quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

A importância do conceito de crime militar próprio.

É importante notar que a lei entende que não se consideram, para efeitos de reincidência, os “crimes militares próprios e políticos” (CP, art. 64, inciso II). Sobre os crimes militares, escrevemos alhures:
Os critérios para definição dos crimes militares em tempo de paz estão previstos no art. 9º CPM, enquanto os critérios dos crimes militares em tempo de guerra, estão previstos no art. 10. Os critérios para a classificação dos crimes militares são: ratione processum (crimes militares porque julgados pela Justiça Militar); ratione materiae (crimes militares em razão das matérias serem da jurisdição do tribunal militar), ratione personae (crimes militares porque os agentes são militares, quando atuam nessa qualidade), ratione loci (delitos militares em razão dos fatos terem ocorrido em lugares sujeitos à administração militar) e ratione temporis (crimes praticados em situações anormais, v.g., guerra, rebelião, e de sítio).[1] Por outro lado, a doutrina menciona os crimes militares próprios e os impróprios.
A Lei nº 9.299/1996 alterou o art. 9º do CPM, estabelecendo no parágrafo único do referido artigo, que os crimes dolosos contra a vida serão julgados pelo Tribunal do Júri. Ao nosso sentir, trata-se de preceito inconstitucional porque a justiça militar, conforme preceituam os art. 124 e 125, § 4º, da CF, serão julgados pela Justiça Militar. Nesse sentido, preleciona Célio Lobão:
‘O parágrafo único do art. 9º, de conteúdo processual penal militar, ao proclamar, na região árida da inconstitucionalidade, que compete à Justiça comum processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida praticados por militar contra civil, evidentemente, violentou as normas expressas nos art. 124 e 125, § 4o, da Constituição. Inconstitucionalidade cristalina’.[2]
O STF decidiu que o “crime propriamente militar é o que só por militares pode ser cometido, isto é, o que constitui uma infração específica e funcional da profissão do soldado”.[3] O crime impropriamente militar, por sua vez, é de difícil definição, sendo determinado por circunstâncias alheias ao elemento constitutivo do fato delituoso, a saber: instituições militares, ordem administrativa militar, bem tutelado sob administração militar, qualidade de militar do agente e ofendido, local sob administração militar, exercício de função militar e utilização de material bélico sob guarda (ou fiscalização, ou administração) militar.[4]
Com nova lei, tentou-se transferir o caso denominado de ‘Chacina do Carandiru’ para a Justiça comum, mas o STJ entendeu que a norma do art. 9º, parágrafo único do CPM tem conteúdo material, adotando a doutrina processualista, ou seja, crime militar é aquele julgado pela Justiça Militar.
Não se deve olvidar, porém, que a distinção dos crimes militares, segundo a classificação dos mesmos, é meramente acadêmica, pois crimes militares, próprios e impróprios, são aqueles descritos na lei penal militar, os quais serão julgados pela justiça militar”.[5]
O que disse sobre ser a distinção meramente acadêmica, não tem aplicação aqui, tendo em vista que é mister distinguir crime militar próprio de impróprio, isso para efeitos de reincidência. Preferimos orientação diversa daquela esposada pelo STF, construída no sentido que é crime militar próprio somente aquele que só pode ser praticado por militar. O crime de insubmissão é, ao nosso sentir, crime militar próprio, embora só possa ser praticado por civil. Acerca dele escrevi:
“O crime de insubmissão encontra-se previsto no CPM, para atingir aquele que é convocado e deixa de apresentar-se para o serviço militar, bem como o que, após licenciado, não se apresenta na data designada [CPM, art. 183 usque 186]. É um crime militar que só pode ser praticado por civil, pois a sua consumação se dá antes da incorporação”.[6]
É melhor entender que o crime militar próprio é aquele que afeta imediatamente a disciplina e a hierarquia militar, mesmo que praticado por civil e que não haja o concurso de militar. Por isso, entendo que a posição do STF, mencionada um pouco antes, merece reparo, tendo em vista que não se restringe ao crime que só pode ser praticado por militar, mas a todo delito que se relaciona com a atividade militar propriamente dita, classificando-se, portanto, o crime de insubmissão dentre os crimes militares próprios.
A condenação por crime militar próprio e depois por crime comum não enseja reincidência. Do mesmo modo, a prática de crime político anterior não induz à reincidência.

