segunda-feira, 27 de março de 2023

Ponte Costa e Silva ou Ponte Honestino Guimarães?

Inaugurada em 1976, a ponte liga a Asa Sul ao Lago Sul (Distrito Federal). Ernesto Geisel, o Presidente da República do momento, deu a ela o nome do seu antecessor Arthur da Costa e Silva, homenagem a um ditador.

Em 2015, o Projeto de Lei n. 130/2015, do Deputado Distrital Ricardo Vale (PT), foi convertido na Lei Distrital n. 5.523/2015, alterando o nome para o do ex-aluno do Curso de Geologia da UnB Honestino Guimarães, desaparecido em 1973. Porém, na onda bolsonarista, surgiram defensores da manutenção do nome de um militar ditador e devido a vícios formais (iniciativa da lei e ausência audiência pública prévia), o que foi acolhido parcialmente.[1] E, em 6.11.2018, o Conselho Especial do TJDFT, à unanimidade, declarou a inconstitucionalidade da Lei Distrital n. 5.523/2015.[2]

O Projeto de Lei n. 1.697/2021, do Deputado Leandro Grass (Rede), após consulta pública, foi convertido em lei, em 2021, alterando novamente o nome da ponte para Honestino Guimarães. Todavia, o Governador Ibaneis Rocha a vetou. Ocorre que, em 13.12.2022, o veto foi derrubado pela Câmara Distrital (Lei Distrital n. 7.196, de 21.12.2022). Assim, hoje, a ponte se denomina Honestino Guimarães.



[1] TJDFT. Juiz anula troca do nome de ponte do Lago Paranoá. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2016/setembro/juiz-anula-troca-de-nome-da-ponte-do-lago-paranoa>. Acesso em: 27.3.2023, às 21h55.

[2] TJDFT. Conselho Especial declara inconstitucional lei que alterou nome da Ponte Costa e Silva. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2018/novembro/conselho-especial-do-tjdft-declara-inconstitucional-lei-distrital-que-alterou-nome-da-ponte-costa-e-silva>. Acesso em: 27.3.2023, às 21h59.

quinta-feira, 16 de março de 2023

Sistema de cotas para oriundos de colégios militares: um erro

Recebi um processo em que a Secretaria de Administração Acadêmica da Universidade de Brasília se manifestou no sentido de não poder informar porque a candidata não constou no rol de aprovados no vestibular. Então apresentei as informações com a seguinte petição:

AO JUÍZO DA xxª VARA FEDERAL CÍVEL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL

Processo n. xxx

Impetrante: xxx

xxx, brasileira, maior, capaz, Secretária Executiva da Secretaria de Administração Acadêmica, vem, à presença desse douto juízo, por intermédio do Procurador Federal designado, para apresentar as informações anexas (SEI, id. 9449286), e documentos comprobatórios da impossibilidade de conhecer a situação fática eis que é o CEBRASPE o executor do certame.

Síntese do procedimento

1. Petição inicial certificada digitalmente no dia 25.2.2023, aduzindo a impetrante que foi aprovada no vestibular para o de Arquitetura e Urbanismo da UnB como aluna cotista originária de escola pública, com renda superior a 1,5 salário, que obteve nota para convocação e não foi convocada, pedindo para ser determinado “à impetrada que homologue a inscrição da impetrante dentro da cota de escola pública” (id. xxx).

2. Foi colacionada vasta documentação, tendente a fazer a necessária prova pré-constituída da ação mandamental. Depois, em 27.2.2023, foi certificada negativamente a prevenção (id. xxx). E, no dia seguinte, esse douto juízo resolveu ouvir as autoridades impetradas, antes de decidir sobre o pedido de liminar. Também, não se manifestou sobre o incabível pedido de gratuidade de justiça (id. xxx).

3. No dia 2.3.2023 foi certificada a notificação e intimação da autoridade impetrada que ora presta informações (id. xxx). E, em 4.3.2023, foi certificada a notificação/intimação da Diretora-Geral do CEBRASPE (id. xxx). Por fim, intimada, por intermédio da PRF1, a FUB pedi seu ingresso no feito na forma do art. 7º, inc. II, da Lei n. 12.016, de 7.8.2009.

Da falta de justificativa para eventual gratuidade de justiça

4. Conforme se pode extrair da Carteira de Identidade da impetrante, é filha de Oficial Superior do Exército Brasileiro, o qual notoriamente pode suportar os ínfimos valores das custas judiciais.

Impossibilidade fática de prestar informações sobre fase inicial do certame e da impossibilidade em tese de a impetrante deter direito líquido e certo

5. Preliminarmente, esclarece não ser oportuno ter vários agentes públicos da mesma instituição prestando informações sobre os mesmos fatos. O que se impõe é a oitiva da Diretora-Geral do CEBRASPE porque ele foi o contratado para realização do certame.

6. O CESPE-Centro de Seleção e Promoção de Eventos foi criado pela FUB. Mas, tal centro não mais promove concursos públicos porque houve uma dificuldade administrativa que levou à criação do Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos – CEBRASPE.

