discussão” – referida por Heródoto – que teria se concretizado no século VI antes de Cristo, sobre a melhor forma de governo. Tal discussão é uma criação imaginária, envolvendo três persas, sendo que cada um expôs seu pensamento:

(a) Otanes defendendo a democracia entende que o melhor governo é o do povo, porque conforme ocorrera com Cambises – monarca que havia morrido a pouco – haveria a prepotência e a inveja, esta, desde o princípio, faz parte da natureza da monarquia;

(b) Megabises, preferindo a oligarquia, referenda o que disse Otanes sobre a monarquia, mas quanto à atribuição do poder ao povo, entende que o conselho não é sábio: “A massa inepta é obtusa e prepodente; nisto nada se lhe compara. De nenhuma forma se deve tolerar que, para escapar da prepotência de um tirano, se caia sob a da plebe desatinada”. Por isso entende que um governo de poucos, oligárquico, é mais prudente;

(c) Dario concordou com as críticas feitas ao governo popular e defendeu a monarquia. Também, criticou a oligarquia pela facilidade de existirem conflitos, eis que todos pretendem ser chefes e fazer prevalecer suas opiniões, ocorrendo o ódio e as colusões das facções. Propõe, então, o governo de um só homem – o melhor de todos.[4]

O que digo que é que não existe democracia ideal. No entanto, não conhecemos nada menos pior do que o governo representado pela regra da maioria, inserindo regras – na própria Constituição Federal – para forte proteção das minorias e, conforme alerta Campilongo, os direitos fundamentais não podem estar sujeitos ao escrutíneo da maioria.[5]

O fato é que desde a proclamação da república, de 15.11.1889 – golpe que um povo bestializado foi incapaz de entender,[6] até porque saíamos de sistema monarquíco – tivemos poucos Presidentes da República eleitos. Vejamos (os nomes em negrito e itálico são os daqueles que foram eleitos, tomaram posse e cumpriram todo mandato):

Velha República

(1º) Deodoro da Fonseca (1827-1892), assumiu, em 15.11.1889, o comando do Brasil, como Chefe do Governo Provisório. Mas por medo da 1ª Revolta Armada, renunciou à presidência em 23.11.1891. Iniciamos mal a nossa história, desde a proclamação da sua independência de Portugal e a Proclamação da República não alterou isso;

(2º) Floriano Peixoto (1839-1895), foi eleito Vice-Presidente da República, tomando posse em 26.2.1891, foi derrubado pelo Partido Republicano Paulista (PRP), apoiado por cafeicultores, entregando o governo ao sucessor;

(3º) Prudente de Morais (1841-1902) foi eleito ao governo pelo voto direto, em 1.3.1894, assumindo no dia 15.11.1894. Seu mandato terminou no dia 15.11.1898;

(4º) Campos Sales foi o 2º eleito pelo voto direto, tomando posse no dia 15.11.1898, e permaneceu até 15.11.1902, tendo feito o seu sucessor;

(5º) Rodrigues Alves (1848-1919), o 3º eleito, assumiu em 15.11.1902, terminando regularmente o mandato;

(6º) Afonso Pena (1847-1909), 4º Presidente da República eleito, tomou posse em 15.11.1906. Seu mandato terminou, em 14.6.1909, pelo fato de ter morrido;

(7º) Nilo Peçanha (1867-1924), eleito a Vice-Presidente, tomou posse em 14.6.1909. Foi o 1º Presidente da República pardo do Brasil;

(8º) Hermes da Fonseca (1855-1923), 5º Presidente eleito e 1º militar eleito, mediante fraude. Tomou posse em 15.11.1910. Conseguiu concluir, a duras penas, o seu mandato;

(9º) Venceslau Brás (1868-1966) foi o 6º eleito. Tomou posse em 15.11.1914 e terminou normalmente o mandato;

*Rodrigues Alves, 7º eleito e 5º Presidente do Brasil (acima), morreu antes da posse;

(10º) Delfim Moreira (1868-1920), eleito Vice-Presidente na chapa de Rodrigues Alves (vítima da Gripe Espanhola), tomou posse como interino em 15.11.1918, uma vez que a Constituição determinava nova eleição se o Presidente morresse até 2 anos depois da posse. Era acometido por arteriosclerose precoce e quem governava, na prática, era Afrânio de Melo Franco;

(11º) Epitácio Pessoa (1865—1942) foi o 8º Presidente eleito enquanto se encontrava na França, mas somente para o mandato tampão, em decorrência da morte de Rodrigues Alves. Tomou posse em 28.7.1919, sendo o primeiro caso de Presidente da República que se tornou Vice-Presidente;

(12º) Artur Bernardes (1875-1955), 9º eleito, tomou posse em 15.11.1922. Lutou todo mandato contra o tenentismo e enfrentou a Revolta Paulista de 1924, governando quase todo mandato em estado de sítio. Após a presidência, ele se elegeu Senador da República e inseriu no seu discurso de posse:

Não estará ainda na memória de todos o que fora a penúltima campanha presidencial?

Nela se afirmava que o candidato não seria eleito; eleito não seria reconhecido, não tomaria posse, não transporia os umbrais do Palácio do Catete!

Ficou no Senado até 1930, quando participou da Revolução de 1930 e se enganjou no movimento Revolucionário Constitucionalista de 1932. Como este fracassou, exilou-se em Portugal, retornando e sendo eleito para o mandato 1935-1939, perdendo o cargo em 1937 no golpe do Estado Novo;

(13º) Washington Luís (1869-1957), 10º eleito (candidato único), tomou posse em 15.11.1926 e foi deposto 21 dias de terminar o mandato pela Revolução de 1930, isso pelas forças político-militares de 1930, comandadas por Getúlio Vargas;

*Júlio Prestes (1882-1946), foi o 11º Presidente da República eleito e foi impedido de tomar posse pela Revolução de 1930;

Segunda República: Governos Provisório e Constitucional

*Primeira Junta Militar, Junta Governativa Provisória de 1930 ou Junta Pacificadora, formada por Augusto Fragoso (1869-1945), Isaias de Noronha (1874-1963) e João de Deus Mena Barreto (1874-1933), governou o Brasil de 24.10.1930 a 3.11.1930;

(14º) Getúlio Vargas (1882-1954), foi o 11º eleito a Presidente da República pela Assembleia Nacional Constituinte (1934-1937);

Terceira República: Estado Novo

*Getúlio Vargas governou como ditador durante o Estado Novo, de 10.11.1937 a 29.10.1945, quando renunciou ante a iminência de ser deposto por militares. Ele fechou o Congresso Nacional;

(15º) José Linhares (1886-1957) assumiu a Presidência da República no dia 29.10.1945 por convocação das Forças Armadas porque era Presidente do Supremo Tribunal Federal.

Quarta República: Populismo

(16º) Eurico Gaspar Dutra (1883-1974), 12º eleito, era General do Exército e contou com o apoio de Getúlio Vargas nas eleições de 1945. Eleito sob a vigência da Constituição de 1937, não tinha Vice-Presidente, tendo sido nomeado Nereu Ramos para tal. Dutra tomou posse no dia 31.1.1946. Seu mandato seria de 6 anos, mas a Constituição de 1946 reduziu para 5 anos;

(17º) Getúlio Vargas (acima: 14º), com discurso conciliador e de "não ao ódio", teve campanha que fez relembrar o discurso de Artur Bernardes (acima: 12º) foi o 3º eleito. É interessante o discurso de Carlos Lacerda, sobre Getúlio Vargas:

O senhor Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar.

Isso remonta a campanha e a situação de hoje, 26.12.2022, quando um candidato que se comprometia a ser contra e lutar pelo fim da reeleição, esperneia, chora e incentiva movimentos contra a posse do Presidente da República diplomado. Diferentemente de hoje, o Presidente Dutra não permitiu qualquer conspiração militar.

No seu terceiro momento, Getúlio tomou posse no dia 31.1.1951 e saiu do poder com a morte, em 24.8.1954, em razão de suicídio. Teorias conspiratórias negam esse suicídio, sem qualquer elemento probatório que as fundamentem;

(18º) Café Filho (1899-1970), não desejado por Getúlio Vargas como seu vice, embora do mesmo partido, foi imposto a ele. O resultado foi uma diferença de apenas 200.000 fotos para o seu opositor, isso porque as eleições de Presidente e Vice-Presidente eram desvinculadas. Foi Presidente de 28.8.1954 a 8.11.1955, deixando o cargo por doença;

(19º) Carlos Luz (1894-1961) era Presidente da Câmara dos Deputados e foi Presidente da República porque Café Filho adoeceu. Foi empossado no dia 8.11.1955 e foi impedido (sofreu impechment) no dia 11.11.1955 – ficou apenas 3 dias no poder – sob a alegação de conspiração contra Juscelino Kubitschek, já eleito.

Em 2019 foi lançado um documentário intitulado "Democracia em Vertigem", da Cineasta Petra Costa, indicado ao Oscar de Melhor Documentário de Longa-Metragem, que parece retratar todas as articulações de retomada de poder do Brasil República, de 1889 a 2022.

Hoje, fala-se de forma frágil na dicotomia esquerda-direita. Diz-se que o Presidente da República diplomado no dia 12.12.2022 é de esquerda, olvidando-se que direita é liberarismo, é meritocracia, é Estado mínimo. Mas, ao exemplo do que os reacionários desejam hoje, o impedimento de Carlos Luz foi liderado pelo General Henrique Lott;

(20º) Nereu Ramos (1888-1958), foi eleito pelo Congresso Nacional a Vice-Presidente do Senado Federal, tomando posse no dia 8.11.1955, em razão do impedimento de Carlos Luz.

Ele era o terceiro na linha de sucessão à presidência, tendo sido levado ao poder pelo suicídio de Getúlio e o pedido de licença para tratamento da saúde, feito pelo Café Filho (no governo de Nereu Ramos, sofreu impedimento [impeachment]). Por fim, houve o impedimento de Carlos Luz.

Nereu Ramos completou o quinquênio do mandato presidencial de então sob estado de sítio, reforçando a argumentação de que não estamos adaptados à democracia;

(21º) Juscelino Kubitschek (1902-1976) exerceu o mandato de 31.1.1956 a 31.1.1961. Ele iniciou a carreira política mediante a convocação para atuar como Médico na Revolução Constitucionalista, em favor de Getúlio Vargas.

Mais um exemplo de mistura de política e austeridade militar. A sua posse só se concretizou porque o General Henrique Lott desencadeou um movimento militar para combater aqueles que argumentavam que ele – não tendo a maioria absoluta dos votos – não poderia tomar posse e governar;

(22º) Janio Quadros (1917-1992) iniciou sua carreira política favorecido pela repulsa aos "candidatos de Prestes". Sendo suplente, tomou posse pela cassação do titular.

Jânio veio na onda "varrer toda sujeira da administração pública". Mas, só ficou no poder de 31.1.1961 a 25.8.1961, embora tivesse a vassoura como símbolo, renunciou ao cargo de Presidente da República no dia 25.8.1961 e continuou na política até a morte;

(23º) Ranieri Mazzilli (1910-1975), governou o Brasil por apenas 13 dias (de 2.4.1964 a 15.4.1964). Foi um momento em que o General Odílio Denys, o Brigadeiro Gabriel Grün Moss e o Almirante Sílvio Heck, tentaram impedir a posse de João Goulart, criando grave crise política no Brasil;

(24º) João Goulart (1919-1976), o Jango, foi eleito Vice-Presidente da República de Jânio Quadros, assumiu um mandato conturbado foi deposto pelo Golpe Militar de 3.3.1964 a 1.4.1964;

Ditadura ou autoritarismo militar[7]

(25º) Ranieri Mazzilli, como era Presidente da Câmara dos Deputados, de 1959 a 1965, assumiu novamente o poder com o golpe militar e, coincidentemente, ficou novamente apenas 13 dias no poder;[8]

(26º) Castello Branco (1897-1967), foi um dos articuladores do Golpe Militar de 31.3.1964 a 1.4.1964, em uma suposta luta contra o "perigo marxista-leninista", logo após a "Marcha da Família com Deus Pela Liberdade", de 19.3.1964, relembrando o facismo brasileiro, estruturado pela Ação Integralista Brasileira (AIB), de 1932.

Ele teria que terminar o mandato de Jânio Quadros, que terminaria 31.1.1966, tendo sido suspensas as eleições presidenciais diretas previstas para 3.10.1965 e o seu mandato prorrogado. Assim, governou até 15.3.1967. Foi Castello Branco quem outorgou a Constituição, de 24.1.1967;

(27º) Costa e Silva (1899-1969), foi eleito indiretamente pelo Congresso Nacional, tendo governado de 15.3.1967 a 31.8.1969, quando teve acidente vascular cerebral (AVC), cujas consequências se desdobraram até a sua morte, em 17.12.1969;

*Pedro Aleixo (1901-1975),[9] quando sobreveio a incapacidade absoluta de Costa e Silva, ele era Vice-Presidente. No entanto, os militares o impediram de tomar posse e o seu mandato foi considerado extinto pelo Ato Institucional n. 16 (AI-16), de 14.10.1969;

*Segunda Junta Militar, governou de 31.8.1969 a 30.10.1969. Os Ministros das FFAA [General Aurélio de Lira Tavares (1905-1998), Almirante Augusto Radamaker (1905-1985) e o Brigadeiro Márcio de Sousa Melo (1906-1991)], sob as disposições do AI-5. Eles outorgaram a Emenda Constitucional n. 1, de 17.10.1969, a qual é considerada por muitos constitucionalistas como sendo uma nova Constituição outorgada pelos militares;

(28º) Garrastazu Médici (1905-1985), governou de 30.10.1969 a 15.3.1974, um perído que ficou conhecido como anos de chumbo. Ele prometeu restabelecer a democracia até o final do seu governo, mas não cumpriu. Ele nunca fechou o Congresso e não cassou Deputado. Brasil viveu o denominado milagre brasileiro, com crescimento econômico recorde, inflação baixa e projetos desenvolvimentistas como o Plano de Integração Nacional (PIN);

(29º) Ernesto Geisel (1907-1996), governou, de 15.3.1974 a 15.3.1979, objetivando a abertura democrática. Sobre esse governo é bom apresentar a posição do General Hugo Abreu, chefe do Gabinete Militar de Geisel, de 1974 a 1978, para quem a carreira de João Figueiredo foi acelerada para a sucessão e a transição de poder aos civis, com elevada corrupção na "grande farsa", representada pelas eleições de 15.10.1978;[10]

(30º) João Figueiredo (1918-1999) governou de 15.3.1979 a 15.3.1985. Ele cumpriu a promessa do seu discurso de posse de transferir o poder aos civis, embora tenha sido um dos golpistas de 1964. Ele editou a Lei da Anistia (Lei n. 6.683, de 28.8.1979) preparando cenário para a transição.

É interessante notar que o Partido dos Trabalhadores foi fundado em 10.2.1980 com o objetivo de resgatar a democracia, anunciada por Figueiredo no seu discurso de posse. Muitos atentados foram atribuídos a militares do núcleo duro da ditadura, talvez, por medo de revanchismo pela chegada da oposição ao poder; 

Sexta república: nova república

*Tancredo Neves (1910-1985) foi eleito indiretamente no dia 15.1.1985. Na véspera da posse, 14.3.1985, foi internado gravemente doente, morrendo no dia 21.4.2022;

(31º) José Sarney (nascido em 24.4.1930) governou o Brasil de 15.3.1985 a 15.3.1990. Ele era vice de Trancredo Neves, internado 1 dia antes da posse. Considerado traidor por Figueiredo, não recebeu a faixa das suas mãos. Sua maior marca foi o fracasso contra a hiperinflação herdada. Seus ousados planos econômicos (Cruzado, Cruzado II, Bresser e Verão) não evitaram que tívessemos índices inflacionários elevadíssimos.[11] De todo modos, foi durante o seu governo que foi promulgada a Constituição Federal vigente;[12]

(32º) Fernando Collor (nascido em 12.8.1949), foi o primeiro eleito diretamente. Tomou posse em 15.3.1990, tendo feito uma campanha como o "guardião da moral" e "caçador de marajás". Porém, acabou sofrendo processo de impeachment e renunciou ao mandato no dia 29.12.1992. Mesmo assim, o Senado o condenou a perda do mandato.

Ele, logo que tomou posse, confiscou poupanças. Dizia ter uma arma com um único cartucho, portanto, não poderia falhar. Mas, a hiperflação persistiu e emergiram escândalos de corrupção, envolvendo Paulo César Farias, o PC Farias, que estava cumprindo pena quando morreu em controverso suicídio;

(33º) Itamar Franco (1930-2011) era vice de Collor, tomando posse em 29.12.1992, devido ao impedimento deste. Ele teve por marca principal a criação do Plano Real que instituiu a moeda vigente por meio de medida provisória, mais tarde convertida na Lei n. 9.069, de 29.6.1995. Seu sucesso na Economia propiciou a eleição do seu sucessor em primeiro turno;

(34º) Fernando Henrique Cardoso (nascido em 18.6.1931), articulou a emenda constitucional para possibilitar a própria reeleição e, por isso, ficou no poder de 1.1.1995 a 1.1.2003. Ele enfrentou forte desvalorização do real e problemas de fornecimento de energia, dando ensejo à eleição da oposição;

(35º) Luiz Inácio Lula da Silva (nascido em 27.10.1945, oficialmente em 6.10.1945), governou de 1.1.2003 a 1.1.2011, conseguindo a eleição da sua sua sucessora. Ele deu continuidade à forma de gestão do governo anterior. Mas, no âmbito da Operação Lava Jato, foi decretada a sua prisão no dia 5.4.2018, sendo que ele se entregou à Polícia Federal no dia 7.4.2018, tendo sido solto no dia 8.11.2019 e, em 8.3.2021, em decisão mocrática o STF anulou todas as condenações de Lula decorrentes da Operação Lava Jato;

(36º) Dilma Rousseff (nascida em 14.12.1947) foi a primeira mulher eleita Presidente da República, tendo tomado posse no dia 1.1.2011, foi reeleita, mas sancionada em processo de impedimento, em 31.8.2016. Ela assumiu o mandato logo após a crise econômica de 2008, conseguiu se reeleger em 2014 e se isolou políticamente, chegando à ingovernabilidade potencial;

(37º) Jair Bolsonaro (nascido em 21.3.1955), um político profissional como muitos antecessores e, também, um intervencionista (defensor de governos de militares), vem na onda trumpista de um suposto conservadorismo, radicalizando o discurso na dicotomia direita-esquerda.

Novo "guardião da moral" e contrário à "velha política" o atual Presidente da República se tornou refém do centrão, caracterizado por partidos políticos que sempre estão no poder e que são a verdadeira expressão da "velha política". O mais interessante é que ele tinha como promessa de campanha tentar eliminar a possibilidade de reeleição e, ao que parece, está deprimido por ter perdido as últimas eleições, tentando criar um fato para eventual intervenção militar que o mantenha no poder.

Sua repulsa à denominada "grande imprensa", valorizando a comunicação por redes sociais, incentivando o discurso de ódio e o armamentismo privado, talvez, foram determinantes para a sua derrota nas urnas no dia 30.10.2022.

O 38º Presidente será novamente Lula, eleito para o seu terceiro mandato. No entanto, eleitores intervencionistas procuram criar um fato que justifique a impossibilidade de que o Presidente eleito tome posse no próximo dia 1.1.2024.

Últimos comentários

Concluindo, essa síntese evidencia o quanto os militares influenciaram desde o surgimento da República Federativa do Brasil. Foram eles quem a impuseram, inserindo no poder os seus primeiros Presidentes da República militares. Logo a seguir vieram Tenentismo, Revolução de 1930, Estado Novo e, após curto período de vigência da Constituição Federal de 1946, Golpe Militar de 1964.

Na Sexta República, o primeiro Presidente eleito (não se olvide que Sarney não foi eleito para o Cargo de Presidente da República) foi sancionado com impedimento pelo Senado Federal. Tivemos um segundo eleito que terminou normalmente o seu mandato. Mas, o terceiro, embora terminando o mandato, foi preso em razão do cargo. A quarta também foi impedida.

A nossa Constituição Cidadã tem pouco mais de 34 anos e 2 meses. Nesse período, emerge uma parcela considerável de eleitores que buscam um novo golpe militar.

Não esqueçamos o notório caso de terrorismo, de 24.12.2022, em que um homem confessou pretender criar o caos no Brasil para gerar intervenção militar (tentou explodir caminhão tanque de combustíveis nos arredores do Aeroporto JK, em Brasília). Também, pessoas fazendo vigília e chorando nos umbrais dos quartéis.

Por não estarmos acostumados à democracia, somos vulneráveis aos discursos intervencionistas. Por sermos pouco aptos à leitura, somos facilmente influenciáveis por notícias falsas e pouco podemos contribuir para a cultura de um estado democrático de Direito.



[1] LUHMANN, Niklas. GIORGI, Raffaele de. Teoria de la sociedad. México: universidade Iberoamericana, 1993.

[2] CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e democracia. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 56.

[3] GIORGI, Raffaele de. Direito, democracia e risco: vinculos com o futuro. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 1998.

[4] BOBBIO. Norberto. A teoria das formas de governo. 10. ed. Brasília: UnB, 2000, p. 39-40.

[5] CAMPILONGO, Celso Fernandes. Op. cit. p. 53.

[6] CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1.987.

[7] Há quem diga que não foi propriamente ditadura porque havia alternância de poder. Com isso seria tão somente um autoritarismo militar. Como uma das características da ditadura é o autoritarismo, a academia prefere falar em ditadura militar porque era o poder concentrado em um grupo, o que não desnatura o regime ditatorial.

[8] República – do latim res publica, coisa pública – se caracteriza pela multitude (número razoável de pessoas), pela communio (comunidade de interesses e de fins) e pelo consensus iuris (consenso do Direito). Três forças se reunem, a saber: libertas, do povo; auctoritas, do Senado; e potestas, dos Juízes. A república é uma forma de governo no o chefe de Estado é eleito pelo ou seus representantes, para um mandato limitado no tempo. Não se confunda com sistema de governo, cujas espécies mais comuns são presidencialismo e parlamentarismo. Efetivas repúblicas, tem um centro de poder em uma cidade autônoma ou distrito federal, e Estados Membros ou Províncias com autonomias relativas. O Brasil, pela mitigação da autonomia dos Estados Membros, mais parece um estado unitário, o que se acentuou durante a ditadura militar.

[9] Lei n. 12.486, de 12.9.2011:

Inclui o nome do cidadão Pedro Aleixo na galeria dos que foram ungidos pela Nação Brasileira para a Suprema Magistratura.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º O cidadão Pedro Aleixo, Vice-Presidente da República impedido de exercer a Presidência em 1969 em desrespeito à Constituição Federal então em vigor, figurará na galeria dos que foram ungidos pela Nação Brasileira para a Suprema Magistratura, para todos os efeitos legais.

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Essa lei é de redação extremamente confusa. Embora seja de iniciativa da Mesa Diretora do Senado Federal, parece que a redação é da então Presidente da República, famosa por notórias afirmações inusitadas e hilárias. Ora, se a pretensão era assegurar proventos equivalentes aos de Ministro do Supremo Tribunal Federal à viúva e dependentes existentes na data do óbito de Pedro Aleixo – com pagamentos retroativos – que o fizesse de forma clara.

[10] Hugo Abreu foi preso, em Out1978, devido ao fato de ter enviado documento a vários Generais com acusações a integrantes do Governo Geisel e a publicação de livro (O outro lado do poder. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979), que traz tais acusações, o levou a nova prisão disciplinar. Seu livro póstumo (Tempo de crise. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980), praticamente reproduz o inteiro teor do primeiro livro, sendo mais amplo (enquanto o primeiro tem 208 páginas, o segundo tem 295).

[11] Fui declarado a Aspirante-a-Oficial da PMDF no dia 8.12.1989, recordo-me que ao chegarem Brasília, no apagar das luzes do governo Sarney, a inflação era tal alta que tínhamos gatilhos para reajuste de salários mensalmente. A inflação de Mar1989 a Mar1990, chegou ao apavorante somatório de 6.390,52%.

[12] A Costituição Federal estabeleceu sua própria revisão ao completar 5 anos. Ela já está desnaturada em muitos aspectos, uma vez que, em 22.12.2022, foi editada a Emenda Constitucional n. 128. São aproximadamente 3,8 emendas anualmente.

sábado, 12 de novembro de 2022

Curso de Direito Criminal: teoria do injusto criminal: parte objetiva do delito: fato típico e ilicitude

 4.1 INTRODUÇÃO

A palavra teoria tem vários sentidos, sendo que será empregada neste curso como sendo o estudo tendente ao conhecimento especulativo e racional do objeto, ou seja, neste capítulo será desenvolvida a pesquisa do crime, procurando responder às indagações que surgem no dia-a-dia do criminalista.

Já se afirmou que o crime constitui todo fato humano proibido pela norma criminal,[1] sendo seu ponto central de estudo, hoje, o funcionalismo. Este representa uma nova corrente filosófica que preferimos classificar como sistêmica, uma vez que atenta aos diversos sistemas que funcionam na sociedade complexa. Foi a partir de tal concepção filosófica que emergiu a imputação objetiva, que é uma nova teoria do crime relacionada, inclusive, com a teoria da pena. Desse modo, é no funcionalismo que a imputação objetiva vai encontrar suas bases teóricas.

Empregarei as palavras sistêmico(a) e sistemático(a) com sentidos completamente diversos, eis que a primeira traduzirá o que já expus, ou seja, a observação dos diversos sistemas que participam da sociedade complexa. De outro modo, a palavra sistemático significará método, tecnicismo, ou a organização metodológica da estrutura do delito. O estudo sistêmico do direito criminal conduziu ao estudo também sistêmico do delito, trazendo uma nova roupagem ao conceito analítico do crime, eis que todo ele passou a ser enfocado por Claus Roxin dentro de uma perspectiva de política criminal, provocando a ruptura do estudo sistemático do delito, que passou a ser um estudo global, sem a necessária metodologia.

Demonstrarei que a imputação objetiva, não é tão boa, inovadora, ou amplamente seguida como se tem dito. Com efeito, no verso da capa de um livro intitulado Imputação Objetiva, consta:

Trabalho dos mais importantes e primorosos da carreira do autor e, também, de toda literatura nacional, esta monografia vem inaugurar no País a revolucionária teoria da imputação objetiva, que certamente, irá ditar novos rumos para o ordenamento penal brasileiro.[2]

Na nota do autor ao referido livro, está consignada a afirmação:

É uma teoria que tem destino de substituir, no futuro, a causalidade material. No momento, configura seu complemento, corrigindo suas deficiências. Na prática, é uma teoria que limita o arbítrio do julgador e a atividade abusiva de acusadores que "denunciam tudo" ou querem levar todas as lesões jurídicas, até as de insignificante relevância, às barras dos tribunais penais.[3]

As afirmações transcritas são equivocadas, tendo em vista que a primeira é extremamente otimista e a segunda reduz a imputação objetiva à relação de causalidade, elemento do fato típico que, por sua vez, é estudado dentro da concepção analítica do delito, conforme restará claro na presente dissertação. Aliás, nesse momento é oportuna a seguinte lição:

Advirta-se com firmeza, que não se trata de uma teoria da relação de causalidade, como, inadvertidamente, muitos imaginam. A causalidade continua sendo levada em consideração, no geral, através da teoria da equivalência das condições, apenas como comprovação da existência de um fato. Este, se apresentar relevância jurídico-penal, será que possa concluir, com certeza, sobre a responsabilidade de um sujeito por aquele fato, que é abrangido pelo tipo penal, com todos seus elementos.[4]

No presente capítulo, o que se pretende é estudar a teoria do injusto e demonstrar que, embora sendo viável o estudo do Direito sob diversos pontos de vista, a teoria da imputação objetiva, que encontra suas bases no pensamento de Hegel, expresso na segunda metade do século XIX, e nas doutrinas de Richard Honig e Karl Larenz, da década de 1930,[5] ganhou força na doutrina de Roxin, desenvolvida a partir de 1964, mas não inova tão significativamente, pois os fundamentos da teoria não trazem avanço tão notável, bem como seu desenvolvimento não se mostra salutar ao sistema jurídico-criminal.

Nosso estudo, no tocante à teoria do injusto, terá como cerne, no que respeita ao DCrim hodierno, os pensamentos de Luhmann, Habermas, Ferrajoli, Jakobs e Roxin, razão pela qual tentaremos correlacionar as posições já apresentadas com as duas que, ainda, não mereceram destaque especial neste livro (a de Jakobs e a de Roxin).

Ressalte-se que, talvez, seja o maior funcionalista criminal germânico Schünemann. Sua doutrina não merecerá grandes comentários neste curso apenas porque não conhecemos idioma alemão e são escassas as publicações do autor em outras línguas.

Até chegarmos à jusfilosofia funcionalista, passamos por vários períodos filosóficos, razão pela qual breve escorço sobre a evolução da jusfilosofia foi objeto de preocupação. Ademais, não podemos nos olvidar dos modernos estudos filosóficos que contribuíram para o desenvolvimento da teoria em comento, mormente o funcionalismo e – em uma concepção muito particular – o garantismo.

Compreender a teoria do injusto e , de forma mais global, teoria do crime, é fundamental a todo profissional da área jurídica. No entanto, o que se pretende hoje, é mudar todo o conceito de crime, sendo que prolifera no meio jurídico pátrio o discurso sobre a teoria da imputação objetiva, como sendo a “fonte da juventude” do Direito, ou a solução para todos os seus problemas, em matéria criminal. Nesse sentido, afirma Damásio Evangelista de Jesus:

Agora, com a missão de sepultar o causalismo e assento na insuficiência do finalismo e da adequação social, que não deram solução a muitas questões, como a do crime culposo, e superando todas as doutrinas anteriores, a maioria dos autores está adotando a teoria da imputação objetiva que propõe um novo sistema penal.[6]

Esta afirmação é equivocada porque tende à redução da teoria da imputação objetiva à superação da causalidade natural. Para o finalismo, na apreciação analítica do delito (segundo seus elementos) devemos observar:

Ø tipo objetivo (ação, causalidade e resultado) e o tipo subjetivo (dolo e elementos subjetivos especiais).

Segundo Luís Grego, para a imputação objetiva, é necessário, também, observar os tipos objetivo e subjetivo, dos quais, somente o primeiro sofre alteração, passando a ser constituído por:

Ø ação, causalidade, resultado, criação de um risco juridicamente desaprovado e realização do risco.[7]

Entretanto, não há como estudar separadamente a imputação objetiva. Ela decorre do funcionalismo criminal, sendo que seu estudo isolado constituirá uma fragmentariedade inadmissível, por tornar o estudo incompleto, consequentemente, insuficiente.

Por tal teoria, há uma tentativa de mudança dos conceitos outrora conhecidos, ou melhor, há uma adaptação dos velhos conceitos, dos quais, congregados, resultaria a imputação objetiva, como medida complementar para a correta percepção dos fatos juridicamente relevantes.

Neste capítulo, procuraremos demonstrar a teoria do injusto criminal, que é a parte objetiva do delito, deixando evidente a pequena utilidade da teoria da imputação objetiva, embora se tenha propagado, no Brasil, que tal teoria representa um grande avanço para a concepção jurídica da atualidade. Assim, para atingirmos nossos objetivos, apresentaremos uma síntese da análise do crime, segundo as concepções causalista, finalista e social. De tal estudo, decorrerá a certeza de que, melhor que se filiar integralmente a uma teoria, adotar postura eclética, que permita a percepção de qual seja a contribuição que cada uma delas pode trazer à compreensão do crime. Corroborando, não se trata de uma imputação objetiva, mas subjetiva, conforme restará claro ao longo deste capítulo.

No estudo do conceito analítico do crime, merecerá especial atenção o tema relativo à relação de causalidade, quando, então, serão apresentados os vários problemas que podem surgir, ante a adoção em nossa lei da teoria da equivalência das condições, criando, então, o ambiente propício para a apresentação da teoria da imputação objetiva.

Inicialmente, serão ofertados dados para se conhecer os enunciados da teoria da imputação objetiva. Depois, muitas críticas serão feitas, inclusive, no tocante à aceitação repentina da teoria, o que mais parece uma recepção do discurso de autoridade, do que efetiva preocupação com o tema proposto.

Emerge a dúvida: por que todos se aperceberam da teoria da imputação objetiva no Brasil? Simples, porque um autor conhecido, comercialmente influente, tratou dela. A teoria não foi largamente divulgada pelos seus sólidos fundamentos, mas porque alguém que tem prestígio nos meios jurídico, econômico e social, dela tratou. Se fosse por seus fundamentos, teríamos grande divulgação da teoria no Brasil desde 1988, ano em que, aqui, foi publicada a obra de Muñoz Conde, que dela tratou.[8]

Convém admitir que sabemos que – diante dos fundamentos dos doutrinadores favoráveis à adoção da teoria da imputação objetiva – a posição adotada neste curso será objeto de críticas. No entanto, pelas razões nele expostas, no mínimo, há de se reconhecer que a teoria da imputação objetiva não pode ser considerada imune às necessárias críticas à sua perspectiva tópica.

Talvez algum leitor considere o conteúdo deste livro audaz, sem a necessária delicadeza daqueles que se colocam em mundo civilizado, principalmente se considerado seu fim acadêmico. Nesse aspecto, é certa a necessidade de só adotarmos alguma posição, quando detivermos fundamentos que nos autorize a tal, expondo-os. Desse modo, nossa visão não pode prescindir de alguns esclarecimentos prévios.

Ser acadêmico, teórico, não importa, necessariamente, em evitarmos discordar duramente das proposições existentes. Grandes pensadores foram criticados apenas porque ousaram dizer que os que os antecederam estavam equivocados. O próprio Habermas diz que Luhmann apenas desenvolve um sociologismo ultrapassado,[9] o que é sem dúvida afirmação muito dura, mas oportuna, no sentido de tornar claros os fundamentos da sua crítica.

Expor nossa posição céptica representa preservamos nossa individualidade. Outrossim, utilizarmos uma linguagem crítica, é resultado lógico da bibliografia consultada, inserta neste livro.

João José Leal diz que o Direito é instrumento de dominação social e que desde o início serviu à opressão do mais forte sobre o mais fraco.[10] Dessa forma, a simples leitura deste livro, segundo a perspectiva da lógica formal, em face da sua bibliografia, será suficiente para a percepção que não nos distanciamos da postura dos autores nele citados.

Esperamos encontrar um leitor atento às limitações traçadas para a exposição do tema, bem como às grandes divagações teóricas que ele oportuniza. Porém, não podemos deixar invocar o respeito ao nosso “eu”. Por várias vezes, em nossa vida e neste livro, procuramos demonstrar a importância da expressão “penso logo existo”, razão pela qual o presente estudo visa o conhecimento crítico, sendo que, em nosso meio, conforme restará demonstrado, a imputação objetiva decorre mais de fatores econômicos do que de sólidos fundamentos jurídicos ou jusfilosóficos.

Citando Gallegari, “como não existe acordo na doutrina, pretendemos, de modo simples, trazer alguns pontos fundamentais desta teoria”.[11] Com efeito, procurar-se-á demonstrar que, ante seus principais aspectos, na maioria inseguros e criticáveis, a teoria da imputação objetiva apenas acrescenta um plus ao estudo do crime, tornando-o mais complexo e confuso. De qualquer forma, ratifica-se, este curso não esgota o assunto, apresentando apenas pontos para reflexão, “ainda porque qualquer pretensão de abordar todos os itens sobre a imputação objetiva seria uma tarefa impossível”.[12]

É, portanto, um capítulo que tenderá à análise da parte objetiva do crime, dividida em fato típico e ilicitude, apresentando sua teoria geral de uma maneira crítica, mas sem perder o que há de consolidado. As posições antagônicas sobre a matéria serão apresentadas e, por respeito aos leitores, será esclarecida a posição dominante em nossos tribunais e, às vezes, em concursos públicos, mas sem deixar de indicar posições pessoais, as quais obviamente pretendem suscitar a indagação, sem nos vincularmos cegamente a quem quer que seja.

Já se discutiu acerca da neutralidade científica. A vulgarização do conhecimento científico tem levado à premente necessidade de se ensinar referido conhecimento aos não-cientistas, transformando a própria ciência em mito. Transmitir tais conhecimentos sem carregá-los de certa carga opinativa, o que evidencia constituir mito a neutralidade científica.[13] Desse modo, este capítulo estará repleto de opiniões pessoais, mas sem abandonar as diversas posições que se apresentam sobre o assunto, algumas hilariantes.

4.2 O CRIME: CONCEITOS

O crime é um objeto de estudo do Direito Criminal. Talvez ele seja o mais importante, que será conceituado neste capítulo. Ele, enquanto fato, é objeto de estudo imediato do DCrim porque este ramo do Direito tem por objetos os fatos e as normas jurídico-criminais.

4.2.1 Conceitos formal e material de crime

O conceito formal de crime leva em consideração a norma jurídico criminal em si, enquanto o conceito material destaca o conteúdo da norma. Assim, formalmente, crime é a violação da lei criminal e, materialmente, crime é a violação do objeto jurídico.

4.2.1.1 Funcionalismo criminal e imputação objetiva

Não podemos nos olvidar que Gustav Radbruch já sugeria um novo Direito Criminal, melhor do que o existente.[14] Aliás, antes dele encontramos autores que sustentavam a possibilidade de existência de uma sociedade fundada unicamente em normas sociais. Assim, há mais de um século que se pretende esvaziar a ideia da existência de normas jurídicas e, mais ainda, do DCrim.

Ante as teorias da pena – absolutas (a pena é a retribuição do mal com outro mal), utilitárias (a pena é unicamente utilidade, ou seja, uma prevenção[15]) e mistas (a pena é retributiva, mas é utilitária) -, migramos das teorias absolutas para as mistas, sendo que hoje pretendemos dar à pena enfoque unicamente utilitário, mas sem grande fundamentação teórica acerca da sua legitimação. Porém, toda coercibilidade do DCrim deverá estar calcada em um modelo que permita maior segurança no sistema jurídico do que aquela que a tópica está a nos apresentar.

O funcionalismo, bem como a teoria da imputação objetiva, que daquele decorre, procura justificar as intervenções criminais, no plano sistêmico funcional, o qual, segundo Roxin se dá no campo da política criminal, visando a superar a sistemática dogmática finalista. Nesse sentido, ele ensina:

Desde aproximadamente 1970 se vêm empenhando esforços bastante discutidos no sentido de desenvolver um sistema jurídico-penal “teleológico racional” ou “funcional”. Os adeptos desta concepção estão de acordo – apesar de várias divergências quanto ao resto – na recusa às premissas sistemáticas do finalismo e em partir da ideia de que a construção sistemática jurídico-penal não deve orientar-se segundo dados prévios ontológicos (ação, causalidade, estruturas lógico-reais etc.), mas ser exclusivamente guiada por finalidades jurídico-penais.[16] E, mais adiante esclarece:

... O progresso está, principalmente, em substituir-se a vaga orientação a valores culturais do neokantismo por parâmetro sistematizador especificamente jurídico-penal: os fundamentos políticos-criminais das modernas teorias da pena.[17]

Parece-nos que há um equívoco em pretender estabelecer uma fórmula para a imputação objetiva, como aquela apresentada na introdução deste capítulo. Ali, a análise se restringiu ao “tipo objetivo”, quando, na verdade, teríamos que fazer uma construção valorativa muito mais ampla. Conforme alertamos, o sistema funcional do Direito Criminal não pode ser reduzido à atribuição objetiva do resultado, nos delitos que dele dependem. Essa é a posição de Roxin.[18]

Após verificarmos os fins do DCrim, ou seja, das pretensões do sistema criminal, devemos passar ao objeto do nosso estudo, que é o crime. A teoria da imputação objetiva é uma teoria do crime que encontra suas bases no funcionalismo. Aliás, não é demais observar que é necessário cuidado sobre o que se fala, a fim de se evitar confusões terminológicas.

No Brasil, verificamos algumas confusões no que concerne às novas teorias. Alguns não conseguem explicar razoavelmente o que existe. Boa explicação do que seja o funcionalismo criminal, vamos encontrar em Fábio Guedes de Paula Machado, que invoca Luhmann e Claus Roxin para explicar as bases do estudo.[19] Com efeito, são as teorias sistêmicas estudadas anteriormente que dão as bases ao DCrim funcionalista.[20]

Roxin enfoca o Direito Criminal em um sistema de política criminal, rechaçando a ideia da existência de um sistema exclusivamente jurídico criminal.[21] Nesse aspecto, ele se parece muito com Habermas, que entende que a comunicação deve tender ao consenso. Para Roxin, qualquer política está calcada no senso comum, o que nos leva a entender que ele não inova significativamente, em relação à jusfilosofia de Habermas.

As bases da teoria da imputação objetiva se encontram em Roxin e em Jakobs, aquele – ratificamos – foi se abeberar em Habermas e este é mais voltado à teoria funcionalista de Luhmann.[22] A imputação objetiva decorre do funcionalismo, portanto, não se confunde com ele.

A imputação objetiva é uma teoria do crime, que encontra fulcro nas teorias sistêmicas da Filosofia do Direito e da Sociologia Jurídica, procurando estabelecer a tese de que o Direito Criminal deve ser menos repressor e mais cooperativo, no que concerne ao funcionamento da sociedade. Com isso, a imputação objetiva tem reflexos na teoria da pena.

Para Fernando Galvão, a imputação objetiva “é a atribuição normativa da produção de determinado resultado a um indivíduo, de modo a viabilizar sua responsabilização... [ela] caracteriza apenas o aspecto objetivo do tipo, sendo que a responsabilidade criminal ainda exige a caracterização do elemento subjetivo, bem como dos demais requisitos de identificação da conduta punível”.[23] Esta é uma perspectiva reducionista que não pode subsistir.

Samuel Zem diz que a “Teoria da Imputação Objetiva, o mais recente critério de atribuição criminal, é valorativa”.[24] Ocorre que ele está tratando de uma teoria que tem outros seguimentos, não abrangendo, por exemplo, a teoria desenvolvida por Jakobs, a qual é avalorativa.

Frederico Augusto de Oliveira informa que a “teoria do tipo recebeu novo influxo após os funcionalistas que lançaram a chamada Teoria Geral da Conduta Típica, cujo maior expoente foi Claus Roxin”. Embora o autor venha a citar Jakobs, dizendo que a América Latina vem optando pela doutrina de Roxin, peca por dizer que se trata de doutrina amparada pela Constituição Federal e por vincular diretamente a teoria ao estudo da relação de causalidade.

Dizer que a imputação objetiva está calcada na proporcionalidade e favorece o acolhimento do DCrim mínimo é outro equívoco porque Jakobs dá azo a falarmos em um tal Direito Penal do Inimigo, o que é insustentável.[25] Talvez a melhor perspectiva do autor seja vislumbrar o resgate do tipo total de injusto, a qual é feita a partir da doutrina germânica.[26]

Todos os posicionamentos que admitem a importância dos vários setores do sistema social são considerados funcionalistas. A lição de Jakobs, por exemplo, é considerada funcionalista, visto que, para ele, “a ação injusta constitui uma representação simbólica de complexos processos participativos”.[27] Aliás, não podemos nos olvidar que ele dá grande valor não somente à lei, quando define crime.[28] No entanto, se assim considerarmos, serão funcionalistas todas as concepções decorrentes do sociologismo jurídico, eis que todas estiveram atentas aos fatos sociais, que são resultantes de vários fatores, não de um único.

Com denominações distintas, a ideia de que não se pode conceber a existência de um delito sem afetação do princípio da ofensividade, parece ser senso comum no meio jurídico. Em síntese, conforme demonstraremos a seguir, é necessário, em hipóteses especiais, a análise material da ilicitude, ao contrário de se pretender destruir o estudo analítico (ou operacional) do delito. Não é concebível a proposta de se fazer a análise global do injusto ou, pior – de forma mais extremada -, de todo delito.[29]

4.2.1.2 Conceitos formal e material propriamente ditos

Diz-se que crime é a violação da lei criminal. Este é o seu conceito formal.[30] De outro modo, o conceito material é a ofensa ao objeto jurídico tutelado, ou é, nas palavras de Regis Prado, a “lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico-criminal, de caráter individual, coletivo ou difuso”.[31]

Procurar explicar o crime segundo as normas torna oportuna a lição de Dilvanir José da Costa, in verbis:

O homem vive em função de dois tipos de normas, correspondentes, respectivamente, aos fenômenos que se passam nos elementos desses binômios: corpo e espírito; natureza e liberdade; natureza e cultura; dado e construído.

Os primeiros elementos correspondem ao mundo da necessidade ou do ser, enquanto os segundos correspondem ao mundo da liberdade, ou do dever ser.[32]

Por afetar à liberdade, o dever ser só pode ser imposto pelas normas jurídicas. Entre nós e em todos os Estados de Direito, ante o princípio nullum crimem nulla poena sine praevia lege, a norma criminal estará contida em uma lei em sentido estrito. Assim, o costume, a jurisprudência, a doutrina, a medida provisória (ato normativo transitório emitido pelo Poder Executivo que tem força de lei), o decreto, ou qualquer ato normativo de natureza executiva ou judiciária, não podem criar crime. Não obstante isso, podem complementar sua descrição hipotética.