[1] LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito Penal Militar. São Paulo : Atlas, 1995, p. 31.
[2] LOBÃO, Célio. Direito penal militar. Brasília : Brasília Jurídica, 1.999, p. 112.
[3] Cf. FERREIRA, Célio J. Lobão. Direito Penal Militar. Brasília : Senado Federal, 1975, p. 3.
[4] FERREIRA, Célio J. Lobão. Op. cit., p. 4/5.
[5] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Prescrição penal. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 161/162.
[6] Ibidem. p. 173.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Possuir sexualmente pessoa embriagada pode constituir estupro.

Embriagar mulher para obter a satisfação da lascívia será posse sexual mediante fraude. No entanto, encontrar mulher em coma alcoólica e praticar ato sexual com ela será estupro de vulnerável.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Embriagar pessoa para praticar ato sexual com ela constitui estupro?

A resposta é negativa. A posição de outrora não pode prevalecer, porque toda ordem jurídica foi modificada tornando completamente inconcebível ver na mulher embriagada a condição de vulnerável. Com efeito, o art. 213 do CP dispõe:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2o Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
Observe-se que o estupro qualificado do § 1º transcrito será apenado com reclusão de 8 a 12 anos, ainda que resulte em lesão grave. De outro modo, o estupro de vulnerável, na forma simples, está assim tipificado:
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
Não me parece razoável tratar a fraude de forma mais severa que a violência ou grave ameaça, ainda que resulte em lesão grave. Razão de entender aplicável à hipótese a posse sexual mediante fraude, assim tipificada:
Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
Parece-me evidente que a proporcionalidade e a especialidade recomendam que a resposta para a pergunta em epígrafe seja a seguinte:
- Não. Haverá posse sexual mediante fraude.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Paes de Lira, apenas um Coronel.

Fui Oficial da PMDF e aprendi que os pilares do militarismo são a hierarquia e a disciplina. Verifiquei o apego à tradição e aos valores que forjam o pundonor militar. Talvez seja por isso que os militares não evoluiram tanto. Eles ficaram presos ao passado, deixando de abrir espaços para as novas descobertas de um tempo melhor e de maior longevidade.
Jairo Paes de Lira é apenas um Coronel porque pretende frear o avanço cultural. Ele está no Congresso Nacional ocupando temporariamente uma cadeira porque Clodovil morreu e cedeu seu lugar a ele. Porém, suas iniciativas são conservadoras e não ele consegue vislumbrar a posibilidade de serem formadas famílias homossexuais.[1]
No dia 16.6.2009, o Coronel, falando contra a marcha da maconha, disse ser absurdo altorizar tais atos no Brasil. Por outro lado, tenho um amigo que é Juiz de Direito, Carlos Frederico, o qual produziu excelente trabalho acadêmico aduzindo que a macha da maconha é significativo exemplo de resistência civil.
Entendo, assim como Durkheim expôs, que o Direito deve evitar apenas a anomia, ou seja, o excesso em qualidade ou quantidade de delitos. Também, vejo o delito como a violação à norma jurídica, podendo ter natureza civil, administrativa, criminal etc. Corolário é entender que a marcha da maconha representa uma essencial violação à norma para tornar possível a evolução social, não um ato que representa a anomia.
O casamento homossexual é um fato que tem status jurídico. Somente a cegueira proposital ao Direito pode lhe negar a natureza jurídica de Direito de Família. Não se pode pretender involuir para criar objeções à liberdade humana e entender que atos normais são graves e que merecem sanções rigorosas.
Não admito o terrorismo, o roubo a bancos com o emprego de arma de fogo etc. como manifestações legítimas do povo porque representam anomia. Por isso, não aceito a postura de alguns "rebeldes", revoltados de outrora, que estão no poder político do Brasil. Porém, atos típicos de resistência civil devem ser admitidos como úteis e necessários, razão de concordar com a realização de marchas que defendem fortes ideologias, tais quais a da maconha, a dos GLBT etc.
[1] Homomento: notícias e cultura LGBT sem apelação. O projeto inútil. Disponível em: <http://homomento.wordpress.com/2009/06/05/projeto-inutil-substituto-clodovi/>. Acesso em: 23.11.2009, às 13h15.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Garantismo à brasileira (convite ao armazenamento de notícia sobre erro judicial)

