domingo, 25 de fevereiro de 2024

As manifestações populares de hoje, 25.2.2024, feitas em favor de Bolsonaro, trouxeram pedido que encontra óbice na Constituição da República Federativa do Brasil

Foram convocadas pessoas para apoiarem Bolsonaro, hoje (25.2.2024), em face das investigações policiais que o remetem aos atos golpistas de 8.1.2023. É fato notório que ele, em seu discurso, minimizou a “minuta do golpe” e pediu a concessão de anistia para os condenados pelos atos antidemocráticos da referida data do ano passado – nas palavras da Ministra Aposentada Rosa Weber, dia da infâmia. Tal pedido é notório, portanto, prescinde de provas.

O ex-Presidente Jair Bolsonaro não é Bacharel em Direito, mas os cursos de formação de Oficiais das corporações militares têm Direito Criminal em seus currículos e ele foi parlamentar por diversas legislaturas, portanto, deveria saber que os benefícios que exigem condenação para serem concedidos são a graça e o indulto, espécies de perdão do príncipe (indulgentia principis).

Nos dias 13 e 14.9.2023 foram levados a julgamento três acusados pelos crimes do dia 8.1.2023, tendo sido apreciada primeiro a Ação Criminal n. 1.060. Durante esse julgamento, repetidamente, o Ministro Gilmar Mendes chamou a atenção para a gravidade dos fatos, objetos de mandado constitucional de criminalização.

No tocante aos psicotrópicos ilícitos, sou antiproibicionista. Porém, não me canso de alertar que não posso defender a descriminalização do tráfico ilícito de psicotrópico porque a Constituição Federal determina que ele seja crime, ela contém mandado constitucional de criminalização.

Veja-se os mandados constitucionais de criminalização aos quais me refiro:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;

Na Constituição Federal existem outros mandados constitucionais de criminalização, os quais traduzem a importância atribuída a tais crimes pela ordem constitucional. Aqui, interessa-nos a ação de grupos armados contra a ordem Constitucional e o Estado Democrático.

Durante o período de austeridade militar (de 1964 a 1985), foi instituída a Lei n. 7.170, de 14.12.1983 (Lei de Segurança Nacional). Tal lei era carente de técnica, tendo sido objeto de muitas críticas doutrinárias. Recentemente, ela foi revogada expressamente pela Lei n. 14.197, de 1.9.2021 (art. 4º). A nova lei inseriu o Título XII na Parte Especial do Código Penal (Dos crimes conta o Estado Democrático de Direito) e, dentre eles, inseriu o Capítulo II (Dos crimes contra as instituições democráticas), com dois artigos, que trazem os crimes de Abolição violenta do Estado Democrático de Direito[1] e de Golpe de Estado.[2] Assim, tais crimes são inafiançáveis.

A anistia, diversamente da graça e do indulto (estes se dirigem a condenados), se dirige a fatos, produzindo os mesmos efeitos da abolitio criminis, retirando os efeitos criminais da condenação e, caso a lei concessiva da anistia faça a previsão, poderá gerar efeitos civis em favor dos anistiados. De qualquer modo, conforme consta do art. 5º, inciso XLIV, da CF (transcrito), a anistia é incompatível com os crimes dos artigos 359-L e 359-M do Código Penal.

Questionado por um amigo sobre a literalidade do art. 5º inciso XLIV, que só proíbe a fiança e a prescrição, respondi que, embora sendo garantista, entendendo que todos os direitos e garantias individuais fundamentais são ponderáveis. Por isso, entendo que o STF poderá equiparar as condutas do inciso LIV ao do inciso anterior, até porque mais graves do que alguns crimes hediondos e assemelhados. Por outro lado, a anistia deve se dirigir a fatos, não a um grupo determinado de pessoas.

A anistia da Lei n. 6.683, de 28.8.1979, é constitucional porque beneficia agentes dos governos militares de então e opositores a ele, prevendo, inclusive, a reparação de danos civis aos oprimidos. No caso de 8.1.2023, a anistia seria parcial, atendendo somente ao interesse dos golpistas de então e, portanto, carente de legitimidade.



[1] Código Penal:

Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

[2] Código Penal:

Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência.