terça-feira, 17 de maio de 2011

Anomia, justiça e felicidade

O presente texto é uma continuação de outro, constante deste blog, intitulado Invasões de áreas públicas no Distrito Federal: um estado de anomia. Na verdade, é uma consolidação de muitos pensamentos que venho desenvolvendo nos últimos tempos, mormente no que se refere à justiça e à felicidade.
Arthur Schopenhauer e outros grandes pensadores foram pessimistas. Sigmund Freud foi extremamente crítico da proposição de que somos destinados à felicidade. Diversamente, os teólogos colocam a felicidade no plano do futuro, de uma vida eterna, posterior a esta vida terrena.
Penso com certa independência intelectual e não me quedo às proposições teóricas que não são razoáveis. Immanuel Kant, por exemplo, propôs que a razão prática estaria na liberdade, mas esta se caracterizaria pelo cumprimento do dever imposto pelo dever ser, em atender ao devir.
Deixei claro, em A pena de morte não é proporcional, mas é justa: análise feita a partir da morte de Osama Bin Laden (postado neste blog), que a justiça é relativa e está intimamente vinculada à felicidade. Porém, até mesmo tal noção precisa ser relativizada.
Quando apresentei fotografias de casas excelentes, localizadas no Setor Habitacional Individual Sul (SHIS) Quadra do Lago (QL) 12. Considerei extrema a construção de uma casa, em face das placas constantes das fotografias abaixo.




Constatei, depois daquelas primeiras fotografias, uma prática muito comum, que é a ilegal captação da água do Lago Paranoá para irrigar os jardins das casas, conforme se pode ver nas fotografias abaixo.

Todas as práticas ilegais evidenciam estado de anomia, mas que, certamente, aos olhos dos invasores de áreas públicas, são condutas justas porque estão contribuindo para a manutenção da área pública, inclusive com lindos jardins, isso a um custo zero para o Distrito Federal.
Abaixo, apresento algumas fotografias da Ponte JK, construída sob escândalos de superfaturamento e utilização de recursos disponibilizados para compras de medicamentos. Daí ter sido também denominada “Ponte dos Remédios”.




Ao ex-Governador do Distrito Federal Joaquim Domingos Roriz, ante tantas obras que fez em favor da unidade federativa, foi injustiçado por terem intentado tantas ações judiciais contra ele, o que inviabilizou, inclusive, seu prosseguimento na campanha para governador do Distrito Federal no ano de 2.010. Porém, essa noção de justiça individual não pode satisfazer a qualquer pesquisa melhor fundamentada.
Os fins não justificam os meios. Desse modo, o administrador público deve realizar grandes obras atendendo aos dois princípios básicos do Direito público em geral: legalidade e supremacia do interesse público sobre o particular.
Por recomendação médica, devo praticar esportes. Em razão de sequelas de um acidente automobilístico, não posso correr como o fazia até 1.994. Então, remo regularmente no Lago Paranoá, o que faço de 3 a 4 vezes por semana. É interessante notar que, nas três últimas semanas, sempre vejo (no mínimo duas vezes por semana) um dos barcos da fotografia abaixo:

A fotografia foi sacada de longe propositalmente, visto que não há razão para identificar os ocupantes. Na lancha gabinada da direita, sempre se divertem três ou quatro rapazes muito jovens com algumas moças. Hoje, dia 16.5.2011 (segunda-feira), lá estavam eles com outro barco acoplado, fazendo churrasco e bebendo, em um grupo de aproximadamente 14 pessoas.

Atribui-se a Dalai Lama um pensamento que recomenda viver cada dia como se fosse o último, coisa que parece que os rapazes da lancha fotografada estão fazendo. Porém, não se pode viver cada dia como se fosse o último. Há o risco de amanhã percebemos que não construímos nada de sólido no passado.
Defendo que o melhor é buscar viver intensamente, mas certo de que a única existência real é a que está na nossa imaginação. Nesse ponto, reconheço que não estou inovando, mas buscando amparo no pensamento de Sartre.
É com base na ideia de que o ser-para-sí é aquele que imagina que proponho a única existência do passado, uma vez que se o passado já se foi, logo não existe. Da mesma forma, o futuro ainda não chegou. Finalmente, o presente está entre dois nadas, existindo, portanto, como um nada. Mas o passado poderá se fazer real em nós, por meio da imaginação.
A minha dúvida sobre a justiça existente na conduta de rapazes que gastam elevados valores em constantes farras no Lago Paranoá consiste sobre a solidez de tal justiça. Qual é a realidade que ela poderá gerar na imaginação deles próprios e daqueles que os reconhecem como contumazes farristas, provavelmente, custeados pelos pais.
Nietzsche dizia que a língua é uma convenção e, portanto, por meio dela não se pode apresentar a realidade. Esta será sempre algo diverso da representação formulada por meio da linguagem. Por entender que isso é correto, devo esclarecer que a noção de justo e de injusto não tem qualquer relação com o cumprimento de leis ou com “dar a cada um o que é seu, segundo o que lhe é de direito” ou, ainda, com suposta realidade demonstrada em processos judiciais.
Um grupo de rapazes passearem de lancha, beberem cervejas e outras bebidas alcoólicas, dançarem e fazerem festas com algumas moças é capaz de trazer felicidade e, em princípio, tudo isso justo.
O sentimento de anomia poderá prejudicar aqueles rapazes, devido à possibilidade de se frustrarem e tenderem até mesmo ao suicídio anômico. É nesse momento que surge uma reflexão: nem tudo que é justo é bom.
Assim como as farras dos rapazes da lancha em comento, as invasões de áreas públicas só tendem à justiça particular. Não pode trazer um sentimento de justiça geral invadir área pública e torná-la de ocupação privativa do invasor. Uma área destinada ao uso comum tenderá mais ao senso de justiça geral do que o estado de anomia que se concretiza, eis que este último tende ao sentimento de justiça privada e muito particularizada.
É melhor que a justiça tenda mais a atender a um sentimento geral de felicidade, mas amparada em um mínimo de racionalidade, ainda que contrária às normas jurídicas. Por isso, é necessário que estabeleçam seguros padrões de comportamento, bem como se possam modificar as estruturas culturais para prestigiar o interesse público em detrimento do particular. Somente assim será possível construir uma sociedade mais justa.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

A pena de morte não é proporcional, mas justa: análise feita a partir da morte de Osama Bin Laden