7. O CEBRASPE é empresa de direito privado, eis que, com fundamento no art. 1º da Lei n. 9.637, de 15.5.1998, o Poder Executivo editou o Decreto n. 8.078, de 19.8.2013, qualificando o CESPE, sob a denominação de CEBRASPE, como organização social, dispondo:

Art. 1o É qualificado como Organização Social o Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos – CEBRASPE, associação civil com sede em Brasília, Distrito Federal, inscrito no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ sob o número 18.284.407/0001-53, registrado no 2o Ofício de Registro de Pessoas Jurídicas de Brasília, Distrito Federal, sob o n. 000082415, de 13 de maio de 2013, que tem como objetivo realizar atividades de gestão de programas, projetos, apoio técnico e logístico para subsidiar sistemas de avaliação educacional, mediante a celebração de contrato de gestão a ser firmado com o Ministério da Educação.

8. Sem dizer qual será a nova categoria do CEBRASPE, em um arroubo inconsequente, o Decreto n. 11.062, de 4.5.2022, o desqualificou de organização social, mantendo-se a sua existência como ente privado. Isso faz com que a FUB só possa exigir do CEBRASPE o que consta do contrato.

9. Embora a Secretaria de Administração Acadêmica (SAA) seja a encarregada de apreciar os documentos para registro acadêmico e matrícula dos candidatos aprovados no vestibular, o pedido da impetrante versa sobre fase anterior, ou seja, a da inscrição. Ela, certamente, não impugnou atempadamente o indeferimento da sua inscrição para o sistema de cotas, lançando-a ao sistema universal.

10. A aluna é egressa de colégio militar, não se enquadrando no sistema de cotas sociais, até porque estudou em colégio que lhe permite disputar em níveis igualitários aos alunos egressos de escolas particulares. Nesse sentido, informa o TJDFT:

A 3ª Turma Cível do TJDFT negou provimento a recurso de aluno do Colégio Militar Dom Pedro II, que visava assegurar sua participação em vestibular para medicina por meio do sistema de cotas. A decisão foi unânime.

O autor alega possuir todos os requisitos para o ingresso na faculdade como cotista, haja vista ter estudado todo o ensino fundamental e médio em escolas públicas do Distrito Federal. Sustenta que o pagamento de uma taxa de ajuda ao Colégio Militar Dom Pedro II não afasta o caráter público da instituição de ensino, e aventa o preceito constitucional acerca do direito à educação, cujo acesso deverá ser propiciado aos hipossuficientes por meio de uma política compensatória de condições em razão da desigualdade social.

No entanto, o julgador originário explica que não assiste razão ao autor, pois a referida instituição possui um regime híbrido, não pertencendo, de fato, ao ensino público do Distrito Federal. Outro motivo, diz o juiz, "é que em tais instituições de ensino, a qualidade do serviço prestado é excelente, ao contrário das escolas públicas do Distrito Federal, que sofrem com ausência de tudo, professores, merenda, greves sucessivas, etc. e que "a concessão do pedido implicaria em verdadeira burla à finalidade da medida afirmativa estabelecida pela Administração Pública".

Em sede recursal, o Colegiado lembrou que, nos termos da Lei n. 3.361/2004, regulamentada pelo Decreto n. 25.394/2004, a inscrição do candidato no vestibular pelo sistema de cotas requer o cumprimento de requisitos objetivos pelo interessado. Um desses requisitos é o de que o aluno tenha cursado integralmente os cursos de ensino fundamental e médio nas escolas públicas do Distrito Federal.

Assim, a Turma entendeu que o fato de o interessado ter estudado da 1ª à 5ª série no Colégio Militar Dom Pedro II o impede de concorrer ao vestibular como cotista. Isto porque, apesar de ter sido instituída por lei distrital, a instituição de ensino em questão possui natureza híbrida, ou seja, reúne características públicas e privadas. Como os alunos pagam taxa mensal de manutenção e aprimoramento das atividades escolares e os professores civis não são remunerados pelo Distrito Federal, não pode ser equiparada às instituições de ensino da rede pública.[1]

11. Embora a Lei n. 12.711, de 29.8.2012, seja silente quanto aos colégios militares, é indubitável a sua teleologia afirmativa, a qual, notoriamente, não pode incluir oriundos de escolas padrões pois senão restaria violada a isonomia. Nesse sentido é lúcida a matéria jornalística que lembra o privilégio de filho de militares e a desigualdade em incluir até a filha do ex-Presidente da República como suposta merecedora do sistema de cotas de escolas públicas.[2] De todo modo, não se pode afirmar se foi esse o motivo que levou o CEBRASPE a não a considerar como tal, sendo essencial ouvir sua Diretora-Geral.

Pedido

Ante o exposto, requer, após a oitiva da representante do CEBRASPE (indicada como autoridade impetrada) e a regular tramitação do feito, a denegação da segurança.[3]

O que temos é uma tentativa que me faz repensar a proposta de Ronald Dworkin (1931-2013) acerca das ações afirmativas (discriminações compensatórias) necessárias para proteção das minorias. Este é um assunto que me preocupa, pois, conforme alertava Dworkin, por preconceito, posso me deixar influenciar por preferências pessoais que interfiram em preferências externas.[4]

Alhures já me debrucei sobre o assunto porque sou acadêmico e atuo na Procuradoria Federal junto à Fundação Universidade de Brasília, esta última de caráter autárquico, instituída pela Lei n. 3.998, de 15.12.1998, para gerir os recursos humanos e materiais da Universidade de Brasília. Assim, tratando do acesso à universidade pública escrevi:

É fundamental que se observe a igualdade de acesso, a fim de se preservar a universalidade do ensino público. Sem atender aos critérios orientadores da educação (denominados pela Constituição Federal de princípios), será impossível a consecução prática dos seus objetivos.[5] Por isso, é fundamental que se esclareça como tais alunos serão selecionados. Nesse ponto, é oportuna a crítica feita por José Afonso da Silva, no sentido de que pobres pagam seus cursos e ricos estão em universidades públicas[6]. Entretanto, não se pode atender à pretensão de violar a Constituição Federal, a qual estabelece ser a educação direito de todos e dever do Estado (art. 205).[7]

Já me manifestei contra a existência de sistema de cota puramente racial, preferindo a sócio racial. De todo modo, esclareça-se, o STF considerou constitucional o sistema de cotas puramente racial, avaliada por traços fenotípicos dos candidatos. Observe-se:

EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. ATOS QUE INSTITUÍRAM SISTEMA DE RESERVA DE VAGAS COM BASE EM CRITÉRIO ÉTNICO-RACIAL (COTAS) NO PROCESSO DE SELEÇÃO PARA INGRESSO EM INSTITUIÇÃO PÚBLICA DE ENSINO SUPERIOR. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 1º, CAPUT, III; 3º, IV; 4º, VIII; 5º, I, II XXXIII, XLI, LIV; 37, CAPUT; 205; 206, CAPUT, I; 207, CAPUT; E 208, V; TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.

I – Não contraria - ao contrário, prestigia – o princípio da igualdade material, previsto no caput do art. 5º da Carta da República, a possibilidade de o Estado lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número indeterminados de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares.

II – O modelo constitucional brasileiro incorporou diversos mecanismos institucionais para corrigir as distorções resultantes de uma aplicação puramente formal do princípio da igualdade.

III – Esta Corte, em diversos precedentes, assentou a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa.

IV – Medidas que buscam reverter, no âmbito universitário, o quadro histórico de desigualdade que caracteriza as relações étnico-raciais e sociais em nosso País, não podem ser examinadas apenas sob a ótica de sua compatibilidade com determinados preceitos constitucionais, isoladamente considerados, ou a partir da eventual vantagem de certos critérios sobre outros, devendo, ao revés, ser analisadas à luz do arcabouço principiológico sobre o qual se assenta o próprio Estado brasileiro.

V - Metodologia de seleção diferenciada pode perfeitamente levar em consideração critérios étnico-raciais ou socioeconômicos, de modo a assegurar que a comunidade acadêmica e a própria sociedade sejam beneficiadas pelo pluralismo de ideias, de resto, um dos fundamentos do Estado brasileiro, conforme dispõe o art. 1º, V, da Constituição.

VI - Justiça social, hoje, mais do que simplesmente redistribuir riquezas criadas pelo esforço coletivo, significa distinguir, reconhecer e incorporar à sociedade mais ampla valores culturais diversificados, muitas vezes considerados inferiores àqueles reputados dominantes.

VII – No entanto, as políticas de ação afirmativa fundadas na discriminação reversa apenas são legítimas se a sua manutenção estiver condicionada à persistência, no tempo, do quadro de exclusão social que lhes deu origem. Caso contrário, tais políticas poderiam converter-se benesses permanentes, instituídas em prol de determinado grupo social, mas em detrimento da coletividade como um todo, situação – é escusado dizer – incompatível com o espírito de qualquer Constituição que se pretenda democrática, devendo, outrossim, respeitar a proporcionalidade entre os meios empregados e os fins perseguidos.

VIII – Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente.[8]

A Lei n. 12.288, de 20.7.2010, institui o Estatuto da Igualdade Racial, o que é positivo. No entanto, existiam outras categorias a serem alcançadas, especialmente, de pessoas pobres. Daí a mencionada Lei n. 12.711/2012. Da sua justificativa extraio:

Nossa intenção é a de gestar os fundamentos de uma verdadeira elite acadêmica (com "e" maiúsculo e não no sentido pejorativo dos que excluem a maioria da cidadania, mas, ao contrário, dos que apostam decisivamente na sua integração efetiva da sociedade com vista a alcançar o bem-estar social), vale dizer, de professores e pesquisadores capacitados para enfrentarem os desafios da revolução científico-tecnológica do terceiro milênio.[9]

Sabemos que a interpretação teleológica, segundo a vontade, deve ser a objetiva, ou seja, segundo a vontade da lei. A interpretação segundo a vontade do legislador é a subjetiva, a qual converge para a vontade da lei, no sentido de criar uma sociedade mais igualitária. Também, o Decreto n. 7.824, de 11.10.2012, que regulamenta a Lei n. 12.711/2012, evidencia essa pretensão de uma sociedade mais igualitária.