Conforme exposto, segundo o conceito formal, crime é a violação da norma criminal. Porém, a simples prática de um fato definido como crime na lei, por si só, não constitui crime, pois muitos outros aspectos precisam ser analisados, uma vez que o agente pode ter praticado a conduta com uma excludente de ilicitude ou de culpabilidade.

Segundo a moderna concepção do Direito, devemos considerar a lei em sentido estrito apenas como princípio de proibição, tendo em vista que toda norma precisa ser interpretada e a proibição contida no tipo não se esgota nele, fazendo-se necessário o exame do sistema global (sociedade). Isso se deve ao fato de que o sentido de uma norma só pode ser apreendido se ela for observada em consonância com os diversos (sub)sistemas da sociedade complexa, os quais se comunicam.

Tomando por base o conceito material de crime, a violação da vida constitui crime, mas que pode se denominar homicídio, participação em suicídio, infanticídio ou abortamento (arts. 121-127 do CP. Observe-se que o art. 128 do CP também trata do abortamento, mas é um “tipo permissivo”), eis que avaliado segundo o objeto jurídico tutelado.

A concepção moderna do DCrim busca esclarecer que só pode constituir injusto criminal aquela conduta que ofende ao princípio da ofensividade. Este, conforme ensina Luiz Flávio Gomes, é primordial, cumprindo dupla função, a saber: (a) político-criminal (dirigida ao legislador, que está obrigado a só descrever tipos penais ofensivos a bens jurídicos); (b) dogmática e interpretativa (dirigida ao intérprete e ao aplicador da lei, que deve verificar se a conduta concreta afetou ou não o bem jurídico).

O princípio da ofensividade tem relação mais próxima com a necessidade de o aplicador da lei verificar se o bem jurídico foi afetado, pois ele se traduz em uma ideia de um Direito Criminal “do bem jurídico”.[33] Nesse sentido caminha a doutrina de Roxin, que sustenta “que o legislador não possui competência para, em absoluto, castigar pela sua imoralidade condutas não lesivas a bens jurídicos”.[34]

Roxin ensina que “em cada situação histórica e social aqueles pressupostos imprescindíveis para assegurar a existência de um grupo humano são considerados bens jurídicos”.[35] Com base em tal proposição, Cláudio Brandão informa que o bem jurídico é definido à luz da sociedade, sustentando que um dos “grandes artífices dessa concepção é Claus Roxin”.[36] Entretanto, deve-se discordar da afirmação, eis que Roxin apenas prossegue no caminho do sociologismo, tendo avançado e chegado até o funcionalismo, postura filosófica da modernidade, na qual foi se abeberar, consagrando, então, os ensinamentos de Habermas, no que concerne a perspectiva da sociedade complexa, não se podendo, portanto, atribuir a Roxin a construção do objeto jurídico segundo perspectivas sociológicas.

Cláudio Brandão define bem jurídico como valor. Assim, o objeto jurídico “deve ser definido como o valor tutelado pela norma jurídico-criminal, funcionando como um pressuposto imprescindível para a existência da sociedade”.[37] Todavia, sua definição embora estando adequada à visão valorativa de Roxin, tem pequena importância para Jakobs.

Jakobs procura demonstrar que a lesão jurídico-criminal relevante é aquela que tem seu conteúdo analisado dentro do contexto social, ou seja, a imputação objetiva do comportamento é imputação vinculada a uma sociedade concreta, interessando as condutas dos seres humanos, que são portadores de diversas de obrigações – cada um é portador de um rol próprio de obrigações -, ou seja, cada um deve administrar uma parcela do acontecimento social.

O referido doutrinador germânico entende ser possível punir o perigo abstrato e, decorrendo o dano da conduta perigosa, que é lícita de per se, não se pode pretender imputar o resultado a quem atuou negligentemente. Ele propõe minimizar delito negligente de resultado, transformando-o em crime de perigo abstrato.[38] Todavia, trata-se de autor contraditório, permitindo visões diversas sobre tal assunto.[39] Desse modo, o autor, a vítima ou o terceiro que se conduzir de forma diversa do estabelecido em seu rol de obrigações, administrando-o de maneira deficiente, é quem deve responder pelo fato jurídico-criminal relevante.[40] Destarte, podemos deduzir que para Jakobs não interessam os objetos jurídicos, mas as condutas concretizadas no meio social.

Diante da posição de Jakobs, poderíamos até negar a afirmação de Cláudio Brandão, feita no sentido de que o DCrim “ganha legitimidade quando se reveste da função de proteger bens jurídicos”.[41] Ocorre que a postura de Jakobs decorre do funcionalismo de Luhmann, que é avalorativo.[42]

No momento em que se inserem valores no Direito, que passam a ser seus objetos, como o faz Roxin, abandona-se a concepção de Luhmann, migrando para correntes jusfilosóficas que admitem o Direito como valorativo, v.g., Habermas. Percebe-se, então, a necessidade de se delimitar bem o pensamento de cada doutrinador, a fim de se evitar contradições nas exposições que se apresentam.

4.2.2 Conceito analítico ou operacional de crime

O conceito analítico de crime é feito segundo a sua composição. Desse modo, examina-se seus requisitos, ou elementos, para se dizer o que é crime. Com base no que já se expôs, passo a expor a lição complementar sintetizada em Juarez Cirino dos Santos:

...As definições de um conceito podem ter natureza real, formal ou operacional, conforme mostrem a origem, os efeitos, a natureza ou os caracteres constitutivos da realidade conceituada. Assim, as definições de um conceito podem ter natureza real, material, formal ou operacional, conforme mostram a origem, os efeitos, a natureza ou os caracteres constitutivos da realidade conceituada. Assim, definições reais explicariam a gênese do fato punível, importantes para delimitar o objeto de estudo da criminologia; definições materiais indicariam a gravidade do dano social produzido pelo fato punível, como lesões de bens jurídicos capazes de orientara formulação de políticas criminais; definições formais revelariam a essência do fato punível, como violação da norma legal ameaçada com pena; enfim, definições operacionais identificariam os elementos constitutivos do fato punível, necessários.[43]

Há certa discussão sobre a natureza das partes conceituais que intregram o crime. Para Damásio E. de Jesus não seriam propriamente elementos, mas requisitos, isto é, sendo o crime uma unidade que não pode ser fracionada, melhor seria falar em requisitos, uma vez que faltando qualquer deles, não haverá a figura delituosa.[44] Tal a discussão é vazia de conteúdo, haja vista que lexicologicamente requisito significa condição necessária para se atingir determinado fim,[45] e elemento é tudo que entra na composição de alguma coisa.[46]

Maggiori diz que a questão terminológica não é de muita importância, sendo que a palavra, ou o conceito, não é a substância. Assim, denomina as partes essenciais do crime de elementos, caracteres ou aspectos. Não obstante, reconhece que o crime resulta de um todo unitário e monolítico, ainda que ele seja considerado de um ou de outro ângulo visual.[47]

Conforme ensina Luiz Flávio Gomes, a divisão didática vem perdendo prestígio, sendo mais importante o conceito global de injusto, uma vez que ele é um todo unitário.[48] Não obstante, entendemos diversamente, pois, explicando analogicamente, a pessoa também é um todo unitário, com duas partes essenciais (matéria e vida), sendo que a retirada de qualquer uma delas será a causa da sua extinção. O delito é como o ser humano, mas todos seus elementos são essenciais. A retirada de um deles, qualquer que seja, faz com o delito desapareça in totum.

Somente mediante o estudo analítico e progressivo do delito será possível a segurança jurídica necessária ao DCrim, ou seja, é essencial, na análise do crime, verificar cada uma das partes, progressivamente, até chegar a conclusão final, acerca da ocorrência do delito.

Negar a divisibilidade do delito importa em adotar o ultrapassado atomicismo, para o qual todas as coisas que formam a realidades são constituídas por partículas invisíveis e indivisíveis. Essas partículas foram chamadas de átomos, termo grego que significa não-divisível (a = negação; tomo = divisível).

Ver o crime como um todo unitário, indivisível até do ponto de vista didático, representa não pretender desenvolver um estudo científico, que permita uma teoria científica do delito. Essa é, sem dúvida, a melhor posição. Assim, oportuno e coerente é a posição de Cerezo Mir, citado por Regis Prado:

Decompõe-se o delito em suas partes constitutivas – estruturadas axiologicamente em uma relação lógica (análise lógico-abstrata). Isso não exclui a consideração do fato delitivo como um todo unitário, mas torna a subsunção mais racional e segura.[49]

O conceito unitário ou global de crime não nos permite sermos técnicos ou científicos na sua análise, razão de optarmos pelo conceito tripartido, embora o façamos em 2 capítulos, um sobre a parte objetiva (injusto) e outro sobre a subjetiva (culpabilidade).

4.2.2.1 Conceitos quadripartido(e) e tripartido(e)

Conforme ensinava Nelson Hungria, não há acordo na doutrina sobre o Direito Criminal, mormente a respeito do conceito analítico ou operacional de crime.[50]

Diz-se que, em uma época mais remota, já em 1551 a.D., o crime foi concebido por Deciano como sendo a conduta típica, antijurídica, culpável e punível.[51] Essa foi a posição de Bartaglini.[52] Nélson Hungria inseria a punibilidade no rol de seus elementos.[53] No entanto, não se pode ter a punibilidade como parte integrante do crime, eis que ao agir assim estaremos considerando como causa o efeito.[54] Nesse sentido, preleciona Assis Toledo:

Alguns autores acrescentam um outro elemento: – a punibilidade – ao nosso ver, sem razão. A pena criminal, como sanção específica do direito penal, ou a possibilidade de sua aplicação, não pode ser elemento constitutivo, isto é, estar dentro do conceito do crime. Ao contrário, pressupõe a existência de um crime já aperfeiçoado.[55]

Embora o conceito quadripartide de crime para a doutrina tradicional seja o fato típico, ilícito, culpável e punível; os autores mais modernos têm destacado a tipicidade, apresentando novos conceitos quadripartides.

Luiz Regis Prado sustenta que crime é dotado por conduta (ação ou omissão), tipicidade, ilicitude e culpabilidade, expondo:

Essa moderna concepção quadripartida – ação ou omissão, tipicidade, ilicitude e culpabilidade – sofreu, com o passar do tempo, importante transformação no que tange o conteúdo de seus componentes, desdobrando-se, de acordo com a diretriz científica, em sistemas ou modelos diversos, ou seja, o clássico, o neoclássico, o finalista e os teleológicos, que procuram exatamente uma normativização jurídico-penal.[56]

Para uma corrente, embora a imputação objetiva valorize o conceito global de delito, o vê dotado dos seguintes elementos: conduta (ação ou omissão), imputação objetiva, ilicitude e culpabilidade.

Vê-se que o velho conceito quadripartido cedeu lugar ao tripartido porque a punibilidade deixou de integrar o conceito operacional de delito, sendo posterior a ele. De todo modo, novos conceitos quadripartides, sem a punibilidade, vêm sendo desenvolvidos.

4.2.2.2 Conceitos bipartidos(es)

O crime era compreendido por um critério bipartido, representado por um elemento objetivo (ação ou omissão) e outro subjetivo (culpabilidade), o que foi denominado por Ferri de “anatomia jurídica do crime”.[57] Somente em 1906 é que se desenvolveu o critério tripartido, pelo qual crime é a conduta humana típica, antijurídica e culpável. Este é “o conceito mais aceito pela grande maioria dos penalistas”.[58]

No Brasil, atribui-se a René Ariel Dotti um peculiar conceito bipartido de crime,[59] eis que, conforme ele próprio sustenta,[60] defendeu que a culpabilidade deveria ser analisada na teoria geral da pena, não mais na teoria geral do delito.[61] Esse peculiar conceito de crime só é adotado no Brasil e é pouco razoável.

Argui-se que a própria redação do CP exclui a culpabilidade do conceito do crime, haja vista que ao ser referir à exclusão do fato típico diz “exclui o dolo” (art. 20, caput) ou “não há crime” (art. 23), enquanto diz “é isento de pena” quando se refere à culpabilidade (art. 26). Ocorre que, a própria exposição de motivos da PG/CP entende que o art. 20, § 1º, do CP, exclui o dolo, ou seja, atinge o próprio fato típico (itens 17 e 19), mas referido artigo expõe “é isento de pena”. Nesse sentido, sustenta Rogério Greco:

O fundamento desse raciocínio se deve ao fato de que o CP, quando se refere à culpabilidade, especificamente nos casos em que a afasta, utiliza, geralmente, expressões ligadas à aplicação da pena, a exemplo do art. 26, que cuidando do tema relativo à inimputabilidade, inicia sua redação dizendo que é „isento de pena...; ou a segunda parte do art. 21, caput, do CP, que diz que “... isenta de pena”.

Deve ser ressaltado que o CP também utiliza a expressão é isento de pena, ou alguma outra a ela parecida, para afastar as características do crime...[62]

O art. 17 do CP trata do fato que não é típico – crime impossível – e inicia com “não se pune”, o que evidencia que tentar demonstrar referido conceito reducionista de crime por esse simples aspecto suscitado – uma certa vontade da lei – é equivocado, haja vista que ela própria não é fiel à construção que se pretende demonstrar.

Outro argumento que se tem utilizado é o de ser possível receptação (CP, art. 180) de coisa, por exemplo, subtraída por incapaz, embora o CP trate expressamente de coisa que seja produto de “crime”. Acompanhamos entendimento minoritário, em face do princípio da legalidade, no sentido de que não é possível praticar receptação quando se adquire coisa proveniente de ato infracional de menor.

Àqueles que sustentam a tese de que a receptação pode ser consubstanciada quando a coisa é adquirida de incapaz é oportuno o alerta de que a redação é do art. 180, caput, decorre CP/1940, quando não se questionava sobre a culpabilidade como elemento de crime. Nelson Hungria, por exemplo, embora entendendo que crime é fato típico, ilícito, culpável e punível, admitia a receptação de bem subtraído por incapaz porque a receptação constitui crime autônomo,[63] esvaziando a pretensão de se afirmar que a nova roupagem do CP exclui a culpabilidade do conceito analítico de delito, sendo oportuno dizer que o argumento construído a esse respeito é extremamente frágil.

Neste curso, o estudo será feito segundo a teoria tripartida – estudando-se a parte objetiva (fato típico e ilicitude), reservando à parte subjetiva (culpabilidade) o próximo capítulo -, a fim de propiciar ambiente para evidenciar a tendência de alteração na estrutura do delito com a formulação da teoria da imputação objetiva. Em tal momento apresentaremos a posição de Chaves Camargo, que produziu um dos melhores livros monográficos nacionais a respeito do assunto,[64] momento que se evidenciará a tendência de se abandonar o estudo sistemático do delito.

Estamos adotando uma postura parecida com a de Welzel e de Juarez Tavares, os quais adotam um conceito analítico ou operacional bipartido, no qual crime é uma parte objetiva (fato típico e ilicitude – conhecida por injusto) e outra subjetiva (culpabilidade).

4.3 FATO TÍPICO

Diz-se que fato típico é a conduta humana que se adequa ao tipo, produzindo um resultado (normativo ou naturalístico) proibido pela lei criminal. Dessa forma, são elementos do fato típico: (a) conduta; (b) relação de causalidade; (c) resultado; (d) tipicidade.

O estudo do fato típico passou por diversas transformações, na medida em que evoluímos do causalismo para o finalismo, deste para a doutrina social e, finalmente, para a imputação objetiva.

Nesta seção serão apresentados os elementos do fato típico, segundo as principais teorias desenvolvidas. Outrossim, algumas classificações estarão presentes, bem como certos aspectos da teoria do injusto criminal tudo tendente ao conhecimento do porquê de as leis criminais estabelecerem certas normas gerais aplicáveis às normas incriminadoras.

4.3.1 Conduta

O estudo da conduta é um dos mais densos a serem desenvolvidos. É tão importante que alguns autores vêm destacando em face dos outros elementos do crime, conceituando operacionalmente o crime como sendo a conduta típica, ilícita e culpável. Com isso, o crime teria quadro partes: conduta, tipicidade, ilicitude e culpabilidade. Ou, para outra corrente, crime é integrado por: conduta, imputação objetiva, ilicitude e culpabilidade.

4.3.1.1 Teorias

Existem várias teorias sobre a conduta, das quais enumeraremos as mais significativas:

Ø Causalista – esta teoria está superada, uma vez que considera a conduta como sendo a ação ou omissão humana voluntária que produz um resultado proibido pela lei criminal. Nesse momento, não há que se perquirir a finalidade do agente, sendo a conduta um movimento exterior (positivo ou negativo – ação ou omissão, respectivamente) que deve ser apreciado sem qualquer referência a dolo ou negligência.[65]

Ø Finalista – teoria que teve como seu maior defensor e articulador Hans Welzel (1904-1977), que dizia que a ação humana (aqui incluída a omissão) é o exercício de uma atividade finalista. Esta contém o elemento subjetivo (dolo).

Alguém que se conduz positivamente (ação) ou negativamente (omissão), o faz desejando alguma coisa. Mesmo nos crimes omissivos puros, a vontade se faz presente, ou seja, o agente não deseja o resultado, mas quer praticar a conduta proibida.

Welzel não conseguiu explicar adequadamente a negligência em sentido estrito, a qual é normativa, pois traz o elemento volitivo para a conduta (querer agir mediante a omissão ao dever de cuidado e gerar o risco de dano ao objeto jurídico). Ocorre que a conduta negligente em sentido estrito é aquela em que o agente sequer pensa na possibilidade de dano ao objeto jurídico (é objetiva), o que torna inadmissível a proposta finalista a esse respeito.

O dolo, desde Welzel, apresenta 2 elementos: volitivo, desejar o resultado normativo-jurídico; e cognitivo, conhecer, ainda que potencialmente, os elementos do tipo.

Ø Social – “o mérito dessa teoria consiste em que, ao decidir-se sobre a tipicidade de uma ação, são considerados não só os aspectos causal e finalístico, mas também o aspecto social”,[66] tendo surgido como “uma ponte entre as teorias causalista e finalista”.[67] Havendo dúvida sobre a qualidade da ação, deve-se examinar: a) se há determinada conduta; b) se foi dominada ou era dominável pela vontade; c) sua relevância social.[68]

Ø Jurídico-criminal – exprime que a “ação é o comportamento humano, dominado ou dominável pela vontade, dirigido para a lesão ou para a exposição a perigo de um bem jurídico, ou, ainda, para a causação de uma previsível lesão a um bem jurídico”.[69]

Ø Imputação objetiva – não é fácil discorrer sobre a conduta jurídico-criminal para a imputação objetiva por dois motivos: (a) a teoria está baseada no estudo tópico, ou seja, exame casuístico; (b) tende ao exame global do delito, afastando-se do estudo sistemático que está sendo desenvolvido.

Em um delineamento inicial, pode-se afirmar que para a imputação objetiva a conduta jurídico-criminal é aquela que incrementa um risco proibido. Viver na sociedade complexa hodierna importa em se colocar constantemente em risco, bem como colocar terceiros em risco, mas só interessa aquele em que o risco é proibido pela norma jurídico-criminal.

Podemos dizer que Welzel, ao desenvolver a teoria finalista da ação a calcou em postulados antropológicos e ontológicos,[70] chegando a conclusões utópicas. Ele posicionou a ação humana no centro da teoria geral do delito, construindo, a partir de características essenciais da ação, um sistema de estruturas lógico-objetivas, preexistente ao legislador, que, segundo a opinião de seus defensores, forneceria à dogmática jurídico-criminal conhecimentos permanentes e inabaláveis.[71]

O estudo da conduta permite grande dilação acadêmica.[72] Com efeito, existem sérias divergências doutrinárias e as soluções propostas não se revelaram suficientes para eliminar as divergências e, por isso, alguns criminalistas consideram que esta é uma das questões mais controvertidas da ciência criminal, v.g., João José Leal.[73] Destarte, parece que a melhor lição, no atual estágio de nossos estudos, é a de Paulo José da Costa Jr.:

Do exposto se conclui: nenhum dos critérios apontados, tomados isoladamente, mostra-se suficientemente idôneo para conceituar a conduta. Cada um deles oferece sua contribuição à solução do problema. O critério naturalístico oferta a base necessária para a edificação da teoria do crime. A concepção teleológica ressalta o conteúdo social e os momentos de valor da conduta, além de emprestar unidade ao sistema, solucionando problemas como o instituto do concurso, ou o crime continuado. A conceituação jurídico-normativa permite a exata utilização de todas estas estruturas ontológicas, fornecendo-lhes o contorno formal, além de contribuir valiosamente para o esclarecimento de importantes conceitos, como o de omissão. Esta solução que se afigura mais equilibrada, equidistante das paixões dos adeptos ferrenhos de várias doutrinas: aceitar de cada uma a contribuição válida que se pode oferecer. Não se venha a dizer que tal posição é eclética, pois é tridimensional. São três momentos de uma só realidade, que não podem ser materialmente retalhados, por integrarem três aspectos onticamente inseparáveis. A escola naturalística focaliza o fato. A teleológica sublinha o valor. E a jurídico-normativa concentra-se na norma. As três visões, desmembradas e parciais, fundem-se numa única realidade, que não é a soma de suas integrantes, mas a fusão de todas, no cadinho da realidade social.[74]

Damásio Evangelista de Jesus dizia-se adepto da teoria finalista. No entanto, inverteu a ordem da construção das teorias sobre a conduta, tendo tratado primeiramente da teoria social para depois mencionar a teoria finalista, levando a crer que essa seria a ordem cronológica da criação de tais teorias. Aliás, ao concluir sua exposição sobre a teoria social, o autor afirmou: “Por esses motivos, essa teoria foi repudiada pela doutrina penal”. Então, discorreu sobre a teoria finalista, que, segundo ele, foi um aperfeiçoamento das duas anteriores (causalista e social).[75]

Tal proposição é insustentável porque o finalismo foi lançado de 1925 a 1931 (segundo o próprio Welzel, em 1927), tendo sido objeto de críticas em 1932, o que provocou seu relançamento em 1939. A essa posição Welzel se contrapôs, dizendo que seu finalismo só nasceu 30 anos depois das primeiras publicações.[76]

A teoria social é posterior à finalista, procurando corrigir defeitos contidos nela, bem como na teoria causalista.[77] Aliás, o Damásio E. de Jesus era contraditório em suas posições – ora defendendo apaixonadamente um lado, ora o outro –, a ponto de Juarez Tavares e Luiz Regis Prado o classificarem como autor que teve posição intermediária, entre o finalismo e a teoria social.[78] Não obstante isso, em outra obra o último colocou Damásio E. de Jesus dentre os finalistas.[79] Ademais, não poderia ser a teoria social anterior à finalista, uma vez que aquela pretende conjugar ensinamentos do finalismo com os do causalismo, sendo inconcebível a teoria eclética preceder uma daquelas que pretende conjugar com a outra teoria.

Pelo que se observa, todas as teorias expostas são causais, visto que se voltam à causação do resultado proibido, mas a vontade passou a ser parte integrante da conduta, daí dizer-se, hodiernamente, que o dolo e negligência são partes integrantes da conduta.[80]

Não se olvide que a análise global do injusto pretende tornar possível a correta valorização dos fatos, visto que observar a relação de causalidade tem apenas efeito secundário, complementar, pois qualquer estudo fragmentário que se estabeleça será insuficiente, mormente no que tange à tipicidade e à relação de causalidade.

A teoria do incremento do risco é, talvez, a pedra de toque da imputação objetiva. Tal teoria tem relação com o estudo da relação de causalidade, mas se relaciona com o estudo da conduta, uma vez que toda construção do funcionalismo criminal tende ao princípio da confiança. Mesmo que não admitam expressamente, todos autores criminalistas que se dizem funcionalistas, voltam-se a Luhmann e a Habermas, migrando para a grande máxima: “Direito é comunicação e esta só é possível na sociedade”.

O princípio da confiança traduz exatamente a ideia de uma sociedade sistêmica, baseada em uma esperável boa-fé. O grande problema é que o consenso só seria possível em democracias ideais, a quais não existem.

Segundo a imputação objetiva, a conduta que se circunscreve ao risco permitido é lícita, sendo ilícita a que invade o campo do risco proibido. Tal risco só pode ser adequadamente aferido se observado o princípio da confiança, v.g., o anestesista que ministra medicamento trocado por uma auxiliar que deseja a morte do paciente não pode ser acusado de fato jurídico-criminal, uma vez que acredita, confia, em sua auxiliar. A ele não se pode imputar dolo ou negligência, uma vez que atuou dentro dos limites do risco permitido e, ainda, sob o resguardo do princípio da confiança.

4.3.1.2 Injustos comissivo, omissivo e comissivo por omissão

Em face da conduta, podemos fazer a seguinte classificação do delito:

Ø comissivo – é aquele que exige do autor uma ação, v.g., furto, cujo núcleo do tipo é subtrair, ou seja, exige-se do autor uma conduta positiva;

Ø omissivo – é aquele que exige do autor uma inação (omissão). É exemplo típico de tal espécie de delito o crime de omissão de socorro, cujo núcleo do tipo é deixar. Tal verbo exprime um não fazer, uma inércia. Essa espécie de delito é classificada como sendo omissa pura ou própria, visto que é imposta a obrigação de agir a todos e quem deixar de agir praticará o delito.

Ø comissivo por omissão (ou omissivo impróprio, ou comissivo impróprio, ou ainda, omissivo impuro) – tal espécie de crime só pode ser praticado por determinadas pessoas que têm o dever de agir, as quais são chamadas de garantes (ou garantidoras). Ao tratarmos da relação de causalidade explicaremos melhor tal espécie de delito. Só a título de exemplo, se uma pessoa passar próxima a um rio e vier a perceber outra afogando e, podendo, deixar de prestar-lhe socorro, praticará o crime de omissão de socorro (art. 135 do CP), concretizando um crime omissivo puro. Não obstante, caso o pai veja seu filho criança afogando e nada faça para socorrê-lo, cometerá homicídio (art. 121 do CP), que será um crime comissivo por omissão.

As hipóteses que caracterizarão o injusto omissivo impróprio serão tratadas no item que versará sobre a relação de causalidade, visto que disciplinadas no art. 13, § 2º do CP. Aqui o objetivo ficou adstrito à classificação dos delitos quanto à conduta, visto que parece obedecer à melhor explicação didática.

Pretendeu-se estabelecer uma outra classe de crimes, que não seriam comissivos, nem omissivos, que seriam os chamados crimes de mera suspeita. Seria exemplo típico de tal classe de fato jurídico-criminal a posse injustificada de instrumentos e suspeita de instrumentos destinados à prática de furto. Em nosso meio, seria a contravenção do art. 25 da LCP, in verbis:

Ter alguém em seu poder, depois de condenado por crime de furto de roubo, ou enquanto sujeito à liberdade vigiada ou quando conhecido como vadio ou mendigo, gazuas, chaves falsas ou alteradas ou instrumentos empregados usualmente na prática de crime de furto, desde que não prove destinação legítima.

Deve-se concordar com Nelson Hungria, que expôs que sendo núcleo do tipo “ter”, só se configura o delito mediante a ação de se apoderar dos objetos que levam à caracterização do fato jurídico-criminal, não sendo, portanto, possível falar em crime (ou contravenção) sem conduta (ação ou omissão).[81] Data venia, o crime de mera suspeita não é compatível com o garantismo, eis que não pode haver injusto criminal sem dano ou risco de dano ao objeto jurídico.

4.3.3.3 O dolo e a negligência como elementos da conduta (incluindo conceito e espécies de perigo)

Para distinguir o dolo da negligência foram desenvolvidas três teorias, a saber:

Ø da representação - o resultado previsível representa o dolo, razão pela qual será doloso o crime sempre que houver um resultado previsível;

Ø da vontade - apresenta o outro extremo porque só há dolo na vontade de obtenção do resultado proibido, excluindo a possibilidade da responsabilização daquele que age, mesmo assumindo o risco de produzir o resultado; e

Ø do assentimento (ou do consentimento) - diz que o dolo é o consentimento com o resultado previsto, mesmo que ele não seja desejado. Aceitar o resultado representa a vontade delituosa, portanto, o dolo.

Acerca do dolo e da negligência, o CP dispõe:

Art. 18 - Diz-se o crime:

Crime doloso

I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;

Crime culposo

II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.

Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.

O CP adotou a teoria da vontade (dolo direto) e a teoria do assentimento (dolo eventual), ex vi do disposto no art. 18. No mesmo artigo, o CP trata da negligência (ele prefere a palavra “culpa”), que pode ser consciente (o agente faz a previsão do resultado), ou inconsciente (o sujeito ativo não faz a previsão do resultado, mas esse resultado é previsível ao homem médio), sendo que suas modalidades são: imprudência, negligência e imperícia.

São várias as classificações do dolo, devendo-se concordar com von Liszt quando afirma que as diversas “modalidade de dolo que nos foram transmitidas pela ciência do Direito comum são, na melhor hipótese, inúteis, e pela maior parte, como o dolus indirectus, não passam de exageros da ideia, próprios a induzir a erro”.[82] Fala-se em:

Ø dolo direto – que é aquele decorrente da vontade (do querer) do agente, ou seja, o fato ocorre sob o domínio da vontade do autor. Ele deseja o resultado normativo-jurídico realizado ou tentado. Esse dolo direto pode ser de primeiro ou de segundo grau, v.g., uma pessoa deseja matar outra que está em um avião de passageiros, explodindo-o. Quanto à pessoa visada, o dolo direto será de primeiro grau. Quanto aos demais, o dolo será de segundo grau uma vez que ele tinha a intenção de matá-los para alcançar seu objetivo principal, mas apenas porque a morte deles seria necessária para satisfação da pretensão principal.

Ø dolo eventual – se caracteriza pelo fato do agente, mesmo não desejando, assumir o risco de produzir o resultado jurídico-criminal. Decorre, portanto, da teoria do assentimento ou do consentimento;

Ø específico e genérico – o dolo específico é o especial fim de agir contido no tipo. A doutrina finalista nega tal espécie de dolo porque ele pressupõe a existência de dolo genérico, mas todo crime exige uma vontade determinada, ou seja, dolo específico, o que inviabiliza criar tal distinção. Não obstante, temos por extrema a posição dos finalistas, visto que tudo depende de determinado referencial.[83] Desse modo, consideramos genérico o dolo que, v.g., atinge o objeto jurídico em sua generalidade (CP, art. 148), e específico aquele que o atinge em determinada particularidade predeterminada na norma, v.g., liberdade sexual (CP, art. 219).

Ø alternativo – é aquele em que o agente vislumbra a possibilidade de dois resultados, mas se contenta com qualquer um deles, mesmo sabendo que ambos são proibidos pela norma criminal, v.g., Tício manda Caio dar uma surra em Mévio, determinando a Caio a aplicação de cem violentas chicotadas de couro, com ponteiras metálicas, na vítima, pouco se importando se as lesões só ofenderão a integridade física (lesão corporal – CP, art. 129), ou se provocarão a morte (CP, art. 121);

Ø simples e composto – é simples o dolo que visa a produção de um único resultado delituoso, enquanto o composto objetiva mais de um, v.g., no concurso formal imperfeito o agente tem mais de um desígnio delituoso (deseja mais de um resultado jurídico-criminal), o que, por constituir uma pluralidade de crimes, constitui dolo específico.

Ø de dano e de perigo – o dolo de dano é aquele tendente à ofensa do objeto jurídico, por exemplo, homicídio (o agente pretende atingir a vida – CP, art. 121), enquanto o dolo de perigo visa à ameaça do objeto jurídico, v.g., periclitação da vida (o dolo se limita à exposição da vida ao perigo – CP, art. 132).

Ø dolus malus e dolus bonus – tais espécies de dolo são assim classificados pelos motivos determinantes da conduta. Aquele que deseja praticar o injusto para fazer o bem tem dolus bonus, v.g., o Bombeiro Militar que arromba uma porta e invade uma casa para salvar uma pessoa em situação de perigo. De outro modo, aquele que age movido por um desejo censurável, tem dolus malus, por exemplo, torcedor de um time de futebol que espanca o torcedor de outro time rival, apenas para obter prestígio em sua torcida organizada.

Ø dolus indeterminatus – o dolo não é determinado em todas circunstâncias (mas não de todo indeterminado), podendo-se apresentar como exemplo o dolo alternativo.

Ø dolus indirectus – sua origem se deve às necessidades de administração da justiça, a que a teoria da vontade não estava em condições de atender, sendo traduzido pela prática de um crime que alcança resultados que vão além do desejado, v.g., o agente pratica lesão corporal, mas, sem desejar, produz a morte da vítima. Ora, a posição é equivocada porque nem mesmo o versari in re ilicita permite converter em resultado representado o resultado não representado.[84]

Ø A versari in re ilicita supõe: (a) responsabilidade pelo mero resultado; (b) o dolo indirectus como fundamento da responsabilidade.[85] Por tais fundamentos equivocados, a teoria teve que ser abandonada, até porque o Direito do momento é incompatível com a responsabilidade objetiva em matéria criminal.

Apresentarei a seguir a ótica de André Estefam porque pretendo que esse curso não fuja do seu objetivo de atender a todos, inclusive os voltados a concursos públicos:

(a) dano direto ou imediato: dá-se quando o agente quer produzir o resultado (subdivide-se, em dolo direto de 1º grau e dolo direito de 1º grau). O grau do dolo interferirá na dosimetria da pena visto que o de 1º grau será mais intenso, por exemplo, quem quiser matar outrem em um avião, sabendo que ali existirão mais 9 pessoas, ao explodir tal aeronave, terá 10 dolos, 1 de 1º grau e 9 de 2º grau. De 1º grau será contra a vítima objetivada e de 2º contra os demais do “pacote”;

(b) dolo indireto ou mediato: subvide-se em eventual e (o agente não quer produzir o resultado, mas com sua conduta. assume o risco de fazê-lo) e alternativo (o agente quer produzir um ou outro resultado, por exemplo, matar ou ferir). Discordo quanto a isso porque o dolo alternativo, ao meu sentir, é direto (o agente desejará 1 de 2 resultados possíveis), visto que haverá vontade dirigida a um fim. De todo moto, ratifico, o dolo alternativo é concebido com mediato.

(c) dolo de dano: ocorre quando o agente pratica a conduta visando a lesar o bem jurídico tutelado na norma penal.

(d) dolo de perigo: o sujeito visa somente expor o bem jurídico a perigo, sem a intenção de lesioná-lo.

(e) dolo natural ou neutro: é o que contém unicamente consciência e vontade;

(f) dolo híbrido ou normativo: exige os elementos cognitivo, volitivo e a consciência da ilicitude;

(g) dolo genérico, a vontade de realizar os elementos do tipo;

(h) dolo específico: é o especial fim de agir que estará inserido no tipo, por exemplo, para fins libidinosos;

(i) dolo geral ou dolus generalis: também denominado aberratio causae (erro de causa) ou erro sucessivo, é aquele em que o acidente depois de pensar ter consumado o crime, visará a evitar a pena ocultando a prova.

André Estefam procura distinguir o dolus generalis do aberratio causae, afirmando:

No erro sobre o nexo causal realiza-se uma só conduta pretendendo o resultado, o qual é alcançado em virtude de um processo causal diverso daquele imaginado. Exemplo: uma pessoa joga seu inimigo de uma ponte sobre o rio (conduta), pretendendo matá-lo (resultado) por afogamento (nexo de causalidade esperado), mas a morte ocorre porque, durante a queda, o ofendido choca sua cabeça contra os alicerces da ponte (nexo de causalidade diverso do imaginado). A diferença fundamental entre o dolo geral e o erro sobre o nexo de causalidade reside no fato de que naquele há condutas, enquanto neste há somente uma.[86]

Com Lizt, afirmo que inventamos classificações demais. Entendo que aquele que pretende matar de um modo e com uma única ação mata de outra maneira, errou na causação do resultado, assim como errará aquele que pensando ter matado, lançar a vítima no rio, ainda viva, para ocultar cadáver, e ela venha a morrer afogada. Nas duas hipóteses, haverá um dolo geral alcançado. Nessa posição, estou bem acompanhado, eis que é a posição de Jakobs.[87]

O dano, do ponto de vista jurídico-criminal, é a ofensa ao objeto jurídico, enquanto o perigo é explicado segundo três teorias:

Ø objetiva – perigo é um "trecho da realidade".[88] Existe uma possibilidade ou probabilidade objetiva, que pode ser verificada estatisticamente ou por uma observação sistemática. Perigo é, portanto, um estado de fato que contém as condições (incompletamente determinadas) de um evento lesivo;

Ø subjetiva – perigo é uma ideia, nada tendo de objetivo. É uma hipótese, não um fato. É uma abstração subjetiva, não uma realidade concreta. O perigo não passa de uma impressão de temor, de uma representação mental, de uma pura indução subjetiva;

Ø mista ou integrativa – perigo não é um elemento arbitrário (caso se tratasse de uma simples impressão, com ele não poderia operar o DCrim, que deixaria de tutelar a ordem externa, para proteger a impressionabilidade interna dos indivíduos). O perigo é uma possibilidade de dano, uma situação objetiva, mas que precisa ser reconhecida, julgada (situação subjetiva).[89]

Deve-se preferir a teoria mista, mas a dúvida volta a emergir quando a quantidade ou grau de consistência do perigo que tem relevância jurídico-criminal. Uns entendem que basta a mera possibilidade de dano, enquanto outros exigem a notável (relevante) possibilidade.

Entende-se que é insuficiente a mera possibilidade, eis que o perigo, sob o prisma jurídico-criminal, não pode ser uma possibilidade abstrata ou uma eventualidade anormal ou incomum. O DCrim deve desinteressar-se dos perigos mínimos ou de escassa possibilidade, pois de outro modo, cessaria toda liberdade de movimentos.

É impossível prevenir a infinita variedade de acontecimentos lesivos, pois até as atividades mais comezinhas da vida diária geram riscos. O homem só deve se abster de condutas que podem causar danos jurídico-criminais.[90]

No âmbito jurídico-criminal, o perigo pode ser:

Ø presumido (ou abstrato) – é o que a lei presume iuris et de iure, inserto em determinada conduta, v.g., desabamento de construção (LCP, art. 29);concreto – é o que deve ser averiguado ou demonstrado de caso em caso na sua efetividade, ou presumido iuris tantum, v.g., desabamento ou desmoronamento (CP, art. 256).

Ø coletivo (ou comum) – é aquele que afeta número indeterminado de pessoas, v.g., crimes de perigo comum (CP, arts. 250-259);

Ø individual – é o que afeta o interesse de uma só pessoa ou de um exíguo e determinado grupo de pessoas, v.g., crimes de periclitação da vida e da saúde (CP, arts. 130-136);

Ø atual (ou iminente) – é a possibilidade presente ou efetiva de dano, v.g., Caso dos Exploradores de Caverna;[91]

Ø futuro (ou mediato) – é aquele que, embora não existindo na atualidade, pode advir em tempo sucessivo.

Tem-se discutido sobre a constitucionalidade dos tipos de perigo abstrato. Argumenta-se que Jakobs diz ser ilegítima a incriminação em áreas de adjacências à lesão do bem jurídico.[92]

A negligência, por sua vez, enseja discussões a partir de sua denominação. Preferimos a posição daqueles que não mais fazem a distinção entre as modalidades de “culpa”. Juarez Tavares, por exemplo, trata unicamente de delito negligente, como sinônimo de “crime culposo”.[93] Os manuais acabaram consolidando as seguintes distinções, aplicadas em concursos públicos:

Ø imprudência – constitui o excesso, caracterizado por uma ação. O agente exagera em sua ação, extrapolando nos limites de segurança, o que evidenciará a imprudência. Aqui, faço minha crítica a esse conceito corrente nos manuais pátrios porque imprudentia (latim), significa apenas falta de atenção, descuido, etc., ou seja, está ligada à imprevisão, o que não importa, necessariamente, em uma ação;

Ø imperícia – é representada pelo erro ou engano na atuação por não conhecer determinada habilidade especial exigida para aquela atividade. Assim, os manuais vinculam a imperícia ao exercício de atividades que exigem habilidades especiais. Não as tendo, o erro caracterizará a imperícia. Assim, os autores dizem que a imperícia é a imprudência qualificada, eis que é a imprudência que pressupõe uma arte, um ofício, uma profissão.

Considerando que a palavra decorre do latim imperitia (falta de conhecimento, ignorância, imperícia, inabilidade), poder-se-ia dizer que há acerto na construção manualesca. No entanto, devo observar que há muito se defende a ideia de ser a negligência pura imprudência ou imperícia, o que esvazia a tentativa de localizar a distinção.

Concordo, com Nelson Hungria que afirma, que a “imperícia, de seu lado, não é mais do que uma forma especial de imprudência ou de negligência”.[94] Ocorre que ele vincula a imperícia à inabilidade do agente, o que me permite discordar.

Mirabete afirmava que a imperícia é a falta de conhecimentos técnicos no exercício da arte ou da profissão, não tomando o agente em consideração o que deve ou deva saber. "Havendo inabilidade para o desempenho da atividade fora da profissão (motorista sem carta de habilitação, Médico não diplomado etc.) a culpa é imputada ao agente por imprudência ou negligência, conforme o caso".[95]

Tenho que a simples contrariedade à técnica constitui imperícia, mesmo que o agente conheça todos os detalhes. Deve-se concordar com Nelson Hungria que nem todo erro profissional constitui imperícia. Algumas profissões levam os profissionais a atuarem com grande margem de risco, o que pode provocar sérios danos por pequenos erros, que não podem ser classificados como delitos. No entanto, o experiente profissional que deliberadamente contraria a técnica por conduta omissiva ou ativa atua com imperícia, ou seja, para mim, a imperícia constitui a simples contrariedade à técnica, independentemente de o agente conhecê-la ou não a conhecer.

Imperícia não é uma qualidade do agente, mas da conduta. Essa é uma análise do injusto, ou seja, do fato, não do agente. Mas, reconheço, os manuais pátrios emprestam à palavra imperícia o seu sentido vulgar, ou seja, de “inaptidão, incapacidade, falta de habilidade, ou inexperiência”.

Ser a negligência consciente ou inconsciente é pouco relevante no estudo da conduta, elemento do fato típico, eis que vinculada ao agente, levando ao estudo dos graus de negligência (leve, média ou grave), que merece prestígio no exame da culpabilidade, momento posterior. É por entender que a imperícia é uma qualidade do fato e não do agente, que não a vinculo ao conhecimento de técnicas ou habilidades especiais.

Ø negligência – os manuais apresentam como a omissão a um dever de cuidado, representada por uma conduta omissiva, v.g., deixar de fazer manutenção no veículo e dirigir com ele nesse estado de insegurança, provocando danos a terceiros.

Neglegentia (latim) significa, descuido, indiferença, desleixo, esquecimento. Assim, tenho por inferência exagerada pretender ver na negligência apenas a conduta omissiva. Ao meu sentir, a omissão ao dever de cuidado pode se dar em uma conduta comissiva e, volto a dizer, a consideração que deve ser feita é em relação à conduta e não ao agente. Por isso, entendo que, havendo negligência (omissão ao dever de cuidado), estarão incluídas a imprudência e a imperícia.

Günther Jakobs fala unicamente em delito imprudente, como sinônimo de “delito culposo” em sentido estrito.[96] A ausência de distinção, ao nosso sentir, se apresenta como correta porque, de certa forma, é impossível dizer categoricamente que uma conduta “culposa” foi unicamente imprudente, ou negligente, ou, ainda, que o fato decorreu só da imperícia, v.g., aquele condutor de veículo automotor que avança em um cruzamento, quando o semáforo está com luzes vermelhas, vindo a colidir com outro veículo que se desloca em velocidade acima da permitida, tem “culpa”. Também a tem o condutor do outro veículo. Ambos foram imprudentes ao excederem aos limites de segurança, também foram negligentes quando deixaram de observar o dever de cuidado. Finalmente, agiram com imperícia, na medida em que agiram contrariamente à técnica.[97] Pelo que se pode extrair dos exemplos, efetivamente é vazia de conteúdo a distinção contida na lei.

Os delitos negligentes têm grande relevância, tendo em vista que a atribuição objetiva do resultado (imputação objetiva) veio para dirimir as grandes discussões havidas no campo dos delitos dolosos, mas, agora, seu maior prestígio se volta aos delitos negligentes.

A negligência pode ser consciente ou inconsciente. Esta é a negligência propriamente dita (ou em sentido estrito), uma vez que a conduta se manifestará sem que a pessoa tenha feito a previsão do resultado proibido pela norma criminal, mas este lhe era previsível. De outro modo, a negligência consciente é denominada subjetiva porque o agente faz a previsão do resultado, mas supõe que ele não se realizará.

Falar em negligência imprópria, por extensão, por equiparação ou por assimilação, que seria o “erro de tipo inescusável” daquele que atua sob determinada descriminante putativa (CP, art. 20, § 1º),[98] é inadequado, tendo em vista que se a negligência própria é a inconsciente, pode-se deduzir que a negligência consciente é, naturalmente, imprópria.

