quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Precisamos pensar bem ao escolher os nossos candidatos

Resolvi publicar aqui uma discussão havida no facebook. Ela iniciou quando um amigo postou uma mensagem aduzindo que não há qualquer impedimento à candidatura de Aécio Neves à Presidência da República, momento em que eu disse não ter sido o Tancredo Neves uma pessoa que podemos chamar de "grande homem". Pior seria pensarmos naquele (Aécio Neves) que viveu na sombra da imagem de Tancredo.
 
Então, um rapaz passou a chamar a atenção para a suposta probidade de Joaquim Barbosa (JB), lamentando que ele não fosse se candidatar a Presidente da República, o que rebati dizendo que o JB não tem conduzido adequadamente o STF, o que torna óbvio não ter condições para comandar a República Federativa do Brasil.
 
Depois que o rapaz insistiu em ovacionar o JB, escrevi:

 "Não posso deixar de chamar a atenção para algumas publicações que fiz (referia-me a este "blog"), nas quais evidencio que o Joaquim Barbosa (JB) não pode posar de paladino da moralidade.

Há um abismo entre ele e a legalidade estrita, sendo que existem perguntas que são melhores do que as suas respostas, seguem algumas delas:

(a) por que o JB conversou muito, por um certo período, com o Aécio Neves?

(b) como o JB era membro do Ministério Público Federal no Brasil e vivia nos EUA (onde era Professor Universitário) quando foi convidado para ser ocupar a "cota dos negros" no STF?

(c) qual razão o levou a comprar um apartamento em Miami em nome de uma empresa que tem por sede seu imóvel funcional em Brasília, empresa da qual, mesmo sendo proibido por lei, é o único diretor?

(d) por que ele considera imoral receber auxílio moradia (decidiu nesse sentido no CNJ) e - mesmo tem residido mais tempo no exterior - enquanto Membro do MPF - recebeu R$ 414.000,00 de retroativos relativos ao tal auxílio?


terça-feira, 20 de agosto de 2013

INCONSTITUCIONALIDADES DA LEI N. 8.072/1990 E REVOGAÇÃO TÁCITA DO SEU ART. 8º

A Lei n. 12.850, de 25.7.1990, dispõe sobre a organização criminosa. Ela revogou o art. 8º da Lei n. 8.072, de 25.7.1990, que é a denominada lei dos crimes hediondos. Esta, por ser pior do que os crimes que enumera, merece ser chamada de lei hedionda. Ela nasceu repleta de problemas, o que levou Alberto Silva Franco a mencionar diversas inconstitucionalidades contidas nas suas disposições.[1]
Embora a Constituição Federal da República Federativa do Brasil (CFB) tenha preceituado que os crimes hediondos seriam definidos em lei, a Lei n. 8.072/1990 preferiu tão somente enumerá-los (art. 1º), o que – ao meu sentir – não apresenta maiores inconvenientes porque o verdadeiro sentido de uma norma deve ser buscado em um sistema dinâmico, não apenas em um artigo de lei.[2] Assim, como o art. 1º da lei hedionda remete o intérprete a outra lei, a definição noutra poderá ser encontrada, sem que haja inconstitucionalidade na opção legislativa adotada.
Entendo que o art. 2º, inc. I, da lei hedionda é inconstitucional porque a CFB, em seu art. 5º, inc. LXIII, não veda o indulto enquanto o referido preceito da lei hedionda proíbe a sua concessão. Já afirmei alhures que a graça não é indulto individual,[3] considerando equivocada a posição que se consolidou no sentido de ser a graça indulto individual, e que o art. 5º da CFB admite interpretação extensiva para ampliar direitos e garantias, não para restringi-los, ex vi do seu § 2º. Destarte, não poderia a norma infraconstitucional ampliar as restrições do inc. XLIII do art. 5º da CFB.
O STF demorou a acordar e ver a incoerência outrora existente, além da inconstitucionalidade de, violando o constitucional estado de inocência (CFB, art. 5º, inc. LVII), proibir a liberdade provisória antes da sentença, mas com a autorização da mesma lei em favor daquele que tivesse contra si sentença condenatória recorrível (Lei n. 8.072, art. 2º, inc. II, e § 2º). Com o advento da Lei n. 11.464, de 28.3.2007, o art. 2º, inc. II, só proíbe a fiança e o § 2º de outrora foi renumerado, passando a constituir o § 3º, o que corrigiu a incoerência mencionada.
Outra inconstitucionalidade do art. 2º da lei hedionda estava no seu § 1º, que determinava o cumprimento da pena imposta por crime hediondo ou assemelhado no regime integralmente fechado, o que representava violação ao terceiro momento da individualização da pena (execução). Mesmo diante do clamor de todos autores que tinham a seriedade suficiente para enfrentar o assunto, o STF demorou 16 anos para perceber a inconstitucionalidade e para declará-la.
Com o advento do novo art. 2º, § 1º, da lei hedionda, apenas o regime inicial será fechado. Não obstante isso, o STF declarou a nova redação do referido § 1º inconstitucional, o que considero equivocado porque estabelecer regime inicial fechado para crimes considerados mais graves não pode constituir violação à individualização da pena e, como a própria CFB se ocupou dos crimes hediondos e assemelhados, impondo maiores rigores a quem os praticasse, sem dúvida, os considerou mais graves.[4]
Não sou simpatizante da delação premiada, tendo me manifestado academicamente contra ela.[5] Por isso, por instituírem a delação premiada, não poderia ser favorável aos arts. 7º e 8º, parágrafo único, da lei hedionda.
Quando surgiu a Lei n. 12.015, de 7.8.2009, passei a proferir palestras sobre ela e afirmei que o art. 9º da lei hedionda foi tacitamente revogado, expondo:
Como o art. 224 do CP foi expressamente revogado, a impossibilidade de defesa da vítima, no caso de surpresa, caracterizará o tipo do art. 215. De outro modo, o menor de 14 anos e a vítima doente mental são classificados como vulneráveis, com pena maior em razão da vulnerabilidade, o que impede a incidência do art. 9º da Lei n. 8.072/1990. Destarte, com a incidência da nova lei, referido artigo foi esvaziado ocorrendo, ainda que tardiamente, revogação tácita da sua parte outrora aplicável.[6]
No sentido do que expus, Fernando Capez entende que o art. 9º da lei hedionda ficou esvaziado pela Lei n. 12.015/2009.[7] Pelas mesmas razões, ante a edição da Lei n. 12.850, de 2.8.2013, entendo que o art. 8º da lei hedionda foi tacitamente revogado.
Embora o art. 8º da lei hedionda só faça referência ao art. 288 do Código Penal, o seu parágrafo único dispõe que “O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços”, o que evidencia o caput se restringe ao delito de quadrilha ou bando. Portanto, como o crime de quadrilha ou bando desapareceu, não há mais como aplicar o referido art. 8º.
O crime de associação criminosa, que agora ocupa o art. 288 do Código Penal, exige menor número de coautores, estando mantida a redação anterior. Com isso, representa novatio legis in peius, a qual não poderá retroagir e, também, em face da desnaturação do preceito anterior, somente uma nova lei autorizará novamente tratar de forma mais severa a organização criminosa destinada a praticar crimes hediondos e assemelhados.
A Lei n. 12.720, de 27.9.2012, criou uma incoerência inaceitável porque o crime do art. 288-A, por ela instituído, tem pena cominada de 4 a 8 anos de reclusão, para qualquer grupo criado com “a finalidade de praticar qualquer dos crimes” do Código Penal, ou seja, pena maior do que aquela aplicável a quem participasse de organização criminosa para crimes mais graves (denominados hediondos ou assemelhados). Destarte, ao menos do ponto de vista da proporcionalidade, a revogação tácita foi oportuna. Porém, o novo art. 288-A não poderá alcançar a milícia destinada a praticar genocídio, uma vez que tal crime não se encontra no Código Penal, mas na Lei n. 2.889, de 1.10.1956, sendo necessário solucionar a nova incoerência legislativa.




[1] FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos: notas sobre a Lei 8072/1990. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.
[2] KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 165.
[3] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução criminal: teoria e prática. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 228-232.
[4] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da lei hedionda (Lei n. 8.072/1990). Um assunto delicado e que precisa ser melhor examinado. Teresina: Jus Navigandi, ano 18, n. 3533, 4.3.2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/23842>. Acesso em: 20.8.2013, aos 36 min.
[5] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Comentários a lei antidrogas: Lei n. 11.343, de 23.8.2006. São Paulo: Atlas, 2007. p. 114-116.
[6] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Crimes contra a dignidade sexual. Teresina: Jus Navigandi, ano 14, n. 2340, 27.11.2009 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/13917>. Acesso em: 20.8.2013, às 1h15.
[7] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 4, p. 262-263.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Sobre a palavra “delito”, a nova organização criminosa e a associação criminosa