Não se olvide de que a igualdade à qual se refere o art. 5º, caput, da Constituição Federal é relativa, os seja, as pessoas deverão ser tratadas igualmente ou igualmente ou desigualmente, respectivamente, na medida das suas igualdades ou diferenças.

Os colégios militares têm vagas reservadas aos filhos de militares e são, notoriamente, melhores equipados com recursos materiais e humanos que as demais escolas públicas. Assim, não podem ser equiparados às demais escolas públicas para efeitos de seleções em vestibulares de universidades públicas.

Sob a égide de um governo híbrido, de natureza civil-militar, foi emitido parecer vinculante, pelo qual toda AGU e órgãos jurídicos vinculados são obrigados a obedecer, no sentido que os egressos de colégios militares são originários de escolas públicas para os efeitos dos sistemas de cotas das universidades públicas.[10]

Academicamente, não posso concordar com essa posição, embora, profissionalmente, nos termos do cargo que ocupo, seja obrigado cumprir (Lei Complementar n. 73, de 10.2.1993, art. 40, § 1º), esperando que a nova gestão da AGU e o atual Presidente da República altere essa situação. Caso o Parecer n. JL-5 prevaleça inalterado serão mantidos invertidos os fins da Lei n. 12.711/2012 e de seu regulamento, ferindo os princípios da isonomia e da impessoalidade.[11]



[1] TJDFT. Imprensa. Colégio militar não preenche requisitos para o atendimento pelo sistema das. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2014/junho/colegio-militar-nao-preenche-requisitos-para-atendimento-pelo-sistema-de-cotas>. Acesso em: 16.3.2023, às 11h08.

[2] AMADO, Guilherme. Filhos de militares usam cota de universidade para escola pública: Colégios militares têm maioria das vagas reservadas para filhos de militares, que enfrentam concorrência menor no acesso à universidade. Brasília: Metrópolis, 14.11,2021. Disponível em: <https://www.metropoles.com/colunas/guilherme-amado/filhos-de-militares-usam-cota-de-universidade-para-escola-publica>.

[3] Em respeito à dignidade das pessoas e, também, ao necessário sigilo profissional, deixo de indicar dados do caso concreto.

[4] DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 364.

[5] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2.000. p. 814.

[6] Idem. p. 816-818.

[7] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Universalidade do acesso e gratuidade do ensino superior.  Teresina: Jus Naigandi, ISSN 1518-4862, ano 14, n. 2105, 6.4.2009. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/12580/universalidade-do-acesso-e-gratuidade-do-ensino-superior>. Acesso em: 16.3.23, às 13h51.

[8] STF. Tribunal Pleno. ADPF n. 186. Ricardo Lewandowski. Julgamento, em 26.4.2012. Acesso em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=6984693>. Acesso em: 16.3.2023, às 14h18.

[9] LOBÃO, Nice (PFL/MA). Justificativa. Projeto de Lei n. 73, de 1999. Apresentado, em 24.2.1999. Publicado no Diário da Câmara dos Deputados, de 16.3.1999. p. 9546-9547. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD16MAR1999.pdf>. Acesso em 16.3.2023, às 14h54.

[10] AGU. Parecer n. JL-5. José Levi Mello do Amaral Júnior, Processo Administrativo n. 00731.000566/2019-03. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AGU/Pareceres/2019-2022/PRC-JL-05-2020.htm>. Acesso em: 16.3.2023, às 15h35.

[11] Não se olvide que o ex-Presidente da República é Oficial do Exército na reserva não remunerada e que a sua filha estudava no Colégio Militar de Brasília (BASSI, Fernanda; FAGUNDES, Murilo. Filha de Bolsonaro é admitida em colégio militar sem processo seletivo: segundo o Exército, regulamento da instituição de ensino permite a matrícula de alunos em "casos considerados especiais". Poder 360, 28.10.2021. Disponível em: <https://www.poder360.com.br/brasil/filha-de-bolsonaro-e-admitida-em-colegio-militar-sem-processo-seletivo/>. Acesso em: 16.3.2023, às 15h45.

segunda-feira, 13 de março de 2023

Às vezes, a ação de direito processual é inadequada

Apresento parecer que compartilhei porque entendo fundamental atentar para a inutilidade de algumas intervenções judiciais.

NUP: xxx

Ação de despejo cumulada com cobrança n. xxx

Interessados:            xxx

EMENTA: AÇÃO CONDENATÓRIA. PEDIDOS CUMULATIVOS. SUBSÍDIOS.

1. A FUB promoveu ação de despejo pedindo tutela de urgência indeferida. Pedido que pode ser renovado, uma vez que a causa que fundamentou o indeferimento cessou, isso em 31.3.2022.

2. O despejo não é o ideal. Mas, é admitido nos tribunais. Processo suspenso por não localização da pessoa a ser despejada. Possibilidade de substituição ou inclusão de nova pessoa.

3. Descumprimento contratual evidente, a ser apresentado em juízo.

4. Subsídios a serem apresentados a EATE-Matéria Administrativa da Equipe Inter-Regional de Matéria Administrativa das 1ª e 6ª Região.

