sexta-feira, 30 de março de 2012

Criança e adolescente tem dignidade sexual a ser protegida


Publiquei um artigo, em http://www.sidio.pro.br/ProstituiçãoInfantil.pdf, no qual sustentei:
Hoje, 29.3.2012, vi em uma rede social uma postagem jocosa sobre notícia publicada na página eletrônica “Folha.com”, intitulada Acusado de estuprar prostitutas menores é inocentado no STJ.[1] Inicialmente, pensei ser a matéria antiga, mas verifiquei ser a mesma recente, [2]
Tendo constatado a veracidade da informação, publiquei o seguinte comentário:
Ainda que se considere "profissional", menor de 14 anos não pode trabalhar. Assim, sua atividade "profissional" será ilícita. Concordo Brenda, a decisão do STF, relatada pelo Min. Marco Aurélio, dizia que a presunção da incapacidade da vítima é iuris et de iure (absoluta). É presunção iuris tantum (relativa) a do agente conhecer a menoridade da vítima. O STF ratificou esse entendimento em outros julgados. Ferri dizia que é exigível especialização de Juízes criminais, sendo que não sei se Maria Thereza de Assis Moura (embora especialista e doutora em Direito Criminal) não se bandeou para o abolicionismo do Direito Criminal, defendido por muitos membros do IBCCRIM.
Depois do comentário, decidi que deveria publicar algo mais detalhado a respeito do assunto, sendo que já tive oportunidade de discorrer um pouco sobre a matéria em outras oportunidades e devo retornar ao assunto porque é atual e intrigante.
(...)
O crime de estupro passou por grande transformação, sendo que está incluído dentre os denominados crimes contra a dignidade sexual (Título VI da PE/CP), mais especificamente, é um crime contra a liberdade sexual (Cap. I do Tít. VI, da PE/CP), estando previsto da seguinte maneira:
(...)
Já tive oportunidade de proferir palestras e escrever sobre a Lei n. 12.015, de 7.8.2009, fazendo severas críticas a ela. De qualquer modo, os artigos transcritos decorrem da referida lei.
Em artigo que publiquei sobre a matéria, tratei da classificação do delito,[3] remetendo o leitor ao que ali escrevi, eis que o objetivo deste texto é tratar especificamente da presunção de violência no estupro de vulnerável. Ocorre que o crime da decisão da notícia que motiva o presente estudo é anterior à redação transcrita, aplicando-se a lei anterior, eis que a Lei n. 12.015/2009 constitui novatio legis in peius ou lex gravior e, portanto, é irretroativa.
(...)
A decisão me parece equivocada, sendo que espero que o STF, em defesa do princípio da legalidade, restabeleça a visão de que a presunção de violência é absoluta, ou seja, caso o agente saiba ser a vítima menor de 14 anos, deverá se submeter aos rigores do DCrim.
(...)
Venho alertando os alunos e a sociedade para as grandes transformações que são pretendidas na Filosofia e no Direito. O funcionalismo criminal, decorrente do funcionalismo filosófico, vem dando ensejo às apreciações tópicas dos casos sob o manto de buscarem a justiça do caso concreto. Todavia, é melhor ter um modelo, como aquele garantista apresentado por Luigi Ferrajoli.[10]
A tópica gera o risco de ficar fora do controle na jurisprudência.[11] De qualquer modo, embora Ferrajoli diga que Luhmann (este último favorável a um funcionalismo baseado na biologia) “adota uma nova metafísica determinista”[12] – com o que concordo, sustento que há uma convergência entre o seu garantismo e o funcionalismo,[13] isso porque os funcionalistas Luhmann e Habermas propõem uma construção do Direito que observe à necessária tradição, para que não ocorram modificações abruptas na sociedade complexa.
(...)
6. CONCLUSÃO
Membros do Ministério Público devem recorrer da decisão do STJ e buscar reverter a decisão, esperando-se com isso corrigir o equívoco de transferir às crianças e adolescentes de tenra idade as sérias decisões sobre os atos sexuais.

 


[1] VIANA, Brenda. Sala da Justiça. Disponível em: <http://www.facebook.com/groups/ 245426465544731/266627220091322/?comment_id=266652490088795&notif_t=like>. Acesso em: 29.3.2012, às 11h50.
[2] FOLHA.COM. Acusado de estuprar prostitutas menores é inocentado no STJ. São Paulo: Folha de São Paulo, cotidiano, 27.3.2012. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ cotidiano/1068097-acusado-de-estuprar-prostitutas-menores-e-inocentado-no-stj.shtml>. Acesso em: 29.3.2012, às 12h26.
[3] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Breves Comentários à Lei n.12.015, de 7.8.2009. Juiz de Fora: Universo Jurídico, ano XI, 23.7.2010. Disponível em: <http://uj.novaprolink.com.br/ doutrina/7054/Breves_Comentarios_a_Lei_N_12015_de_782009>. Acesso em: 29.3.2012, às 13h30.
[10] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
[11] LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 203. 
[12] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 719.
[13] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Garantismo: uma sólida construção doutrinária. Teresina: Jus Navigandi, ano 14, n. 2345, 2.12.2009. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/13947>. Acesso em: 29.3.2012.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Globalização econômica e loucura: ataques às instituições de ensino

Estou muito preocupado com os destinos da civilização. Elaborei, anteontem, minuta de notitia criminis contra pessoa desconhecida porque ela incitava o crime contra categorias de pessoas da Universidade de Brasília (UnB). Ontem, a pessoa que falaria com membro do Ministério Público Federal não sabia como a notícia tinha vazado, mas alguém tinha publicado uma mensagem de desprezo às nossas tentativas de encontrar o agente de crimes de racismo e incitação ao crime, entre outros.