Norberto Bobbio, prefaciando Direito e Razão, afirma que o trabalho é fruto de longos estudos (jusfilosóficos e jurídicos) e da larga experiência como magistrado, criticando os fundamentos gnosiológicos e éticos do Direito Criminal, especialmente dois aspectos opostos: a) teoria sem controles empíricos; b) prática sem princípios (In FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.002. p. 8).
CONVIDO-LHE A CONSIGNAR UM ERRO JUDICIAL AQUI. ESPERO QUE NÃO EXISTAM AGRESSÕES E QUE VOCÊ SE IDENTIFIQUE SENÃO TEREI QUE EXCLUIR O SEU COMENTÁRIO.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Expansão do número de vagas para o curso de Direito da UnB e a evolução social

A Faculdade de Direito, por meio do seu órgão colegiado, aprovou a expansão do número de vagas, a ser adotado no vestibular para o 1º Sem/2.010. Isso fez com que os alunos, por intermédio do CADIR (Centro Acadêmico do Curso de Direito) promovesse ação cautelar contra a medida, visto que entende razoável o aumento do número de vagas, mas espera que sejam adotadas medidas prévias, a fim de evitar a queda do nível de qualidade do curso.
No dia 19.10.2009, eu disse aos meus alunos, em sala de aula, que não concordava com a idéia e que a ação judicial representava uma tentativa disfarçada de reserva do ensino público para poucos privilegiados. Refleti sobre o que falei em sala de aula e, no mesmo dia, encaminhei mensagem eletrônica aos alunos com o seguinte conteúdo:


Caros alunos,

Não tenho certeza se expressei "estou com raiva do CADIR". Espero que não, mas algo ficou na minha memória, no sentido de ter falado isso. Caso tenha manifestado raiva ou menosprezo ao CADIR, peço desculpas e esclareço que não foi essa a minha intenção.

O corpo discente tem direito de se manifestar e é legítimo o movimento. Aliás, ninguém pode ser criticado ou punido por buscar fazer valer uma garantia constitucionalmente assegurada no rol das fundamentais, que é a inarredabilidade do Poder Judiciário. A propositura da ação cautelar e a interposição de agravo demonstra uma tentativa honrosa e legal para fazer prevalecer vontade.

Eu pretendia dizer que não concordo com a ação e com os seus fundamentos, tendo apresentado o parecer anexo ao parquet. Rudolf von Jhering propôs a luta pelo direito subjetivo e a minha manifestação em sala de aula foi contrária a essa proposta, quando na verdade concordo com ela. Destarte, mesmo estando no lado oposto, gostaria de dizer que vocês estão certos em lutar por aquilo que acreditam ser melhor para o corpo discente.

Recebi uma mensagem eletrônica intitulada Cazuza 0, Psicóloga 10. Nela havia severa crítica de uma "Psicóloga" à postura do notável artista, sendo que ela invocava as tradições e a educação como fundamentos para sua postura. Contestei a mensagem porque os mais novos tem maior expectativa de vida que outrora, estamos em uma situação muito melhor que antes, o que só foi possível porque fizemos aquilo que Durkheim disse, violamos a norma que engessa e impede a evolução da sociedade. Talvez o errado seja eu, mas como fui uma pessoa de nível social muito baixo, sempre entendi que a universidade pública tem que abrir novos espaços, não para negros, mas para excluídos, coisa que tive que lutar muito para não ser. De qualquer modo, do ensino público gratuito fui excluido e espero que a posteridade seja diferente.

Não quero reservar a universidade pública para os meus filhos, os quais podem estudar nos melhores colégios, pagando vultosas mensalidades. Quero que o serviço público seja voltado a todos e com a maior oportunidade de acesso àqueles que tiveram menores oportunidades. A expansão do número de vagas é um passo nessa direção.

sábado, 10 de outubro de 2009

Cristo era heterossexual?

A bíblia não informa a orientação sexual de Cristo, sendo que a presente postagem visa a tratar da incoerência cristã de pretender fomentar a homofobia.

Recebi mensagem eletrônica intitulada "quem ama Jesus assina", a qual contém o seguinte texto:
Olá pessoal,

O filme intitulado 'Corpus Christis' (O Corpo de Cristo),que vai sair em breve na América do Norte, mostra Jesus mantendo relações homossexuais com os seus discípulos.