Senhora Coordenadora de Contencioso,

O presente procedimento se inicia com OFÍCIO n. xxx/2023/EATE-ADM/EIADM-PRF1-PRF6/PGF/AGU, que orienta sobre o atendimento que deve ser feito via SAPIENS valendo-se da funcionalidade "Resposta Comunicação". Ao final, determina que a resposta seja feita até 20.2.2023, sob pena de apuração de responsabilidade (SEI, id. xx).

2. A Servidora xxx, com a excelente diligência que lhe é peculiar, em 10.2.2022, encaminhou os autos a vossa excelência, alertando que os subsídios versam sobre a longa manus judicial, certidões de id. xxx, xxx e xxx, as quais voltarão a ser mencionadas porque apresento o inteiro teor do processo judicial e, desde já, antecipo que farei relatório detalhado do mesmo.

3. A servidora nupercitada juntou a petição inicial da ação (SEI, id. xxx). Os mandados de citação aos demandados e as certidões de que todas frustradas (SEI, id. xxx, xxx, xxx, xxx, xxx e xxx).

4. Foram juntados outros documentos do processo judicial que serão referidos adiante, não o fazendo aqui para evitar bis in idem. De todo modo, em 13.2.2023, vossa excelência encaminhou os autos à Secretária de Patrimônio Imobiliário orientando e solicitando subsídios (SEI, id. xxx).

5. No dia 23.2.2023 a Secretária de Patrimônio Imobiliário pediu prorrogação do prazo até 3.3.2023 (SEI, id. xxx). A seguir, consta importante informação de servidor da SPI, no sentido de que o irmão do contratante não tem interesse em atender a FUB (SEI, id. xxx).

6. Em 3.3.2023, os autos retornaram a esta PF/FUB (SEI, id. xxx) e, no mesmo dia, os autos me foram distribuídos.

7. A petição inicial é de 15.9.2021, tendo por pedido o despejo do locatário e o pagamento de aluguéis vencidos (sendo demandados o locatário e 2 fiadores), além de eventuais danos ao imóvel, a ser devolvido nas condições da entrega na locação (id. xxx).

8. A informação negativa de prevenção se deu no dia 16.9.2021 (id. xxx). No dia 13.1.2022, o juízo da 9ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal decidiu:

Pretende a fundação autora o despejo de inquilino inadimplente.

Não obstante, o STF, na ADPF n. 828/2021, da relatoria do Ministro Roberto Barroso, determinou a suspensão dos despejos e desocupações em todo país.

Posteriormente, foi editada a Lei n. 14.216/2021, que suspendeu, até 31.12.2021, “os efeitos de atos ou decisões judiciais, extrajudiciais ou administrativos, editados ou proferidos desde a vigência do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, até 1 (um) ano após o seu término, que imponham a desocupação ou a remoção forçada coletiva de imóvel privado ou público, exclusivamente urbano, que sirva de moradia ou que represente área produtiva pelo trabalho individual ou familiar” (art. 2º, caput).

Em dezembro de 2021, o Ministro Roberto Barroso proferiu nova decisão monocrática na ADPF n. 828/2021, prorrogando a suspensão de desocupações e despejos, previstos pela Lei n. 14.216/2021, até 31.3.2022.

Nessa direção, inviável o acolhimento do pedido postulado nos autos, diante da suspensão de despejos pelo STF.

Ante o exposto, indefiro a tutela de urgência.

Cite-se. Deverá a parte ré, no prazo de resposta, apresentar todos os documentos destinados a comprovar suas alegações (art. 434 do CPC) e especificar as provas que pretende produzir, justificando sua utilidade e necessidade e indicando as questões de fato que cada uma das provas requeridas visa a esclarecer (art. 336 do CPC).

Decorrido o prazo de resposta, sem manifestação, intime-se a demandante para se manifestar sobre a eventual ocorrência dos efeitos da revelia e especificar as provas que pretende produzir, no prazo de cinco dias (art. 348 do CPC).

Apresentada a resposta, intime-se a parte autora para apresentar réplica, no prazo de 15 dias, e especificar as provas que pretende produzir, justificando sua utilidade e necessidade e indicando as questões de fato que cada uma das provas requeridas visa a esclarecer (arts. 350 e 351 do CPC).

Findo o prazo acima, com ou sem manifestação, venham-me os autos conclusos.

Publique-se. Intimem-se. (id. xxx)

9. Expedidos o mandado de citação, em 21.1.2022, foi certificada a impossibilidade de citar xxx, em face do seu óbito, em 25.9.2016 (id. xxx). Acostou-se sua certidão de óbito (id. 894552056). Todavia, para esclarecimento da demanda, mais esclarecedora é a certidão de id. xxx, in litteris:

Certifico que em cumprimento ao mandado expedido nos autos do processo em epígrafe, em 24.1.2022 às 17h30min, dirigi-me à SQN 214 Bloco J, apto 503, Asa Norte, Brasília – DF, e ali estando, fui atendida pela porteira, que declarou chamar-se xxx, portadora da CI n. xxx-DF, que noticiou que xxx não reside naquele endereço.

