1. FINALIDADE
Este pequeno texto tem o escopo
de esclarecer um pouco sobre as razões pelas quais não concordo com a “Operação
mãos limpas à brasileira”, ou seja, Operação Lava Jato, a qual vem se
desenvolvendo desde o ano de 2014.
2. A POSTURA DO JUIZ
FEDERAL SÉRGIO FERNANDO MORO
A postura do Juiz Federal Sérgio Fernando
Moro foi anunciada em artigo por ele elaborado em 2004, ocasião em que ele
sustentou:
A publicidade conferida às investigações teve o efeito
salutar de alertar os investigados em potencial sobre o aumento da massa de
informações nas mãos dos magistrados, favorecendo novas confissões e
colaborações. Mais importante: garantiu o apoio da opinião pública às ações
judiciais, impedindo que as figuras públicas investigadas obstruíssem o
trabalho dos magistrados, o que, como visto, foi de fato tentado.[1]
Já informei por diversas vezes que
Maquiavel jamais cunhou a máxima: “os fins justificam os meios”.[2] É
um equívoco pensar que um erro justifica outro. Assim, toda vez que o Juiz
Federal, Membros do Ministério Público ou outros servidores públicos envolvidos
na Operação Lava Jato, a Operação mani
pulite à brasileira, dão publicidade aos fatos, mediante o vazamento do
conteúdo de ligações telefônicas, praticam crime, eis que a Lei n. 9.296, de
24.7.1996, dispõe:
Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de
comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da
Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.
Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.
Não se venha aqui aduzir a
legitimidade da divulgação pelos seus fins, eis que o dolo, desde Hans Welzel,
é o simples pretender praticar a conduta descrita na norma, não incluindo em si
a consciência da ilicitude. Ademais, o elemento normativo do tipo “com
objetivos não autorizados em lei”, resta devidamente preenchido toda vez que se
pretende, em nome de suposto utilitarismo, angariar prestígio público para
praticar novas condutas violadoras da lei e caracterizadoras de crime.
3. A POSTURA DO STF NÃO ESTÁ INDENE DE DÚVIDAS
O Supremo Tribunal Federal tem decidido de
forma tendente a valorizar as ações da Operação Lava Jato, atendendo ao anseio
e às paixões populares. Porém, algumas decisões se destacam, conforme se verá
adiante.
No primeiro semestre letivo do ano de 2016
encontrei um aluno que pretendia ser meu orientado no trabalho de conclusão de
curso e o orientei a discorrer sobre a inconstitucionalidade da prisão do então
Senador da República Delcídio do Amaral.[3]
Com efeito, foi violada a imunidade formal que desautoriza a prisão cautelar,
ainda que em flagrante delito, por crime inafiançável. Nesse sentido, dispõe a
Constituição Federal:
Art. 53. Os Deputados
e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas
opiniões, palavras e votos.
§ 1º Os Deputados e
Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante
o Supremo Tribunal Federal.
§ 2º Desde a
expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos,
salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão
remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto
da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.
Somos do denominado civil law, o que significa dizer que o
nosso Direito é legislado. Assim, especialmente em matéria criminal, toda
conduta violadora da legislação, especialmente da Constituição Federal
constituirá desvio ou abuso de poder. Nesse sentido, dispõe a Lei n. 4.898, de 9.12.1965:
Art. 4º Constitui
também abuso de autoridade:
a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade
individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder;
(...)
d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou
detenção ilegal que lhe seja comunicada;
Ronald Dworkin deu bases
teóricas ao denominado ativismo judicial. No entanto, o poder de criar normas
em nome do ativismo judicial foi desenvolvido para defesa de direitos
fundamentais, não para romper com garantias constitucionais. Embora Dworkin
abra uma sessão, no seu livro Levando os Direitos a Sério, intitulada “Nenhum
direito à liberdade” ele conclui que os “direitos a outras liberdades” são existentes.[4]
O fato é que as lições de
Dworkin, em prol do ativismo judicial e com críticas ao passivismo, não podem
se distanciar da ideia de respeito à legalidade estrita, especialmente em
matéria criminal senão daremos margem ao arbítrio. Com isso, surge a dúvida,
até que ponto o STF não violou a lei ao determinar e manter a prisão do Senador
da República Delcídio do Amaral?