A versão teatral já se apresentou. É uma paródia repugnante de Jesus. Uma ação concentrada da nossa parte poderia mudar as coisas. Você aceita juntar o seu nome no fim da lista? Em caso afirmativo, poderíamos evitar a projeção deste filme no Brasil e até em outros paises. Este filme nega a verdade da Palavra de Deus.
PRECISAMOS DE MUITOS NOMES em adesão a esta proposta para evitar a exibição do filme.

Na Bíblia está escrito : " Quem me confessar diante dos Homens, Eu o confessarei Diante de meu Pai, que está nos Céus."(Mt 10.32). "Mas aquele que me negar diante dos homens, também eu o negarei diante de meu Pai que está nos céus."(Mt 10.33) SE AMAS A DEUS, NÃO FICARÁS FORA DESSA! faça 'ENCAMINHAR' desta mensagem; acrescente o seu nome no fim da lista e envie-o a todos os seus amigos.

São apenas 2 minutos para algo tão importante. Quando a lista chegar aos 750 nomes, envie-a a:
homasg@softhome.net
Respondi a mensagem postando o seguinte texto:
Esta é uma campanha absurda. Os gregos eram essencialmente homossexuais e não deixaram de ser grandes por isso. Aliás, a bíblia evidencia forte influência da cultura grega, inclusive, no tocante à existência de três deuses que são, ao mesmo tempo, um único deus.

Apresentar Cristo como homossexual não representa deturpação da "palavra de deus". Ao contrário, rejeitar tal versão significa unicamente homofobia. Com efeito, se Cristo é "o caminho, a verdade e a vida", é absoluto e, portanto, seus hábitos apenas SÃO, ou seja, Cristo É, independentemente de qualquer comportamento exteriotipado.

Heterossexual ou homossexual, segundo a bíblia, Cristo continuará sendo absoluto. Destarte, o movimento é pífio. Ademais, eu poderia me interessar pelo filme e seria uma proibição manifestadora da intolerância injustificada, tolher o meu direito de vê-lo.
Agora, gostaria de convidá-los à reflexão e a (re)pensarmos o deus bíblico como alguém que não suporta a intolerância e a homofobia, até porque os versículos bíblicos transcritos apenas refletem uma ameaça aberta (utilizada como dogma intimidador), mas que, na bíblia, em nada se relaciona com a orientação sexual de Cristo.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Sobre a sabatina do Min. José Antonio Dias Toffoli

Ontem, dia 30.9.2009, passei o dia na CCJ do Senado Federal, assistindo à sabatina do Min. José Antonio Dias Toffoli. Ali compareci porque pretendia dar-lhe apoio moral ante tamanhas ameaças feitas por parlamentares da oposição, no sentido de obstruir sua indicação ao STF, onde ocupará a vaga do Min. Menezes Direito.
O Min. Toffoli fez sustentação oral por cerca de 45 minutos, momento em que falou da evolução do Direito Constitucional e do Constitucionalismo (o mundo e no Brasil) a fim de expor a posição do STF diante do Estado.
O Presidente da CCJ foi bastante cortês com o Min. Toffoli e a oposição aproveitou para criticar o PT, dizendo que não seria deselegante como os líderes deste partido foram por ocasião da sabatina do Min. Gilmar Mendes.
Ao que me recordo a segunda inquirição foi a do Sen. Álvaro Dias, o mais contundente de todos, parlamentar que chamou a atenção para a falta de prova de que o Min. Toffoli tenha notório saber jurídico, eis que não cursou pós-graduação stricto sensu e foi reprovado em dois concursos públicos para a magistratura. Disse que o requisito conduta ilibada também não estava provado porque Toffoli foi condenado em dois processos no Amapá e, também, o requisito impessoalidade estaria afetado porque o critério da sua escolha foi estritamente pessoal.
Invocando doutrina de Paulo Bonavides et al, Toffoli, sustentou que a reprovação em concurso público, por si só, não o contraindicaria por faltar notável saber jurídico, devendo o parlamento decidir segundo o convencimento dos seus membros. Sustentou que uma das sentenças foi anulada em sede de ação rescisória e que a outra sentença condenatória, recente, está sendo discutida em grau de recurso e que foi dado efeito suspensivo ao apelo. Finalmente, disse que analisaria os casos de impedimento e suspeição e se colocará ao lado da Constituição Federal e não do governante, dizendo ser essa sua posição enquanto Advogado Geral da União.
Logo em seguida, falou o Sen. Arthur Vírgílio, o qual sustentou que o advogado do PSDB disse a ele que o Min. Toffoli agiu de forma muito leal enquanto parte ex adversa. Naquele momento, Toffoli teve comportamento de estar acometido por violenta emoção, o que poderia lhe render um voto favorável de indeciso sentimental. De qualquer modo, ele tinha mesmo razão para chorar. Chorar de alegria porque um parlamentar da oposição, líder de partido, manifestou abertamente apoio a ele.
As questões suscitadas pelo Sen. Álvaro Dias foram recorrentes e a sessão perdurou por mais de 7 horas. Eu, que ali cheguei às 9h10, saí às 18h, sem ver a conclusão da votação, mas certo de que seu nome seria aprovado.
Enquanto ali estava, fiquei observando o comportamento dos presentes, parlamentares, ministros de tribunais, convidados ilustres e demais ouvintes, tendo aprendido muito. Com efeito, às 10h30, antes de iniciar a sabatina, um rapaz disse que ficou até 1h da madrugada apurando os votos e que seriam: 9 contrários, três abstenções e o restante favorável. Incrível! Ele acertou (creio que o choro mencionado não alterou o resultado).
O Sen. Aloizio Mercadante advogou em favor do Min. Toffoli e deixou evidente que este trabalhou diretamente nas mais relevantes causas e ninquém questionou se ele tinha capacidade jurídica para defender a União. Também, a posição de Advogado Geral da União é caminho natural para o STF, Toffoli é o 16º a passar por ele.
A absurda proposta popular da "lei ficha limpa" foi objeto de discussão várias vezes, sendo que o Min. Toffoli manifestou, implicitamente, sua rejeição à violação ao estado de inocência (para o ministro, princípio de inocência) assegurado constitucionalmente. Certamente, era isso que os parlamentares gostariam de ouvir.
Conheci uma moça que estava ali representando um laboratório. O Min. Toffoli também foi indagado sobre as decisões judiciais que mandam comprar medicamentos em experiência em outros países (a pergunta me pareceu burilada antecipadamente) e não tenho dúvidas de que o povo brasileiro é vítima do abuso do poder econômico decorrente da atuação de grandes laboratórios, mas não sabia que o lobby efetivo tem em seu curso desde a visita feita pelo candidato ao STF, antes da sua sabatina.
Aprendi que não há escrúpulo no meio nacional. Devemos fazer piada de tudo, até de um momento solene como o da verificação da aptidão para ocupar um lugar na suprema corte brasileira. Digo isso porque, quando saia da CCJ, dei de cara com Sabrina Sato, a qual trazia atrás de si um grande grupo de pessoas que a assediava. Fiquei irritado e passei pelo grupo certo de que o Min. Toffoli teria seu nome aprovado pelo Senado.
Estou torcendo para que o Min. Toffoli não tenha se comprometido demais em sua campanha ao STF e espero seu pleno sucesso, inclusive, propondo para que, com a sua contribuição, seja estabelecido mandato para Ministro do STF e tribunais superiores, a fim de possibilitar a modificação célere do pensamento judicial por meio da renovação dos seus membros.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Não entendo o PT e o governo brasileiro (I)

Do livro Os Bestializados (o qual retrata o povo brasileiro assistindo bestializado a proclamação da república), podemos extrair que toda dominação depende de uma legitimação, ainda que seja a apatia do povo.

Pergunto-me: até quando assistiremos bestializados a intervenção brasileira em Honduras?


Ontem, com toda propriedade, iniciaram as críticas ao Brasil e aos que concorreram para a transformação da embaixada brasileira em palanque eleitoral de Zelaya. Também, é interessante notar que o governo provisório de Honduras fez uma indagação coerente ao Brasil: qual é a posição de Zelaya na embaixada do Brasil?

Sem resposta adequada, Lula optou por um estratagema indicado por Schopenhauer para vencer um debate sem precisar ter razão (não precisa ser sábio para utilizar tal estratagema, ele decorre do conhecimento vulgar e é utilizado até por crianças em desespero). Assim, simplesmente alega que não responde a um usurpador da democracia. O que o governo brasileiro precisa entender é que atentar contra a Constituição, por si só, é um ato antidemocrático e Zelaya fez isso, é o que concluiu a Suprema Corte hondurenha .

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Não entendo o PT e o governo brasileiro.

Não entendo o Partido dos Trabalhores (PT) e o governo Brasileiro. O partido foi constituido por um bando de "idealistas". Este procurou repudiar o governo e expor suas opiniões.

Em sala de aula, não há muitos dias, ouvi um colega dizendo que a Dilma, nossa presidenciável (espero que morra antes de ser eleita Presidente da República), apenas manifestou - pela violência, ao assaltar bancos - seu repúdio ao poder.

A Constiuição hondurenha proibe expressamente a reeleição e Zelaya rompeu a regra, sendo cassado por decisão da Suprema Corte, uma vez que atentou contra a Constituição do seu país. No entanto, Chaves o fez voltar e o colocou na embaixada do Brasil (por que na nossa embaixada?). kkkkkkkkkkkkkkkkk

Na ONU, ontem Lula discursou contra golpistas. Chaves, hoje, encerrou seu discurso citando Lula. Eu, Sidio, vendo o Brasil no olho de uma crise interna causada pela ambição de Zelaya, me pergunto:

que liberdade de expressão (pela força) é esta que me permite apoiar um violador da Constituição da Nação de Honduras, colocando em jogo o bom nome de um país (pacífico), alçado - em face do erro do nosso gorvenante - ao nível de intromissor e imperialista? Será que o PT só conhece a linguagem da "companheira de armas"?

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A ADI 4301 tende a sepultar toda discussão havida em torno da Súmula n. 608 do STF

A Procuradoria Geral da República (PGR) promoveu a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4301 perante o Supremo Tribunal Federal. A Lei n. 12.015, de 7.8.2009, foi por mim comentada.[1] Como ela decorreu de quem não conhece adequadamente a matéria criminal, vem provocando sérios embates doutrinários.

A lei mencionada deu nova redação ao art. 225 do Código Penal tornando o estupro em crime de ação de iniciativa pública condicionada à representação, salvo o estupro de vulnerável que será de ação de iniciativa pública incondicionada. Até seu advento, o estupro era crime de ação de iniciativa exclusivamente privada, mas a Súmula n. 608 do STF dispunha: "No crime de estupro praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada".

Paulo Queiroz defende a validade da Súmula n. 608 do STF, ainda sob a vigência da nova lei,
[2] mas a PGR reconhece que o estupro (art. 213 do CP), ainda que resulte na morte da vítima, terá ação de iniciativa pública condicionada à representação, posição da qual compactuo. Por isso, a PGR promoveu ação direta de inconstitucionalidade em epígrafe, cuja inicial tem o seguinte pedido:

29. Requer, por fim, seja julgado procedente o pedido, a fim de se declarar a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do caput do art. 225 do Código Penal (Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940), na redação que lhe foi conferida pela Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009, para excluir do seu âmbito de incidência os crimes de estupro qualificado por lesão corporal grave ou morte, de modo a restaurar, em relação a tais modalidades delituosas, a regra geral da ação penal pública incondicionada (art. 100 do Código Penal e art. 24 do Código de Processo Penal).

Pela regra da congruência, a sentença que julgar procedente o pedido terá a mesma natureza deste. Daí o STF, caso venha a declarar procedente o pedido, só poderá falar sobre a (in)constitucionalidade do preceito. Desse modo, como o pedido se silencia quanto estupro simples, no caso da sua procedência, a Súmula n. 608 do STF não poderá ser aplicada. Também, enquanto não houver manifestação do STF, referida súmula não mais pode ser aplicada, visto que há novo sistema normativo, incompatível com o anterior.

[1] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Breves comentários à lei n. 12.015, de 7.8.2009. Disponível em: www.sidio.pro.br. Acesso em: 23.9.2009, às 17h15. Idem. A Lei n. 12.015, de 7.8.2009, mantém grave equívoco. Disponível em: http://www.universojuridico.com.br/publicacoes/doutrinas/6457/A_Lei_N_12015_de_782009_Mantem_Grave_Equivoco. Acesso em: 23.9.2009, às 17h20.