Indagada sobre os nomes dos moradores, esclareceu que o imóvel está desocupado, mas não vazio.

Relatou que a mãe do citando faleceu no ano passado e que seus pertences ainda estão no imóvel.

Declarou que é de seu conhecimento que o senhor xxx está fora do Brasil e que seu irmão, Sr. xxx, vai ocasionalmente buscar alguma correspondência.

Solicitei o contato do síndico do prédio, ao que a porteira esclareceu que é o próprio Sr. xxx, irmão do citando e me passou o telefone xxx.

Por aplicativo WhatsApp consegui contato no número indicado. O senhor Marcos, declarou que:

a) É de seu conhecimento que o seu irmão, Sr. xxx está morando no exterior;

b) Que o imóvel está com os pertences de sua mãe;

c) Que ela estava morando no local enquanto o citando estava fora do Brasil, quando faleceu;

d) Que o irmão, lhe disse que retornaria ao Brasil para retirar as coisas dela e fazer a devolução do imóvel;

e) Que o telefone de contato que tinha com o irmão não está mais atendendo e não consegue falar com ele há alguns meses, sendo o número xxx;

f) Que iria providenciar a retirada dos pertences de sua mãe do imóvel.

Posto isto, deixei de citar xxx por não o ter encontrado no endereço apontado e devolvo o presente para apreciação de V. Ex.ª, no aguardo de novas determinações. O referido é verdade e dou fé.

10. xxx não foi citada porque se mudou (id. 899831145). Seguem embargos de declaração da FUB (id. xxx). A esses, houve rejeição (id. xxx).

11. A FUB interpôs embargos de declaração (id. xxx),[1] os quais, em 29.3.2022, foram rejeitados (id. xxx). Nova certidão de Oficial de Justiça ratifica o anteriormente certificado, in verbis:

CERTIFICO que, em 26.4.2022, às 14h12, no(a) QUADRA SQN 214, BLOCO J, APTO 503 – ASA NORTE – BRASÍLIA/DF, DEIXEI de INTIMAR xxx, tendo em vista que:

1) Fui atendido, na portaria do prédio, por pessoa que se apresentou apenas como Raquel e que declarou que era nova no local e que iria pedir informações para a Porteira, xxx, que estava fora da Portaria. Declarou ter ligado para a mencionada xxx e me passou a ligação.

2) A interlocutora declarou ser xxx e, ainda, que: I) o apartamento 503 está atualmente inabitado; II) trabalha há treze anos no local e não conhece o destinatário, que mora no exterior; III) quem morava no apartamento eram os genitores do destinatário, já falecidos.

A pedido da mencionada xxx, que ficou de repassá-los ao irmão do destinatário, deixei meus dados de contato mas, até o momento (27.4.2022, às 21h50), ninguém me procurou.

12. Em 27.4.2022, novamente foi certificada a impossibilidade de intimar xxx, em face da sua morte (id. xxx). Também, novamente se certificou que xxx não reside na SQN 310, bloco A, ap. 205, Brasília-DF, sendo desconhecida pela atual moradora (id. xxx).

13. Em 17.1.2023 sobreveio o despacho que determinou que a FUB se manifestasse sobre as certidões dos Oficiais de Justiça anteriormente mencionadas (id. xxx).

14. Em 27.2.2023, a FUB pediu prazo de 30 dias para se manifestar (id. xxx). Então sobrevieram as diligências mencionadas quando relatei o processo SEI (itens 1 a 6 deste parecer).

15. Em consulta à rede mundial de computadores, concluo que o locatário reside no reino unido, isso em face do "ddd" 44 (id. xxx).

16. O irmão do locatário não é parte, podendo ser compelido a nada. De todo modo, trata-se de imóvel residencial com evidente violação à ao contrato, in verbis:

CLÁUSULA SEXTA: O imóvel destina-se exclusivamente ao uso residencial sendo vedado ao locatário dar-lhe outra destinação, sublocá-lo, cedê-lo ou emprestá-lo, notou em parte, seja a que título for. Se entretanto, o locatário notificar a Fundação da ocorrência de uma das hipóteses prevista nesta cláusula, fica desde já ciente de que o seu eventual silêncio ou inércia não traduzirá consentimento tácito. (id. xxx, p. 14)

17. As diligências empreendidas e as certidões dos Oficiais de Justiça demonstram que os moradores eram os pais do locatário. Há muitos anos eles faleceram e, provavelmente, o que existe é uma herança pobre.

18. Não é a hipótese de despejo porque o imóvel está abandonado. Se existem bens em seu interior, tratam-se de res derelictae, ou seja, coisas abandonadas. A eventual apropriação delas não poderá constituir crime contra o patrimônio.

19. O irmão do locatário, evidentemente, se furta ao contato com os servidores da FUB, até porque ele não é parte e o imóvel vem servindo de depósito, provavelmente, de alguns cacarecos. Quanto aos bens, afirma que o locatário virá ao Brasil para desocupar o imóvel, evidenciando o abandono. Assim, a administração pública deve adotar providências imediatas para imissão na sua posse direta.