Usāmah Bin Muhammad bin 'Awæd bin Lādin, Usama Bin Muhammad Bin Ladin, Shaykh Usama Bin Ladin, The Prince, The Emir, Abu Abdallah, Mujahid Shaykh, Hajj, ou The Director, mais conhecido como Osama Bin Laden (10.3.1957 a (24.4.2011?)], filho de Mohammed bin Awad bin Laden (1908 a 1967) e de A'alia Ghanem ou Hamida al-Attas [1.934 a (1997?)], foi morto na cidade paquistanesa de Abbottabad em uma operação secreta de solo da Joint Special Operations Command, isso em um a ação conjunta da Joint Special Operations Command (CIA) com as forças do Paquistão.
Nos Estados Unidos da América (EUA) houve comemoração à morte de Osama Bin Laden quando ela foi anunciada oficialmente pelo Presidente Barack Obama. No entanto, o que se procura aqui dizer não é sobre política, mas sobre Penalogia (estudo científico da pena).
Uma das maiores preocupações dos grandes juristas que conheço tem cunho jusfilosófico, buscando saber se o Direito é ciência e se a justiça é objeto de estudo do Direito. O próprio Hans Kelsen, criador da teoria pura do Direito (pela qual a justiça é questão anterior ao Direito e a ciência não pode se deixar contaminar por valores), afirmou ser impossível encontrar um conceito geral de justiça e ter falhado onde falharam muitos pensadores respeitáveis. Para não deturpar sua lição, transcrevo o que se afirmou a respeito:
“Abri este ensaio com a pergunta: ‘o que a justiça?’. Agora, chegando ao fim, percebo nitidamente que não respondi. Minha única desculpa é que, nesse aspecto, estou em ótima companhia: teria sido muita pretensão levar o leitor a crer que eu poderia ter êxito onde falharam os pensadores mais ilustres. Por conseguinte, não sei, nem posso dizer o que é justiça, a justiça absoluta que a humanidade está buscando. Devo contentar-me com uma justiça relativa e só posso dizer que é a justiça para mim. Uma vez que a ciência é minha profissão e, portanto, a coisa mais importante da minha vida, a justiça, para mim, é a ordenação social sob cuja proteção pode prosperar a busca da verdade. A ‘minha’ justiça, portanto, é a justiça da liberdade, a justiça da democracia: em suma, a justiça da tolerância”.[1]
O anúncio da morte do famoso terrorista fundador e líder da al-Qaeda, organização terrorista responsável por terríveis ataques, sendo maiores os concretizados em 11.9.2001, dos quais resultaram 2.996 mortos, foi feito oficialmente no dia 1.5.2011.
Um conceito geral de justiça, devo concordar com Hans Kelsen, é impossível de ser alcançado. Destarte, a justiça será sempre relativa, sendo que a felicidade do povo americano, possível de se ver em vários veículos de comunicação de massa e na rede mundial de computadores, evidencia que, ao menos aos EUA, há sentimento de harmonia e felicidade.
As fases da vingança (divina, pública e privada) foram marcadas pela despropocionalidade entre o mal perpetrado (delito) e o mal correspondente àquele (a pena). Desde então, há constante busca de proporcionalidade na retribuição (pena) a ser deferida ao infrator da norma, visto que tal infração representa um mal (delito) que merece ser reprimido.
Tobias Barreto afirmava que “a pena, considerada em si mesma, nada tem a ver com a idéia do direito, prova-o de sobra o fato de que ela tem sido muitas vezes aplicada e executada em nome da religião, isto é, em nome do que há de mais alheio à vida jurídica”.[2] Com isso eu devo concordar e digo que a pena tem aplicação concreta, na maioria das vezes, vinculada ao desejo de vingança, seja ela individual ou coletiva.
Não sou a favor da pena de morte, mormente quando executada de modo sumário, sendo que não está clara a excludente de ilicitude ou de culpabilidade que autorizasse a execução do terrorista sem o exercício de contraditório e ampla defesa. De qualquer modo, em se tratando de uma pessoa como Osama Bin Laden, ninguém pretende discutir o respeito aos princípios seculares do Direito, colocando o desejo de satisfação do vingador, propiciador da felicidade, acima de qualquer outro.
No caso do terrorista em questão, até mesmo teses estapafúrdias ganham lugar em severas discussões acadêmicas sob o manto de estar se tratando cientificamente de Direito Criminal, o que já foi objeto de crítica apartada da minha autoria.[3]
Abstraindo os aspectos jurídicos da situação, pode-se afirmar estritamente em relação à sanção, que pena de morte foi pequena. Ela atingiu uma única pessoa, quando o terrorista teria comandado, idealizado ou financiado diversos ataques que resultaram em mais de 3.000 mortes. Então, seria impossível emprestar proporcionalidade ao caso, visto que ele teria que morrer milhares de vezes.
O exposto permite concluir que, embora a pena de morte, na maioria dos casos, se apresente como desproporcional, poderá ter aspecto de justiça, eis que esta é relativa.


[1] Apud LOSANO, Mario G. Apresentação. In KELSEN, Hans. O problema da justiça. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. XXXI.
[2] BARRETO, Tobias. Estudos de direito. Campinas: Bookseller, 2.000. p. 179.
[3] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Direito Penal do inimigo: análise do livro conjunto de Jakobs e Meliá. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2691, 13 nov. 2010. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/17816>. Acesso em: 1 maio 2011, às 8h.