No âmbito da operação mãos
limpas à brasileira, o STF afastou o Presidente da Câmara dos Deputados Eduardo
Cunha, isso em sede de ação cautelar criminal, decisão proferida à unanimidade.
Mas, será que não houve um arbítrio?
Até que ponto o STF tem
poderes para afastar o Presidente da Câmara dos Deputados se ele próprio reconheceu
no voto do relator, Min. Teori Zavascki, que não existem poderes explícitos na
Constituição Federal para tal?
Nem mesmo poderes implícito
a Constituição Federal confere ao STF para cassar mandato de parlamentar por
ato atentatório à disciplina. Foi uma interpretação forçada que levou a decisão
cautelar, sendo que publiquei, em 5.5.2016, em uma rede social que a decisão
não fazia sentido porque a liminar foi proferida nos autos da Ação Cautelar
4.070, cujos autos foram conclusos ao relator no dia 16.12.2016 e, para a data
da decisão, havia sido pautada a Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental n. 402, ou seja, não havia periculum
in mora, uma vez que o Plenário do STF enfrentaria a matéria naquele dia.[5]
Até que ponto o STF pode
invadir a seara disciplinar interna
corporis da Câmara dos Deputados?
Direito não é
tão-somente aquilo que o Supremo Tribunal Federal diz que ele é, razão de ser
necessário enfrentar com seriedade a legalidade como instrumento para limitar a
atuação de órgãos e agentes do Estado, a fim de evitar o arbítrio.
4. DOS RISCOS FINANCEIROS
O sigilo empresarial tem
validade jurídica, uma vez que integra os usos e costumes do mercado. Desvendar
o “risco Brasil”, dar publicidade às práticas mercadológicas das nossas
estatais e sociedades de economia mista incrementam os riscos de danos
financeiros sem precedentes.
Não é bom que a Caixa
Econômica Federal, o Banco do Brasil S.A. e a Petróleo Brasileiro S.A. – PETROBRÁS,
sejam submetidos à indesejada transparência de práticas que só interessam ao
mercado e, portanto, gerarmos o incremento de risco nesses setores da economia,
sob o manto da utilidade da investigação criminal é cegar-se ao sistema
complexo que nos traz à sociedade.
Visões fragmentárias,
lineares, certamente não poderão atender às complexas demandas que o Direito
Econômico nos traz. Daí ser necessária uma visão mais sólida e madura sobre os
fatos.
Desde Epicuro podemos concluir
que as soluções imediatistas, as primeiras ideias que nos vêm à mente para
solução dos nossos problemas, não são as mais sensatas, sendo necessária a
reflexão.[6]
É por isso que me preocupo com uma “operação mãos limpas à brasileira” que
tende a trazer maiores prejuízos do que benefícios.
Manifestei-me em
favor do impedimento da Presidente da República afastada Dilma Vana Rousseff.
Espero que ele ocorra em definitivo, mas isso não quer dizer que eu vá às ruas
para elogiar as práticas criminais advindas da mencionada operação. Aliás, vejo
muitos complicadores de ordem processual porque a competência do Juiz Federal
Sérgio Fernando Moro vem sendo prorrogada por intermédio de delações premiadas,[7]
algumas delas visivelmente imorais,[8]
o que, também, gera a incerteza e o risco de novos crimes, perpetrados sob o
manto de se estar cumprindo a lei.
5. EM DEFESA DO ESTADO DE DIREITO
Em minha tese de
doutoramento defendi a necessária relação entre funcionalismo e garantismo na
defesa de direitos fundamentais no processo criminal, isso porque não gosto de
visões fragmentárias e do desrespeito à legalidade estrita. Um Estado de
Direito está ligado ao respeito hierarquia das normas e à proteção dos direitos
fundamentais, sendo necessária uma abordagem complexa sobre o assunto.