20. A FUB, enquanto locatária, é possuidora indireta. Ela está tendo significativo prejuízo financeiro pela manutenção da situação, pouco importando ao locatário sua inscrição no cadastro negativo de pessoas físicas, eis que não será atingido pelos efeitos da inscrição no exterior. Desse modo, a conduta proativa deve ser da administração pública, não da pessoa física locatária.

21. Da forma que o imóvel está, não se adequa conceito de casa, podendo a SPI se valer de chave reserva ou de chaveiro para abrir o apartamento. Isso independente de notificação aos herdeiros, atuais proprietários, visto que eles deixam claro que não pretendem solução amigável. Sobre o imóvel, o Código Penal dispõe:

Violação de domicílio

Art. 150 - Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências:

Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.

§ 1º - Se o crime é cometido durante a noite, ou em lugar ermo, ou com o emprego de violência ou de arma, ou por duas ou mais pessoas:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, além da pena correspondente à violência.

.....................................................................................................................

§ 4º - A expressão "casa" compreende:

I - qualquer compartimento habitado;

II - aposento ocupado de habitação coletiva;

III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade.

§ 5º - Não se compreendem na expressão "casa":

I - hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta, salvo a restrição do n.º II do parágrafo anterior;

II - taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero.

22. Não sendo compartimento habitado, o imóvel não é casa, podendo a FUB, representada por seus servidores, em horário de expediente ir ao imóvel, preferencialmente com segurança porque o irmão do locatário é o síndico do prédio e, provavelmente utiliza o imóvel como depósito. Ali, deve fazer inventário detalhado, inclusive de bens a serem imediatamente descartados por evidente ausência de valor patrimonial ou sentimental. Eles devem ser embalados e transferidos para local seguro, podendo ser alienados ou encampados pela administração pública se não houver manifestação de interesse dos herdeiros em os reaver em prazo razoável: 60 dias.

23. Pelo princípio da saisina, os bens dos genitores do locatário foram transferidos aos sucessores no momento da abertura da sucessão. Os quais, indevidamente, os abandaram em prédio público (embora a destinação seja privada). A devolução dos bens a eles deverá ser precedida do pagamento dos alugueres do imóvel, entre a data da morte da genitora e a data da retirada deles do imóvel, eis que os herdeiros o utilizam como depósito devendo pagar por isso ao preço de mercado.

24. A Resolução do Conselho Diretor da FUB n. 4, de 21.3.2016, classifica seus bens imóveis no art. 1º, tratando dos imóveis destinados à locação no inc. IV. No seu § 3º, o artigo estabelece que a principal finalidade de tais bens imóveis é a geração de receita para UnB.[2]

25. Há muitos anos que se orienta a praxis jurídica a buscar ações de direito material, em desprestígio da intervenção judicial.[3] No caso vertente, a ação de direito processual poderia até ser mantida. Porém, somente, em razão da cobrança que é cumulada ao despejo, uma vez que o despejo, in casu, é prejudicial, retirando o interesse de agir. Quanto à cobrança judicial, ante a morte de um dos fiadores e não localização da outra fiadora, tende à solução do Mercador de Veneza, na qual a sentença condenatória representará apenas uma expectativa de direito, um nada.[4]

26. Enrico T. Liebmann foi um notável processualista, com forte influência no meio jurídico pátrio – até porque aqui residiu – e ainda mentemos os seus contornos sobre a importância das condições da ação. Nesse sentido expus alhures:

Um dos melhores processualistas do Brasil, com quem concordo parcialmente, afirma que condição da ação deixa de ser assim concebida para merecer o status de pressuposto processual (veja-se aqui). No entanto, prefiro dizer que considero mais claro afirmar:

As condições da ação, conforme previstas no Código de Processo Civil de 1973, ganharam contornos distintos no novo diploma processual. Apesar das dúvidas suscitadas, conclui-se que permanecem hígidas, restando na supramencionada categoria composta pelo interesse de agir e pela legitimatio ad causam. A (im)possibilidade jurídica do pedido, como havia proposto Liebman, passou compor o interesse de agir. Pode-se afirmar que o novo CPC, assim como o de 1973, manteve-se fiel à Teoria Eclética de Enrico T. Liebman. [aqui]

Vejo decisões judiciais informarem serem a legitimidade e o interesse meros pressupostos processuais de validade, quando sabemos que pedidos teratológicos podem ser indeferidos por faltarem condições da ação ou pressupostos processuais de existência (legitimidade, interesse e possibilidade do pedido).[5]

27. No caso vertente, fica evidente a falta de interesse de promover ação para despejar quem reside na Europa, não no apartamento cedido aos genitores que já estão mortos há mais de um ano, ou seja, há muito tempo que inexiste posse direta sobre o bem. Estamos diante de falta de condição da ação, ao contrário de simples ausência de pressuposto processual.

28. Consultei a rede mundial de computadores acerca de xxx, nome pouco comum, localizando um perfil que corresponde ao da fiadora no "linkedin".[6] Ao que tudo indica, ela é profissional liberal e busca contratos, exigindo esforço para vislumbrar eventual chance de sucesso em execução forçada contra ela.