[2] QUEIROZ, Paulo de Souza. Ação penal no atual crime de estupro. Disponível em: http://pauloqueiroz.net/acao-penal-no-atual-crime-de-estupro/. Acesso em: 23.9.2009, às 17h30.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Crimes qualificado pelo resultado e preterdoloso

1. CONCEITO DE CRIME

Crime é a violação da norma jurídico criminal (conceito formal) ou do objeto jurídico (conceito material). O conceito analítico por sua vez, será feito em razão das partes integrantes (requisitos ou elementos) do delito, ou seja, fato típico, ilicitude e culpabilidade.

O fato típico será composto por conduta, nexo causal, resultado e tipicidade. Já a ilicitude é a reprovabilidade objetiva do fato. Ela é mais conhecida por antijuridicidade, mas o crime é fato jurídico ilícito, o que recomenda o abandono da palavra outrora utilizada. Finalmente, a culpabilidade é a censurabilidade do fato, sendo o elo que vincula o autor ao fato.

2. CRIME QUALIFICADO PELO RESULTADO

2.1 QUALIFICADORA

Expus alhures:

Em nosso meio, qualificadora tem conceito restrito, ou seja, é unicamente aquela circunstância que altera a pena cominada, elevando-a, mas com cominação prévia (é considerada por ocasião da aplicação da pena base). Assim, qualifica o delito de homicídio, a torpeza, o motivo fútil etc., visto que a pena passa a ser de doze a trinta anos. De outro modo, não é qualificadora a causa que gera a o aumento, sem definir previamente, em termos exatos, os valores mínimo e máximo, v.g., “roubo qualificado pelo emprego de arma” (art. 157, § 2o, inciso I, do CP). Este é um delito que contém uma causa especial de aumento da pena, não uma qualificadora. Da mesma forma o homicídio privilegiado (CP, art. 121, § 1º) contém uma causa especial, só que ela é de diminuição da pena.[1]

O exposto permite dizer que crime qualificado pelo resultado deve ser considerado apenas aquele que a cominação alterada, elevando-a, ou seja, a partir da lei criminal, já se pode vislumbrar nova pena para o delito que produzir resultado mais grave, verbi gratia, art. 157, § 3º, do CP.

2.2 RESULTADOS QUE AGRAVAM

2.2.1 Hipóteses mencionadas pela doutrina criminal

O CP estabelece:

Agravação pelo resultado
Art. 19 - Pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado ao menos culposamente.

Como regra, só se pune o delito doloso, ou seja, aquele em que o agente deseja o resultado ou assume o risco de produzi-lo. A negligência só será punível se estiver expressamente prevista na lei criminal (CP, art. 18, parágrafo único).

A doutrina menciona as seguintes hipóteses:

a) o agente deseja resultado menos grave, mas aceita resultado mais grave. Assim, haverá dolo antecedente e dolo na consequência mais grave;
b) o agente produz resultado doloso, mas causa negligentemente resultado mais grave, hipótese de dolo antecedente e negligência na consequência. Esta é a hipótese preterdolosa ou preterintencional, ou seja, além do dolo ou além da intenção;
c) o agente produz resultado negligente e pratica conduta dolosa que especialmente agrava a pena;
d) o agente produz resultado negligente e se conduz negligentemente provocando lesão resultado mais grave;
e) o agente produz resultado doloso ou negligente, mas outro resultado mais grave decorre de causa relativamente independente sem que haja conduta negligente ou dolosa do autor.

O art. 19 do CP exclui a responsabilização pelo resultado mais grave advindo de mera relação de causalidade. Desse modo, só será preterdolosa a hipótese da alínea “b”. Outrossim, havendo resultado antecedente negligente menos grave, é incabível falar em preterdolo porque o resultado mais grave não terá ido além da intenção.

2.2.2 Consumação e tentativa

A consumação e a tentativa estão disciplinadas no CP da seguinte maneira:

Art. 14 - Diz-se o crime:
Crime consumado
I - consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal;
Tentativa
II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.
Pena de tentativa
Parágrafo único - Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços.