A publicação de que não estava preocupado com as medidas que estávamos adotando me tranquilizou porque seria alguém de perto. Porém, pode haver pessoa externa como articuladora.

O pior das publicações era o risco de doentes mentais realizarem um ataque contra discentes e docentes da UnB. A prisão de Emerson Eduardo Rodrigues e Marcelo Valle Silveira Mello tranquiliza um pouco, mas eles são inocentes e poderá ocorrer de serem absolvidos. Porém, o desastre está feito: pessoas podem praticar crimes decorrentes de discriminações tolas, atingindo instituições de ensino, em face do fomento concretizado.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Uma incoerente e irracional homenagem às mulheres?

Rendo aqui homenagem à minha mulher, Adriane, e às minhas filhas, Millene e Giovanna, bem como às inúmeras mulheres que conheço, dentre elas algumas pelas quais sinto efetivo amor (por exemplo, mãe, sogra irmãs etc.). Porém esta é uma homenagem incoerente, eis que não acredito nos seus fundamentos, e despida de racionalidade, visto que não pode ser razoável defender a isonomia para proteção da dignidade da pessoa humana equiparando diferenças.

Proferi parecer contrário às cotas exclusivamente raciais para ingresso na Universidade de Brasília (UnB)[1] e, pelas mesmas razões, sou contra estabelecermos o dia da mulher (fêmea), o dia do macho, o dia do homossexual etc., pois não posso compactuar com a equiparação de grupos que pertencem à mesma classe de seres, à raça humana.
A equiparação pressupõe a existência de grupos, sujeitos, objetos etc. diferentes, quando todos os seres humanos são, ou deveriam ser, iguais. Assim, proteções normativas para equiparação de pessoas devem ser aquelas concretas, no tratamento da recriminação ao preconceito social, que tem reflexos políticos, administrativos, trabalhistas etc.
Foi por discordar das diferenças absurdas que proferi parecer favorável à regulamentação urgente da utilização de nome social na UnB, onde afirmei ser necessário “enfrentar a discriminação e a ofensa de pessoas que optam por utilizarem nomes diversos daqueles constantes dos seus registros civis, seja por orientação sexual ou qualquer outro motivo lícito”.[2]
As razões para a escolha de 8 de março para comemorar o dia das mulheres tem ligação com a concepção de elas “faziam parte das classes perigosas”.[3] O interessante é que a proposta partiu de uma Deputada tudesca, ou seja, provém de um povo sem tradição em respeitar direitos fundamentais da pessoa humana.
Não se pode valorizar grupos feministas, como não se pode valorizar os defensores dos negros, da raça ariana etc. O mundo não é, ou não deveria ser bicolor, assim como não pode estar divido em sexos. Este, o sexo, lexicologicamente significa a “conformação particular que distingue o macho e a fêmea”. Ora, não há nada mais obsoleto do que pretender distinguir e apartar as pessoas por terem pênis ou vagina, que é aquilo que permite falar em sexos diferentes.
Isonomia, embora relativa, pressupõe igualdade e, no tocante às mulheres, são tão pessoas quanto os homens, sendo incoerente voltar às figuras do macho e da fêmea para estabelecermos mais (sub)sistemas sociais.
Nikas Luhmann, colhendo a orientação sociológica de Talcott Parsons, dizia que a comunicação na sociedade complexa pressuporia que os seus (sub)sistemas fossem diferentes senão seria impossível a reflexividade.[4] Ora, como pretender unificar na mesma classe de pessoas humanas seres diferentes que precisam ser equiparados normativamente?
Aos partidários de movimentos machistas, feministas, etc. digo que a igualdade não pode ser feita naturalmente, como se tudo tivesse uma leitura divina ou natural que nos impusesse um conhecimento a priori. Ainda que fosse assim, o ser humano deveria dizer “penso logo existo”, ou parafraseando Nietzsche: “Eu sou alguém e, sobretudo, não confundais com os outros”.[5]
Cada pessoa, independentemente de ter pênis, de ter vagina, de vestir indumentárias caras ou baratas, da cútis etc. é uma pessoa. A dignidade dará a cada uma delas o direito, de mesmo gostando de ser homem ou mulher, usar roupas que a sociedade considera próprias do sexo oposto, usar nomes que pareçam estranhos etc. tudo sem discriminação, isso porque a dignidade representa a junção em um mesmo direito fundamental de um grande número de direitos fundamentais que permitirão à pessoa firmar-se como tal.
Nada pode ser mais paradoxal e até mesmo contraditório do que pretender unificar distinguindo. Daí não admitir a criação de grupos machistas, feministas racistas, racialistas etc.
Ante o exposto, a maior homenagem que posso fazer às mulheres que amo e a todas as mulheres do mundo, será dizer que hoje é um dia como outro qualquer e que cada uma delas tem o direito de se firmar da maneira que bem entender. Cada uma deverá ter a sua própria dignidade e se firmar como uma pessoa, não se confundido com outra. Com isso, evitar-se-á criar grupos sectários, os quais prejudicam o desenvolvimento da racionalidade social e, portanto, humana.