A denominação “culpa imprópria”, utilizada por alguns, referindo-a ao erro de proibição, só induz a equívocos, misturando conceitos e aspectos completamente distintos, haja vista que a punição a título de negligência, no caso de erro na descriminante putativa, é assunto complexo, que exige grande cuidado em seu trato, mas cumpre alertar que se trata de erro de proibição, não de negligência imprópria. Ali, não se extrai a negligência do resultado, como ocorre no dolus indirectus, em que o dolo é retirado do resultado.

A negligência presumida não é admitida desde a vigência do CP/1940. Consistia em atribuir a responsabilidade por um dano apenas porque o autor infringiu determinada disposição regulamentar, v.g., um motorista inabilitado era presumidamente responsável pelos danos que causasse. Hoje, há uma tentativa de resgatar esse absurdo em relação ao condutor de veículo automotor que tiver ingerido bebida alcóolica em nível superior ao admitido, ainda que ele não esteja embriagado.

O CP, referindo-se ao injusto negligente, fala em imperícia, imprudência e negligência, sendo que tal definição cede seu espaço para uma única modalidade de injusto culposo, que passa a se confundir com “injusto negligente” ou “imprudente”, não sendo cabível no estágio atual do Direito Criminal, discutir a distinção entre as modalidades de “culpa”, eis que ela se dá em razão da adoção da teoria causal, sendo que hoje a discussão está centralizada na noção de lesão ao dever de cuidado e na de risco proibido.[99]

O injusto negligente tem como fundamento a previsibilidade ao homem médio. Porém, é difícil determinar quem é tal espécie de homem, até porque, conforme ensina Fábio Roberto D'Avila, “este homem idealizado pela dogmática, apenas não está morto, porque nunca existiu”.[100]

Pensar objetivamente em um homem médio é criar uma responsabilidade objetiva, inadmissível em Direito Criminal. Daí concordar-se com a posição de Juarez Tavares, no sentido de que se deve proceder à avaliação típica a partir das condições e circunstâncias reais do fato, bem como da necessidade de proteger o bem jurídico no caso específico, podendo, para tanto, observar as normas orientadoras das profissões e ofício, as chamadas lex artis, bem como das instruções formais e informais, que regem as atividades em geral.[101]

Na busca de parâmetros ideais para a responsabilização pelos delitos negligentes foram construídas três teorias, a saber:

Ø da dupla posição – expõe que a análise típica deve ser unicamente objetiva, reservando à culpabilidade a apreciação de aspectos subjetivos;

Ø da individualização da capacidade do agente – para esta teoria, tanto os elementos objetivos, quanto os subjetivos são imprescindíveis na análise do injusto;

Ø mista de Roxin – propõe que sejam levadas em consideração a capacidade individual do autor somente nos casos em que esta é superior ao padrão objetivo, eis que sendo menor, deve ser mantida a análise estritamente objetiva, relevando os aspectos subjetivos à culpabilidade.[102]

Parece-nos que Roxin, na busca da adoção completa de determinada política criminal, incorre em contradição, tendo em vista que todo seu funcionalismo tende a um DCrim subsidiário, menos interventor, mas o mesmo não ocorre no que respeita aos injustos negligentes, eis que é autoritária, arbitrária, qualquer tentativa de se pretender estabelecer uma responsabilidade criminal objetiva.[103] Destarte, deve-se preferir a teoria da individualização da capacidade do agente.

Dizer que um homem que colocar uma arma em local de fácil acesso para uma mulher que ele sabe estar com vontade de praticar um suicídio participará de tal delito, caso o resultado morte venha a ocorrer com o emprego de tal arma, é dar sentido muito elástico à norma criminal. Segundo Roxin existe precedente da mais alta corte germânica na mesma posição da que defende.[104] Ocorre que, não se pode esquecer o garantismo do DCrim, mormente o da norma criminal, ex vi do princípio nullum crimen nulla poena sine praevia lege.

Exemplificando o que se expõe, a participação em suicídio (art. 122 do CP) por uma questão lógica, não admite a modalidade negligente. Com efeito, o art. 18, parágrafo único, do CP, prevê a excepcionalidade da responsabilização por crime negligente, só a admitindo nos casos em que a lei expressamente a prevê. Desse modo, o art. 122 não admite a modalidade negligente, bem como em qualquer espécie de delito negligente, só poderá ser responsabilizado aquele que porventura for seu coautor.

Conforme exposto, tentar reduzir uma teoria a exemplos conduz a incoerências insustentáveis. Daí entendermos que devemos evitar explicar uma teoria unicamente pelos casos que se apresentam. Roxin, ao nosso sentir, comete tal equívoco, v.g., expõe o “caso do ciclista”, in verbis:

O condutor de um caminhão resolveu ultrapassar um ciclista e, ao fazê-lo, não guardou a distância mínima de separação imposta pelo Código de Estrada. Durante a ultrapassagem, o ciclista, que estava embriagado, guinou a bicicleta para a esquerda devido a uma inesperada reação provocada pelo álcool, caiu debaixo das rodas traseiras do caminhão que nesse momento lhe passava ao lado e morreu em consequência do acidente. Comprovou-se que o acidente ter-se-ia sempre produzido, bem assim como o seu fatal desenlace, mesmo que o condutor do caminhão tivesse mantido uma separação suficiente ao efetuar a ultrapassagem.[105]

Nesse caso, invocando o CP Alemão, Roxin defende que o condutor do caminhão não pode ser responsabilizado pelo resultado morte, tendo em vista que o resultado ocorreria, mesmo que ele tivesse obedecido a distância regulamentar. Ocorre que, in casu, resta evidente certa contradição, tendo em vista que ele defendeu a responsabilidade com base em elementos meramente objetivos, mas a exclui diante de um certo caso. Ao nosso sentir, isso decorre da inserção exagerada de exemplos, visto que eles tendem a conduzir a soluções casuísticas, desnaturando a teoria.

O que foi exposto contribui para o entendimento de que a teoria de Claus Roxin, por ser excessivamente casuística, conduz a soluções contraditórias, o que induz à sua rejeição. Na verdade, no delito negligente, sendo aferível o risco pelo condutor do veículo, tem ele o dever de cuidado, sendo que, em face do incremento do risco, ele pode ser responsabilizado em caso de negligências concorrentes. Desse modo, deve ser mantida a regra de que, em matéria criminal, não se pode admitir a compensação de resultados negligentes, ou seja, se duas pessoas, ambas atuando negligentemente, provocam danos recíprocos, devem responder pelos resultados causados.

No caso do condutor do caminhão, na esteira do que estamos propomos, em matéria criminal, somente ele deveria responder pelo resultado, mesmo que o resultado morte não viesse a ocorrer, tendo em vista que a autolesão não constitui crime. De outro modo, na esfera civil, onde a intervenção jurídica é menos drástica, não há qualquer inconveniente na admissão da compensação das negligências.

Nossa posição não diverge da posição de Jakobs. Este apresenta exemplo semelhante ao nupercitado, mas entende que o princípio da confiança não se aplica aos casos em que é função do agente compensar eventual comportamento defeituoso da vítima.[106] Com efeito, passar extremamente próximo de uma vítima, sem antever o possível erro da vítima foge aos limites da confiança natural, constituindo fato jurídico-criminal. Tal fato será relevante a título de dolo ou de negligência, mas segundo os elementos concretos de cada caso.

Chamam a atenção os julgamentos ocorridos na região sul do país, que ganharam guarida no STJ e STF,[107] onde rapazes que praticando “racha”, ou expressando tecnicamente, “disputando corrida com espírito de emulação” (art. 308 da Lei n. 9.503/1997), provocam a morte negligente de pedestres, ou condutores de outros veículos. Nesse caso, em regra, o condutor tem o desejo de competir fazendo a previsão da possibilidade de vir a acontecer um acidente (colisão, choque ou atropelamento), ofendendo objeto jurídico alheio, mas acredita que a sua perícia impedirá tal resultado. Assim, presente estará a negligência imprópria (negligência subjetiva ou negligência consciente), mas não dolo. A negligência consciente não pode ser confundida com o dolo eventual.[108] Naquela, o agente pratica o ato acreditando que sua perícia, ou que o veículo (ou, em outros exemplos, que o instrumento utilizado), impedirá o resultado.

A fundamentação de “política criminal”, estabelecida em favor de considerar o delito de trânsito, em praticamente todas as oportunidades, como doloso, é extremamente frágil. Vejamos, por exemplo, a posição de Guilherme Nucci:

As inúmeras campanhas realizadas, demonstrando o perigo da direção perigosa e manifestamente ousada, são suficientes para esclarecer os motoristas da vedação legal de certas condutas, tais como o racha, a direção em alta velocidade, sob embriaguez, entre outras.[109]

No dolo eventual, o agente, além de fazer a previsão do resultado, assume o risco de sua produção. Assim, carece de fundamento jurídico a tese extrema, adotada na referida região do País, visto que ali se tem entendido sempre que há dolo eventual. Ao nosso sentir, tais injustos, como regra, devem ser mantidos no campo da negligência, visto que os resultados, em regra não são desejados nem assumidos pelos autores. A leviandade do autor não é suficiente para transformar o delito em doloso. Nesse sentido, dispõe o CPM:

Art. 33. Diz-se o crime:

I – quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;

II – culposo, quando o agente, deixando de empregar a cautela, atenção ou diligência ordinária ou especial, a que estava obrigado em face das circunstâncias, não prevê o resultado que podia prever ou, prevendo-o, supõe levianamente que não se realizaria ou que poderia evitá-lo.

Distinguir o delito negligente subjetivo (destaque-se que a parca doutrina criminal pátria só denomina “culpa imprópria” a do excesso na legítima defesa putativa) daquele praticado mediante dolo eventual é uma tarefa árdua, visto que o autor sempre dirá que procurou não aceitou o resultado. Desse modo, ante o fato concreto se deve analisar os elementos externos a fim de verificar se efetivamente seria crível que o agente pudesse naquela situação acreditar que o resultado não ocorreria, seja por sua perícia, ou seja, pelo instrumento utilizado.

A análise de cada fato deve levar em consideração as circunstâncias que o envolveram, bem como a perícia do agente, não se rotulando, como se tem feito, de crime doloso todo aquele que envolve corrida com espírito de emulação ou em que o autor estava em elevadíssima velocidade.

Finalmente, é importante perceber que a punição pelo resultado negligente é excepcional, portanto, depende de previsão expressa na lei (CP, art. 18, parágrafo único). Subtrair, negligentemente, coisa alheia móvel não constitui crime de furto porque a subtração só constituirá fato jurídico-criminal se praticada a título de dolo (CP, art. 155). De outro modo, matar negligentemente constitui crime, eis que expressamente prevista a hipótese na lei (CP, art. 121, § 3º).

4.3.4 Relação de causalidade, uma das principais problemáticas do delito

A causação de um resultado deve ser analisada apenas sob o ponto de vista natural. Nexo de causalidade é “o liame ideal que possibilita a imputação de um resultado a alguém”.[110] Porém, estudar esse assunto é um trabalho árduo, visto que existem inúmeras teorias a respeito, sendo que, ao que parece, nenhuma teoria construída satisfaz plenamente às questões decorrentes dos inúmeros fatos que podem se concretizar.

Existem teorias de maior prestígio, sobre as quais nos demoraremos um pouco mais. Dessa forma, procuraremos reunir os diversos posicionamentos dos doutrinadores pátrios, para no final deste capítulo dizer que a teoria da imputação objetiva, embora tenha, dentre vários objetivos, a pretensão de resolver os intricados problemas relativos à relação de causalidade, não os supera, voltando à solução casuística proposta neste item.

Nossa conclusão é a de que adotar a tese da imputação objetiva terá como consequência, em alguns momentos, a violação da lei criminal, bem como de direitos fundamentais assegurados pelo princípio da legalidade e pelo consequente garantismo criminal.

4.3.4.1 Limites do art. 13 do CP

A conduta delituosa pode ser positiva (ação), ou negativa (omissão), sendo que o art. 13, caput, do CP, refere-se expressamente à conduta comissiva e à omissiva, mas esta é a imprópria, ou seja, aquela em que o autor se coloca em uma das condições do § 2º do artigo nupercitado.

Observe-se o conteúdo do art. 13 do CP:

Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

Superveniência de causa independente

§ 1º - A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.

Relevância da omissão

§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;

c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

De outro modo, conforme veremos no item relativo ao resultado, os injustos se classificam em materiais, formais e de mera conduta, sendo que o art. 13 do CP só se refere à primeira espécie (delito material ou de dano), visto que o caput enuncia: “o resultado de que depende a existência de crime”. Da redação se pode inferir que a lei está se referindo ao injusto que se completa somente se houver um resultado naturalístico, v.g., homicídio (que resulta na extinção da vida) e furto (que resulta na diminuição do patrimônio da vítima).

4.3.4.2 Teorias de maior prestígio

O nexo de causalidade é um dos elementos do fato típico de maior complexidade, tendo sido construídas várias teorias a respeito. As teorias de maior prestígio são: da equivalência das condições ou da equivalência dos equivalentes causais e da condição adequada.[111]

A teoria da equivalência das condições foi a adotada pelo nosso código, visto que causa é tudo aquilo que contribui para o resultado, enquanto para a teoria da condição adequada a causa é a condição mais eficiente para a produção do resultado, ou seja, aquela mais adequada para a produção do resultado. A primeira teoria, por ser mais precisa, é a melhor, existindo relativo acerto na adoção da mesma pelo CP.

Ocorre que nenhuma teoria é perfeita. Pior do que isso é o fato do código ter falhado ao adotar o critério da eliminação hipotética (teoria da conditio sine qua non), eis que “considera-se causa a ação ou omissão, sem a qual o resultado não teria ocorrido”, ou seja, caso fosse hipoteticamente retirada uma causa e, mesmo assim, o resultado viesse a ocorrer, aquela causa retirada seria excluída da relação de causalidade, v.g., se um atirador se antecipa ao carrasco matando o condenado que está prestes a ser executado, não teria dado causa à morte, visto que o resultado, mesmo que de outra maneira, ocorreria.

Em um outro exemplo, caso duas pessoas colocassem veneno, cada uma, em quantidade suficiente para matar, nenhuma teria dado causa à morte, visto que o resultado ocorreria de qualquer forma. Desse modo, para resolver o problema, desenvolveu-se o critério da eliminação global, pelo qual se retirássemos as causas, alternativamente e separadamente, e o resultado continuasse ocorrendo, todas seriam causa.[112] Tal critério precisa ser temperado pelas teorias do concurso de pessoas, visto que se duas pessoas combinarem colocar, cada uma, metade do suficiente para matar, devem responder pelo resultado morte, mas, então, estamos abandonando o estudo estritamente causal.

Outras teorias foram construídas, mas são variações da teoria da condição adequada, conforme enumeraremos exemplificativamente as principais:

Ø da eficiência – causa é a condição mais eficaz para a produção do resultado);

Ø da relevância jurídica – a causa não decorre do simples atuar do agente, vez que é necessária a produção do tipo;

Ø da condição humana – o processo causal decorre da atuação humana, não podendo sofrer intervenção de acontecimento excepcional, que concorrendo com a ação do homem, venha a influenciar decisivamente na produção do resultado.[113]

Nenhuma dessas teorias é conveniente, porque todas inserem na noção de causa um elemento subjetivo, que não pode ser confundido com os elementos físicos e materiais do delito.

A teoria do incremento do risco, inicialmente, procurou explicar o nexo de causalidade nos crimes omissivos. Roxin diz que mais importante que a causalidade, é a determinação de ter o sujeito, com o seu comportamento, diminuído, ou não, as chances de produzir o resultado. Dessa forma, a teoria exprime que a causalidade pode ser determinada pelo aumento do risco de produção do resultado.[114] Hoje, com a imputação objetiva, a teoria do incremento do risco se volta, também, aos delitos comissivos, aos dolosos e aos negligentes, ou seja, a todas as espécies de crimes.

Conforme dissemos, a teoria da condição adequada peca pela imprecisão, pois seria muito difícil dizer o que é causa e o que é condição. Para a referida teoria, só é causa a condição adequada para a produção do resultado, fazendo, portanto, a distinção entre causa e condição. A teoria da equivalência das condições não distingue causa de condição. Tudo aquilo que contribui para o resultado, sem o qual ele não teria ocorrido, é causa.

4.3.4.3 Aplicação das teorias e posição dominante na doutrina pátria (até o advento da teoria da imputação objetiva)

O estudo da relação de causalidade ainda é oportuno, mesmo havendo adeptos da teoria da imputação objetiva que passam a procurar, por meios de critérios objetivos, a solução dos problemas resultantes da insuficiência dos métodos da relação de causalidade.

Quando se afirma que a teoria da imputação objetiva vem solucionar os problemas decorrentes da imprecisão da relação de causalidade,[115] acredita-se que não mais surgirão problemas na solução dos diversos casos concretos possíveis. No entanto, a teoria da imputação objetiva é imprecisa e, ao contrário de reduzir o casuísmo, o intensifica. Aliás, não se olvide, ela não é uma teoria que visa à causalidade.

Voltando ao estudo das teorias causais, analisemos o exemplo clássico: Tício, fazendeiro, desejando a morte de Caio, seu empregado na fazenda, manda ele caçar em uma noite que Tício sabia que ocorreria uma grande tempestade, pois havia ouvido o serviço meteorológico. Na floresta, onde Caio caçaria, eram comuns os raios em noites de tempestades. Caio foi caçar e atingido por um raio. No exemplo, para a teoria dos equivalentes causais (ou teoria da equivalência das condições), Tício é responsável pela morte de Caio, mas para a teoria da condição adequada não.[116]

Considerando que Caio não morreria se Tício não tivesse lhe ordenado que caçasse, a ordem é causa. Porém, para a teoria da condição adequada, a causa da morte foi o raio, evento da natureza, sendo que o comportamento de Tício representa apenas uma condição para a existência da causa. Conforme dissemos, o nosso código adotou a teoria da equivalência das condições, pela qual Tício seria responsável pelo evento morte.489

A teoria da equivalência das condições (ou teoria da equivalência dos antecedentes causais) peca pelo excesso, visto que se alguém mata utilizando revólver para o crime, a própria invenção da arma é causa, pois o crime não teria ocorrido se Smith e Wesson não tivessem patenteado e produzido industrialmente o revólver, inventado por Samuel Colt. Com efeito, a invenção do revólver por Samuel Colt é fato relevante, pois o homicídio não teria ocorrido se a arma não tivesse sido criada. Também, seria punido o comerciante de armas, visto que a negociação é conditio sine qua non para a existência do delito.

Abrandando o rigor da teoria da equivalência das condições, o CP estabelece que a causa relativamente independente superveniente capaz de, por si só, produzir o resultado não será imputada ao agente do delito (art. 13, § 1o). Assim, no exemplo clássico, Caio morreu porque surgiu uma causa posterior, que foi o raio. A causa da morte foi o raio, dessa forma, Tício não pode ser acusado de homicídio consumado. Também, não poderá ser acusado de crime tentado, tendo em vista que, conforme dispõe a lei, Tício só será responsabilizado pelos atos já praticados. Como a conduta anterior de Tício é penalmente irrelevante, não poderá responder por crime de homicídio. Da mesma forma, não há como responsabilizar o comerciante de armas que legalmente vende o revólver utilizado para matar alguém.

O assunto é relevante, pois, conforme se vê, existem duas causas concorrendo para o resultado. Uma delas em relação à outra é preexistente (já existia), ou superveniente (passou a existir depois), mas o que nos interessa é a consideração da causa em relação ao fato.

As causas paralelas, em relação ao fato, podem ser preexistentes, concomitantes ou supervenientes. Exemplificamos:

(a) Tício atira em Caio, errando os disparos, mas a vítima morre do coração devido a um problema coronário de nascença, pois o susto desencadeou a taquicardia capaz de a matar;

(b) Tício persegue Caio na via pública, atirando contra o mesmo, sendo que Caio vem a ser atropelado enquanto foge, morrendo em decorrência do atropelamento;

(c) Tício atira em Caio causando-lhe lesões leves na mão direita, mas a vítima vem a morrer no caminho do hospital em decorrência de traumatismos craniano provocado por um acidente automobilístico que envolveu o veículo utilizado em seu socorro;

(d) Tício atira duas vezes contra Caio, errando os dois tiros, desiste do crime, mas Caio vem a morrer uma hora depois dos disparos porque Mévio havia colocado, dez minutos antes da chegada de Tício, veneno na comida da vítima;

(e) Tício atira em Caio quando o mesmo está tendo um ataque cardíaco fulminante, ele erra os disparos e a vítima, em razão do seu problema, sequer percebe a agressão, mas morre em decorrência do problema coronário;

(f) Tício atira em Caio, mas erra os disparos, então desiste do crime e se afasta do local. Poucos minutos depois, Mévio coloca veneno na bebida de Caio e este morre.

Pelo que se vê, nos exemplos “a”, “b, e “c”, a causa da morte da vítima tem uma relação de dependência com a conduta do agente. Assim, dizemos que a causa da morte é relativamente (in)dependente. No entanto, nos exemplos “d”, “e” e “f” a causa da morte da vítima não tem nenhuma relação de dependência com a conduta com agente. Dessa forma, as causas são absolutamente independentes. Em ambas as situações, absolutamente ou relativamente independentes, as causas podem ser preexistentes (exemplos “a” e “d”), concomitantes (exemplos “b” e “e”) e supervenientes (exemplos “c” e “f”).

O agente não pode ser responsabilizado pelo resultado morte, quando a causa paralela capaz de produzir o resultado for absolutamente independente, não interessando se a referida causa é preexistente, concomitante ou superveniente. No entanto, quando a causa da morte for capaz de produzir o resultado, mas tiver alguma relação de dependência com a conduta do agente, este será responsabilizado pelo resultado morte, desde que a causa seja preexistente ou concomitante (exemplos “a” e “b”). Se a causa da morte for superveniente, mesmo que relativamente (in)dependente, haverá uma ruptura do nexo causal, o que retira a responsabilidade do agente pelo resultado mais grave.

Há quem diga que não há ruptura do nexo causal (sendo apenas política criminal), mas prefiro ver a causa como algo natural. Se Tício morrer em incêndio de hostpital não provocado por Caio, que atirou nele e o levou a ser internado, ao meu sentir, o incêndio será nova causa, rompendo a casa anterior. O exemplo evidencia o que penso!

Em sentido contrário ao que sustento, a doutrina pátria, em sua maioria, defende que o art. 13, § 1º, do CP, agasalha questão de política criminal.

A lei dispõe que a causa posterior relativamente independente rompe o nexo causal, mas somente quando a nova causa “por si só” provoca o resultado. Dessa forma, se essa causa for desdobramento da primeira, o agente deve ser responsabilizado pelo resultado mais grave, v.g., morte resultante de infecção hospitalar.

4.3.4.4 A minha posição, em face da legislação brasileira

O art. 13, § 1o, do CP estabelece que somente as causas relativamente independentes supervenientes, que “por si só” produzem o resultado, é que quebram o nexo de causalidade. Assim, como as causas que provocam o resultado mais grave são preexistentes, ou concomitantes, o agente do delito, que praticou a conduta antecedente que em tese seria capaz de produzir unicamente resultado menos grave, responderá pelo resultado mais grave, mesmo que este seja indesejado, v.g., Tício, detendo de animus laedendi feriu Caio, este sofreu lesões graves e morreu de infecção hospitalar, consubstanciando lesão corporal seguida de morte.

Dominantemente, entende-se que a lei só admite a quebra do nexo causal quando a causa relativamente independente provocadora do resultado for superveniente, ou seja, faz-se uma interpretação restritiva da norma. Com efeito, ao exame da lei, parece que a mesma menciona propositadamente, com exclusividade, a causa relativamente independente superveniente, podendo se inferir que a teleologia da norma é a exclusão das causas relativamente independentes preexistentes e concomitantes. Assim, é razoável pensar que não há omissão involuntária no artigo 13, § 1º, do CP.

Não obstante o exposto, entendemos que houve uma lacuna involuntária da lei no art. 13, § 1º. Para mim, Tício não pode ser responsabilizado pelo resultado morte, mesmo nos casos dos exemplos a e b, pois a norma favor rei deve ser aplicada, assim, ele só responderá por homicídio tentado, em face da aplicação analógica in bonam partem do art. 13, § 1º. Exemplificando, apresento duas hipóteses:

(1ª) Tício atirou em Caio, tendo ficado insatisfeito porque foi impedido de continuar atirando, mas Caio ficou levemente ferido. Depois, enquanto era socorrido, Caio morreu vítima de um acidente automobilístico, sendo que este último fato alegrou Tício;

(2ª) Tício atirou em Caio, mas errou o alvo. Após efetuar o primeiro disparo, desistiu voluntariamente do crime, e se retirou do local. Depois, Tício ficou sabendo que o susto provocado pela agressão foi capaz de matar Caio, o que o deixou muito triste.

Os exemplos demonstram a injustiça da aplicação estrita da lei, pois Tício será responsabilizado por homicídio consumado somente na segunda hipótese. É por essa razão que entendemos que o preceito do art. 13, § 1º, deve ser estendido aos demais casos em que houver concorrência de causas relativamente independentes.[117]

Diante do nosso posicionamento alguém pode expor uma outra hipótese para indagar se haveria justiça. Imaginemos que Tício, sabedor de que Caio é um cardiopata, resolva assustá-lo, provocando-lhe o resultado morte. Haveria justiça em estender o benefício do art. 13, § 1º, do CP, a fim de beneficiar Tício? Nesse caso, Tício deverá ser responsabilizado pelo resultado morte, visto que ele conhecia a situação física de Caio, tendo agido com dolo (direto ou eventual) ou por negligência. Ora, Tício procurou atingir o resultado por um meio que sabia ser eficaz. Dessa forma, o meu posicionamento (exposto acima) só é válido para os casos em que o agente desconhece a concausa preexistente ou concomitante provocadora do resultado.

Em outras situações estaríamos gerando injustiça. No caso, estaria praticamente adotando a teoria da condição humana. Daí a grande dificuldade para encontrarmos a teoria ideal, visto que sempre vamos confundir a causa com o elemento subjetivo do agente, incorrendo nas críticas que sofrem os adeptos das teorias rejeitadas pelo CP.

De todo o exposto, o posicionamento que melhor se apresenta é o de João José Leal, verbis:

A interpretação adequada do dispositivo conduz ao entendimento de que, apesar do texto legal só fazer referência a uma causa superveniente, é lógico que esta também pode ser antecedente ou concomitante, o que, em regra, não exclui a responsabilidade do agente pelo resultado.[118]

Talvez, aqui, se faça oportuna a lembrança de que há uma tendência moderna no sentido de fazer o exame global do injusto, eis que a fragmentariedade excessiva apresenta-se insuficiente. Com efeito, não podemos prescindir, na análise do delito, de elementos subjetivos, a fim de complementar a causalidade natural.

Didaticamente deve ser mantido o estudo sistemático do delito, mas o julgador deve entender que o delito é um todo unitário, devendo, portanto, quando necessário, fazer a integração suas partes, a fim de, por meio da contribuição do elemento subjetivo, obter a melhor solução para os fatos que lhe forem submetidos.

4.3.4.5 Causalidade na omissão

O artigo 13 do CP, conforme exposto, só faz referência aos delitos materiais, o que se pode deduzir da primeira parte do seu caput, visto que se refere expressamente ao “resultado de que dependa a existência de crime”, ou seja, se limita à espécie de crime em que o resultado está destacado da conduta, sendo necessária sua produção para a ocorrência da consumação.

A omissão a que se refere o art. 13 é a imprópria. Dessa forma, o preceito só se refere aos crimes comissivos próprios (caput) e impróprios (§ 2º). Estes últimos são chamados de comissivos por omissão, estabelecendo a lei o dever de agir.

A. Crimes omissivos impróprios são (in)constitucionais

Entendo que os crimes omissivos imrpóprios encontram aamparo no art. 3º, inc. I, da Constituição Federal que os crimes omissivos impróprios são constitucionais, em face da solidariedade ser um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.

No entanto, Paulo Queiroz sustenta que tais crimes são inconstitucionis por violarem os princípios da legalidade, da pessoalidade da pena e da proporcionalidade.[119]

Não vejo o problema de violação ao princípio da legalidade porque, conforme me posicionei, o verdadeiro sentio da norma deve ser encontrado em um sistema dinâmico de normas. Ademais, não é rara a inserção de normas em branco e tipos abertos na lgislação criminal, sem que isso represente, por si só, violação ao princípio da legalidade.

No crime omissivo puro haverá uma ação mandada, em que a omissão estará claramente descrita na lei. Mesmo sendo garantista e- por isso – prezando pela estrita legalidade, não posso compactuar com o argumento de que haverá violação ao princípio da legalidade por se imputar uma ação ao garantidor que se omitir.

Jakobs discute o assunto expondo que o Código Penal Alemão, em seu art. 13, § 1º, prevê a omissão imprópria, mas a restringe aos casos em que a Parte Especial, referindo-se aos crimes de ação, prevê expressamente a imputação pela omissão do garante. No entanto, ele critica a fórmula ali adotada porque quando busca tipificar a omissão imprópria nos moldes da omissão própria, o legislador não consegue uma formulação própria da Parte Especial.[120] Por tal razão, entendo que é mais adequado complementar a previção da Parte Especial, de tipos de ação, com o tipo de extensão da omissão imprópria (CP, art. 13, § 2º).

Também não vejo violação ao princípio da intranscendência, da impessoalidade ou da personalização da pena. Argumenta-se que se imputção decorrerá de ato de terceiro ou de evento natural, inviabilizando que se atribua ao garaante a responsabilidade por resultado que não causou.

Aqui me socorro da teoria do incremento do risco para dizer que o garante omitente incremenrá, aprimorará, o risco do resultado, devendo ser-lhe atriuída responsabilidade, não pela causação natural, mas pela omissão ao dever de atender à ação mandada decorrente do tipo de estensão do art. 13, § 2ª, do CP. Desse modo, o crime decorrerá de conduta omisiva sua, não dos danos causados por terceira pessoa.

Por fim, entendo que é proporcional, até porque é tão reproável (ou mais reproável) a conduta de um pai que se omite deixando um filho criança se afogar do que aquele que mediante relevaante valor moral concretiza eutanásia.

B. Poder-dever de agir

Os casos em que a lei criminal comina penas para a omissão e que não se enquadram no art. 13, § 2º, do CP, constituem crimes omissivos puros. Assim, só são garantes, ou garantidores (só tem o dever de agir imposto por lei) aqueles que se encaixam nas hipóteses das alíneas “a”, “b” e “c” do referido § 2º.

A omissão é criminalmente relevante quando o agente pode e deve agir para impedir o resultado. O dever de agir decorre de lei (art. 13, § 2o, alínea “a”), de contrato ou situação de fato (art. 13, § 2o, alínea “b”), ou da criação do risco de produzir o resultado (art. 13, § 2o, alínea “c”).

A legislação criminal cria um dever que atinge a todos (não apenas os garantes), o que constitui o crime omissivo puro, v.g., art. 135 do CP. De qualquer modo, em todo crime omissivo é necessário verificar se o agente podia agir.

Para caracterização da hipótese do art. 13, § 2º, alínea “a”, do CP, é necessário que o dever de agir seja imposto por outra norma anterior à criminal, v.g., tem dever de cuidado, praticando homicídio, não omissão de socorro, o médico, o pai, o salva-vidas etc. De outro modo, para a caracterização da letra b do referido dispositivo legal é necessário o contrato escrito ou verbal entre o omitente e o primeiro garante ou garantidor, v.g., uma mãe (garante) pede para que a vizinha cuide de seu filho pequeno e ela aceita, passando, com isso à posição de garante ou garantidora. Caso a criança venha a morrer por omissão de socorro da vizinha, não responderá pelo o crime do art. 135 do CP, mas pelo crime do art. 121 do mesmo Código.

Na hipótese do art. 13, § 2º, alínea “b”, não interessa o fato de ter o garante originário descumprido o contrato, mantendo-se a responsabilidade criminal do terceiro que ocupou seu lugar mesmo que isso ocorra, v.g., a mãe prometeu voltar até às 14h30, mas não retornou antes das 20h. Ocorre que a vizinha, diante de um compromisso, deixou a criança sozinha na casa às 19h, sem tomar cuidados para evitar acidentes. Ao chegar, a mãe deparou com a criança morta, afogada na piscina. Nesse caso, a vizinha não poderá alegar em seu favor a quebra do contrato pela mãe.

Finalmente, a hipótese do art. 13, § 2º, alínea “c”, do CP, se caracterizará pelo risco anterior provocado pelo autor, v.g.: (a) o atropelador não socorre a vítima que vem a morrer somente porque não foi amparada pelo oportuno socorro; (b) nadador profissional chama nadador bisonho para a travessia de um grande lago e, mesmo percebendo que o convidado está morrendo afogado, nada faz para socorrê-lo. Em ambos os casos o omitente responde por homicídio.

O estudo da relação de causalidade não é importante para a análise do crime omissivo puro, tendo em vista que o causador do resultado não é o omitente, sendo que a responsabilidade jurídico-criminal decorre unicamente da violação ao disposto na norma que determina a atuação positiva, ou seja, remontando Jakobs, a omissão constitui uma violação a uma obrigação contida no rol do omitente.

Fizemos uma defesa no Tribunal do Júri da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília, a qual merece alguma referência, eis que intimamente relacionada com o assunto que ora se discute.

No final do ano de 1994, um rapaz, foi até a própria casa, juntamente com um amigo, a fim de furtar o veículo do próprio pai. Quando tentavam furtar o veículo, perceberam que a vítima se aproximava, então o filho entrou na casa, enquanto que o amigo se sentou na calçada, em frente à casa vizinha. Ao entrar na casa, a vítima, vendo seu filho arrumado o repreendeu, mas ele justificou dizendo que estava pronto porque o rapaz sentado próximo à sua casa era bandido conhecido, razão pela qual o mesmo poderia tentar furtar o carro de sua propriedade. Então, o pai pegou uma faca e tentou matar o rapaz, esfaqueando o mesmo nas costas, causando-lhe lesões leves.

O “amigo” ficou muito irritado com a traição do filho do dono do carro, jurando vingança. Dois dias depois, ele estava com outro rapaz quando viu que o ameaçado trocando o pneu do carro que seria furtado. Assim, pediu ao outro o empréstimo de um revólver de sua propriedade, mas este disse que a arma estava com terceira pessoa. Aquele que desejava vingança foi até a casa de quem guardava a arma para pega-la, mas este se recusou a entregá-la porque sabia do objetivo homicida daquele. Porém, o dono da arma veio logo em seguida, pegou a arma e a emprestou para aquele que desejava vingança. Com ela, ele cumpriu o juramento, devolvendo-a para quem a guardava. Horas depois, este último, que fazia o favor de guardar a arma, foi preso, o qual mereceu defesa gratuita, em razão da sua pobreza.

A acusação sustentou a participação do terceiro que guardava a arma no homicídio, sendo que reconhecemos:

Ø houve um crime praticado por outrem – havia, portanto, uma pluralidade de agentes;

Ø acusado não praticou conduta típica, nem antijurídica, bem como não tinha domínio do fato – ele poderia ser partícipe, não autor, eis que as condutas dos agentes eram diversas;

Ø a aderência de vontade ocorreu, visto que o acusado sabia que a arma seria utilizada naquele homicídio, ou seja, estava presente o liame subjetivo.

Negamos, no entanto, o nexo de causalidade, portanto, não havia relevância causal, o último requisito para a caracterização da participação, segundo o conceito restritivo de autor. Com efeito, ao devolver a arma para o dono, o acusado deixou de impedir um crime, não agiu, mas a sua omissão não era penalmente relevante, visto que ele, mesmo podendo agir, não era obrigado a tal.

A conduta do acusado não se adequava a nenhuma hipótese do art. 13, § 2o, pois ele não tinha o dever legal de impedir crime, não sendo garantidor de ninguém (letra a). Também, não tinha assumido a responsabilidade de evitar o crime (letra b); e, finalmente, não criou a situação do delito (letra c). Ele até poderia ter evitado o delito, mas não estava obrigado a fazê-lo. Dessa forma, o júri acolheu o nosso posicionamento, absolvendo o acusado.

No tocante aos crimes omissivos impróprios (comissivos por omissão, ou comissivos impróprios), a teoria da equivalência das condições não é aplicável, podendo ser empregada a teoria do incremento do risco (anteriormente mencionada). Esta é, também, aplicável aos delitos negligentes. No entanto, faz-se mister observar que não é toda omissão que provoca o aumento do risco da ocorrência do resultado que é relevante. A omissão, por disposição da lei, só é relevante quando incidir uma das hipóteses do art. 13, § 2o, do CP.

C. Tentativa de crime omissivo impróprio

Há controvérsia doutrinária sobre a possibilidade de tentativa no crime omissivo impróprio, sendo que entendo razoável, visto que se trata de ação contra a lei, mas somente nas hipóteses dolososas.

Obviamente, nos delitos negligentes, praticados mediante omissão imprópria, será incabível a tentativa, visto que não haverá ausência de resultado por circunstância alheia à vontade do omitente.

4.4.4.6 Ponderações acerca da inserção da relação de causalidade na lei

Heleno Fragoso, ensinava:

A questão de nexo causal não tem mais hoje a amplitude e a significação que lhe atribuíram os juristas que, no século passado [se referia ao século XIX], a introduziram na doutrina, elevando-a à condição de categoria fundamental na estrutura do delito. A questão do nexo causal somente surge nos crimes materiais, dela não se cogitando nos crimes omissivos puros e nos crimes de simples atividade (formais). A relevância da matéria reside no fato de constituir, a causalidade, limitação à responsabilidade penal: não pode o crime ser atribuído a quem não for causa dele.[121]

Tenho buscado uma classificação mais clara dos crimes em razão do resultado. Para mim, o crime material é aquele que exige a ofensa ao objeto jurídico, ainda que não haja uma transformação no mundo físico. De outro modo, o crime de resultado naturalístico é aquele crime material cuja consumação exige uma transformação na natureza.

Os autores em geral veem o crime material como aquele que a consumação exige um resultado natural, o que, para mim, é equivocado, visto que o crime de perigo é o formal e o de mera conduta, enquanto o material é o que exige a ofensa ao objeto jurídico para sua consumação. Posso dizer, então, de forma diversa da posição simplista dos manuais de DCrim, que o crime material não pode ser confundido com o crime de resultado naturalístico.

Ainda que implicitamente, entendo consentânea com a minha visão a posição de Muñoz Conde, que prelecionou:

Na realidade, o problema causal tem sido exagerado tanto quantitativa quanto qualitativamente. Do ponto de vista quantitativo, porque, ainda que seja estudado na parte geral, praticamente só afeta ao crime de homicídio e ao crime de lesões corporais, nos quais às vezes se propõem graves problemas causais, de difícil solução apriorística. Do ponto de vista qualitativo, porque, independentemente da teoria causal seguida, a afirmação de uma relação de causalidade não é, todavia, suficiente para exigir uma responsabilidade penal ao causador do resultado. O problema causal foi importante em outras épocas, porque, por imperativo do versari in re ilicita e da responsabilidade pelo resultado, bastava a causação do resultado para que, sobretudo se este derivava da comissão de um fato ilícito, se lhe imputasse ao autor, sem outras exigências ulteriores. Atualmente, o problema se traslada ao tipo de injusto negligente.[122]

Em nota de rodapé do livro cujo trecho foi transcrito, Juarez Tavares e Luís Regis Prado sustentam que os ensinamentos expostos “aplicam-se como uma luva ao direito brasileiro”.[123]

Em sentido contrário, Damásio Evangelista de Jesus, fez veemente defesa à redação do CP, concluindo: “A teoria da equivalência dos antecedentes, porém, não leva a excessos. Nos exemplos dados o sujeito não responde por crime em face da ausência de dolo e culpa”.[124] Todavia, depois de muitos anos, ele teve a coragem de dizer que sempre foi contrário à inserção do art. 13 no CP. Quem foi contrário ao art. 13 do CP, em 1984, foi Heleno Fragoso, sendo usurpação do pensamento alheio aquilo que Damásio fez.

Entendo que o estudo da relação de causalidade é muito importante, não obstante as posições em sentido contrário, sendo que a teoria da imputação objetiva, conforme demonstrei, não veio para eliminá-la, mas para acrescentar um plus, tendente à solução jurídica do problema. Na verdade, a nova teoria está encaixada em um novo modelo de injusto, pelo qual o exame do delito deve ser global, visando corrigir algumas imprecisões do estudo fragmentário, eis que o intérprete poderá analisar mais adequadamente os fatos, complementando, coerentemente, a causalidade natural, por meio da apreciação de elementos subjetivos. Não obstante, ela (imputação objetiva) não prescinde do estudo da relação de causalidade.

Mesmo no que concerne à posição de Jakobs, que leva em consideração o atuar dos envolvidos, verificando unicamente quem deve responder pelo acontecimento jurídico-criminal relevante, em face da administração do rol de deveres que é acometido a cada um, podemos verificar a necessidade do estudo da relação de causalidade, visto que o acontecimento jurídico-criminal relevante, em muitos casos depende do resultado e este só pode ser imputado a quem lhe deu causa, ex vi do disposto do art. 13, caput do CP.[125]

4.3.4.8 A imputação objetiva segundo Chaves Camargo[126]

O livro do saudoso Prof. Dr. Chaves Camargo[127] chegou até nossas mãos por intermédio do Prof. Dr. Celso Fernandes Campilongo, que a adquiriu em uma livraria jurídica do Estado de São Paulo. Desenvolvíamos uma dissertação intitulada Imputação Objetiva: Uma crítica de Suas Perspectivas Extremamente Otimistas e/ou Reducionistas.[128]

Nosso orientador foi o Prof. Dr. João Maurício Adeodato, intelectual que muito nos ajudou na pesquisa, eis que ele é jusfilósofo e o tema encontra suas bases na Filosofia. Ademais, ele é profundo conhecedor da cultura filosófica germânica, uma vez que realizou vários cursos na Alemanha, o que o aproxima ainda mais do tema. Também, o Dr. Campilongo prestou-nos auxílio inestimável, haja vista que possibilitou a aproximação entre Filosofia alemã e o garantismo de Luigi Ferrajoli, permitindo a observação do contexto filosófico hodierno, com profundos reflexos no Direito Criminal.

O livro de Chaves Camargo, na literatura jurídica pátria, foi aquele de caráter monográfico que teve a felicidade de expor com clareza todas as bases da imputação objetiva, sendo até o momento de sua edição (2001), sem qualquer desprestígio aos que já haviam sido publicados, o melhor. Com isso, não se afirma que outros livros que trataram do assunto não tenham valor. Apenas é possível dizer que, do ponto de vista científico, referida obra, ao lado da de Luiz Regis Prado e Érika Mendes de Carvalho, esta intitulada Teoria da Imputação Objetiva do Resultado, publicada em 2002, ainda é uma das principais – de caráter monográfico - que deve ser consultada para o conhecimento científico e não equivocado da teoria da imputação objetiva.

O assunto foi publicado no Brasil em 1988, quando em poucas páginas, se explicou acerca da imputação objetiva.[129] Em se tratando de obra de autor estrangeiro, a sua tradução foi feita por dois grandes juristas pátrios, Professores Doutores Luiz Regis Prado e Juarez Tavares, já o dissemos. Este último publicou vários artigos e, em 2000, publicou um bom livro que se ocupou da matéria enquanto critério para investigação do injusto criminal.[130] Ele, não só por meio do referido livro, é um grande difusor da teoria em nosso meio.

Finalmente, dentre os autores pátrios, mais dois nomes devem ser destacados: Álvaro Mayrink da Costa, que no seu livro Direito Criminal, tratou resumidamente da matéria em 1998,[131] e Juarez Cirino dos Santos, que, também, se ocupou da imputação objetiva, tendo publicado, em 2000, sua tese de pós-doutorado, defendida na Alemanha.[132]

Ocorre que a obra de Chaves Camargo é de difícil acesso. A empresa que editou o livro não tem a influência comercial que outras editoras. Infelizmente, o meio acadêmico passa a ter que se contentar com o casuísmo extremo de certos livros que se transformam em análises de casos hipotéticos, como se a ciência criminal se esgotasse em certo número de exemplos colocados em investigação. Assim, Chaves Camargo consegue construir uma obra científica porque evita “uma imersão no casuísmo que aflige grande parte das investigações sobre o tema”.[133]

Publiquei artigo em que não adentramos na imputação objetiva. Apenas a observamos de longe, fazendo uma crítica do sentido da teoria, com rápida incursão no funcionalismo, apenas visando a demonstrar que a teoria, antes de tudo, tem fundamentação filosófica. Daí nossa referência às correntes jusfilosóficas sistêmicas da atualidade.[134] Nesse ponto, nossa perspectiva é semelhante à de Chaves Camargo, uma vez que ele na apresentação de seu livro adverte o leitor de sua preocupação para a contextualização do positivismo-jurídico neokantiano. Aliás, assim como pudemos perceber, ele observa a influência de Jürgen Habermas, o qual traz, por meio da teoria do discurso, a possibilidade de se verificar um sistema criminal aberto.[135]

Importante notar que o autor afirma que a história do Direito Criminal se consolidou a partir de construções naturalistas e que a pena, inicialmente, tinha cunho eminentemente retributivo.[136] Hoje, no plano científico, argumenta-se no sentido de que procura-se abandonar referidos aspectos, fazendo prevalecer as teorias relativas (ou utilitárias), no que tange à pena, e fundamentos racionais diversos do naturalismo puro, a fim de justificar o conceito de crime. Não obstante isso, verificamos leis severas sendo criadas sob o manto de serem a panacéia de toda criminalidade, v.g., Lei n. 8.072/1990, com todas suas alterações, o que induz a acreditar em João Faria Júnior, no sentido de que, infelizmente, toda Penalogia[137] ainda está calcada nas teorias absolutas, para as quais a pena é castigo, a retribuição do mal ao infrator da norma.[138]

Chaves Camargo sustenta que o finalismo tentou minimizar os efeitos da visão normativa da culpabilidade, transportando o dolo para a conduta e, em uma fase mais avançada, passou a admitir a adequação social para excluir fatos aparentemente típicos do âmbito jurídico-criminal.[139] Ocorre que o finalismo, embora Welzel (o pai do finalismo) negue,[140] baseou sua teoria na filosofia do ser de Nicolai Hatmann, filósofo esquecido até mesmo na Alemanha.[141] Assim, embora seja verdadeira a afirmação de Chaves Camargo, devemos verificar as incoerências do finalismo, mormente no que tange à culpabilidade.

O conceito analítico de crime, conforme exposto neste capítulo (item 3.3.4) é aquele que é feito segundo seus requisitos (ou elementos). Assim, como Welzel adotou o conceito tripartido, a culpabilidade, para Welzel, é o terceiro elemento do delito.[142] No Brasil, há quem diga que o finalismo excluiu a culpabilidade do conceito analítico do crime.[143] Conforme exposto, nada mais equivocado, isso adotando a posição jurídica do próprio Welzel.

Afirma Chaves Camargo que a imputação objetiva foi formulada por Larenz, em 1927, e Honig, em 1930. O problema é que Larenz deu significativa importância à tópica como método do Direito, o qual, embora se reportando ao ethos de Nicolai Hatmann, diz que os “tópicos cobram seu sentido „sempre a partir do problema‟, a cuja elucidação se destinam, e têm de ser entendidos como possibilidades de orientação ou canônes do pensamento”.[144] Aliás, conforme Aristóteles e Platão, apud Luiz Régis Prado e Érika M. de Carvalho, a imputação “é um fenômeno de atribuição de responsabilidade desenvolvido, a partir da ética, e não do Direito”.[145]

Larenz se opôs ao neo-kantismo, firmando-se como um neo-hegeliano. Com isso, opôs-se Rudolf Stammler, Gustav Hadbruch e Hans Kelsen, sendo que “a oposição ao neo-kantismo jurídico e ao formalismo jurídico em geral representava no plano ideológico a oposição ao Estado de Direito liberal-formal, inicialmente de um ponto de vista nacional-conservador”.[146] A imputação objetiva, a partir do pensamento de Larenz, é pontual (decorre da tópica), tendente à análise dos casos concretos, isso na busca de um sistema jurídico mais aberto. Ocorre que, conforme alerta o próprio Larenz, a “jurisprudência dos tribunais... acaba sempre, passado algum tempo, por romper os conceitos conformados de modo excessivamente estreito; mas então surge o perigo de ficar fora de controlo”.[147]

Afirma Chaves Camargo que a imputação objetiva foi formulada por Larenz, em 1927, e Honig, em 1930. O problema é que Larenz deu significativa importância à tópica como método do Direito, o qual, embora se reportando ao ethos de Nicolai Hatmann, diz que os “tópicos cobram seu sentido „sempre a partir do problema‟, a cuja elucidação se destinam, e têm de ser entendidos como possibilidades de orientação ou canônes do pensamento”.[148] Aliás, conforme Aristóteles e Platão, apud Luiz Régis Prado e Érika M. de Carvalho, a imputação “é um fenômeno de atribuição de responsabilidade desenvolvido, a partir da ética, e não do Direito”.[149]

Larenz se opôs ao neo-kantismo, firmando-se como um neo-hegeliano. Com isso, opôs-se Rudolf Stammler, Gustav Hadbruch e Hans Kelsen, sendo que “a oposição ao neo-kantismo jurídico e ao formalismo jurídico em geral representava no plano ideológico a oposição ao Estado de Direito liberal-formal, inicialmente de um ponto de vista nacional-conservador”.[150] A imputação objetiva, a partir do pensamento de Larenz, é pontual (decorre da tópica), tendente à análise dos casos concretos, isso na busca de um sistema jurídico mais aberto. Ocorre que, conforme alerta o próprio Larenz, a “jurisprudência dos tribunais... acaba sempre, passado algum tempo, por romper os conceitos conformados de modo excessivamente estreito; mas então surge o perigo de ficar fora de controlo”.[151]

Para dizer que o conceito abstrato-geral para o legislador e para a ciência do Direito Criminal é equivocado, Larenz parte do idealismo hegeliano. Sustenta que a previsão abstrata do fato é falha e que, quanto maior a amplitude do conceito, menor seu conteúdo jurídico. Propõe, então, o conceito concreto-geral que, em conformidade com o pensamento de Hegel, não é deduzido dos objetos, mas um princípio que serve de base ao real. O conceito concreto-geral é apreendido pelo espírito. Ele não é formado por nós, mas obtido pela meditação.[152]

A posição de Larenz é criticável porque, conforme ensina Enrique Ordeig, a abstração é necessária, para possibilitar distinguir onde estão os pontos comuns que permitem subsumir, num conceito geral, toda uma série de casos concretos, permitindo assim, a realização do princípio de justiça.[153] Ademais, “o conceito abstrato-geral é unicamente o ponto de partida; e o que precisamente faz a metodologia jurídica é buscar esse sentido, que algumas vezes se perdeu no caminho da abstração”.[154] Destarte, deve-se afastar toda e qualquer teoria que, como a imputação objetiva, pretenda prestigiar exageradamente a tópica, desprestigiando a abstração necessária à ciência jurídica.

A discussão sobre a matéria se intensificou na Alemanha porque o Projeto Alternativo à parte geral do Código Penal Alemão, de 1966, que se transformou em lei, em 1975, consagrou o funcionalismo, prestigiando, portanto, os pós-finalistas.[155] Aqui, cumpre observar que nosso CP ainda consagra a relação de causalidade (art. 13), sendo impossível pretender desprezar seu estudo na atualidade. Porém, é oportuno destacar que Chaves Camargo, corretamente, alerta para o fato de não ser a imputação objetiva uma teoria da relação de causalidade.[156]

Outro alerta importante é que a visão exageradamente otimista que grassa em nosso meio, mormente dentre os candidatos e examinadores para concurso público, merece ser melhor avaliada. Com efeito, Chaves Camargo chama a atenção para o fato de não estar concluída a discussão que se instalou na Alemanha acerca da imputação objetiva.[157]

O crime é um fato normal, ele só não pode existir em excessos qualitativos ou quantitativos, senão teremos anomia.[158] Tudo isso, segundo o autor, induz à aceitação do agir comunicativo de Jürgen Habermas, filósofo defensor de uma visão sistêmica, que permite dizer ser o objetivo central da teoria da imputação objetiva a aceitação da teoria sistêmica do discurso,: “O objetivo último de toda apresentação é atingir-se a legitimação do Direito Penal, através do princípio do discurso, onde o direito de agir, em liberdade, conduz as pessoas à interação num sistema social, que tem por base um código de direito”.[159]

Segundo o autor, a sua obra nasceu como resultado de muitos debates travados em cursos de especialização e seminários.[160] Não obstante isso, entendemos que sua perspectiva se enquadra dentre as extremamente otimistas, eis que expõe: “...sem a imputação objetiva estaremos vinculados a princípios e axiomas da realidade jurídica brasileira”.[161]

Infelizmente, o sistema econômico tem gerado certa alopoiese (corrupção dos signos da comunicação dos sistemas do sistema global, sociedade) no meio acadêmico jurídico pátrio, o que pode induzir à manutenção de equivocadas premissas, v.g., manter a visão de que o finalismo retirou a culpabilidade do conceito de crime. Mas, em matéria criminal, mister é afirmar que a tópica não pode, abruptamente, superar a sistemática, sendo que a rejeição da imputação objetiva deve ocorrer porque ela se baseia precipuamente na imprecisão da nova teoria, fundamentada em casuísmo insustentáveis. Nesse sentido, os Professores Luiz Regis Prado e Érika Mendes de Carvalho ensinam:

No momento atual, corre-se o risco, sob pretextos diversos, de supervalorização do método tópico, em detrimento do sistemático, o que pode implicar a erosão da segurança, inerente e à noção de Estado de Direito.

O emprego exagerado do método problemático, sem os devidos e bem-delineados limites, dá lugar a uma negativa e perigosa confusão metodológica, leva ao desconexo, à dúvida, ao desapontamento”.[162]

A sistemática, calcada no estudo metodológico, não pode ser substituída por um exame tópico, ou seja, casuístico, segundo coincidências aparentes, porque senão ocorrerá a inevitável contradição e a perda da necessária segurança que o Direito pode ofertar à sociedade, à qual se destina. Esse é o problema da imputação objetiva.

O funcionalismo tende a Habermas, com sua teoria do discurso, calcada no agir comunicativo, ou a Luhmann, tendente à autopoiese do Direito.[163] Tomando por base referidos autores, é possível certa lógica e o estudo científico do Direito. Contrariamente, o estudo tópico pode levar ao excesso em sua fragmentação, o que fragilizará o conhecimento científico, induzindo à rejeição da imputação objetiva. No entanto, a posição lógica leva ao pensamento linear (fragmentário), enquanto que o conhecimento advindo da Biologia gera o pensamento sistêmico (de ordem ainda natural), mas entendo ser necessária uma posição mais integradora, um pensamento complexo.

Chaves Camargo enuncia a razoavelmente recente história científica do Direito Criminal a partir da perspectiva alemã. Não obstante isso, os autores pátrios deveriam ser mais fiéis à origem latina de nossa cultura, embora sem desprezar a cultura alemã. Deveriam, portanto, não abandonar por completo as origens romanas, de fundamental importância para a compreensão da imputação objetiva. Nesse ponto, embora o autor mencione principalmente nomes alemães, não se olvida de importantes nomes da Itália, v.g., Cesare Bonesana (o Marquês de Beccaria) e Francesco Carrara.

O Prof. Chaves Camargo trata da Escola Criminal Positiva como sendo uma escola empírica, calcada na relação de causalidade.[164] Depois, trata da escola neokantiana, como fundamento de todo Direito Criminal brasileiro, uma vez que o Código Penal de 1940 e a nova parte geral dele estão calcados na teoria da culpabilidade.

Depois de rápida incursão no neopositivismo, o autor tece breves considerações sobre alguns posicionamentos sociológicos e funcionalistas, a fim de concluir da importância da imputação objetiva, que ele teria tentado colocar em evidência em 1994, por meio de obra que publicou.[165] Essa posição demonstra que nosso escorço histórico sobre as obras publicadas acerca da imputação objetiva é insuficiente, uma vez que artigos e obras podem ter sido anteriores às mencionadas. De qualquer maneira, pior seria dizer, em 2000, que se estaria trazendo para o Brasil uma nova teoria, isso referindo-se à imputação objetiva.

A relação de causalidade foi objeto de estudo de toda doutrina jurídica, sendo que, em matéria criminal, conforme enuncia o Chaves Camargo, tende às teorias da equivalência, da condição e da relevância.[166]

Welzel sofreu muitas críticas, conforme reconhece o Prof. Chaves Camargo. Este diz que apesar das críticas, o finalismo é a base de todas as teorias da atualidade.[167] Não obstante isso, não se olvide que o causalismo é, ainda, importante, influenciando nas concepções modernas do delito, ou seja, o finalismo não anulou o causalismo, até porque a conduta jurídico-criminal, para o finalismo, é aquela dominada pela vontade que gera o resultado proibido pela norma criminal. É, portanto, o finalismo, teoria causal. Em síntese, a posição de Chaves Camargo, embora correta, não torna equivocado dizer são causais as teorias mais modernas do delito.

Chaves Camargo elucida com clareza a história do pensamento jurídico-criminal, a partir do finalismo. Daí a referência a Jeschek (com sua teoria social) e a Hassemer (este tende a uma política criminal que propicia um Direito Criminal mais humano). Então, o autor chega a Claus Roxin, que desenvolveu uma nova teoria de política criminal, com especial destaque aos fins da pena, o que desaguou na imputação objetiva. Ele reagiu ao critério lógico-axiomático do finalismo e se opôs à teoria do ilícito pessoal, mas admitiu posteriormente referida teoria, o que tem criado discussões em torno do fato de estar a imputação objetiva dentro do tipo objetivo.[168]

É necessário evitar confusões terminológicas. Por essa razão evitamos utilizar a denominação antijuridicidade, preferindo ilicitude. Pela mesma razão, deve-se rejeitar a distinção entre tipo objetivo e tipo subjetivo. Tipo é a descrição do fato jurídico-criminal. O tipo subjetivo seria o dolo e o especial fim de agir, que nada mais é do que um dolo específico do tipo. Assim, o tipo está na lei, enquanto os tipos objetivo e subjetivo estão no fato típico, elemento do delito, segundo seu conceito analítico. Assim, é fácil perceber a confusão terminológica criada, nesse aspecto, pela doutrina criminal.

A visão de Chaves Camargo acerca de Günther Jakobs é merecedora de elogios. Ele apresenta toda a estrutura dos ensinamentos deste, baseada no funcionalismo sociológico de Niklas Luhmann, dizendo que a adoção limitada desse funcionalismo fez com que ele fosse rotulado de naturalista, embora chamando a atenção para o fato de Roxin dizer que Jakobs construiu um esboço de teoria puramente teleológica.[169]

Não resta dúvida de que a teoria sistêmica de Luhmann é natural. O positivismo jurídico, por mais que tenha tentado, sempre esbarrou em certo transcendentalismo que o tornou, na essência, em jusnaturalismo. Ora, pensar como Luhmann, no sentido que os diversos (sub)sistemas da sociedade se comunicam e, pela comunicação, se auto(re)produzem, induz à existência de uma força natural superior. Assim, deve-se entender como pertinente a crítica de Luigi Ferrajoli, que diz que Luhmann se limita a expor “que o mundo não pode ser de outro modo”. Nada mais jusnaturalista. Por isso, as críticas a Jakobs são relevantes e pertinentes, uma vez que ele se apresenta como seguidor de Niklas Luhmann.

O grande problema da imputação objetiva está no seu fundamento, que é a busca de uma legitimação para o Direito, eis que há notória crise de legitimidade no Direito Criminal, o que se dá, também, na Alemanha.[170] Ocorre que a legitimação, conforme preconizava Kelsen, é questão anterior ao Direito, constituindo confusão misturar os objetos de estudo da Filosofia e da Ciência do Direito.[171] Não se olvide, no entanto, que esta é uma questão complicada, sendo que o próprio Kelsen não conseguiu deixar de levar em consideração a legitimação do Direito.[172]

Chaves Camargo propõe o necessário aprofundamento no estudo das teorias da relação de causalidade e da imputação objetiva, a fim de se perceber, de forma sistêmica, o que deve ser considerado fato jurídico-criminal.[173] Não obstante isso, deve-se partir de uma análise científica, sem arroubos insustentáveis que leva ao excesso casuísmo.

Sem qualquer reparo a fazer, Chaves Camargo apresenta as teorias da relação de causalidade, sobre as quais publicamos artigo.[174] Seu conteúdo, entendemos ser compatível com o exposto por referido autor.

Inicia Chaves Camargo tratando de Karl Larenz, que é precursor da imputação objetiva, a tomando segundo os domínios do autor e a fundamentada em Hegel. Depois, trata de Honig, que parte dos estudos de Larenz, a fim de excluir da imputação os desvios causais hipotéticos, em que a causa relativamente dependente, por si mesma, gera o resultado.[175] Depois, faz uma análise do finalismo para dizer que ele jamais conseguiu justificar o delito negligente, o que é correto.[176]

Corretamente, sustenta que a imputação objetiva não se divorcia da adequação social. Aliás, na mesma linha de nossas publicações anteriores, entendemos que é mister reconhecer que uma teoria por si só não é suficiente para explicar toda teoria do delito, fazendo-se necessária a conjugação dos ensinamentos das diversas teorias, independentemente de preconceitos possíveis.

A imputação objetiva seria o tempero da relação de causalidade pela adequação social. Isso, data venia, parece ser proposta já superada, tornando desnecessária a imputação objetiva, uma vez que a adequação já excluiria do fato típico a conduta socialmente adequada. Diz-se que seria inadmissível nosso entendimento porque os desvios causais hipotéticos socialmente adequados não estariam excluídos do nexo causal, v.g., Tício fere Caio e este vem a morrer por infecção hospitalar. Ora, nem mesmo a imputação objetiva resolve o caso, uma vez que, ao nosso sentir, do correto ponto de vista de adequada política criminal, o caso precisa ser examinado, a fim de se perceber se a causa da morte é uma infecção que constitui decorrência da lesão ou de negligência no tratamento. No caso de negligência no tratamento, não se pode atribuir ao que provocou as lesões o resultado mais grave.

A imputação objetiva nasceu para resolver os problemas decorrentes dos crimes dolosos comissivos materiais. Hoje, tende a atingir os delitos omissivos e delitos negligentes, bem como aos delitos formais e de mera conduta.[177] Não obstante isso, como ela está calcada na teoria do risco, entendemos que só pode ser aplicada com propriedade, enquanto o CP não for modificado, aos delitos omissivos.[178]

Segundo os critérios da imputação objetiva, o Prof. Chaves Camargo tende ao ensinamento de Claus Roxin, expondo: a) a diminuição do risco exclui a imputação jurídico-criminal; b) não a exclui a não criação do risco; c) não exclui a imputação, a criação do risco em que autor substituto ocupa o lugar do originário; d) a causação de risco permitido exclui a imputação objetiva.[179]

Os dois últimos exemplos que de Chaves Camargo apresenta evidenciam que Roxin é autor extremamente casuístico. Não tem uma teoria, mas casos a apresentar, o que esvazia toda lucidez da proposta. Ao mesmo tempo em que tende a um Direito Criminal funcionalista, portanto menos interventor, Roxin propõe o contrário, incorrendo nas imprecisões da lógica indutiva. O conhecimento científico sólido não pode tomar por base exemplos, o que infelizmente não se verifica na proposta de Roxin.[180]

Ao tratar do fim de proteção da norma criminal, Roxin exemplifica com o caso de dois ciclistas que seguem em um caminho escuro, sendo que o da frente vem a colidir com outro ciclista que se dirige em sentido contrário. Tal acidente poderia ser evitado se o ciclista que seguia atrás daquele que colidiu estivesse com o farol acesso, iluminando o da frente.[181] Ora, o próprio princípio da legalidade supera o assunto, sendo desnecessário o aprofundamento no exemplo para saber que o caso nada acrescenta, conforme já expusemos neste capítulo.

Conforme ensina Claus Roxin, superada a fase do princípio versari in re illicita, não se pode pensar mais em uma responsabilidade criminal objetiva. Por referido princípio a simples relação de causalidade seria suficiente para a responsabilização de uma pessoa pelo dano. A imputação objetiva não pretende resgatar referido princípio, uma vez que, para a essa teoria, a imputação se dará segundo o domínio subjetivo do autor. Desse modo, no último exemplo mencionado, não haveria imputação objetiva, segundo Roxin, porque o evento não estaria na esfera de proteção da norma criminal. Todavia, isso é óbvio, sendo desnecessária qualquer construção teórica em torno do assunto.

Esqueçamos a imputação objetiva e analisemos o CP, que entende só haver resultado jurídico-criminal relevante se houver também conduta relevante para o Direito Criminal. Em síntese, embora o delito seja um conjunto de elementos, ele só existirá se preenchidos todos eles. Desse modo, se a conduta não pertence ao campo do Direito Criminal, não se passa ao estudo dos demais elementos do fato típico.

Em um conceito analítico de crime, encontraremos fato típico, ilicitude e culpabilidade, sendo que o primeiro elemento (fato típico) se divide em conduta, resultado, estando a relação de causalidade entre referidos elementos, e, finalmente, completará o fato típico a tipicidade. No exemplo hipotético, construído por Roxin, mesmo que entendêssemos que o ciclista que seguia atrás previu a possibilidade de ocorrer a colisão, não há norma criminal que o obrigue a evitar o dano, não é ele obrigado a agir, isso nos moldes do art. 13, § 2º, do CP, tornando despicienda a construção de Roxin, apenas para dizer que não se pode fazer a imputação do resultado se ele está fora da esfera de proteção do Direito Criminal. Ora, assim como a lei não deve conter palavras vãs, o cientista não deve rechear suas teorias com postulados inócuos. Daí dizermos que preferimos o conhecimento sistemático e seguro do objeto de estudo do criminalista, que é a norma jurídica que descreve crimes e comina sanções a quem os comete.

É relevante o destaque especial que Chaves Camargo dá a Bernd Schünemann,[182] sem qualquer margem de dúvida um dos maiores funcionalistas da Alemanha. Ocorre que este não tem muitos textos traduzidos, o que nos leva ao contentamento com meras noções do funcionalismo, advinda de Claus Roxin e Günther Jakobs.

Em se tratando da obra de Chaves Camargo, adotando sua posição sobre as lições de Schünemann, parece-nos coerente a proposição de uma imputação objetiva que pode ser resolvida pela adequação social, temperada pela relação de causalidade,[183] em síntese, devemos reconhecer certa lucidez da proposta da teoria social, mas temperando-a, eis que a vontade popular que enuncia o contrato social, segundo Rousseau, ela própria, pode estar viciada.[184]

Entende Schünemann que a imputação pode incidir nos desvios causais hipotéticos em que os desvios causais estão no campo da inadequação social. Porém, para ele, apud Chaves Camargo, a teoria da adequação social não supera os problemas em que os desvios causais são socialmente adequados, v.g., resultados tardios decorrentes da SIDA ou acidentes resultantes em lesão.[185] Assim, a imputação objetiva deveria, nesses casos, superar os problemas e dizer que os resultados não poderiam ser atribuídos porque a aplicação da pena não teria sentido no plano da prevenção geral.

Roxin é merecedor de críticas, isso no plano da negligência. Ele propõe, conforme exposto, uma teoria mista que autoriza, nos delitos negligentes, a análise do conhecimento especial do autor para se atribuir a responsabilidade pelo fato jurídico-criminal. Nesse sentido, Schünemann, apud Chaves Camargo, também rejeita a proposição do conhecimento extraordinário do autor como significativo para a imputação jurídico-criminal, in verbis:

A norma, neste aspecto, sempre tem como objetivo preventivo geral uma situação concreta, não se referindo a autores com conhecimentos extraordinários, o que determinaria sua inadequação. No caso de risco permitido não se leva em consideração se o autor estava subjetivamente em condições de observar um cuidado maior, uma vez que todas as pessoas, em tese, se encontram em condições de agir no âmbito do risco permitido, dependendo, subjetivamente, das condições de cada um a observância deste risco.[186]

A questão ex ante e ex post tem relevância decisiva para a discussão, uma vez que Roxin coloca o problema no resultado e Frisch no comportamento. Para Schünemann o problema é apenas aparente, tendo em vista que a realização do tipo se produz com a concorrência de referidos aspectos acentuando que a questão empírica não é a decisiva, mas a normativa e esta é valorativa.[187]

Não há acordo na doutrina acerca da imputação objetiva. Schünemann, diferentemente de todos os outros entende nos crimes dolosos a imputação objetiva deve ser analisada diferentemente daquela incidente sobre os delitos negligentes, eis que no delito doloso o âmbito do risco permitido é menor. Entendemos que a imputação objetiva, calcada na teoria do risco, apresenta dificuldades quase intransponíveis, isso no tocante aos delitos comissivos dolosos materiais, sendo sua aplicação fácil apenas nos delitos omissivos. Nos delitos negligentes, a aplicação da teoria é relativamente fácil, mas sem os grosseiros equívocos decorrentes da doutrina de Roxin (isso naquilo que se refere ao conhecimento extraordinário do autor). De outro modo, é insustentável pretender aplicá-la para superação dos problemas decorrentes dos desvios causais hipotéticos, eis que serão outras as teorias que minimizarão o problema.

O autor, a vítima ou o terceiro que se conduzir de forma diversa do estabelecido em seu rol de obrigações, administrando-o de maneira deficiente, é quem deve responder pelo fato jurídico-criminal.[188] Destarte, podemos deduzir que para Jakobs não interessam os objetos jurídicos, mas as condutas concretizadas no meio social. Daí a afirmação de Chaves Camargo, no sentido de que Jakobs afasta qualquer possibilidade de o Direito Criminal proteger bens jurídicos.[189]

Günther Jakobs admite dois tipos de norma: a) ao redor (entorno) do social, que são normas que obedecem as leis da lógica e da matemática; b) diretamente sociais, estas são debéis porque a valoração não está assegurada por antecipação e requerem garantia social para que sejam consideradas legis perfectae.[190]

Partindo do conceito analítico do delito, são seus elementos a conduta, a ilicitude e a culpabilidade. O fato típico é composto por conduta, relação de causalidade, resultado e tipicidade. Assim, Chaves Camargo inicia seu estudo pela conduta, tratando das teorias causalista, finalista e social,[191] matéria que já foi publicada por nós alhures.[192]

Roxin entende ser a conduta a “manifestação da personalidade, entendo ser mais abrangente porque inclui as “ações” dolosas e negligentes (conscientes ou inconscientes) ou omissivas.[193] Pequeno reparo deve ser feito, em respeito ao rigor terminológico, pois a omissão pura não pode constituir ação. Ela é o deixar de agir, sendo mais adequado tratar de conduta, eis que esta pode ser positiva (ação) ou negativa (omissão). Somente a omissão do garante ou garantidor que vem a constituir ação contra o dever de cuidado imposto pela norma, por isso, a omissão impura (ou imprópria) induzirá ao crime comissivo por omissão.

Outro aspecto relevante acerca da conduta como manifestação da personalidade é a notória confusão terminológica gerada. A personalidade é objeto de estudo da Psicologia, sendo que não é rara a remessa que a lei faz do Juiz à Psicologia, uma vez que determina constantemente a análise da personalidade (v.g., CP, art. 44, inciso III; art. 59, caput; art. 77, inciso II; etc.). Aferir conduta jurídico-criminal, adotando o conceito de Roxin é impossível ao jurista, tendo em vista que conhecer a personalidade exige estudos científicos do especialista, no caso o Psicólogo.

Roxin entende que seu conceito de conduta é pré-jurídico, sendo que a “situação real do delito aparece, assim, como uma manifestação da personalidade típica, antijurídica e culpável”.[194] Tende, portanto, Roxin ao conceito global de delito, que merecerá análise casuística para (des)valoração da personalidade, isso no que respeita à conduta típica, antijurídica e culpável. Data venia, referida posição gera excessiva imprecisão jurídico-criminal e evidencia a adoção das lições de Jürgen Habermas, autor que traz uma incontável imbricação de conhecimentos e teorias para a relevância do agir comunicativo, incluindo aí conhecimentos da Psicologia.[195] É Habermas um autor prolixo,[196] consequentemente, também o é Roxin, eis que adota posturas daquele. Assim, posso afirmar que a imputação objetiva, segundo a proposição de Roxin, não pode ser admitida, eis que o garantismo exige, no mínimo, a elaboração de normas claras.

Não somente o legislador, mas todo aquele que atua com o Direito Criminal, deve restar atento ao garantismo, que é, em primeiro lugar, um modelo normativo de direito, na medida de modelo de “estrita legalidade”, portanto, assegurador de direitos individuais. Em segundo lugar, é uma teoria que se prende à validade efetiva, com uma praxe operativa da norma. E, por último, o garantismo é uma filosofia política que requer do Direito e do Estado o ônus de justificar sua base externa, que provém de bens e interesses, de cujas tutelas as normas visam.[197]

A palavra garantismo, no contexto da obra de Ferrajoli, seria um “modelo normativo de direito”. Tal modelo normativo se estrutura a partir do princípio da legalidade, que é a base do Estado de Direito.[198] Essa posição, merecedora de prestígio, permite dizer que tipos confusos devem ser rechaçados. De outro modo, a proteção da liberdade pessoal, para Ferrajoli, é uma variável dependente de uma série de garantias contra o exercício do poder de punir. É, na verdade, uma barreira, um obstáculo contraposto (contra o poder), no qual litigam executivo e cidadão.[199] Esse garantismo não pode ser refutado. Ao contrário, é mister refutar toda tópica imprecisa que induza à insegurança jurídico-criminal, o que permite repudiar o conceito de conduta formulado por Claus Roxin.

O conceito de conduta, construído por Günther Jakobs, não abandona a causalidade, nem a teoria social. Para ele, a conduta é a causação de um resultado evitável, isso segundo a imputação objetiva, ou seja, só pode ser considerada relevante a conduta em que há imputação objetiva, que é o vínculo subjetivo do autor ao fato. Desse modo, estão afastados do conceito de conduta os atos involuntários e aqueles que provoquem resultados inesperados. Também, não pratica conduta jurídico-criminal a pessoa jurídica, eis que ausente a imputação objetiva, que é construída segundo o conceito do sujeito da conduta. É importante verificar o mundo exterior e o vínculo do sujeito com ele, que é o caso de imputação objetiva.[200]

O problema que se verifica no conceito de conduta ofertado por Jakobs tem a mesma natureza daquele que se verifica no conceito de Roxin, que é a confusão no conceito analítico de crime. Determinar o sujeito capaz de evitar o resultado, ou seja, determinar a capacidade individual de cada um, induz à confusão, parecendo pretender resgatar a ilicitude subjetiva, que é uma questão complicada, tendo em vista que sua rejeição se dá exatamente pelo fato de reunir em um elemento do delito o todo, tornando imprecisa a análise dos fatos. Aliás, pela perda do método, o Direito Criminal tende a se transformar em mera especulação sobre casos concretos, segundo uma tal justiça particularizada dos fatos, o que é muito perigoso. Aliás, o próprio Claus Roxin diz que o ponto central de seus estudos é a culpabilidade, que deve restar atenta à justiça do caso concreto.[201]

Interessante a construção de Chaves Camargo acerca do agir comunicativo, que expõe:

Podemos desta forma, estabelecer um conceito para a ação, como elemento do ilícito, como a exteriorização do mundo da vida do agente num determinado grupo social, em dissenso com os valores reconhecidos pelo mesmo grupo social, que decorrem da interpretação das normas vigentes que dão validade à expectativa de comportamento exigido como preferenciais pelas regras deste grupo.[202]

É devido à complexidade do pensamento habermasiano que emerge a dificuldade para a adoção de um conceito de conduta decorrente da teoria do agir comunicativo.

Chaves Camargo apresenta a evolução do estudo do tipo, tratando do tipo objetivo e do tipo subjetivo, explicando a descoberta dos elementos normativos do tipo. Welzel passou a tratar de tipo objetivo e tipo subjetivo como sendo atos que integram a execução típica do delito.[203] Ora, conforme exposto anteriormente, o tipo é a descrição do delito, sendo que a execução da conduta típica não poderá se confundir com ele, ela será elemento do fato típico.

Enquanto descrição do delito, o tipo é objetivo, mas pode conter elementos objetivos, normativos e subjetivos. O elemento do tipo não se confundirá com ele. Outrossim, o atuar dolosamente ou negligentemente não constituirá, respectivamente, tipo subjetivo ou tipo normativo, mas praticar conduta jurídico-criminal relevante, elemento do fato típico. Destarte, a construção teórica de Welzel peca até pela própria confusão terminológica que ele instalou a respeito da existência de tipo objetivo e de tipo subjetivo.

Entendendo que o fato objetivamente típico é a reunião de conduta voluntária, relação de causalidade, resultado e tipicidade, é possível concluir que o elemento subjetivo do tipo é o dolo, sendo, por consequência, fato subjetivamente típico, aquele em que a conduta é dolosa ou dotada de negligência imprópria. Com isso se chega à conclusão que Roxin traz inovação pouco relevante com a imputação objetiva.

Pretender inserir a imputação objetiva no tipo objetivo (descrição objetiva do delito) é um equívoco, eis que ela será normativa, isso sob o ponto de vista da adequação social, ou subjetiva, pois ela é vista sob o ponto de vista de política criminal,[204] sendo, portanto, valorativa e não há valor que não seja subjetivo. Dizer que a imputação objetiva constitui elemento objetivo do fato típico também constitui equívoco, tendo em vista que leva em consideração aspectos subjetivos do autor do fato. Desse modo, embora Roxin entenda que o critério sistemático de análise do fato jurídico-criminal seja falho,[205] referida análise não apresenta maiores inconvenientes.

Fazer o estudo sistemático do delito importará em deixar a análise da consciência da ilicitude dentro da culpabilidade. Não obstante isso, tal momento será posterior ao estudo do fato típico e da ilicitude. Não estando presente algum destes elementos, não se chegará ao estudo da culpabilidade. Assim, saber aplicar adequadamente a teoria da adequação social, isso no momento da análise do fato típico, suprirá as lacunas que a imputação objetiva pretende preencher. Daí a nossa concordância com a colocação de Bustos Ramirez, citado por Chaves Camargo, no sentido de que a imputação objetiva não pode ser analisada como elemento objetivo do tipo, ou dentro do fato objetivamente típico.[206]

Jakobs, mantendo a distinção entre os tipos (objetivo, de injusto, de culpabilidade etc.) permite a análise sistemática do delito, sendo “coerente com a base de sua teoria, que exige um sujeito integrado ao social e que tenha conhecimento do rol de comportamentos que deve responder às expectativas”.[207]

O Direito Criminal, segundo a imputação objetiva, deixa de ter fins meramente retributivos e de visar unicamente à proteção de bens jurídicos. Sua missão é garantir a identidade da sociedade.[208] Nesse ponto, a imputação objetiva tende à teoria pura do Direito, mas de forma flexibilizada. O que se está a afirmar é razoável porque para Hans Kelsen justiça é felicidade. Mais, justiça é a felicidade de um povo, sendo que a “nossa felicidade depende frequentemente da satisfação de necessidades que nenhuma ordem social pode garantir”.[209]

Do que foi exposto, adotando a posição de Kelsen, o objetivo maior do Direito Criminal não é a justiça, uma vez que não há justiça geral. O que se pretende é um mínimo de estabilidade, de segurança, compatibilizando o interesse (a felicidade) geral com o(a) individual. Tal conclusão se assemelha ao exposto acerca do papel do Direito Criminal sob o ponto de vista da imputação objetiva.

Uma coisa é certa, a imputação objetiva vai além da exclusão da tipicidade, assumindo um caráter global na análise dos fatos jurídico-criminais, considerada determinada situação de comunicação.[210] Ao nosso sentir, esse é seu maior problema, visto que a tópica tende a substituir a sistemática, tendendo a casuísmos exagerados, que podem gerar situações concretas, porque pontuais, infamantes.

Acerca da ilicitude, a imputação objetiva propõe que é necessário que o agente tenha domínio subjetivo da situação concreta ou presumida da causa de justificação, pouco interessando sua vontade real para caracterização da ilicitude. Porém, tende à ilicitude material, que verifica a ilicitude na sociedade, e que resgata o conceito global de injusto.[211]

A imputação objetiva centraliza a culpabilidade na dignidade da pessoa humana. Ela é o ponto central da discussão, sendo que a imposição de uma pena com base na culpabilidade reiterará a validade da norma em determinado momento social.[212]

Para Roxin, um dos defeitos do pensamento sistemático finalista decorre da desatenção à justiça do caso concreto. Ele entende que o sistema teleológico-racional apresenta inovação central no campo da culpabilidade, visto que esta deve ser expandida.[213] A imputação objetiva, portanto, atenta-se mais aos fins do Direito Criminal, uma vez que incidirá principalmente sobre os pontos voltados à censura daquele que praticar um fato jurídico-criminal.

Schünemann entende que o conceito social de culpabilidade não corrige os problemas decorrentes da análise sistemática. Aliás, distorce todo edifício dogmático, tendo legitimação seriamente discutível. Toda imputação objetiva construída por Roxin assimila o excessivo casuísmo de Larenz, que propõe a “solução justa dos casos” apresentados ao Juiz.[214] Este entende que é necessário um tratamento circular dos casos, a fim de se poder tratar do problema sob os mais diversos ângulos e que traga à colação todos os pontos de vista – tanto os obtidos como decorrência da lei como os de natureza extrajurídica – que possam ter algum relevo para a solução ordenada à justiça, com o objetivo de estabelecer um consenso entre os intervenientes,[215] posição semelhante à de Habermas, que tende ao consenso no agir comunicativo.

Chaves Camargo entende que a doutrina criminal pátria ainda está tendendo à influência do positivismo jurídico neokantiano, mas reconhece que alguns poucos tendem ao abolicionismo de Hulsmann. Referido abolicionismo, para Chaves Camargo, não enseja qualquer radicalismo.[216] Essa posição é coerente com toda sua obra, uma vez que seu autor tece vários comentários elogiosos ao agir comunicativo, prestigiando Habermas, sendo que a obra de Hulsmann propõe substitutivos mais humanos às penas que ora prevalecem e, ainda, ele diz ser adequada a pena em que todos os envolvidos (Estado, vítima e sociedade) se contentam com a pena imposta, convergindo para o agir comunicativo.[217]

No campo do fato típico, da ilicitude e da culpabilidade, Chaves Camargo propõe a adoção da imputação objetiva, chegando a propor a não aplicação de uma jurisprudência uniforme, sumular, como interpretação da norma,[218] reforçando a idéia de ser a imputação objetiva essencialmente tópica.

Em se tratando da relação de causalidade, Chaves Camargo se estende um pouco mais para propor a aderência da imputação objetiva à teoria da equivalência, a fim de tornar o Direito Criminal mais aberto e atento ao princípio da dignidade humana.[219]

Inicia Chaves Camargo pela exclusão do crime pelo fato da vítima se auto-colocar em situação de perigo.[220] Essa posição vem sendo resolvida no Direito Criminal pátrio no estudo do fato típico, da ilicitude e da culpabilidade, uma vez que, às vezes, a vítima torna impossível o resultado proibido pela norma criminal, mas porque ela se coloca na situação de perigo de tal maneira que o resultado se dá sem dolo ou negligência do agente, afetando ao fato típico. Noutras circunstâncias, a vítima gera a situação de excludente real ou putativa. Finalmente, pode ocorrer de ocorrer uma conduta da vítima de forma tão profunda que se torna inexigível conduta conforme o Direito por parte do autor, excluindo a culpabilidade.

A imputação objetiva resolveria a questão no plano do agir comunicativo porque se deve entender que todos participantes do fato têm ampla liberdade de decisão e argumentação, excluindo-se a imputação nos casos em que a vítima se colocou na condição de risco.

A imputação objetiva, no âmbito dos crimes dolosos, para Roxin, é o elemento vontade, subjetivo, que não pode ser apreciado por elementos externos. Para Jakobs, o dolo tem a mesma conotação, eis que representado pelo querer violar o rol de obrigações imposto.[221]

O dolo eventual não restou esquecido, tendo sido enfrentadas as teorias de nível cognitivo e as teorias do nível volitivo. Mas, destaque especial merecem as novas teorias do dolo, quais sejam: a de Hassemer, a de Roxin, e a de Jakobs.

O dolo eventual para Hassemer, segundo Chaves Camargo, é indicado por: a) situação perigosa para o bem jurídico; b) a representação do sujeito sobre a mesma; c) decisão de atuar contra o bem jurídico protegido. Tal teoria não facilita a distinção entre dolo eventual e negligência consciente, eis que é mister verificar o aspecto interno do autor.[222]

Para Roxin há dolo eventual na decisão contra o objeto jurídico, que se caracteriza pelo fato do agente não realizar qualquer atividade dirigida a evitar o resultado. Caso haja dúvida, deve cessar sua ação, senão restará caracterizado o dolo. Havendo reflexão e o agente adota medidas para evitar o resultado e mesmo assim ele ocorre, há negligência consciente. Outro critério seria, negligência imprópria, o agente atua sem reflexão, de forma a pensar que o resultado lesivo não ocorrerá, enquanto no dolo eventual, o sujeito toma a sério o risco de produção do resultado, mas prossegue contra o bem jurídico.[223]

Roxin é contraditório em sua teoria do dolo eventual. Uma imputação objetiva tendente ao Direito Criminal atento à dignidade da pessoa humana, não pode, contraditoriamente, imprimir pontualmente maiores rigores. O atuar levianamente não constitui dolo eventual, mas negligência.

Jakobs, por sua vez, adota posição mais coerente que a de Roxin, tendo em vista que afasta o elemento volitivo do critério para distinção. A diferenciação está no conhecimento por parte do autor, conjugando a teoria da probabilidade (que é uma teoria de nível cognitivo) com a teoria de tomar a sério.[224] No entanto, sua posição avalorativa permitiu a Jakobs construir o Direito Penal do Inimigo, pelo qual os inimigos da sociedade estão fora dela e, portanto, do Direito formal. Com tal posição não posso concordar.

O finalismo não conseguiu explicar adequadamente o delito negligente em sentido estrito. No caso da negligência, mister é a análise do fato, a fim de saber se o agente violou seu dever de cuidado, sendo que a imputação objetiva não apresenta formulas estanques para solução dos casos, recorrendo-se à tópica, a fim de verificar se constitui fato jurídico-criminal.[225]

O consentimento da vítima, no plano do agir comunicativo, pode excluir o delito, sendo necessária a análise fática de cada situação.[226] Nesse ponto, concordamos com a análise dos fatos, mas sem perder de vista a análise sistemática. A tópica contribuiria para saber se o consentimento do ofendido, considerando o caso, excluiria a tipicidade (quando prévio) ou a culpabilidade (quando concomitante com o ato lesivo) ou a punibilidade (quando posterior), ocasião em que haveria crime, mas não a pena. Observe-se que o consentimento do ofendido, não excluirá a relevância jurídico-criminal, se a vontade não for manifestada livremente, se o bem jurídico for indisponível ou se houver vício de consentimento.

Feita uma rápida contextualização do assunto, expondo as principais razões da escolha da obra de Chaves Camargo e de ter decidido destinar um tópico deste livro para comentar sua obra, que é um dos melhores livros monográficos publicado no Brasil acerca da imputação objetiva, passou-se à distinção entre funcionalismo e imputação objetiva.

Foram apresentadas vertentes diversas da imputação objetiva, tendentes a correntes jusfilosóficas funcionalistas diferentes, o que deu ensejo à analise do fato típico, da ilicitude e da culpabilidade, isso em conformidade com a imputação objetiva. O fato é que a teoria, por se basear em pensamentos sistêmicos, tende ao jusnaturalismo, sendo oportuno algo mais humano, o que me leva ao pensamento complexo.

A imputação objetiva, por ser imprecisa, pode induzir a uma ampliação da punibilidade.[227] Nesse sentido, conforme ensina Raffaele de Giorgi, a radicalidade da posição de Roxin, se exprime, caracteristicamente, confusa.[228] Isso se dá porque ele tende à teoria do agir comunicativo de Jürgen Habermas, que traz enorme imbricação de conceitos e influências de diferentes ciências.

A tópica é importante, mas não se pode pretender destruir o método, substuindo-o pela simples análise de casos concretos. A norma, conforme ensina Larenz, apresenta, em maior ou menor escala, um processo de aproximação.[229] Do mesmo modo, o método será um parâmetro para o conhecimento científico dos casos concretos. É em decorrência da imprecisão, que torna em vulgar o conhecimento dos fatos jurídico-criminais que a imputação objetiva não pode ser considerada teoria científica do delito.

4.3.4.9 Exemplos que demonstram a inadequação da imputação objetiva

Voltemos a um caso já analisado: imagine-se que um carrasco, no momento da execução, é surpreendido por um homicida que desfere tiro fatal na cabeça da vítima, provocando morte instantânea. Nesse caso, pelo critério da eliminação hipotética, nenhum dos dois é autor. Pelo critério da eliminação global, ambos teriam dado causa. Mas, conforme expusemos anteriormente, o CP adotou a o critério da eliminação hipotética. Portanto, em face do princípio da legalidade, não poderíamos dar solução diversa, ou seja, o atirador não poderá ser responsabilizado pelo resultado morte.

Em outro exemplo, no qual duas pessoas colocam veneno, cada uma, em quantidade suficiente para matar a vítima, a solução seria idêntica, tendo em vista que adotamos o critério da eliminação hipotética, pelo qual considera-se causa a conditio sine qua non para a produção do resultado.

Pelo critério da imputação objetiva, o atirador seria responsabilizado pela morte. Também seriam responsabilizados pela morte cada um dos agentes que colocaram veneno no copo da vítima, mas, ratificamos, nosso ordenamento jurídico não admite tais soluções. De outro modo, o carrasco não teria dado causa, visto que o risco à vida, decorrente de seu comportamento, não seria proibido, sendo penalmente irrelevante para a imputação objetiva o risco permitido.

Para a imputação objetiva, mais importante que a causa é o risco proibido. Ocorre que ao adotarmos a imputação objetiva estaremos fazendo a junção de elementos subjetivos com objetivos, partindo para uma análise obscura, decorrente da confusão de conceitos e etapas, permitindo análises extremamente casuísticas, produzindo uma insegurança prejudicial ao próprio escopo do Direito, que é a estabilidade social.

O aparente benefício decorrente da adoção da imputação objetiva seria superado pela lei se simplesmente excluíssemos do art. 13, caput, do CP, o critério da eliminação hipotética, deixando para doutrina e para a jurisprudência, a análise da causa. Outrossim, melhor seria acrescentarmos ao § 1º do artigo nupercitado, as causas preexistentes e concomitantes, com referência específica no sentido de que a análise da causa deve ser feita pelo Juiz levando em consideração o elemento subjetivo do agente, inclusive, no que se refere à desistência voluntária.

Discorri anteriormente sobre a tipicidade conglobante, teoria que resolve quantum satis a questão relativa ao carrasco. De outro modo, fiz alguns comentários sobre as imprecisões das teorias causais, propondo uma análise casuística, em face da cessação do dolo antes da ocorrência do resultado. De tais proposições, posso concluir que a imputação objetiva nada acresce.

Outra hipótese apresentada, refere-se ao delito de efeito tardio: a pessoa joga uma lagartixa em outra pensando que ela é venenosa e que vai provocar uma lesão na vítima matando-a. A lagartixa não tem veneno, mas a vítima desenvolve um problema cardíaco pelo susto e dele vem a morrer algum tempo depois. Esse caso seria de simples solução porque bastaria analisar a teoria da conditio sine qua non, acrescida do elemento subjetivo do agente e verificar que ele deu causa à morte, devendo responder por esse resultado.

Ocorre que, da forma que o problema foi apresentado, a causa da morte é superveniente. Assim, incide o art. 13, § 1º do CP. Com efeito, não se pode imputar a causa da morte à ação daquele que atirou o animal em outra pessoa, tendo em vista que ele é, absolutamente, impróprio para a produção do resultado morte. Assim, tratando-se de crime impossível, nem mesmo por homicídio tentado o agressor responderá.[230]

De outro modo, conforme expliquei anteriormente, pode ocorrer de ter a vítima problema cardíaco, o que faz com que o objeto seja, in casu, relativamente impróprio para a produção do resultado, tornando possível a responsabilização do agente pela produção do resultado. Não obstante, conforme expusemos, mister é a demonstração do conhecimento do autor sobre o problema cardíaco anterior, ou da persistência da vontade criminosa, tendo em vista que o que se deve levar em consideração é o elemento volitivo do agente, este deve prevalecer sobre eventuais resultados naturais.

Não existe razão para se invocar a imputação objetiva, a fim de eximir o agente da responsabilidade pelo resultado morte, ou para gerar a responsabilidade por ele, tendo em vista que ela é extrema, tornando mais inseguras as proposições já existentes.

Tome-se em consideração a, no mínimo, estranha proposta de Damásio E. de Jesus, no que concerne a um notório fato ocorrido no ano de 1999: um rapaz adentrou em um cinema armado de uma submetralhadora e atirou a esmo, matando três e ferindo duas. No total, estavam no local sessenta e seis pessoas. Nesse caso, entende o autor que ele responderia por três homicídios consumados e dois tentados, além de outros crimes tentados que seriam aferidos segundo o risco completo de dano aos presentes, excluindo-se aqueles que não estiveram na direção dos disparos, ou que mesmo estando conseguiram se proteger.[231]

Com o devido respeito, se a pretensa segurança jurídica ofertada pela imputação objetiva tem a ver com casuísmos tão detalhados, a ponto de verificar se o agente conseguiu se esconder atrás de uma intransponível barreira de concreto, torna a análise dos fatos mais frágil. O perigo concreto se faz presente pelo simples fato de ter a vítima que se proteger, senão será vítima de um disparo. Portanto, todo aquele que teve seu objeto jurídico ameaçado, o que é perceptível unicamente pelo local ocupado no momento em que se iniciou os disparos e a trajetória destes, será vítima de homicídio tentado, não interessando se a vítima conseguiu se ocultar atrás de algum obstáculo seguro.

Fernando Galvão defende a aplicação da imputação objetiva como complementar da causalidade natural, “um critério corretivo da teoria da equivalência”,[232] dizendo, de forma diversa da posição dominante que prefiro, referir-se o art. 13, caput, do CP ao resultado normativo-jurídico, não apenas ao naturalístico. Para mim, somente o crime de resultado naturalístico está abrangido pelo referido dispositivo legal e, por todo o exposto, a novel teoria, imputação objetiva, ao menos no campo da causalidade, em nada contribui. Tal conclusão será ainda melhor delimitada no item seguinte, quando analisaremos a atribuição objetiva do resultado.

4.3.5 Resultado

O resultado será a produção de uma transformação física na natureza, ou simplesmente o preenchimento de todos os elementos do tipo, o que representará um dano ou perigo de dano ao objeto jurídico, cuja proteção é objetivada pela norma.

4.3.5.1 Espécies de resultado e classificação dos delitos segundo seus resultados (material ou de dano, formal ou de perigo e de mera conduta)

Acerca do resultado temos duas teorias básicas, a saber: (a) naturalística, a qual nos leva ao resultado naturalístico, ou seja, o resultado é uma transformação física na natureza; (b) normativo-jurídica que enuncia que o preenchimento dos elementos do tipo representa o resultado. O resultado é normativo-jurídico, caracterizado pela realização dos elementos do tipo.

Para a primeira teoria, há crime sem resultado. No entanto, concordamos com Nelson Hungria que já ensinava:

Todo crime produz um dano (real, efetivo) ou um perigo de dano (relevante possibilidade de dano, dano potencial), isto é, cria uma alteração no mundo externo que afeta à existência ou a segurança do bem interesse que a lei protege com a ultima ratio da sanção penal.[233]

O resultado pode ser naturalístico – aquele que provoca uma transformação no mundo natural – ou normativo-jurídico, que é representado pela violação à norma criminal. Nem todo crime depende de um resultado natural. Daí emerge a seguinte classificação:

Ø material – também denominado de delito de dano, é aquele em que a lei prevê um resultado destacado da conduta e o crime para se completar (se consumar), dependerá da produção do referido resultado. Tentando se enaltecer, desnecessariamente e se confundindo em diversas análises, a doutrina patria tem informado que o crime de dano é o que exige ofensa ao objeto jurídico e o crime material é o que exige a produção de resultado naturalístico (para mim, crime de dano é o mesmo que o crime material, ou seja, o que exigirá a ofensa ao objeto jurídico para que haja consumação);

Ø formal – é aquele em que a lei prevê um resultado destacado da conduta, mas ela se precipita e traz o resultado para junto da conduta, não dependendo, a consumação, da produção do referido resultado, ou seja, basta a ameaça ao objeto jurídico para a ocorrência do resultado. Dessa forma, tal delito é, também, denominados de crime de perigo;

Ø de mera conduta – a lei não prevê qualquer resultado, só descrevendo a conduta proibida. A doutrina estrtangeira estrangeira o classifica como espécie de crime formal, mas ainda, no Brasil, o consideramos como espécie distinta de crime de perigo.

A classificação exposta tem perdido prestígio, tendo em vista que muitos autores preferem considerar os crimes de mera conduta como espécies de crimes formais. Conforme transcrevemos, Heleno Cláudio Fragoso deixa clara sua opção pela consideração de crimes de mera conduta e formais como única espécie. De qualquer forma, a classificação exposta precisa ser conhecida, visto que significa muito para o estudo relativo à relação de causalidade, sendo que esta tem íntima relação com a imputação objetiva.

Um crime de homicídio só se consuma com o evento morte, ou seja, somente com a extinção da vida. Desse modo, é necessária a ofensa ao objeto jurídico para que ele se aperfeiçoe, o que permite dizer que se trata de crime de dano (material). De outro modo, o crime de periclitação da vida (art. 132 do CP) exige unicamente o risco concreto à vida. É, portanto, crime de perigo (formal), uma vez que o simples se completa com a simples ameaça à vida.

O crime de perigo não se confunde com o “de mera suspeita”. Já se pensou em crime sem ação positiva ou negativa.[234] Exemplo típico seria o crime punir encontrar uma pessoa na posse de dinheiro, objetos de valor ou outras coisas e cuja proveniência não justifique, issso no que se refere aos indivíduos condenados por delitos que visem lucro, ou por contravenções patrimoniais ou medincância, ou submetidos a medida de segurança pessoal, ou caução de boa conduta (CP italiano de 1930, art. 708). Diz-se que “a proposta não encontrou o favor da opinião dominante”.[235] A negativa, porém, é imperiosa.

Embora o processo não seja um fim em si mesmo, os juristas da modernidade, meros “operadores do Direito”, têm incriminado “a mera suspeita”. Em matéria processual, fala-se no princípio da verdade material, do qual decorre o princípio in dubio pro reo (a dúvida de reveste em benefício do réu). Este tem conteúdo essencialmente processual, mas não são raros aqueles que afirmam seu conteúdo material.[236] De qualquer modo, pelo princípio em comento, ao acusador incumbe provar o ilicito praticado, não se podendo incriminar unicamente a “mera suspeita”, salvo se a lei autorizar a inversão do ônus da prova.

Pode-se defender a possibilidade de inversão do ônus da prova em matéria criminal, mas isso no campo processual, eis que se reconhece a autonomia – mesmo que apenas relativa – dos ramos do Direito. Ocorre que são muitos os obstáculos a essa construção, sendo indicado o art. 5º, inciso LVI, da CF (“são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos”). Desse modo, à primeira vista, parece que a inversão do ônus da prova pode ser admitida, desde que regulada por lei, ou seja, tornada lícita. Aliás, é possível vislumbrar dispositivos que, com reflexos criminais, trazem a inversão do ônus da prova, os quais estão viciados de inconstitucionalidade, v.g., Lei n. 8.137/1990:

Art. 5º. Constitui crime da mesma natureza:

Incisos I – III: Omissis.

IV – recusar-se o diretor, administrador, ou gerente de empresa a prestar à autoridade competente ou prestá-la de modo inexato, informação sobre o custo de produção ou o preço de venda.

Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso IV.

Imagine-se que o diretor de uma empresa está a deixar de prestar informação sobre o custo porque estaria praticando o crime de underselling, o que constituiria crime (Lei n. 8.137, art. 4º, inciso VI). Requisitadas as Informações, ele não poderia ser compelido a prestá-las se assimilássemos como absoluta a máxima “ninguém será compelido a produzir provas contra si mesmo”. Porém, se partíssemos para a visão de que o Direito Público em geral tem dois princípios básicos (o da legalidade e o da supremacia do interesse público sobre o particular), poderíamos até concluir que, em nome do interesse público maior, poder-se-ia inverter o ônus da prova. Ocorre que, em matéria processual criminal, esse último entendimento deve ser veemente repelido.

O que se pretende demonstrar é que o DCrim está sofrendo profundas transformações, autorizando novas perspectivas, inclusive no que respeita às garantias constitucionais para proteção de direitos fundamentais, isso com base em modernas teorias do discurso, que apenas transportam os problemas para novos horizontes. De um lado, há o discurso em favor de um DCrim menos interventor e, de outro, uma realidade, às vezes patética, fundamentada em um discurso protetor de um determinado poder que se baseia, sem dúvida, em concreta alopoiese.

Endossamos as palavras de Afrânio Silva Jardim, que sustenta: “o ônus da prova, na ação criminal condenatória, é todo da acusação e relaciona-se com os fatos constitutivos do poder-dever de punir do Estado, afirmado na denúncia ou queixa”.[237] Um DCrim garantista do status libertatis não interessa tão-somente ao acusado, mas a toda sociedade, haja vista que seria um absurdo pretender admitir a inversão do ônus da prova em matéria criminal, deixando toda a sociedade na incerteza de, em decorrência de perseguições espúrias, sofrer acusações até caluniosas e, com isso, tornar insustentável a convivência social. Assim, o princípio in dubio pro reo, antes de ser uma garantia individual, é instrumento para a segurança social e atende mais ao interesse público que ao particular.

4.3.5.2 O iter criminis

O estudo do iter criminis tem lugar na análise da conduta, mas, por opção didática, optamos tratar o assunto no campo do resultado porque o conhecimento das espécies de resultado (nutaralístico e normativo-jurídico) é fundamental para a compreensão de algumas informações concernentes ao caminho do crime (iter criminis). Ademais, é impossível falar em resultado sem pensar no itinerário do delito, o qual, em regra, passa pelas seguintes fases:

Ø cogitação – é uma fase em que o agente pensa, medita sobre o crime. Em regra ela não constitui crime, salvo quando externalizada, v.g., incitação a crime (art. 286 do CP). Tal afirmação decorre do princípio da alteridade ou transcendentabilidade que proíbe incriminar interior, subjetivo, eis que se revela incapaz de lesionar o bem jurídico.

O fato típico pressupõe um comportamento que transcenda a esfera individual do autor e seja capaz de atingir o interesse de outrem (altero). Em síntese, assegura-se: “Ninguém pode ser punido por ter feito mal só a si mesmo”. Dizendo-se que tal princípio foi desenvolvido por Claus Roxin.[238] Não obstante, temos por coerente entender que a Escola Positiva, com Ferri, no início do Século XIX, já havia desenvolvido bem tal pensamento. Aliás, este já teria sido objeto da Escola Clássica, que entendeu ser o crime uma “lesão de um direito de outrem”;[239]

Ø preparação – é a fase em que o agente passa a obter os recursos humanos e materiais necessários à consecução do crime. Também, em regra, é impunível, salvo quando constitui delito autônomo, v.g., formação de quadrilha (art. 288 do CP), petrechos para falsificação (art. 293 do CP);

Ø execução – é a fase em que o agente inicia a prática da conduta proibida pela lei criminal. O tipo é a descrição legal de crime, sendo que todo tipo traz um núcleo que é o verbo que exprime a ação ou omissão punível. Assim, o tipo do art. 155 do CP (furto) tem como núcleo “subtrair”, o que faz com que entendamos que o crime de furto só se inicia a partir do momento em que o agente inicia a subtração. Da mesma forma, o crime de estupro tem como núcleo “constranger”. Assim, uma pessoa pode ser acusada de estupro, a partir do momento em que pratica o constrangimento;

Ø consumação – ocorrerá no momento em que o agente alcançar o resultado proibido pela lei criminal. Assim, o crime de furto se consumará com a subtração da coisa, retirando-a da esfera de vigilância de quem a possua.[240] Esse resultado, nos termos da lei, é normativo-jurídico (CP, art. 14, inciso I), visto que “diz-se o crime... consumado se nele se reunem todos os elementos do tipo, ou seja, realizar a conduta descrita na lei criminal representa o resultado.

Fala-se, ainda, em exaurimento, que a fase em que o autor tira proveito do crime. Esta não integra o iter criminis e, como regra, constitui post-factum impunível. Porém, em muitos casos, o exaraurimento pode constituir fato jurídico-criminal relevante, portanto, mais severamente punível, v.g., art. 317, § 1º do CP.

Os crimes de ímpeto, às vezes, não passam por todas as fases, uma vez que o agente não reflete sobre sua conduta. A análise concreta das situações exigirá cuidado, haja vista que aquele que é agredido na rua, inesperadamente, saca de uma arma e mata quem o agrediu, avalia sobre a represália a ser praticada, mesmo que tal análise se dê muito repentinamente. De qualquer forma, é inegável que a pessoa pensa: “devo matar”. Isso é cogitação.

E a preparação nos crime de dolo de ímpeto? Ela também se caracterizará pelo ato de sacar a arma. Tal ato ainda não é de execução, pois não foi iniciada a conduta típica, que é “matar alguém” (art. 121 do CP). No entanto, não podemos ser cegos e rejeitar todas as possibilidades de exceção, visto que aquele que é agredido na rua e inexperadamente desfere um soco em quem o agrediu, não praticará qualquer ato de preparação, embora tendo havido cogitação.

Nos crimes negligentes em sentido estrito, aqueles praticados mediante negligência inconsciente, não existem as fases da cogitação e da preparação. De outro modo, os crimes negligentes subjetivos[241] (negligência consciente) têm a fase da cogitação, embora de forma indireta, tendo em vista que a pessoa, mesmo não planejando, nem desejando o resultado, faz a sua previsão, só não o admitindo como sendo concretamente possível.

4.3.5.3 Consumação e tentativa

Crime tentado é aquele em que o agente não obtém o resultado por circunstâncias alheias à sua vontade. Desse modo, só pode ser tentado o delito doloso, visto que a conduta do agente só visará um determinado resultado penalmente proibido em tal espécie de delito.

O crime tentado é o mesmo consumado, mas o dispositivo legal que trata da tentativa encontra-se na PG/CP, aplicável aos crimes que admitem tentativa. Destarte, saber se um delito admite tentativa, a investigação, acima de tudo, será doutrinária, eis que a lei limita-se a informar que se considera tentado o crime em que o autor iniciar a execução, mas não atingir o resultado por circunstância alheia à sua vontade (CP, art. 14, inc. II). Em face de tal previsão legal, prefere-se dizer que o CP, quanto à tentativa, preferiu a fórmula de extensão, o que significa que o conteúdo de um artigo de lei se complementará em outro.

Zaffaroni entende que a natureza jurídica da tentativa constitui “ampliação da tipicidade proibida”.[242] A discordância é necessária porque não se trata de ampliação ofertada pela norma, mas de um efetivo crime, concebido como sendo o fato jurídico-criminal, isso a partir do sistema dinâmico de normas.

Não alcançar o resultado por circunstâncias alheias à sua vontade pode decorrer de erro na execução do delito, da intervenção de outras pessoas e muitos outros fatores, mas, ressalte-se, essencial é que o resultado não tenha sido alcançado em decorrência da vontade do autor.

Quanto ao iter criminis, os crimes são classificados em: a) plurissubsistentes (a conduta típica pode ser fracionada) e unissubsistentes (a conduta típica não pode ser fracionada).[243] Assim, como o CP estabelece, em seu art. 14, que a pessoa só pode ser punida por crime quando iniciada a execução, conclui-se que, a cogitação e a preparação são impuníveis, salvo quando constituírem crimes autônomos. Também, no mesmo artigo, o CP preceitua que constitui tentativa o início da execução, sem que o agente atinja o resultado por circunstâncias alheias a sua vontade. Do exposto, somente os crimes plurissubsistentes é que podem ser praticados na forma tentada.

O CP prefere o resultado normativo-jurídico, visto que no art. 14, inciso I, preceitua que o crime consumado é aquele que reúne em si todos os elementos do delito, ou seja, ele não fala em produção de um resultado natural, mas na adequação do fato ao tipo, sendo que se todos os elementos deste estiverem presentes haverá consumação, independentemente da produção de algum resultado naturalístico.

O fato de ser um delito material, formal ou de mera conduta não impede que ele possa ser classificado como unissubsistente, ou plurissubsistente. Dessa forma, independentemente de ser material, formal ou de mera conduta, um delito poderá ou não admitir tentativa, v.g.: a) normalmente o delito de dano admite tentativa, mas o delito negligente depende da produção de um resultado naturalístico – é material -, mas não admite tentativa; b) a ameaça é crime formal, pois basta que ela seja potencialmente capaz de amedrontar a vítima para que haja consumação, mas se for feita mediante alguma coisa escrita, admite tentativa; c) a violação de domicílio é delito de mera conduta, mas admite tentativa.

O crime negligente não pode ser praticado na forma tentada, pois para que o delito seja de tal espécie, o agente, mesmo que tenha feito a previsão do resultado (previsibilidade subjetiva), não o deseje ou que não tenha consentido para com ele (resultado). Assim, no crime negligente é imprescindível a ocorrência do resultado. A título de exemplo, podemos apresentar o crime de homicídio que é, em regra plurissubsistente. Porém, o homicídio culposo não admite forma tentada, pois, ratifica-se, crime culposo é aquele cujo resultado previsível (previsibilidade objetiva) ocorre sem que o agente o deseje, sem ter feito a previsão, ou, tendo feito, sem ter assumido o risco de produzi-lo.

Com a imputação objetiva muitos conceitos, necessariamente, precisariam ser revistos, visto que uma das suas bases é a teoria do incremento do risco, que será estudada adiante. Desse modo, até o momento não se tem evidenciado a devida preocupação com as diversas peculiaridades decorrentes da nova teoria.

Nos delitos de resultado (materiais), conforme expus, a consumação depende da produção do resultado destacado da conduta. Porém, deslocando a preocupação da causalidade material para o risco proibido, não haverá delito de resultado tentado, eis que a simples ameaça ao objeto jurídico, em qualquer caso, tornará imperioso o reconhecimento de um resultado normativo-jurídico. Destarte, restará caracterizada a consumação. No entanto, se a lei consagra em alguns tipos o resultado, tornando obrigatória sua ocorrência para a consumação, nesses casos, a imputação objetiva não pode ser aplicada.

Finalmente, cumpre-nos lembrar que o crime tentado é aquele que decorre da junção do tipo (descrição do fato penalmente relevante, v.g., art. 121, caput, do CP) com o complemento da norma do art. 14, inciso II, do mesmo código. É de tal combinação que emerge o delito tentado, que tem a mesma pena do consumado, mas diminuída de um terço a dois terços (CP, art. 14, parágrafo único). Para decidir de quanto deve ser reduzida a pena – se de 1/3, de 1/2, ou de 2/3 -, o Juiz deverá analisar até onde foi realizada a conduta típica, ou seja, até que momento o iter criminis chegou, sendo que, quanto maior a proximidade da consumação, menor deverá ser a diminuição da pena.

4.3.6 Tipicidade

Tipicidade é a adequação da conduta concretizada ao tipo (teoria finalista). Não obstante, a teoria social inseriu um elemento na tipicidade, qual seja, a reprovabilidade social. Daí, para que haja tipicidade, não basta que a conduta concretizada se adeque à descrição contida na lei criminal. É necessário, ainda, que a conduta seja socialmente reprovável. A lei será apenas um indício da ocorrência de crime, tendo em vista que a ela deve ser acrescentado um elemento normativo,[244] que é a adequação social.

Pareto dizia que a sociedade é cíclica, o que se torna evidente neste estudo – embora não concordemos com todo seu pessimismo – conforme já expusemos anteriormente. Com efeito, o que Welzel chamou de adequação social, hoje é visto como sendo princípio da confiança. Vejamos os exemplos: imagine-se a punição de Tício, que trafegando dentro do limite de velocidade de segurança, continua na mesma velocidade em uma via de trânsito rápido e venha a colidir com algum veículo que desavisadamente adentra na via sem observar a sinalização de respeito à preferência de Tício. Do mesmo modo, imagine-se a punição de Ticiana, mulher recatada, que pagou para que furassem, nos primeiros dias, as orelhas de sua filha. Em nenhum dos dois casos seria racional pensar na punição, tendo em vista que no primeiro havia o resguardo da lei e no segundo da adequação social, repercutindo diretamente na confiança das pessoas. Destarte, a adequação social e a confiança, embora existam pessoas que falem em diferenças ontológicas ou cognitivas, verificamos que tendem ao mesmo sentido.

4.3.6.2 Retorno aos elementos e espécies de tipo

Retorno aos elementos e espécies de tipo é um subtítulo que extrai do fato de o assunto ter iniciado na seção 3.4.4, local em que tratei de algumas espécies e dos elementos do tipo, estando agora a complementar o estudo.

Da norma incriminadora emerge o tipo incriminador, assim como das normas explicativa e permissiva, emergem os tipos explicativos e tipos permissivos. Como só se pode ver norma incriminadora, só a tipo incriminador, as outras espécies referidas só servem para concurso público.

O tipo normal contém apenas elementos objetivos. Tal espécie, do ponto de vista teórico inexiste, mas os manuais informam que o art. 121, caput, do CP, encerra tipo normal.[245] Este é denominado de tipo fechado, sendo que o tipo incriminador, quanto mais fechado, melhor representa a necessária garantia que o DCrim deve oferecer.

Diz-se tipo aberto o que contém elemento normativo ou subjetivo (é o tipo anormal). Neste curso, nega-se a existência de tipo normal, haja vista que todo tipo, pela sempre necessária apreciação do dolo, ou da negligência, conforme o caso, será sempre anormal (aberto).

Nega-se neste curso a distinção entre tipo objetivo e tipo subjetivo, por entender que ela não apresenta o mínimo de rigor técnico. O tipo objetivo seria a parte do tipo criminal, referente unicamente aos elementos objetivos, aqueles que não dizem respeito à vontade do agente, enquanto o tipo subjetivo é aquele ligado à vontade do sujeito, podendo ela estar implícita, como ocorre com o dolo. Sendo o tipo a descrição do fato, não se pode pretender agora dizer que ele contém duas partes, uma objetiva e outra subjetiva, até porque alguns crimes não têm elemento subjetivo (dolo), mas normativo (negligência em sentido estrito).

Dizer que o tipo objetivo traz os elementos objetivos para caracterização do crime e que o tipo subjetivo encerra o elemento subjetivo necessário à tipicidade, constitui estudo desnecessário. Ademais, a distinção não traz o tipo normativo, sendo, portanto, incompleta (se fosse para manter a distinção dever-se-ia acrescentar o tipo normativo, que se referiria à negligência em sentido estrito). Tipo, é a descrição do fato proibido, que deve constar de uma lei, podendo até ter seu sentido complementado por outras espécies de norma jurídica. Desse modo, o que se vem a denominar de tipo objetivo e tipo subjetivo, deve ser enfrentado no plano da conduta, ou seja, quais são os elementos objetivos, subjetivos e normativos que demonstrarão a realização da conduta jurídico-criminal, o que terá reflexo no campo da tipicidade.

Deve-se negar, também, por ser gratuita e sem qualquer utilidade (além de desvirtuar a técnica), a distinção entre tipo formal e tipo material. O primeiro seria o próprio dispositivo legal, enquanto o segundo seria o conteúdo de referido dispositivo. Ocorre que essa distinção inócua se refere ao próprio conceito de crime (que pode ser formal ou material). O conceito formal de crime não está em um dispositivo legal, mas no sistema dinâmico de normas jurídicas, que, nem sempre, está contido em um único dispositivo legal.

Uma das maiores preocupações que acompanhará todo desenvolvimento deste curso será com a cientificidade do conhecimento jurídico, o que permite refutar palavras e classificações vãs, até porque o conhecimento científico exige linguagem técnica. Destarte, se neste curso o conceito de crime está a exigir elementos normativos, a palavra tipo tem sentido restrito, qual seja, o enunciado legal que permite iniciar a investigação sobre a conduta proibida, estabelecendo o sentido e o alcance de tal dispositivo.

Fala-se, ainda, em tipo básico, que a composição fundamental do crime (contida normalmente na cabeça do artigo), e tipo derivado, que é constituído por circunstâncias especiais que envolvem a prática do delito, tais o privilégio e as qualificadoras que influem na dosimetria da pena.

A classificação em tipo simples e tipo composto põe em relevo o núcleo do tipo. Este pode ser simples (apresenta um único verbo, uma única conduta proibida, v.g., art. 121 do CP) ou composto (também denominado tipo misto, apresenta mais de um verbo, ou seja, mais de uma conduta típica, v.g., art. 122 do CP). O núcleo composto pode ser alternativo, complexo ou cumulativo. Do mesmo modo, o tipo será composto alternativo se apresentar mais de uma conduta típica, caracterizando o tipo a prática de qualquer delas (caracteriza o crime do art. 122 do CP, induzir, instigar ou auxiliar). Tratar-se-á de tipo composto complexo quando sua caracterização exigir mais de uma conduta, o que se dará sempre que houver crime complexo em sentido estrito (o crime de roubo praticado mediante ameaça exige mais de uma conduta para sua caracterização, quais sejam, subtrair e ameaçar – CP, art. 157, caput). Já o tipo cumulativo é aquele que o tipo apresenta mais de um núcleo, sendo que a prática de condutas diversas provocará penas diferentes, segundo a regra do concurso material (o art. 208 do CP prevê que escarnecer de alguém; impedir ou perturbar cerimônia; e vilipendiar objeto; constituem crimes, sendo que a prática de todas as condutas permitirá a imposição de três penas.

O tipo de injusto constituiria o tipo representado por toda parte objetiva do delito. É indevida a referência a tal espécie de tipo porque, em ultima ratio, criar-se-ia a necessidade de se fazer o acoplamento de artigos e, com isso, perder o estudo sistemático do delito.

A adoção do conceito tripartido de crime permitiria falar em tipo indiciário, haja vista que a realização do fato típico constituiria indício de ilicitude. O professor Juarez Tavarez, adequadamente, critica a denominação. Ele diz que não se trata de indício de ilicitude, mas de uma etapa metodológica.[246] À sua crítica, soma-se a seguinte observação: não se trata de tipo, mas de um fato concretizado, que indica possível ilicitude. Desse modo, trata-se de fato típico, não de tipo.

Finalmente, distingue-se tipo congruente de tipo incongruente. O primeiro é aquele que se realiza o tipo objetivo no mesmo plano do tipo subjetivo, v.g., homicídio, em que a pessoa extingue a vida desejando matar. De outro modo, o tipo incongruente se caracteriza pela inexistência de coincidência entre o tipo objetivo e o tipo subjetivo, v.g., na extorsão mediante sequestro, o agente priva da liberdade, e às vezes mata, objetivando vantagem patrimonial. Observe-se que o crime se consuma com a simples privação da liberdade, continuando a ser classificado como crime contra o patrimônio.

4.3.6.3 Problemas decorrentes da adoção da adequação social

A teoria social é criticada porque ela gera a possibilidade de arbítrios, uma vez que o julgador terá ampla margem de opção entre o que é crime e o que não é, tudo com fundamento em uma adequação social, que não é precisa. De qualquer modo, a teoria social tem ganhado espaço na doutrina criminal a cada dia. Aliás, não é demais lembrar que a imputação objetiva decorre de uma nova visão sistêmica do direito, para a qual ele não é mais um sistema de normas e sim um sistema que se (re)constrói a partir da observação dos diversos sistemas da sociedade complexa.

É importante destacar que nem toda conduta praticada frequentemente no meio social é adequada. Conduta socialmente adequada é aquela que a sociedade não recrimina. Desse modo, v.g., não é por ser comum a corrupção de governantes brasileiros, que ela se transforma em socialmente adequada.

Pedro Afonso-TO é uma cidade pequena. Lá, até 1980, não havia televisão e para chegar na cidade, era preciso necessariamente atravessar de barco. Assim, os conceitos sociais naquela cidade eram muito diferentes de Goiânia, então capital do Estado, eis que era uma cidade do Estado de Goiás. Dessa forma, a mulher traída, necessariamente, tinha que perdoar, enquanto que o homem traído era praticamente obrigado pela sociedade a matar (ou a mulher, ou aquele que saiu com ela – melhor seria matar ambos), pois se não matasse ele estaria fadado a viver com a desonra, não sendo bem aceito na sociedade. Aliás, não se olvide que a origem do adjetivo corno, dado ao homem traído, nasceu na idade média, quando aquele que perdoasse a mulher infiel era obrigado a usar, por certo período, uma guirlanda com senha de cornos, ou seja, o homem era praticamente obrigado a punir com a morte a mulher adúltera.[247]

No passado, pessoas que praticavam tais condutas diziam que não teriam praticado crime porque agiriam em legítima defesa da honra. Hoje, diante da teoria social, o enfoque seria diferente, dir-se-ia que não houve sequer fato típico, haja vista que a conduta, naquele local, não seria socialmente reprovável. Assim, mais importante que a reprovação da lei criminal, seria a reprovação social.

O que seria socialmente adequado? Aquilo que a sociedade não recrimina? Por mais estranho que pareça, não podemos concordar com a resposta positiva à segunda pergunta, tendo em vista que conforme ensinava Rousseau a vontade do povo pode ser corrompida.[248]

Conversando com um amigo, um Excelente Juiz, o convenci da imprecisão da teoria social, senão vejamos: um militar da PMSP, o homem do livro “Rota 66”:[249] em 1985 se elegeu Deputado Estadual em São Paulo; continuou integrando a “bancada da bala” até 2010, quando não foi reeleito. Mas, em 2012, foi eleito Vereador da Câmara Municipal de São Paulo, posição que mantém até hoje (10.5.2017).

Da mesma forma, sempre se fez parlamentar um radialista que defendeu a pena de morte. Pior, um Deputado Federal que foi Capitão do Exército Brasileiro, se elegeu (e reelegeu) unicamente porque foi acusado de crime militar. Hoje, o parlamentar é presidenciável declarado.

Todos os fatos mencionados são verdadeiros, sendo notórios, não dependendo, portanto, de provas. Eles demonstram, pela sua notoriedade, o quanto os brasileiros se importam com a ordem jurídica e, principalmente, à censura que o povo dá ao extermínio de humanos que, sem o devido processo legal, são executados nas ruas, como animais expostos à ridícula caça de supostos justiceiros.

Em Brasília, há um Procurador da República, que nos autos de um processo em que pedia a quebra do sigilo bancário de uma mulher, inseriu o número do CPF (Cadastro de Pessoa Física) de um inimigo dele, depois alegou a ocorrência de erro material.[250] O pior é que o povo – composto por Juízes, Procuradores, Promotores de Justiça, etc. – não consegue perceber que uma conduta sórdida como essa constitui crime, isso porque a vontade popular encontra-se fatalmente afetada, permitindo a violação aos direitos individuais fundamentais, como se houvesse licitude na conduta.

O exposto demonstra que a adequação social é importante, mas deve ser vista com reservas pelo aplicador do Direito, tendo em vista que nem tudo que é admitido como sendo lícito pela sociedade é digno de aplausos por aquele que não vê apaixonadamente as coisas. O conhecimento científico, conforme exposto, é mais amplo que o empírico, não subsistindo qualquer motivo para admitirmos como plenamente válida a cultura popular. Ademais, um Direito funcional decorre da comunicação dos vários (sub)sistemas da sociedade complexa, não apenas do (sub)sistema social.

4.3.6.5 Tipicidade conglobante

Ainda no campo da tipicidade, não pode deixar de ser comentada a doutrina de Zaffaroni que cria a teoria da tipicidade conglobante. Vejamos a seguir as principais diferenças e congruências existentes entre sua teoria e a imputação objetiva.

Partindo da noção de que não pode constituir fato típico obedecer a lei, o autor argentino distingue tipicidade penal, tipicidade legal e tipicidade conglobante. Estas são conceitualmente diferentes. De acordo com sua teoria, tipicidade penal é gênero, que comporta duas espécies cumulativas: tipicidade legal e tipicidade conglobante.

A tipicidade legal é aquela traduzida pela adequação do fato concretizado à lei, enquanto tipicidade conglobante é a contrariedade ao direito. Dessa forma, se um oficial de justiça, cumprindo determinação contida em um mandado de busca e apreensão, invade uma casa e subtrai dali um forno micro-ondas, não haverá tipicidade conglobante porque ele estará cumprindo a lei. Na verdade, ante tal instituto, ficou esvaziada a excludente de ilicitude do estrito cumprimento do dever legal (art. 23, inciso III, do CP), uma vez que todo aquele que cumpre seu dever legal, estará fazendo exatamente o que lei manda.[251]

Diante da nova teoria, é necessário distinguir autorização para praticar o ato (excludente de ilicitude), de obrigação legal de o executar (excludente da tipicidade penal). Assim, se alguém mata em legítima defesa, não estará obrigado a fazê-lo, portanto, atuará com excludente de ilicitude. De outro modo, como tipicidade penal (TP) é junção da tipicidade legal (TL) com a tipicidade conglobante (TC), a ausência de qualquer delas excluirá, não a ilicitude, mas a própria tipicidade, como é o caso do Oficial de Justiça que pratica ato com tipicidade legal (art. 155 do CP), ao subtrair um carro da casa de um devedor inadimplente, mas cumprindo mandado judicial. Destarte, ratificamos, no caso, faltará tipicidade conglobante. Consequentemente, não haverá tipicidade penal.

O princípio da adequação social, desde que foi concebido, se apresenta como um corretivo à tipicidade legal. No entanto, Zaffaroni diz que esta é uma solução asséptica que desemboca em um formalismo estéril. Para ele a tipicidade conglobante “não é – como a teoria da adequação social da conduta” – uma concepção corretiva proveniente da ética social material, e sim uma concepção normativa”.[252] Porém, o autor não esclarece duas possibilidades que podem emergir da adequação social:

Ø a adequação social obriga a pessoa a se conduzir de determinada maneira, mesmo que se afete a tipicidade legal, que constituirá hipótese de atipicidade penal, por faltar tipicidade conglobante;

Ø a adequação social autoriza a pessoa a se conduzir de determinada maneira, mas não a compele a atuar afetando a tipicidade legal. Nesse caso, haverá tipicidade penal, eis que estará presente a tipicidade conglobante. Desse modo, eventual inocorrência de crime deverá ser tratada no campo da ilicitude ou da culpabilidade, em face de alguma excludente.

A posição de Zaffaroni, acerca da tipicidade da conglobante, ao nosso ver é confusa, não merecendo acolhimento. Com efeito, ele insere o consentimento do ofendido dentre as causas de excludentes de tipicidade conglobante, bem como as intervenções cirúrgicas, as práticas perigosas fomentadas e as lesões desportivas. Ao ampliar as hipóteses de atipicidade conglobante o autor acaba destruindo a distinção que ele mesmo diz ser necessária, no sentido de que fazer o que a lei autoriza (excludente de ilicitude) não pode ser o mesmo sentido de fazer o que a lei manda (atipicidade conglobante). Desse modo, é melhor nos mantermos fiéis à teoria social (mas com os cuidados para os quais alertamos) do que falarmos em uma tal tipicidade conglobante.

A imputação objetiva adota critério semelhante ao da teoria social, ou seja, sempre que a conduta for socialmente adequada não há tipicidade, ou seja, não há crime. Essa conclusão, decorre logicamente do funcionalismo, que tem uma perspectiva de um Direito que é dado pela comunicação dos diversos (sub)sistesmas da sociedade.

Tanto a teoria da imputação objetiva, quanto a da tipicidade conglobante, fascinaram alguns “operadores do Direito” porque assim poder-se-ia deixar de levar aos tribunais certos casos que evidentemente não constituíam crimes. Na verdade, suposta vantagem parte da equivocada premissa de que a comprovação do fato típico obriga a instauração do processo, ou seja, o Ministério Público deve denunciar e o Juiz deve receber a denúncia, sendo que quaisquer discussões em torno de excludentes de ilicitude e de culpabilidade devem ser reservadas ao curso do processo. Aqui é oportuna a sábia lição de Afrânio Silva Jardim:

Aqui nos parece residir o equívoco maior, pois a divisão da infração penal em elementos ou requisitos tem uma finalidade meramente metodológica na ciência penal. O crime é um todo indivisível e o Estado somente poderá, processualmente, ver acolhida a sua pretensão punitiva se provar que o réu praticou uma conduta típica, ilícita e culpável, vale dizer, este „todo indivisível‟. Qualquer presunção, neste particular, somente pode ser reconhecida se estiver determinada na lei, o que não ocorre no direito dos povos cultos.[253]

O exposto me autoriza dizer inócua a teoria desenvolvida por Zaffaroni. Mais ainda, por incluir o fazer o que a lei autoriza, como excludente da tipicidade conglobante, ele tornou sua teoria confusa, ou melhor, a destruiu.

4.3.6.6 Princípio da insignificância

Merece destaque o princípio da insignificância, pelo qual, entende-se que o fato concretizado, não se adequa ao tipo por inexistir lesão ao bem jurídico.[254] Entender que o princípio da insignificância exclui a ilicitude é incoerente, pois se o fato concretizado traz uma lesão tão pequena ao objeto jurídico, a ponto de não ter relevância para o DCrim, não há como falar em tipicidade. No entanto, fala-se em crime de bagatela, que é aquele em que, em face do princípio da insignificância, o fato, embora típico, não é ilícito.

Entendemos que o princípio da insignificância exclui a própria tipicidade, isso porque o DCrim “não deve se preocupar com bagatelas, do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico”.[255]

O princípio da ofensividade, vem a reforçar a idéia de que só pode ser considerado típico o fato que concretamente lesiona ou ameaça o bem jurídico tutelado.[256] Tal princípio, conforme exposto anteriormente, traduz que nullum crimen sine iniuria, ou seja, só haverá crime se houver ofensa à norma (análise formal do fato) e ao bem jurídico tutelado (análise material do fato). No mesmo sentido, Claus Roxin entende que o DCrim é subsidiário,[257] ou seja, só pode se fazer presente se houver um fato efetivamente grave, devendo se afastar quando não for possível a solução por meio da aplicação de regras de outros ramos do Direito. Assim, mesmo não sendo a tipicidade afetada diretamente pela imputação objetiva, com ela tem relação, visto que sua nova concepção converge para o funcionalismo, no sentido de que a análise dos fatos criminais deve ser sistêmica (enfocando os diversos sistemas que integram a sociedade) e com o exame global de injusto.

O princípio da insignificância, em uma visão mais tradicional, afeta à tipicidade, haja vista que o “resultado de que depende a existência do crime” (CP, art. 13), não restará demonstrado. Assim, o fato realizado não se adequará ao tipo, excluindo a tipicidade. No entanto, não se pode confundir a insignificância jurídico-criminal com menor potencial ofensivo.[258]

Juarez Tavares, um dos poucos dentre grandes criminalistas vivos nacionais, sustentou que a norma não exprime o interesse geral, cuja simbolização aparece como justificativa do princípio representativo, passando a significar, muitas vezes, simples manifestação de interesses partidários, sem qualquer vínculo com a real necessidade da nação.[259] Sua posição é consentânea com a ideia de que verificamos verdadeira alopoiese em nosso sistema normativo.

4.3.6.7 Modificação e realização do resultado

Como a lei consagra, em alguns tipos, o resultado, tornando obrigatória sua ocorrência, só se verificará a consumação depois da produção do resultado previsto. Consequentemente, a imputação objetiva não pode ser aplicada em determinadas espécies, pois, às vezes, incrementar o risco é insuficiente para a caracterização do resultado exigido por lei. Há uma posição minoritária na doutrina estrangeira, no sentido de que a simples modificação do resultado é suficiente para que se considere como realizado o resultado.[260]

A existência de um bem juridicamente tutelado pressupõe a existência de uma norma. Desse modo, para se imputar determinado resultado (ou risco) a um agente (ou omitente), é necessário que ele esteja nela previsto. Para melhor compreensão, analisemos o art. 271 do CP:

Corrupção ou poluição de água potável

Art. 271 Corromper ou poluir água potável, de uso comum ou particular, tornando-a imprestável para consumo ou nocivo à saúde:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

culposa

Parágrafo único. Se o crime é culposo:

Pena – detenção, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano.

Interessa-nos principalmente o caput, visto que se inexistisse o parágrafo único, o agente não poderia ser responsabilizado pela conduta culposa, tendo em vista que prevaleceria o art. 18, parágrafo único, do CP, ou seja, só poderia ser considerada delituosa a conduta dolosa, uma vez que a conduta culposa só pode ser responsabilizada criminalmente de forma excepcional. Desse modo, exige expressa previsão legal.

Voltemo-nos ao caput, visto que ele descreve a conduta típica. Um fato só pode ser imputado ao agente se ele poluir ou corromper água potável, tornando-a imprestável o consumo, visto que esta é a previsão legal. Imagine-se que uma pessoa jogue dejetos no Rio Tietê, dentro da Região do Município de São Paulo. Ali, a água já está poluída, bem como corrompida. Mais, não se presta ao consumo. Desse modo, a conduta será atípica. Não obstante, com base na teoria do incremento do risco, poderíamos dizer que a conduta do agente seria criminosa, visto que teria distanciado mais ainda a água da sua propriedade ao consumo, ou seja, teria modificado seu estado, tornando-a mais imprestável.

Ao estudarmos a relação de causalidade, verificamos que determinados delitos dependem do resultado para se completarem. Tais delitos são denominados de materiais. O art. 271 do CP pertence a tal classe, razão pela qual não pode ser considerada a simples modificação do resultado, uma vez que o núcleo do tipo é corromper.

Ante o princípio da legalidade, a ideia de incremento do risco se esvazia, tornando-se inconstitucional entender que a conduta constitui fato penalmente relevante. Com efeito, considerando a posição de Jakobs chegamos à conclusão de que o responsável pelo fato jurídico-penal é o detentor do rol de obrigações, não interessando o resultado. Porém, como o art. 271 do CP exige “corromper”, ou seja, tornar aquilo que é puro em impuro.

Duas correntes filosóficas hodiernas influenciam a novel concepção do crime, segundo os postulados da imputação objetiva. Uma, a Jakobs, o percebe de modo avalorativo, levando em consideração unicamente o rol de obrigações de cada um dos participantes (autor, vítima, terceiro predispostamente interessado ou ocasional) do cenário considerado delitivo, o que dá maior relevo à conduta objetivamente considerada. De outro modo, a concepção de Roxin é mais confusa, eis que prestigia valores, obrigando o intérprete a verificar a política criminal instalada, a fim de perceber quando é suficiente a conduta que gera o risco proibido, ou quando este risco, para produzir efeitos jurídico-penais relevantes depende da produção de determinado resultado.