No dia 5.8.2013, o Diário Oficial da União publicou a Lei n. 12.850, de 2.8.2013, revogando a Lei n. 9.034, de 3.5.1985. Com isso, passamos a ter uma nova lei de combate à organização criminosa, com acentuação da cultura punitivista, policialesca e, lamentavelmente, superficial do fenômeno jurídico criminal.
É interessante verificar a nova definição de organização criminosa, bem como a extraterritorialidade, constante da nova lei, in verbis:
Art. 1o Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.
§ 1o Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
§ 2o Esta Lei se aplica também:
I - às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
II - às organizações terroristas internacionais, reconhecidas segundo as normas de direito internacional, por foro do qual o Brasil faça parte, cujos atos de suporte ao terrorismo, bem como os atos preparatórios ou de execução de atos terroristas, ocorram ou possam ocorrer em território nacional.
Quanto ao caput do art. 1º, devo dizer que a lei não inova, mas em relação § 1º, esclareço que a lei brasileira distingue o crime da contravenção, ex vi do Decreto-lei n. 3.914, de 9.12.1941 (Lei de introdução ao Código Penal e à Lei de CP):
Art. 1º Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.
Pelo que se vê a “infração penal” (denominação imprópria, uma vez que se é gênero de crime, deveria ser denominada infração criminal), se divide em crime e contravenção segundo a pena cominada. No entanto, essa é uma distinção vazia de conteúdo, tendo em vista que ontologicamente não distinção prática entre reclusão, detenção e prisão simples, já tendo, inclusive, sido proposta a redução das três espécies a uma única, que é a prisão (Projeto de Lei n. 3.473/2000[1]) Esta que é gênero, atualmente, daquelas, passaria a ser a única espécie de pena privativa de liberdade. O projeto de lei foi elaborado por uma comissão de alto nível, composta por grandes criminalistas,[2] mas parou no Congresso Nacional porque foi tido como benevolente demais.
O Código Penal da França, de 1810, adotou a classificação tripartida, pela qual os crimes são mais graves e julgados pelo júri, os delitos pelos tribunais correcionais e as contravenções, como infrações menos graves, são julgadas pelos tribunais de polícia. Porém, ali, para fugir do menor rigor do julgamento popular, feito por intermédio dos jurados, os membros do parquet denunciavam por delito aquilo que seria crime.[3]
A distinção feita pelo Decreto-lei n. 3.914/1941, expondo que o crime será apenado com detenção ou reclusão, enquanto a contravenção será apenada com prisão simples, ratifico, é inócua porque, embora a legislação criminal procure apresentar distinções, na prática, toda distinção estará no regime de cumprimento da pena (fechado, semi-aberto ou aberto).
No tocante ao § 1º do art. 1º da Lei n. 12.850/2013 gostei da nova redação, em relação à “associação de 4 (quatro) ou mais pessoas”, abandonando a complicada redação anterior do art. 288 do Código Penal, que enunciava a mesma coisa como “mais de 3 (três) pessoas”. Mas não gostei da parte que expõe “mediante prática de infrações penais” porque poderíamos estar vendo de forma mais coerente a palavra delito.
No Brasil, a maioria dos criminalistas diz que a palavra delito é sinônima de crime, mas – incoerentemente – vê delito administrativo, delito civil, delito trabalhista etc. O melhor, portanto, será – ad fortiori – entender que delito é gênero, importando em infração jurídica, seja ela administrativa, civil, trabalhista ou criminal. Porém, no campo criminal o delito admitirá duas espécies, a saber: crime e contravenção.
É interessante notar que o Código Penal não tem mais o crime de “quadrinha ou bando”, mas não houve abolitio criminis, eis que o tipo do art. 288 do Código Penal passou a ter a seguinte rubrica e está assim tipificado:
Associação Criminosa
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.
É a punição da fase preparatória de outros crimes, constituindo preparação punível como crime autônomo. Porém, a preparação para um único crime será impunível, eis que a conduta só será punível a partir do início da execução (Código Penal, art. 14). Daí a nova redação do art. 288 manter a exigência de que agentes tenham a finalidade de “cometer crimes”, não bastando apenas um.
Vê-se que o novo tipo é mais abrangente e, portanto, agasalhou o tipo anterior, o que faz com que eventuais condenados pelo crime do art. 288 do Código Penal não tenham em seus favores a extinção dos efeitos criminais da condenação. Porém, trata-se de lex mitior – ou novatio legi in mellius – no tocante ao aumento da pena por se tratar de associação armada, eis que o aumento anterior era do dobro da pena. Desse modo, os condenados por quadrilha ou bando com o aumento do parágrafo único poderão pleitear a redução da pena junto ao juízo da execução criminal, eis que a lei criminal retroagirá para beneficiar o réu e o condenado (Constituição Federal, art. 5º, inc. XL; e Código Penal, art. 2º).
Considero lamentáveis os aspectos processuais da nova lei, os serão comentados por mim em outra oportunidade, mas as linhas gerais da minha resistência à delação premiada, ao flagrante diferido, à infiltração policial etc. já foram objetos de diversas publicações, especialmente nos meus comentários à lei antidrogas.[4]



[1] Publicado no Diário da Câmara dos Deputados, em 24.8.2000. p. 44.962. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/dc_20.asp?selCodColecaoCsv=D&Datain=24/08/2000&txpagina=44962&altura=650&largura=800>. Acesso em: 23.2.2012, às 12h28.
[2] Exemplificando o elevado nível de conhecimento jurídico dos componentes da comissão, seu presidente foi Alberto Silva Franco.
[3] GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1956. v. 1, t. 1, p. 198.
[4] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Comentários à lei antidrogas: Lei n. 11.343, de 23.8.2006. São Paulo: Atlas, 2007. passim.