[1] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Procuradoria entende que regime de cotas na UnB é impossível, por ausência de critério científico. Teresina: Jus Navigandi, ano 15, n. 2585, 30.7.2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/17073>. Acesso em: 8.3.2012, às 10h50.
[2] MESQUITA JÚNIOR, Processo UnBDoc n. 9.256/2012. Disponível em: <http://www.sidio.pro.br/NomeSocial.pdf>. Acesso em 8.3.2012, às 11h15.
[3] CARTA MAIOR. 8 de março: as mulheres faziam parte das “classes perigosas”. Disponível em: <http://www.cartamaior.com.br/templates/ materiaImprimir.cfm?materia_id=16437>. Acesso em: 8.3.2012, às 11h30.
[4] LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985, p. 18.
[5] NIETZSCHE, Friedrich. Ecce Homo. São Paulo: Martin Claret, 2.003. p. 31.

segunda-feira, 5 de março de 2012

regulamentação de cadastro e uso do nome social na Universidade de Brasília

Proferi parecer jurídico em processo administrativo, o qual teve a seguinte ementa:


EMENTA: UTILIZAÇÃO DE NOME SOCIAL. REGULAMENTAÇÃO. NECESSIDADE. A regulamentação da autorização para cadastrar e possibilitar a utilização é mais do que útil e amparada pelo sistema de normas, é providência necessária.


Transcrevo partes do mesmo a seguir, sendo que a íntegra está disponível em http://www.sidio.pro.br/NomeSocial.pdf
O presente processo veio a esta Procuradoria Federal junto à Fundação Universidade de Brasília (PF/FUB) para responder à consulta de discente sobre a possibilidade de se regulamentar os registros e a utilização de nome social para proteção da dignidade de homossexuais, transexuais etc., sendo oportunas as seguintes considerações.

2. O procedimento foi registrado no dia 31.1.2012, o qual, após tramitar internamente, foi distribuído à minha pessoa no dia 15.2.2012. Então, pensei inicialmente em escrever longamente sobre as questões que envolvem o caso vertente, mas entendo que o atual estado de civilização permite uma abordagem sucinta do tema.
(...)
4. Poderia ficar falando aqui sobre Kant e a fundamentação metafísica dos costumes, bem como discorrer sobre a afirmação de Cesare Bonesana (Marquês de Beccaria), no sentido de que uma pessoa, ao dispor dos seus direitos no contrato social, só o faz no mínimo necessário a possibilitar a coexistência social, a fim de dizer que não se pode pretender estabelecer ou manter regras obsoletas apenas para resguardar costumes ultrapassados, costumes metafisicamente estabelecidos ou quaisquer sistemas que sejam alheios à proteção de direitos fundamentais, dentre os quais se insere em grau máximo a dignidade da pessoa humana.

5. A sociedade é complexa e quanto mais plural, mais apta estará para dogmatizar o seu Direito. Portanto, no estágio de civilização que nos encontramos, não é oportuno pretendermos injustificadamente aplicar a literalidade da Lei n. 6.015, de 31.12.1973. Aliás, foi promovida Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), proposta pelo Ministério Público Federal, para ver declarada a inconstitucionalidade do art. 58 da lei nupercitada, o qual dispõe:
(...)
7. Acessei a página eletrônica da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), onde verifiquei que existem portarias, decretos, resoluções e até pareceres desta Procuradoria Federal em favor da regulamentação do nome social para proteção da dignidade da pessoa humana.[3]

8. A AGU, na ADI mencionada, acompanhou o pedido inicial, apenas requerendo que não se elimine o registro civil originário. Ora, se até mesmo o Poder Executivo, representado pela AGU, se manifesta no sentido de julgar procedente a ação, inexiste razão para esta PF/FUB, que integra o sistema de advocacia pública federal, opor resistências ao pedido da aluna.
(...)


11. A UnB pretende ser um centro de excelência acadêmica e como tal deve fomentar a igualdade, o respeito e o desenvolvimento humano digno. Assim, vislumbrando o sistema dinâmico de normas, posso afirmar que é necessária a regulamentação do cadastro e do respeito ao uso do nome social por estudantes e servidores da UnB/FUB, o que deve ser feito imediatamente.
(...)


Ante o exposto, opino favoravelmente à regulamentação imediata do cadastro e uso do nome social, não somente para atender ao corpo discente de graduação, mas também para servidores e alunos da pós-graduação.






[3] ABGLT. Legislação e normas – trasvestis e transexuais: nome social. Disponível em: <http://www.abglt.org.br/port/nomesocial.php>. Acesso em: 5.3.2012, às 18h20.