Mesmo em Jakobs vamos encontrar fundamentos para negar a equivalência da modificação do resultado com a produção do resultado, visto que o fato jurídico-penal é imputado a quem viola seu rol de obrigações. Inicialmente, o fato jurídico-penal deve ser visto como aquele descrito na norma penal. Depois, deve-se se deduzir logicamente que se se a norma exigir a produção do resultado, não basta sua modificação. Finalmente, a obrigação do rol é negativa – não produzir o resultado previsto, eis que a sua produção complementará o delito -, sendo que a violação do dever imposto por lei se caracterizará pela produção do resultado, não apenas pela sua modificação.

O crime do art. 271 do CP é formal, mas isso não quer dizer que a sua consumação ocorra pela simples modificação do resultado. É necessário que a conduta potencialmente seja capaz de tornar a água imprestável para o consumo.

4.3.7 Últimas considerações acerca do fato típico

Estudada a relação de causalidade e delineada a análise do resultado, parece coerente procurar compreender a imputação objetiva ante esses dois elementos do fato típico, mas sem verificar grandes avanços.

Ao estudo que propomos, a principal inovação seria a adoção da teoria do incremento do risco, tendente a abandonar o causalismo e abraçar a tese da “atribuição objetiva do resultado” pela qual “a atribuição do tipo objetivo consiste na atribuição do resultado de lesão do bem jurídico ao autor, como obra dele”.[261]

Por essa teoria, nos cursos causais hipotéticos (desvios nos desdobramentos causais em que o resultado ocorreria, mesmo quando retirada alguma das condutas), não há isenção da responsabilidade do autor pelo resultado, pois, na falta do autor real, um autor substituto teria ocupado seu lugar, verbi gratia, aquele que se antecipa ao carrasco e mata a tiros um homem que estava no momento da morte em cadeira elétrica. No entanto, conforme exposto anteriormente, esse problema seria resolvido se adotássemos o critério da eliminação global, sendo dispensável a nova teoria para sua solução. Ademais, se o objetivo é uma atenção à “justiça do caso concreto” – nas palavras do próprio Roxin – a análise dos fatos deve ser casuística, bastando unicamente abrandar o rigor metodológico do estudo sistemático do delito.

Mesmo considerada a análise sistemática do delito, não podemos isolar um elemento do delito de tal maneira a não admitir a intervenção de uma outra parte naquela em observação. Tal realidade se dá em outros campos do conhecimento, nos quais verificamos que há relativa intervenção de determinado elemento em outro. Aliás, sobre a interdependência dos diversos conhecimentos sectários científicos, já expusemos anteriormente, sendo despiciendo nos delongarmos nesse momento, bastando apenas ratificamos que verificada a insuficiência relação de causalidade para a apreciação do caso concreto, partindo do critério da eliminação global, o estudo deve ser complementado pela análise do elemento subjetivo do autor, bem como da ilicitude material.

De outro modo, não se atribui objetivamente o resultado na hipótese de ausência do risco do resultado, que inclui as situações em que o autor não cria risco do resultado, ou reduz o risco preexistente de resultado. Exemplos: a) Tício vendo um que objeto pesado cairia sobre a cabeça de Caio, desvia o objeto, machucando o ombro de Caio; b) um bombeiro lança uma criança pela janela lesionando-a gravemente para salvar-lhe a vida.[262] No entanto, tais questões já estão superadas pelo estudo do estado de necessidade.

4.3.7.1 Atribuição objetiva do resultado

Não se pode sustentar que havendo o fato típico deve a pessoa suportar a ação penal e no curso dela provar a inexistência de ilicitude. O velho Código de Processo Penal, em seu art. 43, preceituava que o Juiz deve rejeitar a denúncia, ou a queixa, se não estiverem presentes as condições da ação (com a reforma de 2008, o mencionado artigo foi revogado, mas foi inserida semelhante disposição no art. 395 do mesmo código).

Não constituindo o fato crime, pedir condenação por ele, é formular pedido juridicamente impossível, portanto, com espeque no inciso I do artigo nupercitado, deve o Juiz rejeitar a denúncia ou a queixa que versar sobre casos em que é evidente a excludente de ilicitude.

Finalmente, surge a ideia de que o “resultado não é atribuído se não constitui realização do risco criado pelo autor, embora relacionado causalmente com este”.[263] Aqui, voltam as imprecisões verificadas nas teorias causalistas. Ora, se a nova teoria pretendia extinguir as imprecisões das teorias causalistas, nada conseguiu, uma vez que nas hipóteses de “substituição de um risco por outro”, bem nas de “contribuição da vítima para o resultado”, a dúvida permanece. Vejamos: Tício atira em Caio e este vem a morrer devido a erro médico. Nesse caso, deve-se analisar o caso concreto para verificar se o resultado é produto exclusivo do risco posterior (conduta médica), o que desloca o risco anterior. Em síntese, a solução será casuística, conforme propomos no estudo da relação de casualidade, pois os casos deverão ser analisados particularizadamente.

4.3.7.2 Política criminal – primeira parte: crimes complexos e crimes conexos e os princípios da subsidiariedade, da consunção e da alternatividade

A lei, às vezes, procede à unificação de crimes, o que constituirá o denominado crime complexo. Tal espécie de delito é aquele cuja descrição legal contém mais de uma conduta que, por si só, constitui crime. Assim, a pessoa só será submetida a uma pena, não pela a incidência em 2 ou 3 tipos criminais.

Imagine-se que uma pessoa adulta pratique roubo a uma criança, mediante grave ameaça de “quebra-la na porrada” (art. 157, caput, do CP). Ela sofrerá somente a pena prevista para o delito, que será de 4 a 10 anos, eis que seria um contrassenso puni-la por roubo (CP, art. 157, caput), furto (CP, art. 155) e ameaça (CP, art. 147). Aliás, o princípio ne[non] bis in idem veda tornar possível a tal cumulação de penas, uma vez que a descrição do roubo inclui em si os outros delitos. Ademais, o próprio princípio da especialidade poderia nos conduzir à superação do problema.

O concurso de crimes, ou seja, as hipóteses em que os crimes são materialmente conexos, mas considerados como a pluralidade que efetivamente constituem deve ser objeto de estudo na parte relativa à teoria da pena. A nossa preocupação ficará adstrita, neste momento, às hipóteses em que, mesmo praticando mais de um crime, o autor tem em seu favor a imposição de uma única pena, sem qualquer exasperação da pena cominada ao delito mais grave.

O princípio da subsidiariedade enuncia que a prática de dois crimes com o mesmo objeto jurídico, sendo o primeiro caminho necessário para a prática do segundo, provocará a imposição de uma única pena, a do crime mais grave, v.g., uma pessoa que, com necandi animus, desferir disparo de arma de fogo em outra matando-a, terá praticado dois crimes (arts. 121 e 132 do CP). Ambos têm o mesmo objeto jurídico, ou seja, a vida. Também, não haverá como praticar homicídio sem causar risco à vida, ou seja, o crime do art. 132 do CP, que é subsidiário. Daí a regra contida expressa do art. 132, no sentido que a pena só será imposta “se o fato não constitui crime mais grave”.

Entendemos inadequada a expressão transcrita porque a lei não deve conter palavras vãs. É óbvia a regra da absorção do delito mais leve pelo mais grave quando este for impossível sem a realização daquele, mormente quando ambos têm o mesmo objeto jurídico. Desse modo, podemos afirmar que, estando presentes os requisitos para o reconhecimento do princípio da subsidiariedade o Juiz deverá aplicar a regra da absorção.

O princípio da consunção se caracteriza pela tentativa de se imprimir maior humanidade à “justiça do caso concreto”. Por tal princípio, diante do fato concretizado, o julgador deverá verificar se o crime-meio, naquele caso, era necessário à consecução do delito-fim, não interessando se eles terão o mesmo objeto jurídico.

O princípio da consunção é mais amplo, visto que não exigirá que os crimes tenham o mesmo objeto jurídico (embora possam ter), nem que o crime-meio seja essencial para a realização do crime-fim em quaisquer circunstâncias, bastando que, na hipótese sob análise o crime meio tenha sido essencial. Só para exemplificar, imagine-se que um homem mate uma mulher que sabe estar grávida há seis semanas, o que constituirá dois delitos – homicídio (CP, art. 121) e aborto (CP, art. 125). Não será hipótese de aplicação do princípio da subsidiariedade, mas o Juiz poderá aplicar o princípio da consunção. No caso, os dois delitos terão o mesmo objeto jurídico – vida -, mas o homicídio, em tese, poderá ser alcançado sem o abortamento. No entanto, na hipótese, o aborto será meio necessário para alcançar o homicídio, o que autorizará o reconhecimento do princípio da consunção.

Enquanto o princípio da subsidiariedade provocará necessariamente a absorção do crime mais brando pelo mais grave, o princípio da consunção, como decorrerá de política criminal, dependerá exclusivamente da vontade judicial, pois o Juiz será quem efetivamente estabelecerá, ao menos na prática, a política criminal, tendo a faculdade para dizer se será, ou não, o caso de aplicação do princípio da consunção.

A conexão material de crimes poderá ser:

(a) teleológica – um crime será praticado como meio para se alcançar um crime fim, v.g., um homem sequestrar uma mulher para estuprá-la em seguida (CP, arts. 148, § 1º, inc. V, e 213);

(b) causal – um crime será praticado apenas porque outro lhe antecederá, ou seja, o primeiro será causa do segundo, por exemplo, um homem matará uma pessoa porque esta o verá praticando tráfico de psicotrópico ilícito (CP, art. 121, § 2º, inciso IV e Lei n. 11.343, de 23.8.2006, art. 33, caput);

(c) ocasional – a simples circunstância criará o nexo entre os delitos, v.g., um homem, desejando matar outro desferirá tiro que transfixiará a cabeça da vítima, matando também uma mulher que está próxima;

(d) legal – ao estudarmos o crime continuado (art. 71 do CP), verificamos que a adoção da teoria objetiva impõe o reconhecimento da continuidade delitiva só pelo preenchimento de requisitos legais, o que me levaa a afirmar que é uma conexã imposta pela lei para o reconhecimento de uma ficção jurídica, que é o crime continuado.

A conexão ocasional, normalmente, induzirá ao concurso formal ideal de crimes, mas poderá gerar outra espécie de concurso de crimes, conforme deverá ser estudado no momento oportuno. Outrossim, a conexão causal, em regra provocará a imposição de duas penas, considerando-se, inclusive, o delito consequente da causa, mais grave, visto que, em regra, será praticado para assegurar impunidade ou vantagem do delito anterior, remontando a torpeza.

A conexão teleológica, se não constituir hipótese de aplicação do princípio da subsidiariedade poderá ensejar o princípio da consunção, mas a aplicação deste princípio decorrerá da política criminal a ser estabelecida pelo Poder Judiciário, tornando-a variável e insegura.

Poderá ocorrer de um homem pegar uma arma em sua casa – da qual tem a posse legal – para matar outrem, realizando seu desiderato. Nesse caso, o porte da arma ofenderá a incolumidade pública (Lei n. 10.826/2003, art. 14) e o homicídio atingirá a vida (CP, art. 121), não sendo possível falar em aplicação do princípio da subsidiariedade. Não obstante, será plenamente aceitável a aplicação do princípio da consunção, ficando o delito menor absorvido pelo maior.

Existe crime cujo núcleo do tipo é composto alternativo, ou seja, a lei fará a previsão de várias condutas, mas se contentará com uma delas para configuração do delito, v.g., art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 (tráfico ilícito de psicotrópico). Pelo princípio da alternatividade, se houver concretização de mais de uma conduta descrita no artigo de núcleo composto alternativo, o agente responderá por um único crime, o que não importará em absorção de um crime por outro.

4.3.7.3 Política criminal – segunda parte: tentativa, desistência voluntária, arrependimento eficaz, arrependimento posterior

O estudo dos problemas filosóficos, sociológicos e jurídicos do fundamento das sanções criminais é feito por uma ciência denominada Penalogia. Tal ciência tem em vista a melhor política criminal a ser adotada, a qual visará a diminuir o ânimo delituoso de eventuais autores de delitos, estabelecendo regras que terão como efeito a menor gravidade dos fatos ou a redução das sanções a serem impostas a determinados delitos, o que se dará com a inserção de benefícios.

O primeiro aspecto de política criminal está previsto no art. 14, parágrafo único do CP, que prevê uma atenuação da pena àquele que não conseguiu, mesmo contra a sua vontade, o resultado (crime tentado). Depois, outro aspecto está no art. 15, primeira parte, do CP (desistência voluntária), um instituto de política criminal que visa evitar que o agente continue em sua conduta delituosa e, consequentemente, gere resultado mais grave. Nesse sentido, dispõe o CP:

Art. 15 - O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.

Tal previsão legal atinge todos os delitos progressivos, que são aqueles que só poderão ser atingidos depois de serem praticados delitos anteriores, v.g., o homicídio é delito progressivo porque para completá-lo é necessário, no mínimo, a concretização de lesão corporal.

Imagine-se que uma pessoa, com necandi animus, saque uma arma e dispare um tiro na direção da vítima, errando o alvo, mas desista voluntariamente de continuar executando o delito. No caso, responderá por disparo de arma de fogo apenas. Caso o autor tivesse atingido a vítima, provocando-lhe lesões, responderia por estas.

Crítica aparentemente chula que deve ser feita concerne ao delito de estupro. A “lei hedionda” (Lei n. 8.072/1990) equiparou o estupro (CP, art. 213) ao atentado violento ao pudor (CP, art. 214), ou seja, ambos têm penas que variam de 6 a 10 anos (alterações legislativas posteriores tornaram o atentado violento ao pudor modalidade de estupro).

O crime de estupro era um delito progressivo, ou seja, não havia como alcançá-lo sem passar pelo atentado violento ao pudor, visto que aquele exigia a conjunção carnal (penetração do pênis na vagina, não constituindo estupro o coito vulvar), enquanto o atentado violento ao pudor se concretizava com qualquer ato libidinoso diverso de conjunção carnal (v.g., coito vulvar). Ora, como era necessário, no mínimo, o coito vulvar para se alcançar a conjunção carnal, não havia estupro sem atentado violento ao pudor.

A Lei n. 12.015/2009 reuniu os dois crimes em um único e criou maiores desproporções do que a simples unificação das penas. No entanto, imagine-se que um homem, após tocar em partes pudendas da vítima, desista do seu desiderato. Qual será a solução jurídica?

No exemplo dado, ele sofrerá a mesma pena do estupro, ou seja, de 6 a 10 anos. Assim, o aspecto de política criminal do art. 15, 1ª parte, do CP foi desprezado pela Lei n. 8.072/1990, visto que, ao equiparar tais delitos, não deixou qualquer incentivo para que o agente desista de prosseguir em sua conduta delituosa.[264]

A desistência voluntária atingirá o iter criminis (iniciada a execução não se alcançará a consumação), sendo possível somente nos delitos plurissubistentes, ou seja, que admitem tentativa. Desse modo, como no delito unissubsistente é impossível falar em desistência de uma conduta antes da consumação, não há como admitir tal instituto de política criminal na referida espécie de delito.

A tentativa foi estudada anteriormente e dela difere a desistência voluntária, pois se uma pessoa disparar contra uma vítima, errando o alvo, e outros a impedirem de continuar atirando, responderá por homicídio tentado (pena: 6 a 20 anos, reduzida de 1/3 a 2/3 – CP, art. 121, caput c/c art. 14, parágrafo único), enquanto a pessoa que desistir voluntariamente da sua ação delituosa, só responderá pelos atos já praticados, ou seja, a pena será a do disparo de arma de fogo (pena: 2 a 4 anos - Lei n. 10.826, de 22.12.2003, art. 15 – absurdamente, a pena mínima poderá ser a mesma do homicídio tentado).

O arrependimento eficaz está previsto no art. 15, in fine, do CP. Ele só atinge os delitos de dano (materiais), visto que ocorre na fase de consumação. Então, é fácil de perceber a diferença entre desistência voluntária e arrependimento eficaz, visto que aquela atinge a fase da execução, enquanto o arrependimento eficaz atinge a consumação.

Desistir voluntariamente significa deixa de prosseguir no iter criminis, ou seja, iniciada a conduta típica, o autor deixa de prosseguir na ação (ou age) voluntariamente antes de reunir todos os elementos do tipo. No entanto, cumpre-nos observar que desistência voluntária não corresponde à desistência espontânea (que é aquela que nasce da própria pessoa), o que significa dizer que mesmo que outrem insista e faça com que o autor desista de prosseguir na conduta delituosa (ação ou omissão), haverá desistência voluntária.

Os delitos formais e de mera conduta admitem tentativa, mas a consumação dependerá unicamente da adequação do fato ao tipo. Desse modo, iniciada a prática de atos de consumação, esses delitos se completarão, independentemente de um resultado naturalístico. Assim, ratificamos, somente os delitos materiais serão atingidos pelo aspecto de política criminal relativo ao arrependimento eficaz. Só para ilustrar, imagine-se que um médico cirurgião se irrite com um colega desferindo golpe fatal com uma tesoura. No entanto, arrependido, logo em seguida à conduta delituosa, realiza procedimento cirúrgico necessário à sobrevivência da vítima, salvando-a. Nesse caso, ele não responderá por homicídio tentado (CP, art. 121 c/c art. 14, inc. II), mas por lesão corporal (CP, art. 129).

Imagine-se, de outro modo, que Mévio, tentando matar Semprônio, o fira na altura do abdome de modo suficiente para matar, mas que se for aplicado o tratamento adequado à vítima, certamente, sobreviverá. Não obstante, devido ao seu estado psicológico, Mévio opte por chamar uma ambulância, sendo que o motorista da ambulância, no caminho do hospital acaba por envolver-se em um acidente que resulta na morte de Semprônio, sendo a causa mortis traumatismo craniano. Nesse caso, o arrependimento não foi eficaz, portanto, Mévio responderá por homicídio tentado.

Na hipótese apresentada, caso Semprônio tivesse sobrevivido, Mévio responderia por lesão corporal, eis que seu arrependimento teria sido eficaz. Não tendo sido eficaz, ele não pode gozar do benefício de política criminal do art. 15, in fine, do CP. No entanto, Mévio não responderá pelo resultado morte porque este foi superveniente à ação delituosa e, embora sua causa seja relativamente independente, ela por si mesma provocou o resultado, rompendo o nexo causal (art. 13, § 1º do CP).

O arrependimento posterior se dá depois da execução do delito, mediante a reparação do dano, não sendo cabível nos delitos praticados mediante grave ameaça ou violência à pessoa. Essa é a posição do do CP, in verbis:

Arrependimento posterior

Art. 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.

Quanto ao iter criminis, conforme expus, existe crime: (a) instantâneo; (b) permanente; (c) continuado; (d) habitual. Tal classificação não interfere no estudo do arrependimento posterior, que poderá incidir sobre qualquer das espécies, salvo no que se refere ao crime instantâneo de efeito permanente, que não admite arrependimento posterior, uma vez que o resultado jamais poderá ser restabelecido. Na maioria dos casos, o arrependimento posterior tem cabimento nos delitos contra o patrimônio, mas somente naqueles praticados sem violência ou grave ameaça.

Para melhor esclarecermos o que foi exposto, oportuno é o seguinte exemplo: Tício adentrou na casa de Caio, mediante emprego de chave falsa, para furtar um computador portátil. Imagine-se que:

(a) Tício foi flagrado quando saia da casa da vítima, sendo preso imediatamente em flagrante, o que constituirá hipótese de furto qualificado tentado (CP, art. 155, § 4º, inc. III c/c art. 14, inc. II);

(b) Tíco, após entrar na casa, por algum motivo, desistiu do seu desiderato, concretizando, portanto, a desistência voluntária. Assim, ele só responderá pelo ato praticado, ou seja, violação de domicílio (CP, art. 150);

(c) Tício furtou o computador e, arrependido porque viu o sofrimento de Caio, devolveu-lhe o equipamento. Nesse caso, o crime se consumou (CP, art. 155, § 4º, inc. III), mas Tício poderá gozar do benefício do arrependimento posterior, com redução da pena de um a dois terços (CP, art. 16).

4.3.7.4 Política criminal – terceira parte: crime impossível

Conforme verificamos, crime é fato típico ilícito culpável, sendo que para o estudo do crime impossível é mais importante a análise do fato típico. Este é a conduta humana que se adequa ao tipo, produzindo um resultado (normativo ou naturalístico) proibido pela lei penal. Dessa forma, são elementos do fato típico: conduta; resultado; relação de causalidade; e tipicidade. Seu estudo passou por diversas transformações, na medida em que evoluímos do causalismo para o finalismo, deste para a doutrina social e, finalmente, para a imputação objetiva.

Interessa para o estudo do crime impossível a análise da tipicidade, visto que ele é aquele “crime” que, na verdade, não existiu, seja por absoluta impropriedade do objeto ou ineficácia do instrumento. Mas não é somente a tipicidade que nos interessa aqui.

São importantes os conceitos de conduta e de resultado, visto que eles estão intimamente ligados ao artigo 17 do CP, sendo que ele preceitua : “Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”.

Nos delitos de resultado (materiais), conforme expusemos, a consumação depende da produção do resultado destacado da conduta. Como a lei consagra em alguns tipos o resultado, tornando obrigatória sua ocorrência para a consumação, nesses casos, torna imperiosa a análise do crime impossível.

Como o CP se refere expressamente à “ineficácia do meio ou absoluta impropriedade do objeto”, é mister destacar que não há qualquer inconveniente em se falar em impropriedade do meio e do objeto, tendo em vista que impropriar significa “aplicar mal”,[265] sendo que a má aplicação do instrumento, seja devido à técnica, ou por incapacidade para a produção do resultado, resultará na sua ineficácia. Outrossim, aplicar um instrumento contra um objeto impróprio também é “aplicar mal”, razão pela qual não foi feita aqui a distinção entre ineficácia e impropriedade.

A impropriedade, nos termos da lei, deve ser absoluta, para ser capaz de gerar o crime impossível. Acerca de tal espécie de delito, ensina João José Leal:

...também denominado de tentativa impossível ou tentativa inidônea, ou ainda, tentativa de consumação impossível, ou “tentativa inútil”. É o exemplo de quem, querendo matar uma pessoa, utiliza-se de um revólver sem munição, ou de um revólver de brinquedo (o meio empregado é totalmente inadequado para causar a morte de uma pessoa). É também o caso de quem, querendo apenas furtar, penetra no interior de uma casa e a encontra completamente vazia, sem nenhum objeto de valor.[266]

Não gera, portanto, crime impossível a impropriedade relativa do objeto ou do meio. Assim, se uma pessoa tentar subtrair dinheiro do bolso esquerdo da calça de outra e ali não houver dinheiro algum, mas este estiver no bolso direito, entende-se que a impropriedade é relativa. Destarte, deve o agente ser punido por furto tentado.

Embora estando previsto na lei brasileira, o crime impossível não é admitido em alguns países. No CP Alemão, por exemplo, consta a possibilidade de se punir a tentativa inidônea.[267]

Cezar Roberto Bitencourt defende a teoria esposada pelo CP, que é a objetiva, pela qual a tentativa inidônea é impossível porque jamais se completaria o delito, em face da ausência de seus elementos.[268] Não obstante, somos partidários da teoria subjetiva, visto que o que é decisivo é a intenção do agente. Mais ainda, há outra teoria, a sintomática, que não deve ser desprezada, tendo em vista que o agente que tem coragem de tentar um delito impossível tem periculosidade, ou seja, apresenta sintomas relevantes ao DCrim, merecendo censura.

Na verdade, ficamos em relativo conflito porque existe a máxima nullun crimen sine iniuria, pela qual não há crime se não há ofensa ou risco concreto ao objeto jurídico tutelado.[269] Outrossim, não se pode olvidar da subsidiariedade do DCrim, bem como de seu aspecto garantista, o que se concretiza pelo princípio da intervenção mínima. Desse modo, conforme ensina Cezar Roberto Bitencourt, a teoria objetiva está em melhor consonância com a nova defesa social.[270] Porém, conforme ensina Welzel, o DCrim deve estar fundamentado em estruturas ontológico-objetivas, que só pode ser concretizado se apreciados os elementos subjetivos do autor.[271]

Por oportuno, recorde-se que o próprio código penal, em vários momentos, considera crime a simples ameaça aos objetos jurídicos tutelados. No crime impossível, poderia se dizer, não houve perigo (ameaça) ao objeto jurídico, portanto, a pena seria aplicada segundo os sintomas de periculosidade do autor. Porém, não se trata de se resgatar um DCrim de autor (baseado unicamente na periculosidade do agente), mas na própria censura do fato, verbi gratia, quem aperta o gatilho de arma desmuniciada tentando matar pratica fato censurável e sua conduta é potencialmente perigosa.

Ademais, as novas tendências do DCrim migram para a imputação objetiva do resultado e esta se dá segundo os elementos subjetivos do autor. Desse modo, continua sendo mais importante a intenção do agente, que o resultado propriamente dito. Com efeito, uma tentativa de homicídio, em que o agente tenha errado todos os disparos, descarregando sua arma, sem atingir a vítima, restando ela, portanto, ilesa, deve ser visto como mais grave que a lesão negligente que causa deficiência física ou mental permanente. Nesse sentido, nosso Código Penal, admite o perdão judicial no homicídio e na lesão corporal negligentes (arts. 121, § 5º e 129, § 8º). Porém, mesmo que não haja qualquer lesão, o homicídio tentado deve ser apenado, não sendo possível o perdão judicial.

Finalmente, cumpre lembrar que tanto pela ineficácia do meio, quanto pela impropriedade do objeto, a não obtenção do resultado, no crime impossível, só não se dá por circunstância alheia à vontade do agente. Desse modo, se suprimido o art. 17 do CP, subsistirá a tentativa prevista no art. 14, inc. II, do mesmo diploma legal, com as penas do parágrafo único de tal artigo.

4.3.7.5 Delitos: doloso, negligente, preterintencional e qualificado pelo resultado

Aqui, a preocupação é apenas a de complementar o que já se expôs, adequando um pouco a estrutura do livro aos dispositivos do Código Penal. Assim, como comentamos o crime impossível (CP, art. 17), cabível é tratarmos do dolo e da negligência, disciplinados nos arts.18 e 19 do CP.

Uma pessoa praticar uma conduta típica desejando um resultado proíbido, mas, vindo a atingir negligentemente resultado mais grave que o desejado, caracterizará o crime preterdoloso. Preterdolo é a ofensa negligente a objeto jurídico mais grave que aquele que o agente deseja atingir. Assim, no crime preterdoloso há “dolo no antecedente e negligência no consequente”, o que faz com que o resultado proíbido seja menos censurável que aquele produzido dolosamente.

Nesse sentido, o CPP prevê a responsabilidade criminal daquele que provoca o resultado além da previsão (dodo) inicial, expondo: “Art. 19 - Pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado ao menos culposamente”.

Ultimamente, são vários os defeitos legislativos, principalmente os decorrentes dos casuísmos do Estado. Em 1990 foi publicada a Lei n. 9.069, a qual instituiu a pena mínima de 15 anos de reclusão para o crime de tortura seguida de morte praticado contra criança ou adolescente (o preceito não podia ser aplicado, pois a lei não definia o que era tortura, mas é inegável que foi tentada a criação do referido crime).[272] Essa previsão era absurda, tendo em vista que a pena mínima do crime de homicídio mediante tortura continuava sendo a do art. 121, § 2o, inciso III, do CP (12 anos), a qual seria agravada, se a vítima fosse maior de quatorze anos, diante da circunstância genérica constante do art. 61, inciso II, letra h, do CP. Caso a vítima fosse menor de quatorze anos, incidiria a causa de aumento do § 4º, in fine, do art. 121, ou seja um terço, transformando a pena mínima em 16 anos.

Ressalte-se que ao homicídio contra adolescente, praticado mediante o emprego de tortura, não incide a agravante genérica decorrente de ter sido o crime praticado mediante tortura (art. 61, inciso II, letra “d”, do CP), em face do princípio ne[non] bis in idem.

A Lei n. 9.455/1997 corrigiu a distorção de outrora, tendo em vista que passou a descrever o crime de tortura seguida de morte (crime preterdoloso), cominando pena que varia de 8 a 16 anos de reclusão, pena esta que será aumentada, de 1/6 a 1/3, se a vítima for criança ou adolescente. Assim, a Lei n. 8.069/1990 foi derrogada (revogada parcialmente) pela nova lei, visto que alguns preceitos foram atingidos, sendo que a revogação do art. 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente se deu expressamente (Lei nº 9.455/1997, art. 4º). Por outro lado, para o crime de homicídio, qualificado pelo emprego de tortura, foi mantido o preceito do art. 121 do CP.

No caso de concorrência de negligências, os delitos não se compensam, ou seja, se Tício provoca lesões negligentes em Caio e vice-versa, em tese, não é possível a compensação. No entanto, como lesões corporais negligentes constituem delitos de menor potencial ofensivo, é possível a composição civil dos danos, gerando a extinção da punibilidade penal (Lei n. 9.099/1995, arts. 72-74). Mas, se tais delitos não fossem da classe dos denominados crimes de menor potencial ofensivo, ambos responderiam pelas lesões causadas no outro.

A autolesão não é crime. Assim, uma pessoa não pode ser acusada de crime lesão corporal ou homicídio praticado contra si mesma. No entanto, se a pessoa fere outra negligentemente, aquela pode exigir do Estado-Juiz a imposição de pena, sendo que, se as lesões forem recíprocas ambas poderão invocar o ius puniendi estatal.

No Direito Civil, as culpas se compensam. Assim, se Tício provoca danos a Caio e este provoca danos àquele, podem fazer a composição sobre os danos. No entanto, em matéria criminal, salvo nos denominados delitos de menor potencial ofensivo, a hipótese não é admitida.

A punição pela negligência é excepcional (CP, art. 18, parágrafo único). Desse modo, como não é a regra, toda vez que a negligência tiver relevância penal, deverá constar expressamente da norma, v.g., art. 121, § 3º do CP. Não havendo referência expressa na lei penal, a negligência não terá relevância para o DCrim, não sendo, portanto, punível.

Há uma máxima que enuncia que não há crime sem culpa (nullum crimen sine culpa), mas isso como o mínimo possível, ou seja, em matéria criminal não se admite responsabilidade objetiva, sem a demonstração de uma conduta, no mínimo, negligente. Nesse sentido, o art. 19 do CP prevê que a responsabilidade pelo resultado só será possível nos casos em que ele for causado, no mínimo, negligentemente.

Observe-se que o art. 19 do CP nos faz observar duas possibilidades:

Ø resultado mais grave foi produzido negligentemente, ou seja, o delito é preterdoloso (ou preterintencional);

Ø  resultado mais grave foi produzido negligentemente ou dolosamente, não interessando saber se ele foi produzido a título de dolo ou de negligência, a fim de definir que crime se concretizou. Nesse caso, haverá crime qualificado pelo resultado. O item n. 18 da Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do CP expressa: que “Eliminaram-se os resíduos de responsabilidade objetiva, principalmente os denominados crimes qualificados pelo resultado”, mas sem eliminar a existência de tais delitos qualificados pelo resultado.

O crime qualificado pelo resultado difere do preterdoloso porque naquele o resultado mais grave pode advir a título de dolo ou de negligência, enquanto neste último o resultado mais grave deve advir necessariamente de negligência, senão ocorrerá modificação do delito concretizado, v.g., se uma pessoa desejando provocar lesões leves na vítima negligentemente provoca-lhe lesões graves, responderá pelo crime do art. 129, § 1º do CP. Também, responderá pelo referido crime pessoa que dolosamente provocar lesões graves na vítima, ou seja, trata-se de crime qualificado pelo resultado, eis que não interessa se o resultado mais grave decorre de dolo ou de negligência. Porém, se uma pessoa tentando lesionar outra a agride, mas negligentemente vem a matá-la, cometerá o delito do art. 129, § 4º do CP, enquanto que aquele que ofende a vítima com a intenção de matar, responderá por homicídio, o que quer dizer que a lesão corporal seguida de morte é preterdolosa.

Doutrinariamente, o delito qualificado pelo resultado é aquele em que o resultado mais grave pode ser alcançado a título de dolo, de negligência, ou de simples relação de causalidade. Imagine-se, por exemplo, que um condutor de veículo está passando em seu carro em frente a um banco que está sendo roubado e que se assuste, vindo a perder a direção e atropelar alguém na calçada do outro lado da rua, provocando-lhe a morte. Considerando apenas a relação de causalidade, o ladrão deu causa à morte, devendo responder por latrocínio (CP, art. 157, § 3º, in fine). Não obstante, como é necessário, no mínimo, a demonstração da negligência, o resultado morte não pode ser imputado ao ladrão, eis que o evento morte da hipótese não chega sequer a penetrar no campo da previsibilidade objetiva do suposto homem médio.

4.3.7.6 Erro de tipo

O erro de tipo está previsto no art. 20 do CP. Aliás, tal artigo encerra um dos assuntos mais complicados do Código Penal, razão pela qual não será estudado por completo aqui. O erro sobre descriminante putativa, previsto no art. 20, § 1º do CP, é matéria afeta à culpabilidade, ao erro de proibição, portanto, será estudado no momento oportuno, quando já estiverem expostas as explicações preliminares essenciais.

Acerca do erro de tipo, o CP dispõe: “Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei”.

Adequada é a crítica de Mirabete ao caput do art. 20 do CP, visto que dizer “o erro sobre elemento constitutivo do tipo legal...”, encerra duas palavras vãs, pois todo elemento do tipo o constitui. Também, em face do princípio da reserva legal, todo tipo estará em lei em sentido estrito, portanto, legal.[273]

Caso o erro recaia sobre qualquer elemento do tipo, haverá erro de tipo. Desse modo, imagine-se que um caçador, atire em um animal, pensando não ser um humano, mas o é. Nesse caso, não haverá o dolo (necandi animus), visto que o tipo do art. 121 do CP, encerra “matar alguém”, sendo que esse “alguém” é pessoa humana. Ora, se não houve o desejo de matar uma pessoa, não houve dolo, ou seja, houve um erro essencial sobre o tipo.

O erro decorre da apreensão equivocada de algo. Assim, se o autor se equivoca e dá veneno para seu filho, pensando ser medicamento, terá agido erroneamente, sendo seu erro essencial, pois se ele conhecesse efetivamente o produto não o ministraria ao filho. Também incorre em erro de tipo quem pega mala alheia pensando ser a própria. Como o art. 155 do CP exige que a coisa seja “alheia”, também haverá erro essencial sobre o tipo, não ocorrendo o crime de furto.

O erro de tipo exclui o dolo, mas permite a punição a título de negligência. Com efeito, imagine-se que um caçador atire para matar um animal feroz, mas o alvo visado é, na verdade, uma pessoa. Nesse caso, deve-se verificar se houve negligência e se o delito admite a responsabilização pelo resultado negligente, sendo que a resposta positiva a tais indagações fará incidir a pena. De outro modo, imagine-se que negligentemente uma pessoa pegue mala alheia pensando ser a própria. No caso, não subsistirá qualquer responsabilidade penal porque o delito de furto só existe na forma dolosa.

A palavra putativo, decorre de putare (latim), significa suposição, uma pessoa supõe determinada situação certa, mas está equivocada. Consequentemente, fala-se em erro de tipo putativo, que se caracteriza pelo fato da pessoa pensar que estar praticando um crime, mas não está. Ora, o denominado erro de tipo putativo nada mais é que crime impossível. Exemplo típico de erro de tipo putativo é o consumo de medicamentos abortivos por parte de uma mulher que pensa estar grávida, mas que não está. Se ela estivesse grávida o crime existiria, mas, não estando, não terá praticado crime.

Um dos móveis do presente livro é o de tentar divulgar um DCrim sob os diversos enfoques doutrinários, sem criarmos deturpações, como as que se constata em alguns manuais pátrios. Para explicarmos a matéria, melhor é iniciarmos pelo erro terminológico vastamente utilizado, inclusive nas provas para a Magistratura, que é a distinção que Damásio faz sobre erro de tipo essencial e erro de tipo acidental.[274]

Não podemos distinguir tipo essencial de tipo acidental, visto que tal distinção é ilógica. Mas, a adoção da postura de Damásio nos leva a admitirmos erro de tipo essencial e erro de tipo acidental, que significa dizer, há tipo essencial e, também, tipo acidental, o que é incorreto, visto que o tipo penal que contém vício em sua formação será nulo, ou, no mínimo, ineficaz.

O erro essencial sobre elemento do tipo é quem retira o dolo, enquanto que o erro acidental sobre tais elementos não exclui o dolo. Tais erros estão no agente e não no tipo. O tipo, não é demais ratificar, será sempre essencial, pois se não for concretizado um dos elementos do tipo, não haverá tipicidade na conduta. Dessa forma, não haverá como falar em tipo acidental.

Para falarmos em tipo errado, deveremos admitir que a própria lei contém erro (acidental ou essencial), pois o tipo está na lei. Porém, essa é uma construção absurda, o que autoriza refutar a dicotomia erro de tipo acidental-erro de tipo essencial.

A crítica que ora é apresentada visa evitar incorreções pela ausência de um rigor teminológico. Com efeito, não se pode olvidar que Direito é ciência e sua terminologia exige emprego adequado, a fim de se evitar confusões.

O erro acidental ocorre: a) sobre o objeto; b) sobre a pessoa; c) na execução.[275] Nesse sentido, ensinava o saudoso Mirabete:

Distingue-se o erro essencial do erro acidental. O erro essencial é o que recai sobre o elemento do tipo, ou seja, sobre fato constitutivo do crime, e sem o qual o crime não existiria. Assim, o agente não atiraria, no exemplo do caçador, se soubesse que se tratava de um fazendeiro e não do animal que pretendia abater. O erro acidental recai sobre circunstâncias acessórias da pessoa ou da coisa estranhas ao tipo, que não se constituem elementos do tipo.[276]

A imputação objetiva nada acresce nesse aspecto, tendo em vista que o fundamento da exclusão da responsabilidade penal, em casos de erro, está no fato de não haver domínio subjetivo do autor sobre o fato, sendo que o erro essencial retira tal domínio. Porém, no caso de erro acidental, o elemento volitivo do agente é manifesto, devendo o agente ser atingido pela atribuição objetiva do resultado, uma vez que tinha o domínio – pelo menos o subjetivo – do fato, devendo ser responsabilizado por seus atos, segundo a sua vontade.

4.3.7.7 Erro determinado por terceiro

Imagine-se que terceira pessoa crie uma situação tal que o autor do fato aparentemente típico seja mero instrumento do delito. Nesse caso, que deve responder pelo crime é o terceiro que determinou o erro (CP, art. 20, § 2º: § 2º: “Responde pelo crime o terceiro que determina o erro”).

O autor imediato da conduta, em muitas situações age movido por erro essencial, o que exclui o dolo, mas pode subsistir a responsabilidade criminal, em face da negligência (CP, art. 20, caput). Só para ilustrar, pensemos em Tício, Caio e Semprônio – em local em que a caça é permitida – indo para uma caçada e que, em seu íntimo, Tício está desejando a morte de Caio. Então à noite, Caio diga a Tício que vai a determinado lugar para tentar matar algum animal, o que faz com que ele articule um plano para que Semprônio vá a local próximo daquele que será ocupado por Caio e, pensando ser este uma caça, o mate. Caso o delito se concretize, quem deve responder pela morte de Caio, a título de dolo, é Tício, podendo subsistir a responsabilidade criminal de Semprônio somente se ele tiver atuado negligentemente (art. 121, § 3º do CP).

4.3.7.8 Erro sobre a pessoa

O erro do art. 20, § 3º do CP é o acidental. Prever o referido preceito que o erro sobre a pessoa não isenta de pena, devendo o autor responder como se tivesse atingido a pessoa desejada, in verbis:

Erro sobre a pessoa

§ 3º - O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.

Observe-se o exemplo: o agente desejando matar Mévio dispara contra Semprônio, pensando ser aquele. Caso seja Mévio ascendente do autor, este terá a pena do homicídio agravada (CP, art. 61, inc. II, alínea “e”), não interessando que tenha sido pessoa estranha a atingida, visto que o autor só disparou contra ela porque pensava que se tratava de outra pessoa e não dela mesma, ou seja, o erro recaiu sobre o objeto material do delito.

O erro sobre a pessoa, ao que parece, não apresentar maiores inconvenientes, mas imagine-se que uma pessoa, desejando matar um animal selvagem (Lei n. 9.605/1998, art. 29), dispare contra um ser humano. No caso, voltamos a dizer houve erro de tipo, visto que a intenção do agente não era a de matar “alguém” (pessoa humana), elemento do tipo do art. 121 do CP. No caso, deve o agente responder por homicídio negligente (CP, art. 121, § 3º), caso a negligência esteja presente. Não se verificando a negligência, a conduta será impunível? A resposta é negativa. Aplica-se a pena da Lei n. 9.605/1998, ex vi do art. 20, § 3º do CP.

Não há correspondência entre o objeto material e o objeto jurídico do delito, nem entre o objeto material e o sujeito passivo. O objeto material é aquele sobre o qual recai a conduta delituosa, sendo que o objeto jurídico pode ser diverso, v.g., destruir bovinos destinados ao abate constitui crime contra o patrimônio, enquanto matar felinos no campo constitui crime contra a fauna, ou seja, embora, em ambos os casos os objetos materiais sejam animais (bovinos e felinos), são diversos os objetos jurídicos (patrimônio e fauna). Finalmente, o sujeito passivo é o proprietário dos bovinos no primeiro caso e toda coletividade, no segundo, visto que o meio ambiente é direito difuso (CF, art. 225, caput).

Embora a coletividade não seja um ente jurídico personalizado, havendo a proteção legal de seus direitos, deve o Estado protegê-la, sendo que o fato de não ter o agente atingido seu desiderato, no exemplo dado (tentou matar animal selvagem, mas matou, mediante pontaria certeira, pessoa humana), é erro acidental que não desnaturará o delito.

A primeira solução, no caso de ter havido negligência suficiente para gerar a morte da pessoa humana, foi ofertada porque o bem jurídico tutelado no homicídio é maior (vida), não podendo ser imposta a responsabilidade por delito mais brando, pois senão se valorizará mais objetos jurídicos menos graves que aqueles que efetivamente afetam a sociedade e o homem. De outro modo, adotando fundamentos no sentido de que o Direito é avalorativo, sendo o delito a violação de determinada obrigação constante do rol que cada um detém na sociedade e se a lei sanciona de forma mais grave a negligência que afeta a vida humana (CP, art. 121, § 3º) do que o dolo que atinge a fauna (Lei n. 9.605/1998, art. 29), é razoável admitir que deve ser aplicada a pena mais grave, visto que ela tem maior relevância jurídico-criminal.

Finalmente, imagine-se que Mévio, desejando matar Tício, atire contra um animal selvagem, pensando ser seu desafeto. No caso, há crime impossível por absoluta impropriedade do objeto. Aqui seria inadmissível falar em erro sobre a pessoa, ex vi do art. 17 do CP, mormente diante da desproporção entre os delitos (visado e concretizado). Então, como o delito do art. 29 da Lei n. 9.605/1998 não admite a forma negligente a solução adequada seria a impunidade. No entanto, melhor seria responsabilizar Mévio por homicídio tentado, visto que a tentativa inidônea (crime impossível) deveria ser punida em nosso meio.

Na hipótese apresentada, o erro foi meramente acidental, mas não se pode pretender punir por homicídio consumado o fato que não resulta na morte de pessoa humana, eis que não haverá tipicidade. Também, não se pode afirmar que houve delito contra a fauna doloso, visto que se o agente soubesse que o animal selvagem não era efetivamente a pessoa desejada, não o teria matado.

O erro sobre a pessoa não se confunde com a aberratio ictus, nem com a aberratio delicti que são espécies de erro que estão afetas à teoria da pena. Com efeito, no erro de pessoa, o autor visa atingir uma pessoa e consegue realizar seu desiderato, mas acreditando tratar-se de outra pessoa, enquanto que nas outras espécies de erro (aberratio icitus e aberratio delicti), o autor não consegue realizar seu desiderato, eis que não consegue atingir a pessoa visada ou, atingindo-a, por erro atinge, também, terceira pessoa – ou alguma coisa – próxima da objetivada.

4.4 ILICITUDE

4.4.1 Denominação (antijuridicidade, ilicitude ou injusto?) e relação com o fato típico

Faremos a distinção entre antijuridicidade, ilicitude e injusto ao longo desta seção, mas é necessário avisar que, às vezes, em respeito à tradição, e unicamente em respeito a ela, mencionaremos a palavra antijuridicidade como sinônima de ilicitude.