29. Quanto ao outro fiador, já restou assentado que morreu, constando prova nos autos judiciais. Eventual pretensão de alcançar os seus sucessores, em face de termos adotado a regra da sucessão em benefício do inventário, havendo regra específica sobre o fiador,[7] menor chance de sucesso será possível vislumbrar em relação àquela fiadora.

30. A minha concepção sobre a realidade é a sartriana, sendo que a presente ação judicial tende o nada, isso no sentido de que o nada é a sensação de que onde deveria existir, está faltando algo, ou seja, o nada é enquanto a sensação de que ali deveria existir algo.[8] É assim  que concebo o processo judicial, algo que evidencia inércia administrativa desnecessária, eis que é mais eficaz a ação de direito material,[9] qual seja a busca de caminhos extrajudiciais para a solução da lide, essa enquanto conflito subjetivo de interesse qualificado por uma pretensão discutida/contestada.[10] Com isso, digo ser pouco útil insistir na ação de direito processual intentada.

31. Não há muito a acrescer acerca das certidões que infirmam a possibilidade de localização dos demandados, locatário e fiadores (um já morreu). Não é o caso de buscar o endereço para citação por carta rogatória, sendo que poder-se-ia pensar em citação editalícia, mas com praticamente nenhuma consequência prática.

32. Não me canso de reiterar que concordo com Maria Sylvia Di Pietro e Odete Medauar, no sentido de que o Direito Público em geral é orientado pelos princípios da legalidade e da supremacia do interesse público o particular, os demais que mencionamos são construídos a partir deles.[11] Sinceramente, a proporcionalidade e a eficiência serão afetadas pela continuidade de ação de despejo que representa o nada, a ausência de pessoa a ser despejada.

33. Esse patrimônio imobiliário é para arrecadação de receitas, não para acumulação de débitos de manutenção predial e tributários. Por isso, insisto, a ação de direito material é a mais recomendável.

34. O apartamento não é um container para aluguel destinado a bens móveis, mas residencial. Por isso, deve ser desocupado imediatamente, até porque a retirada dos bens móveis – diretamente pela administração pública – não poderá constituir qualquer delito civil, administrativo ou criminal contra qualquer pessoa física ou jurídica. Tudo que será necessário para evitar eventuais responsabilidades será o registro detalhado das ações, preferencialmente com o atesto de testemunhas.

Ante o exposto, opino no sentido de encaminhar os autos à PTF1 e à SPI, com os subsídios que são possíveis e as sugestões expostas no sentido de buscar a negativação dos devedores vivos no cadastro negativo e, essencialmente, imissão imediata na posse.

Esse é o parecer.


[1] Do recurso se extrai a antiga prática de que os embargos de declaração são concebidos como meros incidentes processuais, a serem opostos. No entanto, não paira dúvida de que constituem recursos, portanto, a serem interpostos.

[2] FUB. Secretaria de Patrimônio Imobiliário. Resolução CAD n. 4, de 21.3.2016. Disponíem: <https://spi.unb.br/images/Legislacao/Resolucao-004-2016.pdf>. Acesso em: 10.3.2023, às 11h53.

[3] RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ensino jurídico e o direito alternativo. São Paulo: Acadêmica, 1993.

[4] Jhering. Rudolf von. A luta pelo direito. 17. ed. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1999. p. XIII. Para não deturpar seu pensamento, transcrevo parte:

O Juiz reconhecia a Shylock o direito de cortar uma libra de carne do corpo de Antônio reconhecia-lhe por isso mesmo direito ao sangue, sem o qual não pode na hipótese haver carne, e aquele que tem o direito de cortar uma libra pode levar menos se quiser. O judeu vê que lhe não consentem nem uma coisa nem outra coisa, não pode levar senão carne, nenhum sangue, e não pode cortar senão libra à justa, nem mais nem menos.

[5] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa. Confusões jurídicas decorrentes da distorção da lei. Disponível em: <http://sidiojunior.blogspot.com/2022/05/confusoes-juridicas-decorrentes-da.html>. Acesso em: 11.3.2023, às 17h59.

[6] Disponível em: <https://br.linkedin.com/in/vera-bamberg-9a655b20?original_referer=https%3A%2F%2Fwww.google.com%2F>. Acesso em: 12.3.2023, às 9h05.

[7] Código Civil:

Art. 836. A obrigação do fiador passa aos herdeiros; mas a responsabilidade da fiança se limita ao tempo decorrido até a morte do fiador, e não pode ultrapassar as forças da herança.

[8] SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Petrópolis: Vozes, 1997. passim.

[9] Acerca dos conceitos de direito objetivo, direito subjetivo, pretensão, lide, litígio e ação (de direito material e de direito processual), vide: SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Direito subjetivo, pretensão de direito material e ação. Porto Alegre: Ajuris, n. 29, Ano X, Nov/1983. p. 99-126.

[10] CARNELUTTI, Francesco. Instituições de processo civil. Campinas: Servanda, 1999. v. 1, p. 78.

[11] PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 63. MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 144.