quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

A importância do conceito de crime militar próprio.

É importante notar que a lei entende que não se consideram, para efeitos de reincidência, os “crimes militares próprios e políticos” (CP, art. 64, inciso II). Sobre os crimes militares, escrevemos alhures:
Os critérios para definição dos crimes militares em tempo de paz estão previstos no art. 9º CPM, enquanto os critérios dos crimes militares em tempo de guerra, estão previstos no art. 10. Os critérios para a classificação dos crimes militares são: ratione processum (crimes militares porque julgados pela Justiça Militar); ratione materiae (crimes militares em razão das matérias serem da jurisdição do tribunal militar), ratione personae (crimes militares porque os agentes são militares, quando atuam nessa qualidade), ratione loci (delitos militares em razão dos fatos terem ocorrido em lugares sujeitos à administração militar) e ratione temporis (crimes praticados em situações anormais, v.g., guerra, rebelião, e de sítio).[1] Por outro lado, a doutrina menciona os crimes militares próprios e os impróprios.
A Lei nº 9.299/1996 alterou o art. 9º do CPM, estabelecendo no parágrafo único do referido artigo, que os crimes dolosos contra a vida serão julgados pelo Tribunal do Júri. Ao nosso sentir, trata-se de preceito inconstitucional porque a justiça militar, conforme preceituam os art. 124 e 125, § 4º, da CF, serão julgados pela Justiça Militar. Nesse sentido, preleciona Célio Lobão:
‘O parágrafo único do art. 9º, de conteúdo processual penal militar, ao proclamar, na região árida da inconstitucionalidade, que compete à Justiça comum processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida praticados por militar contra civil, evidentemente, violentou as normas expressas nos art. 124 e 125, § 4o, da Constituição. Inconstitucionalidade cristalina’.[2]
O STF decidiu que o “crime propriamente militar é o que só por militares pode ser cometido, isto é, o que constitui uma infração específica e funcional da profissão do soldado”.[3] O crime impropriamente militar, por sua vez, é de difícil definição, sendo determinado por circunstâncias alheias ao elemento constitutivo do fato delituoso, a saber: instituições militares, ordem administrativa militar, bem tutelado sob administração militar, qualidade de militar do agente e ofendido, local sob administração militar, exercício de função militar e utilização de material bélico sob guarda (ou fiscalização, ou administração) militar.[4]
Com nova lei, tentou-se transferir o caso denominado de ‘Chacina do Carandiru’ para a Justiça comum, mas o STJ entendeu que a norma do art. 9º, parágrafo único do CPM tem conteúdo material, adotando a doutrina processualista, ou seja, crime militar é aquele julgado pela Justiça Militar.
Não se deve olvidar, porém, que a distinção dos crimes militares, segundo a classificação dos mesmos, é meramente acadêmica, pois crimes militares, próprios e impróprios, são aqueles descritos na lei penal militar, os quais serão julgados pela justiça militar”.[5]
O que disse sobre ser a distinção meramente acadêmica, não tem aplicação aqui, tendo em vista que é mister distinguir crime militar próprio de impróprio, isso para efeitos de reincidência. Preferimos orientação diversa daquela esposada pelo STF, construída no sentido que é crime militar próprio somente aquele que só pode ser praticado por militar. O crime de insubmissão é, ao nosso sentir, crime militar próprio, embora só possa ser praticado por civil. Acerca dele escrevi:
“O crime de insubmissão encontra-se previsto no CPM, para atingir aquele que é convocado e deixa de apresentar-se para o serviço militar, bem como o que, após licenciado, não se apresenta na data designada [CPM, art. 183 usque 186]. É um crime militar que só pode ser praticado por civil, pois a sua consumação se dá antes da incorporação”.[6]
É melhor entender que o crime militar próprio é aquele que afeta imediatamente a disciplina e a hierarquia militar, mesmo que praticado por civil e que não haja o concurso de militar. Por isso, entendo que a posição do STF, mencionada um pouco antes, merece reparo, tendo em vista que não se restringe ao crime que só pode ser praticado por militar, mas a todo delito que se relaciona com a atividade militar propriamente dita, classificando-se, portanto, o crime de insubmissão dentre os crimes militares próprios.
A condenação por crime militar próprio e depois por crime comum não enseja reincidência. Do mesmo modo, a prática de crime político anterior não induz à reincidência.

[1] LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito Penal Militar. São Paulo : Atlas, 1995, p. 31.
[2] LOBÃO, Célio. Direito penal militar. Brasília : Brasília Jurídica, 1.999, p. 112.
[3] Cf. FERREIRA, Célio J. Lobão. Direito Penal Militar. Brasília : Senado Federal, 1975, p. 3.
[4] FERREIRA, Célio J. Lobão. Op. cit., p. 4/5.
[5] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Prescrição penal. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 161/162.
[6] Ibidem. p. 173.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Possuir sexualmente pessoa embriagada pode constituir estupro.

Embriagar mulher para obter a satisfação da lascívia será posse sexual mediante fraude. No entanto, encontrar mulher em coma alcoólica e praticar ato sexual com ela será estupro de vulnerável.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Embriagar pessoa para praticar ato sexual com ela constitui estupro?

A resposta é negativa. A posição de outrora não pode prevalecer, porque toda ordem jurídica foi modificada tornando completamente inconcebível ver na mulher embriagada a condição de vulnerável. Com efeito, o art. 213 do CP dispõe:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2o Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
Observe-se que o estupro qualificado do § 1º transcrito será apenado com reclusão de 8 a 12 anos, ainda que resulte em lesão grave. De outro modo, o estupro de vulnerável, na forma simples, está assim tipificado:
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
Não me parece razoável tratar a fraude de forma mais severa que a violência ou grave ameaça, ainda que resulte em lesão grave. Razão de entender aplicável à hipótese a posse sexual mediante fraude, assim tipificada:
Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
Parece-me evidente que a proporcionalidade e a especialidade recomendam que a resposta para a pergunta em epígrafe seja a seguinte:
- Não. Haverá posse sexual mediante fraude.