O conceito de ilicitude nasceu com a palavra antijuridicidade, sendo que não se trata de conceito que nasceu concomitantemente com o de tipicidade. Até o século VIII, as legislações criminais não se preocuparam em distinguir a ilicitude da culpabilidade, e quando tratavam das causas de justificação, em regra, as inseriam pontualmente, referindo-se à legítima defesa e ao estado de necessidade, mas atreladas ao homicídio e não como justificativas genéricas, extensíveis a todos os delitos.[277]

Diz-se que a diferenciação entre as causas de justificação e as causas de exculpação no direito anglo-saxão é conhecida desde o tratado de Bacon. Mas, conforme ensina Hassemer:

Ainda que se reconheça este precedente histórico do direito anglo-americano, o problema é que essa diferenciação, como, aliás, seus próprios juristas reconhecem, jamais teve qualquer aplicação prática, pois o que sempre valeu e continua valendo é o juízo final de culpabilidade que, no fundo, absorve o juízo de antijuridicidade.[278]

O finalismo entendeu que “o tipo constitui indício de antijuridicidade, confirmado definitivamente com qualquer causa de justificação”.[279] Diversamente, o funcionalismo entende como necessária a vinculação entre infração e pena. Por isso, “entende correto vincular as causas legais de justificação ao tipo e tratar as demais como causas simplesmente excludentes”.[280]

Quatro teorias procuram responder à relação existente fato típico e a ilicitude, a saber:

(a) teoria da absoluta independência ou da autonomia: a tipicidade não gera qualquer juízo de valor no campo da ilicitude. O fato pode ser típico e não ser ilícito;

(b) teoria da indiciariedade, também denominada de "ratio cognoscendi": a tipicidade gera suspeitas, indícios, presunção de ilicitude. Se o fato é típico presume-se, relativamente, a ilicitude.

c) teoria dos elementos negativos do tipo: parte do pressuposto que todo e qualquer tipo penal é composto de elementos positivos e de elementos negativos. Os positivos são elementos explícitos e devem ocorrer para que o fato seja típico. E os negativos são elementos implícitos, não devem ocorrer para que o fato seja típico.

d) teoria da absoluta dependência, também conhecida como "ratio essendi": a ilicitude é a essência da tipicidade, ou seja, sem ilicitude, não há fato típico. É desta corrente que deriva o tipo total do injusto, o que significa dizer que o fato típico só permanece típico se também ilícito.[281]

Devo dizer que a imputação objetiva tende ao que consta da alínea “d”. Porém, não é razoável avançar sem dizer que a teoria dos elementos negativos do tipo deu sustentação a grande parte da doutrina finalista e tende à mesma ideia de um conceito global de injusto. É a partir da teoria dos elementos negativos do tipo que Welzel tratou do erro de tipo putativo, isso no tocante às discriminantes putativas.

Os autores falam normalmente em antijuridicidade. Mas, o que seria antijuridicidade? A resposta é simples, decorre da própria formação da palavra, que é contrariedade ao direito. Assim, para quem defende tal posição, a existência de crime exige que o fato, além de típico, seja antijurídico. Porém, a denominação não é a mais feliz, visto que todo fato típico por ter relevância jurídico-criminal é jurídico.

O fato jurídico (aquele que ocupa o mundo jurídico) pode ser lícito (conforme a norma do Direito) ou ilícito (contrário ao Direito), mas ambos serão fatos que terão importância para o Direito, pertencendo, portanto, ao seu mundo. Daí a preferência pela denominação ilicitude, eis que sendo lícito ou ilícito o fato será jurídico.

Poderíamos até pensar que a denominação antijuridicidade é parcialmente acertada, se a víssemos como a expressão de um fato que mesmo estando no mundo do Direito se repele contra ele. No entanto, nem assim a denominação encontraria amparo, tendo em vista que, em face do princípio da legalidade, o fato típico exige a tipicidade e esta se caracteriza pelo enquadramento da conduta à norma criminal, ou seja, não é uma reação à norma, mas uma adequação a ela.

O delito é uma das fontes da obrigação, seja ela civil, criminal, administrativa etc. Assim, ele existe para o Direito, visto que produz efeitos jurídicos. Corolário é não se poder considerá-lo como sendo antijurídico – contra o direito e em oposição a ele -, visto que se o fosse qualquer efeito jurídico produziria, uma vez que seria alheio ao Direito.

Por influência de Francisco de Assis Toleto a atual PG/CP não menciona a palavra antijuridicidade, preferindo ilicitude (vide a rubrica do art. 23 do CP). Conforme ensina o mestre nupercitado não se trata de mera questão terminológica. Para ele é “uma questão de fundo que, assim resolvida, permitirá situar o delito, como ato ilícito, no local que verdadeiramente lhe cabe, em uma visão sistemática do Direito”,[282] ou seja, dentro dele.

Faz-se, ainda, a distinção entre ilicitude e injusto, dizendo-se que este reflete a ilicitude material, que será estudada logo a seguir.[283] Com todo respeito a Álvaro Mayrink da Costa, talvez o autor que mais nos inspirou nessa pretensão de conhecer o DCrim, ousamos dizer que o injusto é a parte objetiva do crime. Conforme veremos a seguir, resgatar a ilicitude material importa em admitir, como corolário, o conceito analítico bipartido do delito, sendo essa a tendência moderna. Não obstante, cremos ser possível ver a parte objetiva dividida em duas – fato típico e ilicitude -, que, reunidas, constituirão o injusto. De qualquer forma, mesmo mantendo a divisão do injusto em duas partes, ambas serão relativas ao fato, enquanto a culpabilidade é mantida como o elemento subjetivo que vincula o autor ao fato, constituindo, portanto, a parte subjetiva do crime.

Devido à importância, não é demais ratificar que o injusto é, portanto, a parte objetiva do delito, embora dividida em duas partes (fato típico e ilicitude). Mas, não é o dolo (o querer ou o assumir o resultado proibido pelo DCrim) o tipo subjetivo? Para muitos, aliás, para praticamente todos, a resposta é positiva. Porém, atualmente, praticamente todos os doutrinadores concluem que o dolo é a simples vontade de realizar a conduta típica (elemento volitivo), não interessando a consciência da ilicitude. Consequentemente, para tal teoria, o louco, a criança, o completamente embriagado e qualquer outro que não entenda o caráter ilícito do fato tem dolo, o que permite a dizer que o do dolo é subjetivo apenas porque o sujeito ativo deseja ou assume o resultado, mesmo que o autor não tenha domínio sobre a própria vontade.

Dizer que o doente mental tem vontade, mesmo aquele completamente incapaz de entender o caráter ilícito do fato corresponde a afirmar que a vontade está dissociada do domínio mental sobre ela. No entanto, mesmo que se entenda assim, mister é reconhecer que é importante valorizar a capacidade potencial individualizada sobre a vontade. O simples desejar a morte de outra pessoa com atuação positiva ou negativa nesse sentido não pode constituir fato jurídico-criminal. Tal fato pertence ao Direito Administrativo, não ao DCrim, conforme veremos no item relativo à imputabilidade, que será desenvolvido adiante.

A vontade, despida do domínio potencial sobre ela, constitui elemento subjetivo do injusto, o que esvazia praticamente tudo o que se tem dito até o presente momento, seja pelos adeptos da tradicional teoria bipartida, ou pelos favoráveis ao estudo analítico tripartido. Em tal contexto, cumpre-nos transcrever a lição de Álvaro Mayrink: “A antijuridicidade se constitui em um juízo sobre o ato e não sobre o autor, pois a pessoa deste não será incluída no juízo de desvalor”.[284] A ilicitude é um juízo sobre o fato, ficando a reprovação que deve recair sobre o autor do fato dedicada à culpabilidade.

Então, contrariando a tudo que se tem exposto, fácil é perceber as confusões até agora mantidas unicamente pela tradição, a saber:

(a) diz-se que o injusto é objetivo, mas se admite a existência de um tipo subjetivo. Desse modo, evidentemente, ele contém elemento subjetivo;

(b) elemento subjetivo do autor, analisado na fase do injusto é existente – salvo nos delitos negligentes próprios, visto que a negligência própria é analisada segundo uma previsibilidade objetiva, ou seja, é normativa -, mas indicará unicamente a reprovabilidade do fato, a não do seu autor;

(c) dizer que pretender praticar a conduta negligente própria evidencia um domínio do sujeito ativo sobre sua vontade, ou seja, ele atua contrariamente ao seu dever de cuidado importa em dar sentido muito elástico ao elemento subjetivo. A negligência própria não é subjetiva, mas normativa, ou seja, ocorre sem o domínio da vontade do autor;

(d) é coerente a proposição no sentido de que a ilicitude é juízo de desvalor que deve recair unicamente sobre o fato, deixando de lado o juízo de desvalor sobre o autor, que deverá ocorrer na culpabilidade.

De todo o exposto, todo fato típico é jurídico, eis que pertence ao plano de existência jurídica, sendo incoerente, portanto, falar em antijuridicidade, como sinônimo da ilicitude. Esta é um juízo de desvalor que recai sobre o fato típico, sendo que a junção de tais elementos – fato típico e ilicitude – denomina-se o injusto, que é o fato objetivamente reprovável. Ele pode conter unicamente elementos objetivos (injusto negligente próprio) ou elementos subjetivos (injusto negligente impróprio e injusto doloso). Porém, todo injusto é tido como sendo objetivo apenas porque a censura que se faz tem relação com o fato, não com o seu autor.

4.4.2 Ilicitude objetiva e ilicitude subjetiva

A ilicitude antijuridicidade, para quem prefere – objetiva constitui o juízo de reprovação do fato, enquanto que o juízo de desaprovação sobre o autor do fato é objeto de análise da culpabilidade. De outro modo, a teoria subjetiva entende que os aspectos imperativos e valorativos do delito são inseparáveis e dá maior valor à ação, reduzindo o valor que teoria causalista atribuiu ao resultado.[285] Tais teorias apresentam complicadores, sendo extremamente confusas, mas, visam, basicamente, demonstrar:

(a) ilicitude objetiva – a consciência da ilicitude não está na “antijuridicidade”;

(b) ilicitude subjetiva – a consciência da ilicitude está na “antijuridicidade”, confundindo a ilicitude com a culpabilidade.[286]

A ilicitude objetiva relega ao segundo plano o destinatário da norma, entendendo que aquele que não consegue entender o caráter ilícito do fato é destinatário da norma criminal, praticado ato ilícito. De outro modo, a ilicitude subjetiva possui a grave dificuldade na limitação dos campos da ilicitude e da culpabilidade, partindo para um conceito unitário de ilicitude (não há distinção entre a ilicitude criminal e a civil), sendo que aquele que não entende o caráter ilícito do fato jamais pratica ato ilícito, carecendo de responsabilidade inclusive perante o direito privado.[287]

Discorrendo sobre o tema, Álvaro Mayrink sustenta que postular em favor da ilicitude subjetiva é completamente equivocado, tendo em vista que somente os subjetivistas advogam que as normas jurídicas não se dirigem aos incapazes penalmente.[288] Com todo respeito ao mestre, entendemos diversamente, eis que seria contrariar o princípio da humanidade, que norteia o direito criminal, entender que aquele que não tem condições de caráter ilícito do fato poderia estar sujeito à qualquer medida criminal.

Não há razoabilidade na proposta de punir uma pessoa que não tem a mínima condição de potencialmente entender o caráter ilícito do fato, até porque essa pessoa se mantido o motivo que a impossibilitou de conhecer a ilicitude da sua conduta, também não conhecerá a medida “penal” que será imposta. Desse modo, embora o assunto relativo ao conhecimento potencial da ilicitude se relacione com a culpabilidade, é oportuno dizer a norma criminal não se dirige àquele que não tem condições de entender o caráter ilícito do fato. Ele não será objeto de sanção criminal, mas de medidas administrativas para proteção própria e da sociedade.

Importante é que o estudioso do Direito Criminal tenha em vista que o delito é um todo unitário, do qual não pode ser dissociada a culpabilidade. Desse modo, embora pareça que a norma criminal se dirija a quem não pode entender o caráter ilícito do fato, tal conclusão não é possível, tendo em vista que somente com a culpabilidade que o fato ganha relevância para o DCrim. Antes, ele pode até integrar o campo do Direito Administrativo, do Direito Civil etc..., mas não o do DCrim, visto que este é subsidiário.

O fato de estar disciplinada a imposição de medida de segurança para imposição àquele que não entende o caráter ilícito do fato não representa que a conduta concretizada por ele constitua fato jurídico-criminal, até porque, conforme estudaremos a seguir, a medida de segurança não deve ocupar o campo do DCrim.

4.4.3 Ilicitude formal e ilicitude material

A ilicitude pode ser material ou formal. A primeira é dada pelos conceitos sociais, enquanto a segunda é dada pela lei. Excluir a ilicitude, segundo a noção material, importa em excluir o próprio fato típico, visto que o fato não é socialmente reprovável. De outro modo, adotando a noção formal, é possível que se exclua a ilicitude sem excluir o fato típico, existindo, portanto, fato típico que não é antijurídico.

Hoje, ante a análise global do injusto, há uma tendência de se resgatar a ilicitude material, o que é compatível com a imputação objetiva, que tende a diminuir o estudo fragmentário do delito.[289] Não obstante, conforme exposto, é possível conceber o estudo tripartido do delito, dividindo o injusto (fato) em duas partes.

Provar que o agente agiu de determinada maneira, prevendo o resultado proibido pela norma criminal, mas sem ter o domínio sobre sua conduta, ou sem poder conhecer o caráter ilícito do fato, importa em dizer que ele não se conduziu segundo o domínio de uma vontade subjetivamente analisada, mas normativamente. Desse modo, o elemento subjetivo apreciado no dolo, embora tenha sido denominado de tipo subjetivo, merece ser revisto, eis que falar em elemento volitivo da conduta, dolo, sem que o autor sequer potencialmente conheça o conteúdo da norma.

4.4.4 Excludentes da ilicitude

4.4.4.1 Generalidades

Foram construídas várias teorias acerca das causas de justificação, que podem ser agrupadas em três segmentos principais: (a) monistas; (b) pluralistas; (c) assistêmicas.

As teorias monistas procuram explicar que uma conduta que se configura típica não pode ser ilícita, seja porque é princípio da norma criminal proteger aquilo que é mais útil que danoso, ou porque na colisão de interesses deve prevalecer o que é mais significativo, ou aquilo que já dissemos, no sentido de que a maior função do direito criminal é a proteção de bens, ou ainda, a posição de Roxin, que sustenta ser a causa de justificação forma de solução social de conflitos, devendo ser admitida em face de princípios de política criminal.[290]

Todas a correntes monistas procuraram dizer que todas as causas excludentes encontram fundamento único. No entanto, as teorias pluralistas entendem que não é possível construir um conceito superior de justificação. No entanto, permanecem sistêmicas porque formam dois grupos, o da ponderação de bens (correspondente ao conceito de delito de dano, pelo qual crime é a lesão ao bem jurídico) e o do pensamento do fim (que corresponde ao conceito de crime como manifestação da vontade contrária ao dever imposto por lei);[291]

Finalmente, foram construídas as teorias assistêmicas, que entendem ser impossível agrupar todas as causas de justificação numa raiz comum, pois o número de causa de justificação depende da técnica legislativa, defendendo um catálogo aberto em que estariam as causas de justificação mais usadas. “Tal postura implica renúncia ao sistema”.[292]

Os autores modernos aceitam as teorias pluralistas. Mas, Roxin, embora partindo de uma teoria monista, tende às teorias assistêmicas, eis que estas são as que admitem três fontes de justificação: “(a) as que emanam do ordenamento jurídico em quaisquer ramos; (b) as causas de justificação genéricas ex lege; (c) (as que nascem de uma consideração supralegal”.[293] Aliás, Roxin, entende que “uma conduta típica e tida como ilícita perante o direito civil, por exemplo, possa ser justificada no direito criminal, porque este orienta suas normas permissivas segundo outros fins de proteção”,[294] o que nos permite dizer que ele não adota propriamente qualquer monista, uma vez que cria distinções entre as causas de justificação.

4.4.4.2 A ilicitude e o princípio da adequação social

Entendo que somente só a lei pode excluir a ilicitude.[295] Welzel desenvolveu o princípio da adequação social, expondo:

As ações que se movem dentro do marco das ordens sociais, nunca estão compreendidas dentro do tipo de delito, nem ainda quando pudessem ser entendidas em um tipo interpretado ao pé da letra; são as chamadas ações socialmente adequadas. Socialmente adequadas são todas as atividades que se movem dentro do marco das ordens ético-sociais da vida social, estabelecidas por intermédio da história.[296]

Ocorre que Welzel começou a publicar muito novo. Ele foi acusado de ter plagiado Nicolai Hartmann e no início da década de 1930 ele foi duramente criticado porque teria criado uma teoria estéril. Seu conceito de conduta não reflete qualquer preocupação com a reprovação social. Daí Welzel, mais tarde (no prólogo do autor à 4ª edição) ter sustentado que sua teoria finalista não nasceu em seus primeiros escritos, mas apenas 30 anos depois.[297] Com isso, pretendia afastar as primeiras críticas ao seu finalismo, que sofreu várias transformações ao longo dos anos.

Pelo que se pode ver, as primeiras preocupações de Welzel com a adequação social não poderiam ser compatíveis com aquela transcrita, uma vez que entendeu ser a adequação social eliminadora do próprio fato típico, mas somente depois de certa evolução.

Hoje, é possível afirmar que só existem causas excludentes da ilicitude legais. Desse modo, principalmente nos dias de hoje, melhor será ver a adequação social, com as reservas que apresentamos, como causa excludente da tipicidade e, portanto, do fato típico.

4.4.4.3 Consentimento da vítima

Foi desenvolvida a tese, no sentido de que o consentimento da vítima, nos delitos cujo objeto jurídico seja disponível, constitui causa excludente da ilicitude,[298] o que não pode ser admitido, embora seja praticamente pacífico tal entendimento na doutrina criminal pátria hodierna.

Fernando Capez ensina que o consentimento do ofendido constitui: (a) irrelevante criminal nos crimes em que o bem jurídico é indisponível, v.g., homicídio; (b) excludente de tipicidade se o dissentimento, ou o consentimento, for exigência expressa do tipo, v.g., violação de domicílio;[299] (c) excludente de ilicitude nos crimes em que o consentimento, ou o dissenso, não forem exigência expressa do tipo;[300] (d) causa de diminuição de pena, somente quando prevista na lei.[301]

Diz-se que o consentimento do ofendido constitui causa supralegal excludente da ilicitude, um verdadeiro princípio de Direito que não autorizaria considerar ilícito um fato que foi considerado irrelevante pela pessoa atingida, desde que ela possa dispor livremente do bem jurídico afetado. Tal construção, ante a máxima nullun crimen sine iniura parece tentadora, mas não pode prevalecer porque ilícito o fato continua sendo, o que pode lhe faltar, na verdade, é a culpabilidade ou a punibilidade.

A proposta de Assis Toledo, com todo respeito de que ele sempre foi merecedor, é inócua. Ele chega a sugerir a hipótese do dano (CP, art. 163) com o consentimento expresso do proprietário da coisa, ou o encarceramento (CP, art. 148) de quem expressamente consentiu.[302] Ora, a existência do delito pressupõe a contraposição do dono do objeto jurídico, isso quando se trata de bem disponível e desembaraçado. Havendo consentimento prévio, data venia, não haverá o fato típico, eis que não existirá sujeito passivo, uma vez que alienado o objeto jurídico.

Imagine-se que um astronauta suba ao espaço e com saudades de pessoa amada resolva voltar um pouco antes de terminada a missão. Para alcançar tal objetivo ele precisa que o comandante, ou subcomandante, ou o controle localizado na terra acione algum dispositivo eletrônico que depende de uma senha que ele não dispõe. Então, ele começa a perturbar toda tripulação, que o tranca em um cubículo do ônibus espacial. Haveria o crime do art. 148 do CP? Haveria estado de necessidade? Ou, haveria causa supralegal excludente da ilicitude?

Havendo consentimento prévio, data venia, não se poderá dizer que houve o crime do art. 148 do CP. Ele alienou sua liberdade por certo período e mesmo que tenha termo final (data do fim) certo e sua vontade de voltar tenha se manifestado após o termo, o negócio jurídico foi atingido por um caso fortuito ou força maior que permite o descumprimento do contrato por parte dos demais, que só poderão retornar após a data prevista (CC, art. 393). Em síntese, a hipótese não constitui fato jurídico-criminal porque anterior ao Direito Criminal, devendo ser resolvido na esfera civil.

A violação deliberada do negócio jurídico pode merecer especial atenção do DCrim, caso contrário este deve se afastar, em face de sua subsidiariedade. Dessa forma, havendo consentimento prévio, não haverá fato típico, ficando o problema reservado aos casos em que o crime efetivamente se concretizou, mas o ofendido ofertou sua anuência à conduta do autor depois de consumado o delito. Então emergem duas hipóteses: (a) sendo o crime de ação de iniciativa privada ou pública condicionada à representação, basta o ofendido se quedar inerte; (b) sendo o crime de iniciativa pública incondicionada, entendemos que em se tratando de objeto jurídico disponível, o Direito Criminal deve se afastar, admitindo o consentimento posterior como excludente da culpabilidade.

Imagine-se que uma pessoa percebe que houve a subtração, por parte de terceira pessoa, de coisa móvel e vai à polícia requerendo apuração dos fatos e, depois de alguns dias percebe que o autor do furto (CP, art. 155) é um “grande amigo” e que a polícia também desvende o delito. No caso, a vítima não poderá eximi-lo do processo, visto que crime houve e o furto é delito que, uma vez comprovado, ensejando ação criminal independentemente da vontade da vítima. Desse modo, a liberalidade do proprietário da coisa poderia ser colocada de quatro maneiras:

(a) a liberalidade do proprietário não afetaria o delito, sendo ele punível, uma vez que houve fato típico (conduta, relação de causalidade, resultado e tipicidade). Também, como não haveria nenhuma excludente de ilicitude legal em seu favor, ele deveria responder pelo crime. Finalmente, sendo o autor imputável, tendo potencial consciência da ilicitude, agido de forma diversa àquela exigida pelo direito e, ainda, atuado dolosamente (pior, imagine-se um autor rico, um “filhinho de papai”). Em se tratando de crime de ação pública incondicionada, o autor, necessariamente, deveria ser punido;

(b) nas mesmas condições fáticas propostas, afetaria tão-somente a culpabilidade, eis que o fato típico estaria presente. Também, estaria presente a ilicitude. No entanto, não haveria culpabilidade, visto que ele não estaria obrigado a agir conforme o direito, isso segundo o próprio dono do bem disponível afetado. Ocorre que referida hipótese é refutável porque a liberalidade foi posterior ao delito.

(c) atingiria a ilicitude, como causa supralegal excludente desta, visto que não se pode considerar ilícito atingir bens jurídicos daqueles que podem se dispor deles. Todavia, o fato se concretizou em condições em que não se pode invocar excludente de ilicitude, eis que se adotamos a ilicitude formal, portanto, só quem pode a excluir é a lei;

(d) não seria fato típico porque: (I) o Direito Criminal moderno não é interventor, só podendo intervir onde os outros ramos do Direito não forem suficiente; (II) a propriedade envolve o “uso” o “gozo” e a “disposição”. Ora, como considerar criminosa uma conduta que, mesmo que ex post, gerou direito subjetivo ao autor? Seria um contrassenso dizer que o delito gera, em favor do delinquente, o direito de permanecer com o produto do crime. No exemplo dado, o antigo proprietário se valeu de um direito seu sobre a coisa (o de disposição), o que têm o condão de excluir o próprio fato típico. Aliás, corroboraria o princípio da insignificância, tendo em vista que se o fato pôde ser resolvido, à luz do Direito, pela liberalidade da vítima, tornando-o pouco relevante. Sua relevância será tão pequena a ponto de permitir dizer que não significará nada para o Direito Criminal, ou seja, não constituirá um fato jurídico-criminal.

Ante a imputação objetiva, adotando a posição de Jakobs, o agente teria violado uma obrigação de seu rol, produzindo, em princípio, um fato jurídico-criminal. Não obstante, talvez, ante o atual estágio da sociedade complexa, não parece ter relevância criminal a ofensa ao patrimônio de alguém que, mesmo que tardiamente, eis que depois do fato, consentiu para com ela. Para tal conclusão, converge a doutrina de Roxin, que entende ser o direito criminal subsidiário.

Adotando uma postura sistemática, o delito é a junção do injusto (fato típico e ilicitude) com a culpabilidade e, conforme foi exposto anteriormente, a ausência de qualquer de seus elementos faz com que ele desapareça. Desse modo, optamos por dizer que, na hipótese, o injusto houve, bem como houve o delito porque presente a culpabilidade.

Poderíamos dizer como muitos que culpabilidade é sinônimo de censurabilidade, sendo que embora a conduta do que subtraiu seja moralmente ilícita, não chegaria a constituir fato jurídico-criminal, uma vez que o delito não se completaria pela simples análise do fato objetivamente considerado. A censura criminal, conforme dissemos, não pode ser aferida unicamente pela estéril fórmula normativa de Welzel, portanto, não haveria culpabilidade.

Em favor dessa segunda opção, por nós refutada, poderíamos dizer que fato típico, objetivamente considerado, houve, tendo em vista que nem mesmo a adequação social socorre o agente, sendo fácil perceber que a sociedade recrimina o furto praticado por pessoa amiga. De outro modo, conforme foi exposto, somente a lei exclui a ilicitude, o que faz com só reste a culpabilidade. Esta deve tender a uma justiça do caso concreto, sendo que a exigibilidade de conduta conforme o direito, no caso, estava presente.

Entendemos que o consentimento da vítima tem relevância, nos delitos de ação criminal de iniciativa exclusivamente privada, visto que o ofendido pode se manter inerte, elidindo a punibilidade. Também, tem relevância para o grau de censura, que tem relação com as consequências do delito. Desse modo, ao contrário de se reservar à doutrina a correta política criminal, deve-se exigir do legislador o adequado exercício do seu poder legiferante, só se reservando à iniciativa pública incondicionada da ação criminal aos crimes que protejam bens jurídicos indisponíveis.

Dizer que a censura criminal (culpabilidade), deve ser concebida segundo cada injusto concretizado (a “justiça do caso concreto”), entendo o consentimento da vítima, no atual estágio da história do Direito Criminal (que pretende ser mais humano e menos interventor) é possível dizer que o fato não tem relevância jurídico-criminal a ponto de possibilitar a drástica censura de tal ramo do Direito. Não constitui a melhor postura de política-criminal transformar em crime de ação criminal de iniciativa pública aquele que se refere a bem jurídico suficiente, visto que se a lei entende que o fato é grave o suficiente para ensejar iniciativa pública incondicionada (não depender da vontade da vítima a existência do processo), é porque o fato é grave, sendo inoportuno atribuir ao julgador o dever de se imiscuir na eleição de quais objetos jurídicos são relevantes, a ponto de desnaturar a iniciativa pública da ação criminal.

Alguém pode ver alguma contraditio in terminis entre o que foi exposto neste tópico e aquele relativo à tentativa inidônea, visto que, assim como naquela hipótese, o agente teve a intenção de praticar o resultado, mas acabou alcançado pela máxima nullum crime sine iniura. Então, poder-se-ia admitir a inserção de um preceito que puna como tentado, o delito consumado de ação criminal de iniciativa pública incondicionada que, após sua realização, contou com o consentimento do ofendido. Essa poderia ser uma solução. No entanto, voltamos a dizer: sendo disponível o bem jurídico, interessa principalmente ao seu titular decidir sobre sua proteção, não se podendo pensar em crime praticado por aquele que contou com a liberalidade desembaraçada do proprietário.

Finalmente, para que se possa pensar em consentimento do ofendido válido é necessário que ele preencha os requisitos gerais dos negócios jurídicos: (a) capacidade; (b) objeto lícito – não pode o titular dispor de bem sobre o qual recaia algum ônus que impeça a liberalidade, v.g., posse direta de terceiro; (c) vontade livre  - aqui é importante esclarecer que o ardil ou a coação utilizada pelo agente pode constituir novo crime, ao contrário de tornar o fato atípico, v.g., na hipótese apresentada continuará existindo o furto e a coação moral constituirá o crime de ameaça, ex vi do art. 147 do CP).

4.4.4.5 Excludentes legais

A. Generalidades

Existem causas excludentes da ilicitude gerais, previstas no Código Penal, quais sejam, as constantes da Parte Geral (estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito – arts. 23-25). Porém, é inegável que o rol é exemplificativo, visto que a da Parte Especial prevê algumas, v.g., aborto necessário (art. 128, inc. I) e crimes de injúria ou difamação praticados nas circunstâncias do art. 142.

O rol numerus apertus constante do art. 23 do CP é o seguinte:

Exclusão de ilicitude

Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:

I - em estado de necessidade;

II - em legítima defesa;

III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

É importante notar que adotamos a ilicitude formal, ou seja, pode haver fato típico que não é ilícito. Desse modo, afastamos a ilicitude material, mantendo um estudo didático (sistemático) do delito, eis que entendemos que a análise global do injusto gera certa confusão, atingindo o garantismo criminal.

Conforme exposto, não adotamos causas supralegais excludentes da ilicitude, ou seja, só existem excludentes legais. No mesmo sentido, tratando das teorias assistêmicas da ilicitude, preleciona Álvaro Mayrink:

Para tal corrente doutrinária, com efetiva lógica, a afirmação de que aceitar-se que há causas de justificação que não estão na lei, implica em recorrer à formação inconstitucional e logicamente extralegislativa do Direito.[303]

Pequeno reparo, a fortiori, deve ser feito, haja vista que sempre defendemos um Direito Criminal não restrito às normas escritas porque o sistema dinâmico de normas jurídicas é mais amplo que o legislado. Ao admitir a adequação social como elemento normativo do tipo não se faz operar qualquer inconstitucionalidade por “recorrer à formação extralegislativa do Direito”. Ao nosso sentir, o problema está na própria metodologia do jurista criminal, que deve estudar seu objeto de estudo com um mínimo de técnica, evitando confusões como as que se apresentam em certas construções, servindo de exemplo de proposta inoportuna a relativa à existência de causas supralegais excludentes da ilicitude.

B. Estado de necessidade

Estado de necessidade é aquele em que a pessoa sacrifica objeto jurídico alheio para preservar o próprio. Ele está regulado no art. 24 do CP, exigindo, como requisitos: que o objeto jurídico preservado esteja em perigo atual; que o protetor do referido objeto jurídico não o tenha causado; que não seja possível outra saída menos onerosa; que seja razoável o sacrifício do objeto jurídico para a preservação do outro que estava em perigo; que o agente não tenha o dever legal de enfrentar o perigo. Nesse sentido, dispõe o CP:

Estado de necessidade

Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

§ 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.

§ 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.

Existem duas teorias acerca do estado de necessidade, a saber:

(a) unitária – foi a adotada pelo CP, visto que o estado de necessidade constitui excludente da ilicitude e, também, não se exige correspondência de valores entre o objeto jurídico sacrificado e o preservado;

(b) diferenciadora – entende que o estado de necessidade constitui causa excludente da culpabilidade e que deve haver correspondência entre o

objeto jurídico preservado e o sacrificado, v.g., vida humana e vida humana.

Diz-se que o objeto jurídico sacrificado deve ter valor menor ou igual ao preservado, o que é inaceitável. O CP só exige a razoabilidade, portanto, é necessário, unicamente, que o sacrifício do objeto jurídico não seja algo extremamente desproporcional. Aliás, mesmo que seja desproporcional, haverá redução da censura, ex vi do art. 24, § 2º, do CP.

Imagine-se que dois homens estejam presos dentro de um andaime, fixado por uma haste elástica, e que venha uma grande lâmina afiada que, fatalmente irá amputar, ao menos, uma perna de cada um deles. Para melhor compreensão da hipótese, imagine-se a estrutura do andaime semelhante à de alguns elevadores de serviço, que são abertos em dois lados, para possibilitar a limpeza externa de prédios, mas que são fechados dando embaixo, para o apoio do trabalhador e em cima, para que não caiam objetos sobre sua cabeça. Nesse caso, seria razoável a conduta de um deles (sabedor que a redução do peso, o elevaria a ponto de se livrar da lâmina que se aproximava), que viesse a jogar o outro para fora do andaime, visando com isso, diminuir o peso e manter intacta sua integridade física. Caso permanecessem os dois, o que ocorreria seria amputação da perna pela lâmina, tendo em vista que sequer teriam como pular, mas a vida de cada um dele restaria preservada porque ficariam sobre a lâmina, sendo que o socorro visivelmente se aproximava. Então, a discussão se residiria unicamente em torno da razoabilidade da conduta daquele que preservou a integridade física com o sacrifício da vida alheia.

É certo que, motivados por certa hipocrisia, podemos dizer que não é razoável matar alguém para preservação de uma perna. No entanto, trazendo o problema para junto de nós, fácil é perceber que optaríamos diversamente do que friamente (ou hipocritamente?) sustentamos ser correto. Daí ser possível afirmar que “razoabilidade” não que dizer “equivalência”, ou seja, mesmo não sendo de valor inferior ou igual o objeto jurídico sacrificado, em relação ao preservado, pode ser reconhecido o estado de necessidade, isso quer dizer que pode haver razoabilidade no sacrifício de um objeto jurídico de valor maior para preservação de outro de valor menor.

Os requisitos do estado de necessidade são:

(a) perigo atual – é necessário que o perigo ser concreto e atual, não se concebendo um perigo abstrato, nem iminente ou passado. Assim, não se pode invocar o estado de necessidade para justificar atos praticados logo depois de um grande perigo, ou susto. Hipótese complicada foi a proposta por Lon Fuller, no sentido de que alguns espeleólogos adentraram em uma caverna e seu acesso foi impedido por um desmonoramento. Alguns dias depois do caso fortuito, decidiram matar um deles para, devorando sua carne, sobreviverem, sendo que a pessoa morta foi escolhida por sorteio.[304] De tal hipótese podemos concluir que o perigo era iminente, visto que (segundo o livro) os suprimento tinham acabado recentemente, o que induz à ideia de que os sobreviventes poderiam esperar um pouco mais, ou o perigo era atual, eis que o perigo é psicológico, pelo qual a pessoa se sente ameaçada, situação que existia no caso exposto.

Perigo é uma circunstância que prenuncia um mal para alguém ou para alguma coisa. Duas teorias foram construídas a respeito do perigo:

(a) objetiva, pela qual o perigo é uma ameaça concreta (ou abstrata) ao objeto jurídico. Concreto é o perigo que se dá com a efetiva ameaça ao objeto jurídico e abstrata é a ameaça potencial, não exigindo a ameaça efetiva ao objeto jurídico, sendo que a lei consagra as duas espécies de perigo, v.g., o art. 256 do CP dispõe “causar desabamento desmonoramento, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem” (perigo concreto), enquanto que a LCP, em seu art. 29 dispõe: “Provocar desabamento de construção ou, por erro no projeto ou na execução, dar-lhe causa” (perigo abstrato, visto que o último preceito não exige uma ameaça efetiva ao objeto jurídico tutelado, presumindo a ameaça incolumidade pública);

(b) subjetiva – o detentor do objeto jurídico se sente ameaçado, sendo, portanto, o perigo uma circunstância que provoca na pessoa um temor. No Brasil, prefere-se a teoria subjetiva, mas o erro que gera na pessoa certo temor, acreditando ser concreto o perigo pode induzir ao erro de proibição, conforme estudaremos mais adiante. Desse modo, para efeitos de reconhecimento da excludente de ilicitude decorrente do estado de necessidade, foi adotada a teoria objetiva.

Tomando partido, na hipótese do livro “O caso dos exploradores de caverna”, houve estado de necessidade, visto que o perigo efetivamente existia e era atual, na medida que, mesmo adotando a teoria objetiva, é inegável a ameaça ao bem jurídico preservado (vida), uma vez que eles foram socorridos em estado de inanição, o que prova que o perigo era concreto e atual.

(c) não provocação do perigo – quem invoca em seu favor o estado de necessidade, não pode ser o provocador da situação de perigo, v.g., Tício, por ocasião do nausfrágio, por brincadeira perversa, oculta parte do material destinado ao combate do perigo. Assim, vendo a insuficiência de

equipamentos salva-vidas, mata Caio para se livrar da morte. Nesse caso, ele não pode invocar estado de necessidade em seu favor, cometendo dois crimes (CP, arts. 121 e 257).

(d) não ser possível evitar o perigo por outro meio – se é possível ao agente uma saída menos drástica, deve optar por ela, desde que seja razoável vislumbrá-la, tendo em vista que o heroísmo não pode ser exigido de ninguém.

(e) razoável correspondência entre os valores dos objetos jurídicos – esse assunto já foi tratado, quando explicamos a teoria diferenciadora. Aqui, apenas convém lembrar que o estado de necessidade se caracteriza pelo fato de uma pessoa agredir objeto jurídico alheio para preservação de objeto jurídico próprio. A razoabilidade humana é mais ou menos como a justiça, cada um tem a sua. Desse modo, é fácil perceber o sacrifício de objetos jurídicos para preservação de outro de valor igual ou maior que o sacrificado, mas, às vezes, poderá ser razoável, inclusive, a preservação de objeto jurídico de menor valor que àquele sacrificado, mantendo-se a excludente de ilicitude presente.

(f) preservação de objeto jurídico próprio ou alheio – pode haver estado de necessidade quando o agente preserva, inclusive objeto jurídico alheio – estado de necessidade de terceiro.;

(g) não ter o dever legal de enfrentar o perigo – quem tem o dever legal de enfrentar o perigo não pode invocar o estado de necessidade (CP, art. 24, § 1º). Ocorre que o heroísmo não pode ser invocado de ninguém. Assim, mesmo prestando juramento a salvar vidas alheias com o sacrifício da própria vida, o Bombeiro-Militar, dele não será exigível experimentar a morte, apenas para elidir a responsabilidade criminal. Aliás, é na própria lei criminal que vamos encontrar a responsabilidade daquele que tem o dever de agir (CP, art. 13, § 2º). Ela não se dá unicamente em função do dever agir, mas também do poder agir, é assim um poder-dever. É importante observar a expressão dever legal tem suscitado controvérsias, “para alguns, seu alcance é restrito, pois o dever legal é apenas o que resulta de dispositivo de lei. Para outros, no entanto, sua área de incidência é mais ampla, abrangendo também a hipótese do dever contratual”.[305]

Sacrificar objeto jurídico de maior valor para preservação de objeto jurídico de menor valor, sem que exista razoabilidade na conduta do autor, nos termos da lei, constitui fato injusto, ou seja, não será cabível o estado de necessidade. Porém, o Juiz poderá atenuar a pena (CP, art. 24, § 2º).

B. Legítima defesa

A legítima defesa está delimitada no art. 25 do CP, in verbis:

Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.

Destaco inicialmente que o denominado pacote anticrime (Lei n. 13.964, de 24.12.2019), um presente de natal às avessas, foi publicado em edição extra do Diário Oficial da União, Seção 1, de 24.12.2019. Naqueles dias, o ex-Juiz Federal Sérgio Fernando Moro era Ministro da Justiça, hoje é Senador da República eleito pelo Estado do Paraná, era o Ministro da Justiça. Tal lei foi republicada no dia 29.4.2021, eis que foram derrubados pelo Congresso Nacional 16 vetos presidenciais ao texto. De todo modo, ficou mantido o parágrafo único do art. 25 do Código Penal, acrescido pela nova lei.

Essa lei deu ensejo às Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, todas da relatoria do Min. Luiz Fux. Tais ações tiveram como ponto central de discussão o Juiz de Garantias.

O Partido Democrático Trabalhista (PDT) impetrou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 779. O relator, Min. Dias Toffoli, em 26.2.2021, concedeu liminar, referendada em sessão virtual do Plenário, 5 a 12.3.2021, assim ementada:

Referendo de medida cautelar. Arguição de descumprimento de preceito fundamental. Interpretação conforme à Constituição. Artigos 23, inciso II, e 25, caput e parágrafo único, do Código Penal e art. 65 do Código de Processo Penal. “Legítima defesa da honra”. Não incidência de causa excludente de ilicitude. Recurso argumentativo dissonante da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), da proteção à vida e da igualdade de gênero (art. 5º, caput, da CF). Medida cautelar parcialmente deferida referendada.

1. “Legítima defesa da honra” não é, tecnicamente, legítima defesa. A traição se encontra inserida no contexto das relações amorosas. Seu desvalor reside no âmbito ético e moral, não havendo direito subjetivo de contra ela agir com violência. Quem pratica feminicídio ou usa de violência com a justificativa de reprimir um adultério não está a se defender, mas a atacar uma mulher de forma desproporcional, covarde e criminosa. O adultério não configura uma agressão injusta apta a excluir a antijuridicidade de um fato típico, pelo que qualquer ato violento perpetrado nesse contexto deve estar sujeito à repressão do direito penal.

2. A “legítima defesa da honra” é recurso argumentativo/retórico odioso, desumano e cruel utilizado pelas defesas de acusados de feminicídio ou agressões contra a mulher para imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões. Constitui-se em ranço, na retórica de alguns operadores do direito, de institucionalização da desigualdade entre homens e mulheres e de tolerância e naturalização da violência doméstica, as quais não têm guarida na Constituição de 1988.

3. Tese violadora da dignidade da pessoa humana, dos direitos à vida e à igualdade entre homens e mulheres (art. 1º, inciso III , e art. 5º, caput e inciso I, da CF/88), pilares da ordem constitucional brasileira. A ofensa a esses direitos concretiza-se, sobretudo, no estímulo à perpetuação da violência contra a mulher e do feminicídio. O acolhimento da tese tem a potencialidade de estimular práticas violentas contra as mulheres ao exonerar seus perpetradores da devida sanção.

4. A “legítima defesa da honra” não pode ser invocada como argumento inerente à plenitude de defesa própria do tribunal do júri, a qual não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas. Assim, devem prevalecer a dignidade da pessoa humana, a vedação a todas as formas de discriminação, o direito à igualdade e o direito à vida, tendo em vista os riscos elevados e sistêmicos decorrentes da naturalização, da tolerância e do incentivo à cultura da violência doméstica e do feminicídio.

5. Na hipótese de a defesa lançar mão, direta ou indiretamente, da tese da “legítima defesa da honra” (ou de qualquer argumento que a ela induza), seja na fase pré-processual, na fase processual ou no julgamento perante o tribunal do júri, caracterizada estará a nulidade da prova, do ato processual ou, caso não obstada pelo presidente do júri, dos debates por ocasião da sessão do júri, facultando-se ao titular da acusação recorrer de apelação na forma do art. 593, III, a, do Código de Processo Penal.

6. Medida cautelar parcialmente concedida para (I) firmar o entendimento de que a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, por contrariar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), da proteção à vida e da igualdade de gênero (art. 5º, caput, da CF); (II) conferir interpretação conforme à Constituição aos arts. 23, inciso II, e 25, caput e parágrafo único, do Código Penal e ao art. 65 do Código de Processo Penal, de modo a excluir a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa; e (III) obstar à defesa, à acusação, à autoridade policial e ao juízo que utilizem, direta ou indiretamente, a tese de legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais, bem como durante o julgamento perante o tribunal do júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento.

7. Medida cautelar referendada.[306]

Houve um tempo que era comum o reconhecimento da legítima defesa da honra, sendo que o recrudescimento do sistema jurídico-criminal e o incentivo em nosso meio à rejeição de políticas de igualdade de gêneros, torna oportuna a propositura da ADPF n. 779, em 6.1.2021.

A legítima defesa está presente nas primeiras leis escritas. Ela está presente na Bíblia (Êxodo 22:2-3), na Lei das XII Tábuas. Conforme ensina von Liszt "em todos os tempos e em todos os povos a legítima defesa tem sido reconhecida, posto que com maior ou menor amplitude como ação conforme o direito, e não simplesmente como ação não punível".[307]

A legítima defesa tem duplo fundamento: (a) princípio da autoproteção; (b) princípio da reafirmação do Direito. Daí as consequências teóricas e práticas: (a) a legítima defesa não está submetida ao princípio da ponderação dos bens jurídicos; (b) autoriza a lesão de bens mais valorados do que aqueles que são defendidos, sempre que seja necessário o exercício de defesa; (c) está submetida a uma série de restrições ético-sociais.[308]

Existem várias teorias que buscam fundamentar a legítima defesa, a saber:

(a) teoria da coação moral – quem se defende frente a um perigo iminente não pode ser responsabilizado porque está em perturbação de ânimo;

(b) teoria do instinto de conservação – tem íntima relação com a teoria anterior, deve ser tolerada a defesa privada porque é expressão do inelutável instinto que impele o homem ad se conservandum;

(c) teoria da retribuição do mal pelo mal – quem se defende retribui o mal com outro igual. Assim, a pena viria a ser um novo mal injustificável e inútil;

(d) teoria da negação da negação do direito – a defesa privada nega a ofensa, que negou o direito, a residual punição do agressor seria um bis in idem;

(e) teoria da colisão de direitos – quando 2 direitos entram em conflito, de modo que um não pode subsistir sem o sacrifício de outro, o Estado deve permitir o sacrifício do menos importante, que no caso é o do agressor;

(f) teoria da defesa pública subsidiária ou da cessação do direito de punir – a defesa privada é um direito originário, enquanto a pública é subsidiária, devendo-se entender que o indivíduo retoma o seu direito de autodefesa e cessa, portanto, o ius puniendi por parte do Estado;

(g) teoria da moralidade do motivo determinante – a moralidade do motivo de agir exclui a censurabilidade do fato;

(h) teoria da ausência de periculosidade do defensor – essa teoria confunde a ilicitude com a culpabilidade. A de iure constituto, produz redução da pena e, excepcionalmente, perdão judicial;

(i) teoria da delegação de polícia – a legítima defesa representa uma delegação hipotética e condicionada do poder de polícia do Estado;

Todas as teorias anteriores são criticadas por Nelson Hungria, o qual passa a apresentar as teorias "de cunho estritamente jurídico".[309]

(j) teoria da legitimidade absoluta – a legítima defesa representa um direito e um dever, posto que o homem para si mesmo e para o mundo;

(k) teoria do direito público subjetivo – a defesa privada é um direito subjetivo de caráter público, outorgado a todo indivíduo e que se harmoniza com a função de polícia;

(l) teoria da ausência de ilicitude da ação defensiva – a legítima não é contrária ao direito porque coincide com o próprio fim do direito, que é a incolumidade dos bens ou interesses que coloca sob sua tutela. Para Nelson Hungria, essa é a teoria adotada pelo no Código Penal.[310]

Aquele que invoca legítima defesa, diversamente de quem inova estado de necessidade, não age, não agride objeto jurídico alheio, mas repele agressão a objeto jurídico próprio. Enquanto no estado de necessidade a pessoa que o invoca é agressora, na legítima defesa não agride, reage.