Com Dworkin, digo que os efetivos
juristas são sempre filósofos, pois a doutrina faz parte da análise de cada
jurista sobre a natureza do Direito.[9]
E, é nessa visão mais abstrata e mais generalista que espero ver a abordagem
dos complicados problemas pátrios, especialmente a corrupção, não os reduzindo
apenas às posturas policialescas.
[1] MORO, Sérgio
Fernando. Considerações sobre a operação mani
pulite. In MESQUITA JÚNIOR, Sidio
Rosa de. O artigo de autoria do Juiz Federal Sérgio Fernando Moro, de 2004, sobre
a Operação Mãos Limpas, "Mani Pulite", evidenciando suas práticas na
Operação Lava Jato. Estudos jurídicos e filosóficos. 15.9.2015. Disponível em: <http://sidiojunior.blogspot.com.br/2015/09/o-artigo-de-autoria-do-juiz-federal.html>.
Acesso em: 22.7.2016, às 9h58.
[2] Maquiavel uma vez expressou que “toda ação é designada em
termos do fim que procura atingir”, o que tem ganhado conotação equivocada,
sendo que os incultos a traduzem como sendo “os fins justificam os meios”, o
que é equivocado porque “a razão para Maquiavel não dizer isso se torna muito
clara. Ele não está de forma alguma interessado em justificar os meios, pois
considera-os como os racionalmente destinados a chegar a um fim”. FRIEDRICH,
Cel. J. Uma introdução à teoria política. CASTRO, José Duarte T. de. (org.) Maquivel:
vida e pensamentos . São Paulo: Martin Claret, 1.997. p. 84-85. In MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. O Caso "Mânica" Autoriza a
Duvidar e Enojar, isso em Relação ao Sistema Jurídico-Criminal. Juiz de Fora: Nova
Prolink: Universo Jurídico, ISSN 2177-028X. 29.8.2008. Disponível em: <http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/5752/o_caso_manica_autoriza_a_duvidar_e_enojar_isso_em_relacao_ao_sistema_juridicocriminal>.
Acesso em: 21.7.2016, às 10h08.
[3] SILVA,
Wecsley Paes da. A inconstitucionalidade
da prisão do Senador da República Delcídio do Amaral. Brasília: UDF, defendida
em 13.6.2016.
[4] DWORKIN,
Ronald. Levando os direitos a sério.
São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 409-427.
[5] Disponível
em: <https://www.facebook.com/mesquitajunior/posts/1196592370375515>.
Acesso em: 21.7.2016, às 11h45.
[6] Conf. BOTTON,
Alain de. As consolações da filosofia.
Porto Alegre: L&PM; Rio de Janeiro: Rocco, 2014. p. 75-76.
[7] A Lei n.
12.850, de 2.8.2013, modificou a denominação para colaboração premiada (art. 4º), o que não alterou a sua natureza.
[8] Vejo toda
delação premiada como imoral (MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Comentários à lei antidrogas: Lei n.
11.343, de 23.8.2006. São Paulo: Atlas, 2007. p. 114-116). Porém, a de José Sérgio
de Oliveira Machado fundamenta-se em “prova preparada”, em que o delator foi à
casa do Presidente do Senado Federal e gravou conversas de terceiros, além de
ter telefonado para políticos e autoridades para tentar obter elementos para a
acusação, o que constitui um absurdo. (Sob a chancela “procedimento sob segredo
de justiça”, nos autos dos Inquéritos n. 3.989/DF e 4.215/DF, foi proposta a
homologação da delação premiada, cujo inteiro teor é público. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/06/1782014-veja-integra-da-delacao-de-sergio-machado-que-cita-mais-de-20-politicos.shtml>.
Acesso em: 21.7.2016, às 14h.
[9] DWORKIN,
Ronald. O império do direito. 2. ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 454.