Assim como o estado de necessidade, a legítima defesa pode ser própria ou de outrem. Mas, enquanto naquele o perigo deve ser atual, aqui a agressão injusta pode ser atual ou iminente. Outrossim, enquanto o estado de necessidade exige o commodus discessus – que é a retirada comoda, ou a fuga disfarçada -, a legítima defesa não o exige. Assim, age em legítima defesa, por exemplo, o atleta profissional – recordista mundial em corrida à pé de 1500 m -, franzino, que saca de um revólver e mata um arremessador de peso, este com 200 kg de peso, que o espancaria em plena quadra de esportes. Na hipótese, o homem de menor compleição física sabia que podia evitar a agressão pela simples fuga, eis que o outro jamais o alcançaria, mas sua reação não impede o reconhecimento do estado da legítima defesa.

Utilizar meio moderado necessita de apreciação casuística, ou seja, é o meio necessário para o caso que estiver sendo analisado, v.g., se uma pessoa só tem em seu poder uma granada de mão para se defender da agressão física de outrem muito mais forte, lançar a granada no agressor explodindo-o, constitui utilização de meio moderado.

C. Estrito cumprimento do dever legal

Age no estrito cumprimento do dever legal aquele que tem um dever imposto por lei e atua nos limites do dever, v.g., o Oficial de Justiça portador de um mandado judicial para efetuar busca e apreensão no interior de uma casa, estando autorizado, inclusive a arrombá-la e a se valer do reforço policial, não pode ser considerado ladrão apenas porque cumpriu a ordem que lhe foi dada. Caso ele não a cumprisse, praticaria crime de prevaricação.

Tal excludente de ilicitude se esvazia na medida em que se fala em tipicidade conglobante, conforme estudado, ou em imputação objetiva. Esta última que só pode constituir fato jurídico-criminal, a criação de um risco proibido, trazendo a matéria para dentro do estudo do fato típico. Ousamos rechaçar ambas as teorias, visto que o crime é a reunião de todos os seus elementos (injusto e culpabilidade), sendo que a sua divisão em partes visa apenas o estudo didático e a segurança jurídica na apreciação dos casos.

Entendemos que podemos verificar um fato típico praticado pelo Oficial de Justiça que atua no estrito cumprimento do dever legal, mas, diante da excludente de ilicitude legal, não haverá como pretender sua punição, eis que ele não terá praticado fato jurídico-criminal, tendo em vista que todos os elementos do delito são essenciais para a sua existência – faltando qualquer deles, o delito não existirá.

D. Exercício regular de direito

Atua em exercício regular de direito aquele que o faz, por exemplo, no exercício de uma profissão. Um médico pode fazer uma cirurgia, provocando lesões corporais gravíssimas na vítima (CP, art. 129, § 2º), mas sem que venha a praticar o injusto, visto que ausente a ilicitude em face do estado de necessidade, v.g., amputação de ambas as pernas para salvar a vida de quem contraiu gangrena nelas. Porém, o médico atuará em exercício regular de direito, não praticando atentado violento ao pudor, ao tocar em partes pudendas da paciente, em consultas ginecológicas de rotina.

A violência esportiva, dentro dos limites do esporte, constitui excludente de ilicitude por exercício regular do Direito. No entanto, o esporte não oficializado, portanto, não admitido por uma ordem jurídica, é irregular. Assim, caso da sua prática resulte dano, poderá constituir crime.

A conduta socialmente adequada foi considerada como o exercício regular de um direito. No entanto, conforme demonstrado, a adequação social, em face das modernas doutrinas do DCrim, teoria social e funcionalismo, tende a se deslocar para dentro do fato típico.

4.4.4.6 Ofendículo

O offendiculum é a defesa oculta, a armadilha, para defesa da propriedade. Discute-se se o ofendículo constitui legítima defesa preodernada (prediposta), ou se é um exercício regular de direito. Ao nosso sentir, quem faz uma armadilha para defesa da propriedade, na verdade atua com excludente de ilicitude por legítima defesa.

Não pode constituir exercício regular de direito matar pessoas em um país em que “matar alguém” constitui crime (CP, art. 121). Na verdade, a pessoa que faz uma armadilha para defesa da propriedade, visa evitar agressão injusta a objeto jurídico próprio ou de terceiro, valendo-se, às vezes, de artefatos ilegais (arma não registrada, equipamento proibido etc.), o que afasta o exercício regular de direito.

Não constitui ofendículo o equipamento ostensivo. Ofendículos são produtos “que fazem tropeçar”,[311] ou seja, armadilhas ocultas. Desse modo, não constitui ofendículo a cerca eletrificada regularmente anunciada, bem como cães ferozes. Com efeito, como o ofendiculum constitui “obstáculo, tropeço, impedimento”,[312] não é compatível com a ostensividade, exigindo, portanto, seu obscurecimento e sigilo perante terceiros.

Não posso deixar de alertar para o elevado número de casos decorrentes da má instalação de artefatos para proteção do patrimônio, bem como envolvendo cães ferozes. Normalmente, a legítima defesa do patrimônio traz danos patrimoniais e psicológicos maiores que o dano que haveria se o bem objetivado fosse atingido. Pior ainda são os ofendículos, que resultam, como regra, em desgraças familiares. Do mesmo modo, manter animais ferozes em cativeiro é um risco, antes de tudo, ao defendente, aos seus familiares e amigos.

4.4.4.7 Excesso negligente ou doloso

O CP, em seu art. 23, parágrafo único, é claro em expor que aquele que se conduzir com excesso doloso ou negligente responderá por ele, in verbis: “O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo”. A redação é clara, mas alguns comentários são oportunos.

Inicialmente, devemos destacar que nenhuma excludente de ilicitude traz unicamente benefícios. Criar cachorros ferozes em casa não constituirá ofendículo, mas poderá constituir exercício regular de direito. O problema é que mesmo estando completamente sinalizada a existência de cães ferozes, problemas poderão advir do fato de uma criança ou cego ser atingido pelo animal. Ora, se for verificada a negligência do proprietário do animal, ele poderá sofrer as consequências do fato, inclusive com responsabilização criminal.

Matar em legítima defesa será, sem dúvida, uma conduta irrelevante para o DCrim, eis que não haverá a ilicitude. Não obstante, muitas vezes, a prova da excludente da ilicitude não é evidente, o que ensejará a denúncia, visto que inicialmente prevalece o princípio in dubio pro societate. Somente em fase de sentença que se verificará o princípio in dubio pro reo. Desse modo, na maioria dos casos, o agente deverá demonstrar a excludente da ilicitude no curso do processo, o que, certamente, lhe trará sérias e indesejáveis consequências.

Cerca eletrificada, mesmo com avisos, pode trazer danos a pessoas, tendo em vista que em dias de chuva, por meio da água, poderá existir corrente elétrica suficiente para matar uma criança que se encoste simplesmente no muro, ou outro objeto que venha a cair e tocar na parte eletrificada. Então, o dono da propriedade poderá ser responsabilizado a título de negligência, mesmo que tenha todo cuidado com a manutenção do equipamento de eletrificação da cerca.

O policial não poderá matar em estrito cumprimento do dever legal porque não há, no Brasil, pena de morte para crimes praticados em tempo de paz. Ele até poderá matar em legítima defesa, mas sofrerá consequências maléficas com o processo criminal durante o curso do processo (impossibilidade de ser promovido , não poder participar de concursos públicos etc.) .

Atuar nos limites da legítima defesa é algo complicado, tendo em vista que a pessoa estará exercendo autotutela (vingança privada imediata). Normalmente, esta vem acompanhada de violenta emoção, o que faz com que o defendente passe a agressor logo depois de encerrada a agressão, v.g., em legítima defesa, Tício saca de uma arma e atira em Caio, armado com uma faca, que cai. Então, depois de cessada a agressão, ele desfere um tiro matando Caio, o que constituirá excesso doloso na legítima defesa, devendo Tício responder, portanto, por homicídio doloso.

De tudo que foi exposto, o melhor é evitar ter que se valer de uma excludente de ilicitude. No entanto, caso isso se torne impossível, é melhor ponderar adequadamente sobre os limites da atuação, visto que todo excesso será punido, seja a título de dolo ou de negligência.


[1] MAGGIORE, Giuseppe. Op. cit. p. 251; ANTOLISEI, Francesco. Op. cit. p. 149.

[2] JESUS, Damásio Evangelista. Imputação objetiva. São Paulo: Saraiva, 2000, capa (verso). Embora sendo um texto com fins comerciais – aquele constante da capa de um livro –, conforme se verificará ao longo deste livro, os aspectos econômicos não podem ser desprezados na análise da propagação repentina da teoria da imputação objetiva. Aliás, a afirmação, embora tenha maior conotação comercial, foi inserida alhures pelo autor: Idem, Algumas ideias sobre a imputação objetiva. www.damasio.com.br, 27.12.01, 19h15min.

[3] JESUS, Damásio Evangelista. Imputação objetiva. São Paulo: Saraiva, 2000. p. XVII.

[4] CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Imputação objetiva e direito penal brasileiro. São Paulo: Cultural Paulista, 2001. p. 17.

[5] GALVÃO, Fernando. Imputação objetiva. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000. p. 25, nota 36. CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Imputação objetiva e direito penal brasileiro. São Paulo: Cultural Paulista, 2001. p. 17. Este sustenta que a teoria foi formulada por Larenz, em 1927, e por Honing, em 1930.

[6] JESUS, Damásio Evangelista de. Imputação objetiva. São Paulo: Saraiva, 2000. p. XVII.

[7] GRECO, Luís. A teoria da imputação objetiva: uma introdução. ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 9.

[8] CONDE, Francisco de Muñoz. Teoria geral do delito. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1988. p. 22-27.

[9] HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 511.

[10] LEAL, João José. Direito penal geral. São Paulo: Atlas, 1998. p. 57.

[11] GALLEGARI, André Luís. A imputação objetiva no direito penal. Porto Alegre: Revista da Ajuris, Ano XXVI, nº 76, dez/1999. p. 87.

[12] CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Imputação objetiva e direito penal brasileiro. São Paulo: Cultural Paulista, 2001. p. 9.

[13] JAPIASSU, Hilton. O mito da neutralidade científica. Rio de Janeiro: Imago, 1975. passim.

[14] RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. 6. ed. Coimbra: Armênio Amado, 1979. p. 324.

[15] Sobre a prevenção, diz-se que ela pode ser: (I) geral: (a) positiva: visa evitar a criminalidade por meio de ideologias sociais e do sistema jurídico-criminal; (b) negativa:  visa a dissuadir a  prática do crime por meio da ameaça da pena; (II) especial: (a) positiva: a aplicação e a execução da pena surtirão efeitos no condenado, fazendo com que ele não reincida, levando-o à readaptação social; (b) negativa: caracteriza-se pela segregação do condenado pelo período da pena, dando ensejo à aceitação da pena de morte; pena de castração etc. Roxin afirma que "a prevenção geral possui normalmente uma tendência para o terror estatal" (ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. 3. ed. Lisboa: Vega, 1998. p. 23). Nesse sentido, Hassemer afirma que "Prevenção, especialmente prevenção geral [negativa], é um conceito quase sem concorrência no pensamento dominante do mundo ocidental. (...) Um direito penal que pode prometer intimidação exitosa resolve seus problemas de justificação e está de acordo com nossos corações e mentes" (HASSEMER, Winfried. Punir no estado de direito. In GRECO, Luís; MARTINS, Antônio [Org.]. Direito penal como crítica da pena: estudos em homnenagem a Juarez Tavares por seu 70º aniversário em 2 de setembro de 2012. Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 341-342)

[16] ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 205.

[17] Ibidem. p. 206.

[18] Ibidem. p. 205-209.

[19] MACHADO, Fábio Guedes de Paula. Prescrição penal: prescrição funcionalista. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 180-184.

[20] TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 61-75.

[21] ROXIN, Claus. Política criminal e sistema jurídico-penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. passim.

[22] ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 209.

[23] ROCHA, Fernando A. N. Galvão da. Imputação objetiva nos delitos omissivos. Disponível em: < >. Acesso em: 28.12.2001, às 3h30min.

[24] ZEM, Samuel. Relação de causalidade nos delitos contra o meio ambiente. Disponível em: <www.javascript:history.go>. Acesso em: 28.12.2001, às 3h15min.

[25] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Direito Penal do inimigo: análise do livro conjunto de Jakobs e Meliá. Teresina: Jus Navigandi, ano 15, n. 2691, 13.11.2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/17816>. Acesso em: 27.2.2012, às 12h.

[26] SANTOS, Frederico Augusto de Oliveira Santos. Os Crimes da Lei de Responsabilidade Fiscal e imputação objetiva. Disponível em: < >. Acesso em: 28.12.2001, 2h50min.

[27] JAKOBS, Günther Apud TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 74.

[28] JAKOBS, Gütnther. La imputación objetiva en derecho penal. 2. tir. Madrid: Civitas, 2000. passim.

[29] No sentido de que as formulações parciais do estudo do delito devem ceder lugar ao exame global do fato punível: GOMES, Luiz Flávio. Princípio da ofensividade no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 75.

[30] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2000. v. 1, p. 95.

[31] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.004. v. 1, p. 237.

[32] COSTA, Dilvanir José da. Curso de hermenêutica jurídica. Belo Horizonte: Del Rey, 1997. p. 15.

[33] GOMES, Luiz Flávio. Norma e bem jurídico no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 15.

[34] ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. 3. ed. Lisboa: Vega, 1998. p. 29.

[35] Ibidem. p. 27.

[36] BRANDÃO, Cláudio. Teoria jurídica do crime. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 8.

[37] Ibidem. p. 10.

[38] JAKOBS, Günther. Ciência do direito e ciência do direito penal. Barueri: Manole, 2.003. p. 45.

[39] Idem. La imputación objetiva en derecho penal. Madrid: Civitas, 1999. p. 91-100.

[40] Ibidem.

[41] BRANDÃO, Cláudio. Teoria jurídica do crime. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 7.

[42] Jakobs consagra a ideia de que é necessário um procedimento para se chegar ao conceito de risco permitido. Com efeito, ensina que o “permitido” só pode ser gerado ao longo do tempo, não por um cálculo de custos e benefícios. Tal posição nos conduz à Luhmann, que ensina que só pode ser considerado como integrante do mundo jurídico, aquilo que passa pelo procedimento (JAKOBS, Günther. La imputación objetiva en derecho penal. Madrid: Civitas, 1999. p. 1117-143).

[43] SANTOS, Juarez Cirnino dos. Direito penal: parte geral. Curitiba: ICPC; Lumen Juris, 2006. p. 71-72.

[44] JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. vol. 1, p. 155.

[45] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 1. ed. 4. tir. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975. p. 1.233.

[46] Ibidem. p. 506.

[47] MAGGIORE, Giuseppe. Principî de diritto penale. Bolonha: Nicola, 1937. vol. 1, p. 192.

[48] GOMES, Luiz Flávio. Princípio da ofensividade no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 75.

[49] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 237. 2.004. v. 1, p. 237.

[50] HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1.955. v. 1, t. 2, p.

[51] FRAGOSO, Heleno Cláudio; FRAGOSO, Fernando. Lições de direito penal – parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 146. Ainda encontramos autores na atualidade que compatilham do entendimento de que a punibilidade integra o crime, v.g., CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1988. p. 6.

[52] BARTAGLINI, Giulio Apud ANTOLISEI, Francesco. Manuale di diritto penale. 2. ed. Milão: Giuffre, 1949. p. 139.

[53] HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1955. v. 1, t. 2, p. 9.

[54] NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1967. vol. 1, p. 120.

[55] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 81.

[56] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. v. 1, p. 238.

[57] FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal. 2. ed. Campinas: Bookseller, 1999. p. 358.

[58] LEAL, João José. Direito penal geral. São Paulo: Atlas, 1999. p. 167.

[59] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1, p. p. 409.

[60] DOTTI, René Ariel. A culpabilidade como elemento da pena. Disponível em: <https://dotti.adv.br/a-culpabilidade-como-elemento-da-pena/>. Publicado em: 15.4.2005. Acesso em: 1.10.2022, às 20h40.

[61] DOTTI, René Ariel. O incesto. Curitiba: Litero-Técnica, 1976.

[62] GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2003. p. 157.

[63] HUNGRIA, Nelson. Comentário ao código penal. Rio de Janeiro: Forense, 1955. v.7, p. 314-315.

[64] CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Imputação objetiva e direito penal brasileiro. São Paulo: Cultural Paulista, 2001.

[65] NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1967. v. 1, p. 112.

[66] WELZEL, Hans apud TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 103.

[67] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2000. v. 1, p. 103.

[68] COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. v. 1, t. 1, p. 642.

[69] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 109.

[70] WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 11-20.

[71] Cf. ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 202.

[72] Nesse sentido: TOLEDO, Francisco de Assis. Op. cit. p. 110.

[73] LEAL, João José. Direito penal geral. São Paulo: Atlas, 1999. p. 186.

[74] COSTA JR., Paulo José da. Direito penal: curso completo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 48. O autor, visando esclarecer a polêmica, menciona duas teorias: a) normativa – aquilo que se deve fazer, ou não fazer, é estabelecido em preceitos normativos, jurídicos ou extrajurídicos, o que faz com que a conduta seja valorada não só pelo direito, mas também pela moral; b) jurídico-normativa – se exprime por três requisitos: modificação no campo do direito (parte objetiva); vontade, correspondente à referida modificação, juridicamente relevante (parte subjetiva); e uma ponte causal que supere o abismo existente entre as partes objetiva e a subjetiva. Por preferir esta última, somente ela foi mencionada pelo autor na conclusão transcrita.

[75] JESUS, Damásio Evangelista. Direito penal. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. vol. 1, p. 228-234.

[76] Welzel nasceu em 1904, em Artern, região de Trhüringen, Alemanha. Aos 24 anos de idade defendeu sua tese de doutorado, acerca da doutrina natural de Samuel Puffendorf. Daí é fácil perceber que ele era muito moço quando começou a publicar sobre a ação e a causalidade, já que suas primeiras publicações se deram antes da década de 1930. Ele próprio informa que lançou seu finalismo em 1927, ou seja, 22 ou 23 anos de idade.

[77] COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. v. 1, t. 1, p. 639.

[78] TAVAREZ, Juarez, PRADO, Luiz Regis. In: CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1988. p. 14, nota nº 14.

[79] PRADO, Luiz Regis. Prefácio. In: WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 9, nota n. 9.

[80] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2000. v. 1, p. 104.

[81] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1.955. v.1, t. 2, p. 10.

[82] LISZT, Franz von. Tratado de direito penal alemão. Campinas: Russel, 2.003. t. 1, p. 280.

[83] A ideia da existência de um referencial é muito explicada pela Física, v.g., considerando-se a relação entre um homem de 1,60m e uma população de homens anões de 1,05 m de estatura, aquele será considerado alto, mas se considerado perante uma população de homens de 1,90m será considerado baixo.

[84] LISZT, Franz von. Tratado de direito penal alemão. Campinas: Russel, 2.003. t. 1, p. 280.

[85] COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1.998. v. 1, t. 2, p. 1.163.

[86] ESTEFAM, André. Direito penal: parte geral. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1,  p. 233.

[87] JAKOBS, Günther. Derecho penal: parte general: fundamentos e teoría de l imputación. 2. ed. Madrid: Marcial Pons, 1997. p. p. 364.

[88] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1.955. v.1, t. 2, p. 14.

[89] Ibidem. 11-15.

[90] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1.955. v.1, t. 2, p. 16-17.

[91] História fictícia que conta a aventura de 5 homens que adentraram em uma caverna e ali ficaram presos porque houve um desmoronamento. 20 dias depois decidiram matar um deles, escolhido por sorteio, isso após serem informados, via rádio, que os trabalhos demorariam, pelo menos, mais 10 dias. Quem fez a proposta de sobreviverem comendo a carne de um deles, sugeriu tirarem a sorte lançando dados que trazia consigo. Os quatro sobreviventes foram resgatados 32 dias depois do desmoronamento, sendo que aquele que sugeriu foi o executado, visto que outro lançou os dados a rogo, mas perdeu (FULLER, L. Lon. O Caso dos exploradores de cavernas. Porto Alegre: Fabris, 1.976. p. 1-7).

[92] SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral. Curitiba: ICPC; Lumen Juris, 2.006. p. 111.

[93] ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. 3. ed. Lisboa: Vega, 2000. passim; TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. passim.

[94] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1.955. v. 1, t. 2, p. 200.

[95] MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABRINNI, Renato N. Manual de direito penal: parte geral. 29. ed. São Paulo: Atlas, 2013. v. 1, p. 136.

[96] JAKOBS, Günther. La imputación objetiva em direito penal. Madri: Civitas, 1999. p. 101.

[97] Alguns autores entendem que a imperícia decorre unicamente de o fato do agente não conhecer adequadamente a técnica, não sendo admissível nos casos em que há capacitação técnica, v.g.: BRANDÃO, Cláudio. Teoria jurídica do crime. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 83. Não obstante, posicionamo-nos no sentido de que ela decorre do “exercício de arte ou profissão, não tomando o agente em consideração o que sabe ou deve saber” (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2001. vol. 1, p. 149. Observe-se que após a sua morte, o filho do autor, Renato Nascimento Fabbrini, em atualizações do livro, retirou nota de rodapé em que o pai estendia a imperícia àquele que conhece a técnica, mas a contraria, modificando, assim, o pensamento do mestre). Entendemos que a imperícia pode decorrer da atuação de quem conhece a técnica, bem como daquele que a desconhece, bastando simplesmente deliberadamente contrariá-la.

[98] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2.002. v. 1, p. 187-189.

[99] SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1998. p. 101.

[100] D'Ávila, Fábio Roberto. Crime culposo e a teoria da imputação objetiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 93.

[101] TAVARES, Juarez. Direito penal da negligência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985. p. 137.

[102] D'ÁVILA, Fábio Roberto. Crime culposo e a teoria da imputação objetiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 95: conforme adverte o autor, a denominação teoria mista de Roxin é dada por ele, a fim de facilitar o estudo.

[103] FERRAJOLI, Luigi. Diritto e ragione: teoría del garantismo penale. Roma: Laterza, 1990. p. 365-367.

[104] ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. 3. ed. Lisboa: Vega, 1998. p. 276.

[105] ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. 3. ed. Lisboa: Vega, 1998. p. 235.

[106] JAKOBS, Günther. Derecho penal. Parte general – Fundamentos y teoria de la imputación. Madri: Marcial Pons, 1997. p. 255.

[107] Vide referências a precedentes em: NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 121/122.

[108] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, Parte Geral, 1990. p. 173.

[109] NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 121.

[110] BRANDÃO, Cláudio. Teoria jurídica do crime. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 37.

[111] NORONHA, Edgar Magalhães. Direito penal. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 1967. vol. 1, p. 135

[112] TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 211.

[113] NORONHA, Edgar Magalhães. Direito penal. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 1967. vol. 1, p. 135.

[114] ROXIN, Claus Apud TAVARES, Juarez. Alguns aspectos da estrutura dos crimes omissivos. Rio de Janeiro: Procuradoria-Geral de Justiça, Revista do Ministério Público, nº 4, jul/dez 1996. p. 142/143.

[115] MATOS, Everards Mota e. Imputação objetiva. Brasília: Jornal Correio Brasiliense, Caderno Direito & Justiça, 13.11.2000. p. 1.

[116] COSTA, Álvaro Mairynk. Direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense. vol. 1, tomo 2, p. 723.

[117] No mesmo sentido: Costa e Silva, apud FRANCO, Alberto Silva et al. Código penal e sua interpretação jurisprudencial. 6. ed. São Paulo: RT, 1997. v. 1, t. 1, p. 200; e COSTA JR, Paulo José da. Direito penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 64-65.

[118] LEAL, João José. Direito penal geral. São Paulo: Atlas, 1999. p. 197.

[119] QUEIROZ, Paulo. Inconstitucionalidade dos crimes omissivos impróprios? 23.10.2007. Disponível em: <http://www.pauloqueiroz.net/inconstitucionalidade-dos-crimes-omissivos-improprios/>. Acesso em: 5.5.2017, às 23h14.

[120] JAKOBS, Günther. Derecho penal: Parte general: Fundamentos y teoria de la imputación. Madri: Marcial Pons, 1997. p. 954.

[121] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal. São Paulo: José Bushatsky, 1976, parte geral. p. 179 (grifos já constantes do original).

[122] CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1988. p. 26.

[123] TAVAREZ, Juarez, PRADO, Luiz Regis. In, CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1988. p. 26, nota 22.

[124] JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. vol. 1, p. 251.

[125] O problema da relação de causalidade não é exclusivo do Direito Penal. No Direito Civil ele é existente. Imagine-se: o proprietário de um veículo automotor tem o sistema de freio deste danificado porque passou em um buraco na rua. Tal buraco não estava sinalizado e testemunhas informaram que ele estava ali há longo prazo, sendo que o serviço de urbanização tivesse cumprido seu dever de repara-lo. Ele não faz os reparos necessários no sistema de freio e emprestou o terceiro, que dirigindo adequadamente viu uma criança adentrando inadvertidamente na rua. O condutor freou e, devido ao problema no carro, atropelou a criança, vindo a matá-la. Também restou danificado o carro. A solução mais indicada para o Direito Civil é deixar de falar em dano e pensar unicamente em risco, socializando-o, ou seja, tudo passa a ter um seguro e não se fala mais em ação de reparação de dano. No entanto, no DCrim tal solução é impossível, eis que não se pode socializar a responsabilidade jurídico-penal.

[126] Temos artigo que traduz praticamente tudo que se expõe neste tópico, sendo que apenas faremos uma adaptação da linguagem para o presente livro (vide: MESQUITA JUNIOR, Sidio Rosa de. Imputação objetiva: discutindo com o Prof. Dr. Chaves Camargo. Teresina: Jus Navigandi, ano 8, n. 160, 13.12.2003. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/4572/imputacao-objetiva>. Acesso em: 29.2.2014, às 7h58.

[127] CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Imputação objetiva e direito penal brasileiro. São Paulo: Cultural Paulista, 2001.

[128] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Imputação objetiva: uma crítica às suas perspectivas extremamente otimistas e/ou reducionistas. Recife: UFPE, Dissertação do curso de mestrado em direito público, defendida em 7.11.2002.

[129] CONDE, Francisco de Muñoz. Teoria geral do delito. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1988. p. 22-27.

[130] TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

[131] COSTA, Álvaro Mairynk. Direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. v. 1, t. 2, p. 741-742.

[132] SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000.

[133] PRADO, Luiz Regis, CARVALHO, Érika Mendes de. Teorias da imputação objetiva e do resultado: uma aproximação crítica de seus fundamentos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 15.

[134] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Pequeno passeio sobre a imputação objetiva. Brasília: AEUDF, Revista do Curso de Direito, v. 1, nº 2, jul-dez 2000. p. 15-30.

[135] CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Imputação objetiva e direito penal brasileiro. São Paulo: Cultural Paulista, 2001. p. 8.

[136] Ibidem. p. 15.

[137] Penalogia é a ciência que estuda a pena. Esta não é objeto de estudo do Direito Criminal. Este estuda as normas que descrevem crimes e penas, sendo a pena conseqüência do crime. Daí, ratifico, minha preferência pela denominação Direito Criminal em desprestígio da tradicional denominação Direito Penal.

[138] FARIAS JÚNIOR, João. Manual de criminologia. 2. ed. Curitiba: Juruá, 1993. p. 33.

[139] CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 16.

[140] WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal: Uma introdução à doutrina finalista. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 11-20.

[141] ADEODATO, João Maurício. Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 5.

[142] WELZEL, Hans. Op. cit. p. 5.

[143] JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. v. 1, p. 463.

[144] LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 203.

[145] PRADO, Luiz Regis, CARVALHO, Érika Mendes de. Op. cit. p. 19.

[146] LAMEGO, José. Um filho do seu tempo. Apud LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 701.

[147] LARENZ, Karl. Op. cit. p. 190 (sem grifo no original).

[148] LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 203.

[149] PRADO, Luiz Regis, CARVALHO, Érika Mendes de. Op. cit. p. 19.

[150] LAMEGO, José. Um filho do seu tempo. Apud LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 701.

[151] LARENZ, Karl. Op. cit. p. 190 (sem grifo no original).

[152] Ibidem. p. 182-190.

[153] ORDEIG, Enrique Gimbernat. Conceito e método da ciência do direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.002. p. 81.

[154] Ibidem. p. 86.

[155] CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 17.

[156] Ibidem.

[157] Ibidem.

[158] BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999. p. 60-61.

[159] CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 19.

[160] Ibidem. p. 20.

[161] Ibidem.

[162] PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de. Op. cit. p. 7.

[163] Nesse sentido, vide: MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Pequeno passeio sobre a imputação objetiva. Brasília: AEUDF, Revista do Curso de Direito, v. 1, n. 2, jul/dez 2000. p. 15-30.

[164] CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 24-26.

[165] Ibidem. p. 32-42.

[166] Ibidem. p. 15-30.

[167] Ibidem. p. 31.

[168] Ibidem. p. 32-38.

[169] CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 38-40

[170] HABERMAS, Jürgen. A crise de legitimação no capitalismo tardio. 3. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1999. passim.

[171] A respeito: KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. passim.

[172] KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 636. Para não deturparmos seu pensamento, transcrevemos parte: “Contudo, eliminar uma ideologia legitimadora é extremamente difícil, não apenas por motivos epistemológicos, mas também por motivos políticos”.

[173] CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 43.

[174] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Relação de Causalidade. Brasília: AEUDF, Revista do Curso de Direito, v. 1, n. 1, jan-jun 2000. p. 49-53.

[175] CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 61-64.

[176] Ibidem. p. 61-66.

[177] Ibidem. p. 71.

[178] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Relação de Causalidade. Brasília: AEUDF, Revista do Curso de Direito, v. 1, nº 1, jan/jun 2000. p. 53.

[179] CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 72-79.

[180] ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. 3. ed. Lisboa: Vega, 1998. passim.

[181] Ibidem. p. 155.

[182] CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 81-84.

[183] Ibidem. p. 81.

[184] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 41. Para não deturpamos o pensamento do mestre:

Do que foi dito se conclui que é sempre reta a vontade geral e tende sempre à pública utilidade; mas não se segue que tenham sempre a mesma inteireza as deliberações do povo. Sempre se quer o próprio bem, mas nem sempre se vê: nunca se corrompe o povo, mas iludem-no muitas vezes, e eis então quando ele quer o mal.

[185] CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 81. Observe-se que o autor fala em “aids”, versão inglesa de SIDA – síndrome de imuno deficiência adequirida. Em respeito à CF (art. 13, caput), bem como ao nosso elevado sentido de respeito à nossa nacionalidade, refutamos estrangeirismos despropositados. Ao nosso sentir, o mundo tende a ser uma “aldeia global”, como preconizava Marshal Mac Luhan, mas ainda não é e, mesmo que fosse, um mínimo de regionalismo (bairrismo cultural) seria necessário à manutenção da espécie humana.

[186] Ibidem. p. 82.

[187] CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 82-83

[188] JAKOBS, Günther. La imputación objetiva en derecho penal. Madrid: Civitas, 1999. p. 91-100.

[189] CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 84.

[190] Ibidem. p. 85-86.

[191] Ibidem. p. 87-91.

[192] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Pequeno passeio sobre a imputação objetiva. Brasília: AEUDF, Revista do Curso de Direito, v. 1, n. 2, jul/dez 2000. p. 19.

[193] CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 92.

[194] CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 93.

[195] HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989. passim. Idem. Discurso filosófico da modernidade. São Paulo: Martins Fonstes, 2000. passim.

[196] Afirmação nesse sentido: ENCARNAÇÃO, João Bosco da. Filosofia do direito em Habermas: a hermenêutica. 3. ed. Lorena: Stiliano, 1999. p. 6.

[197] GIANFORMAGGIO, Letícia. Direito e ragione tra essere e dover essere. GIANFORMAGGIO, Letizia (Org.). Le regioni del garantismo: discutendo com Ferrajoli. Turim: Gianppichelli, 1993, p. 25.

[198] FERRAJOLI, Luigi. Diritto e ragione: Teoría del Garantismo Penale. Roma: Laterza, 1990. p. 891.

[199] GUASTINI, Riccardo. I fondamenti teorici e filosofici del garantismo. GIANFORMAGGIO, Letizia (Org.). Le regioni del garantismo: discutendo com Ferrajoli. Turim: Gianppichelli, 1993. p.49.

[200] CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 93-95.

[201] ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 218-220.

[202] CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 98.

[203] Ibidem. p. 98-99.

[204] ROXIN, Claus. Política criminal e sistema jurídico-penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. passim.

[205] Ibidem. p. 1-5.

[206] CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 105.

[207] Ibidem. p. 107.

[208] Ibidem. p. 108.

[209] KELSEN, Hans. O que é a justiça? 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 3.

[210] CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 109.

[211] Ibidem. p. 109-113.

[212] CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 113-116.

[213] ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 218-220.

[214] LARENZ, Karl. Op. cit. p. 190.

[215] Ibidem. p. 201.

[216] CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 109.

[217] HULSMAN, Louk, CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas perdidas – O sistema penal em questão. 2. ed. Niteori: Luam, 1997. passim.

[218] CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 132.

[219] Ibidem. p. 133-155.

[220] Ibidem. p. 158-161.

[221] CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 161-168.

[222] Ibidem. p. 172-173.

[223] Ibidem p. 173-174.

[224] Ibidem. p. 174-175.

[225] CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 176-180.

[226] Ibidem. p. 180-182.

[227] RAMIREZ, Juan Bustos. La imputación objetiva. Bogotá: Temis, 1998. p. 18.

[228] GIORGI, Raffaele de. Azione e imputazione. Lecce: Milella, [1984?]. p. 129.

[229] LARENZ, Karl. Op. cit. p. 201.

[230] Por opção didática, não trataremos aqui do crime impossível, convindo apenas lembrar que ele é admitido em nosso País, em face de nossa política criminal. Porém, alhures, v.g., Espanha, o crime impossível é inadmitido, sendo que o agressor é punido por crime tentado, que é o que ocorreria in casu, mas se não existisse o preceito do art. 17 do CP. Preferimos a posição italiana, pela qual o autor da tentativa frustrada se submete a uma medida de segurança (só falta a medida de segurança existir como efetivo tratamento na nossa realidade, eis que aqui se caracteriza como algo pior do que a pena).

[231] JESUS, Damásio Evangelista de. Imputação objetiva. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 124.

[232] ROCHA, Fernando A. N. da. Direito penal: curso completo. Parte geral. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 231.

[233] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1955. v. 1, t. 2, p. 10-11.

[234] MANZINI, Vicenzo. Tratado de derecho penale. Buenos Aires: Ediar, 1948. v. 1, p. 558.

[235] GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1956. v. 1, t. 1, p. 202.

[236] Só a título de exemplo, princípio do estado de inocência é um corolorário do princípio em comento, sendo que este é classificado como sendo de direito material por Ney Moura Teles (Direito penal – I. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1998. v. 1, p. 74).

[237] JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 214.

[238] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – parte geral. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 15.

[239] FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal. 2. ed. Campinas: Bookseller, 1999. p. 381.

[240] O Crime de furto, em especial, tem consumação controvertida, existindo algumas teorias a respeito, quais sejam: (I) contractatio – a consumação se dará no momento em que o agente tomar para si a coisa, sendo desnecessário o seu deslocamento; (II) ablatio – também denominada teoria da posse pacífica, pela a consumação se daria no momento em que o agente tivesse retirado da esfera de vigilância da vítima e colocado a coisa em lugar em que le tivesse a posse mansa e pacífica do bem; (III) illatio -  o momento consumativo será aquele em que a coisa for levada para local calmo, tranquilo, de livre escolha do agente, culminando no sucesso do iter criminis; (IV) amotio ou apprehensio rei – o crime se consumará com a inversão da posse , ainda que seja por curto espaço de tempo e não seja mansa e que não saia da esfera patrimonial da vítima. O presente trabalho não comporta o estudo pormenorizado de cada uma das teorias, mas cumpre destacar que o STF e o STJ preferem esta última teoria para firmar a consumação do furto.

[241] Não podemos nos referir à negligência subjetiva como negligência imprópria porque esta é reservada, doutrinariamente, à legítima defesa putativa punível a título de negligência (CP, art. 20, § 1º). Não gosto disso, mas está assim.

[242] ZAFFARONI, Raúl Eugenio; PIERANGELI, José Henrique. Da tentativa. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1.995. p. 111.

[243] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2000. v. 1, p. 133.

[244] Não se olvide que elemento normativo do tipo é aquele que exige o conhecimento de outra norma jurídica, que pode ser alcançada em outras leis ou na sociedade.

[245] NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 107.

[246] TAVARES, Juares. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2.000. p. 163.

[247] Vide as Ordenações Afonsinas e as Ordenações Manuelinas, que vigeram de 1500 a1521 e de 1521 a 1603, respectivamente, no Brasil, cujos artigos quintos previam que o cônjuge adúltero (mulher, é lógico) deveria morrer, sendo que o perdão ensejaria o uso de “guirlandas com senhas de corno” e, mais, o perdão do terceiro que com a mulher adúltera se deitasse ensejava o açoite em praça pública e o degredo para a África.

[248] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 45.

[249] A Polícia Militar faz policiamento ostensivo fardado. Como seus grupos trabalham em veículos automotores, patrulhando diversos locais, são, normalmente, denominados Patrulhas Ostensivas Tático-Auto, o que levaria a concluir que ROTA seria a abreviação de Rondas Ostensivas Tático-Auto. Não obstante, esta – ROTA – é abreviatura de Rondas Ostensivas Tobias Aguiar.

[250] A discussão está inserida no Processo n. 2001.34.00.016651-8, protocolado em 5.6.01, e distribuído à 10ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal.

[251] ZAFFARONI, Raul Eugenio e PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 551-552.

[252] Ibidem. p. 566.

[253] JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2.003. p. 207.

[254] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2000. v. 1, p. 118-119.

[255] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito penal – parte geral. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 13.

[256] GOMES, Luiz Flávio. Princípio da ofensividade no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. passim.

[257] ROXIN, Claus. Os problemas fundamentais do direito penal. 3. ed. Lisboa: Vega, 1998. p. 28: “O Direito Penal é subsidiário. Ou seja: somente se podem punir as lesões de bens jurídicos e as contravenções contra fins de assistência social, se tal for indispensável para uma vida em comum ordenada. Onde bastem os meios do direito civil ou do direito público, o direito penal deve retirar-se”. (sem grifo no original)

[258] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 1, p. 14.

[259] Vide seu perfunctório estudo jusfilosófico em: TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 23-125.

[260] GRECO, Luíz. A teoria da imputação objetiva: uma introdução. In ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 176.

[261] SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000. p. 57.

[262] SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000. p. 59.

[263] SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000. p. 60.

[264] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. A Lei n. 12.015, de 7.8.2009, mantém grave equívoco. Juiz de Fora: Universo Jurídico, ano XI, 24.8.2009. Disponível em: <http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/6457/A_Lei_N_12015_de_782009_Mantem_Grave_Equivoco>. Acesso em: 2.3.2012, às 2h16.

[265] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 1. ed. 4. tir. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975, p. 754.

[266] LEAL, João José. Direito penal geral. São Paulo: Atlas, 1998, p. 240.

[267] Cf. LEAL, João José. Direito penal geral. São Paulo: Atlas, 1998. p. 242.

[268] BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 1, p. 369.

[269] GOMES, Luiz Flávio. Princípio da ofensividade no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. passim.

[270] BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit.. p. 369.

[271] WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. passim.

[272] Dispunha a Lei n. 8.069/1990: “Art. 233. Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a tortura: Pena - reclusão de um a cinco anos. § 1º Se resultar lesão corporal grave: Pena - reclusão de dois a oito anos. § 2º Se resultar lesão corporal gravíssima: Pena - reclusão de quatro a doze anos. § 3º Se resultar morte: Pena - reclusão de quinze a trinta anos”.

[273] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2000. v. 1, p. 170.

[274] JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. v. 1, p. 304.

[275] COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. v. 1, t. 2, p. 839.

[276] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. 11. ed. São Paulo: Atlas, 1996. v. 1, p. 166.

[277] TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 148.

[278] Ibidem. p. 149.

[279] Ibidem. p. 152.

[280] Ibidem. p. 155.

[281] CAMPOS, Cynthia Amaral. O que se entende por tipo total de injusto? São Paulo: Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes, 14.10.2008. Disponível em: <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20081013191819180&mode=print>. Acesso em: 3.3.2012, às 12h11. Esse texto faz referência expressa a, isso sem indicar a fonte: CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral. 8. ed. Salvador: JusPODVM, 2020. p. 321.

[282] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 160.

[283] COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. v. 1, t. 2, p. 852.

[284] COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. v. 1, t. 2, p. 857.

[285] COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. vol. 1, tomo 2, p. 864-865.

[286] Ibidem.

[287] Ibidem. p. 866.

[288] Ibidem.

[289] GOMES, Luiz Flávio. Norma e bem jurídico no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 14.

[290] COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. v. 1, t. 2, p. 880.

[291] Ibidem. p. 881.

[292] Ibidem. p. 882

[293] Ibidem.

[294] TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 118.

[295] No mesmo sentido, João José Leal entende que se houver, na prática, alguma aparente causa excludente da ilicitude, será, na verdade, excludente de culpabilidade, por inexibilidade de conduta conforme o Direito (in Direito Penal Geral. São Paulo: Atlas, 1998. p. 248).

[296] WELZEL, Hans. Direito penal. Campinas: Romana, 2003. p. 106.

[297] WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal: uma introdução à doutrina finalista da ação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 11-20.

[298] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 215/216.

[299] O exemplo é nosso, visto que o exemplo do autor é o furto, posição da qual discordamos, conforme demonstraremos logo a seguir. Observe-se que, com propriedade, o autor informa que a aquiescência da vítima ao crime de sedução, por exemplo, constitui irrelevante criminal.

[300] O autor faz verdadeira confusão, tendo em vista que indica como exemplo o sequestro ou o cárcere privado (CP, art. 148). Ora, a liberdade é bem jurídico disponível, sendo o dissenso essencial. Parece-nos que o melhor exemplo seria o furto. Não obstante, para não cairmos em efetivo casuísmo vazio de técnica, preferimos dizer apenas que é a iniciativa da ação penal que efetivamente passará a importar, conforme veremos adiante.

[301] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. vol. 1, p. 262-264.

[302] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 172.

[303] COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito penal: parte geral. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 1062.

[304] FULLER, Lon L. O caso dos exploradores de cavernas. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1996. passsim.

[305] FRANCO, Alberto Silva et al. Código penal e sua interpretação jurisprudencial. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. v. 1, t. 1, p. 355.

[306] STF. Plenário. ADPF n. 779-DF. Min. Dias Toffoli. Disponível em: <chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://peticionamento.stf.jus.br/api/peca/recuperarpdf/15346469193>. Acesso em: 24.10.2022, às 13h28.

[307] LISZT, Franz von. Tratado de direito penal. Campinas: Russell, 2003. t. I, p. 241.

[308] COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito penal: parte geral. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. v. 2, p. 1083.

[309] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 1, t. II, p. 283-286.

[310] Ibidem. p. 286.

[311] Tomando por base a posição simplista de De Plácido e Silva, offendicula constitui obstáculo que é colocado para proteção da propriedade (SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 571).

[312] AMENDOLA, João. Dicionário Italiano-Português. 2. ed. São Paulo: Hemus, 1976. p. 651.