Resta evidente a opção pela teoria normativo-jurídica, pela qual a reunião dos elementos do tipo representa o resultado, independentemente da produção de qualquer transformação na natureza. Também, é fácil perceber que só é possível falar em tentativa de crime doloso, visto que somente em tal espécie haverá vontade dirigida ao resultado ilícito.

O crime negligente não admite tentativa porque o resultado não será pretendido. O mesmo se pode dizer do delito preterdoloso (preterintencional), visto que o resultado mais grave será negligente, ou seja, não será objetivado. No entanto, em hipóteses em que não interessará se o resultado mais grave advirá de dolo ou de negligência, poderá incidir a tentativa.

O crime do art. 129, § 3º, do CP (lesão corporal seguida de morte) é preterdoloso. Por isso, não admite tentativa. Porém, as lesões grave e gravíssima são qualificadas pelo resultado, admitindo tentativa se o resultado que qualifica o crime for objetivado pelo agente.

3. CONCLUSÃO

O crime preterdoloso é espécie de crime qualificado pelo resultado e não admite tentativa. Qualificado pelo resultado é todo crime que tem pena cominada maior, aplicável a quem causar resultado mais grave. Caso este resultado mais grave seja objetivado pelo agente, o crime qualificado pelo resultado admitirá a forma tentada.

[1] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Comentários à lei antidrogas: Lei n. 11.343, de 23.8.2006. São Paulo: Atlas, 2.007. p. 52.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

O fatualismo constitui grosseiro reducionismo da experiência jurídica

1. FINALIDADE

O presente texto não tem a pretensão de ser um artigo jurídico, mas um ensaio que visa a esclarecer a cientificidade do Direito, exigindo ponderações, acerca das soluções aos fatos sociais graves, melhores que as que grassam nas feiras, botecos, bailes populares etc. Então, preciso convencer meus alunos de que a ciência do Direito deve ser discutida por cientistas, mediante linguagem e método de estudo próprios.

A matéria jornalística abaixo, a qual versa sobre a imposição de estupro como pena imposta a uma moça por “crime” praticado por seu irmão, adolescente de 12 anos de idade, será objeto de cobrança nas próximas avaliações escritas que serão elaboradas, razão da produção do pequeno texto explicativo.

Fui muito severo em minhas avaliações acadêmicas, mas mudei minha postura, passando a concordar com Vasco Pedro Moretto, no sentido de que a prova deve constituir um momento privilegiado de estudo,[1] razão de estar antecipando aos meus alunos uma parte do que lerão no momento da avaliação escrita.

2. DIREITO É CIÊNCIA

A fragmentariedade do conhecimento científico leva ao surgimento de ciências autônomas, mas vejo o Direito como a ciência que estuda as normas jurídicas e suas coercibilidades visando ao bem-estar social. Desse modo, a autonomia dos ramos do Direito é apenas didática, não adotando a postura que entende existirem várias ciências jurídicas autônomas.[2]

Não me canso de citar Luís Barroso para dizer que a maioria das soluções dos problemas da sociedade complexa são metajurídicas[3]. Todavia, as pessoas não pensam assim. Hoje, enquanto Professor de Instituições de Direito Público e Privado na Universidade de Brasília, devo alertar meus alunos para a fragmentariedade do conhecimento científico, buscando demonstrar que, ainda que ele contenha falhas, é mais seguro que o conhecimento vulgar. Nesse ponto, buscamos apoio em Bertrant Russel para esclarecer que é maior a probabilidade de erro nas teorias não científicas, o qual afirma: “A ciência, em nenhum momento, está inteiramente certa, mas é raro estar inteiramente errada e, normalmente, tem maior chance de estar certa que as teorias não-científicas. Portanto, é racional aceitá-la hipoteticamente”.[4]

Neste semestre letivo, um aluno de uma faculdade privada afirmou que eu estava errado quando disse à turma que as leis devem conter linguagem técnica, eis que o Direito é ciência e como tal merece ser tratado. Todavia, ele pretendia que – como as normas jurídicas se dirigem ao povo – elas devem ser completamente compreendidas pela população. Rechaço esta idéia porque senão seria desnecessário o Curso de Direito para formação de juristas. Seriam suficientes as experiências populares.

3. FATUALISMO REDUCIONISTA

Todo jusnaturalismo está calcado em idéias e valores universais dados por Deus (jusnaturalismo teológico) ou construídos segundos uma perspectiva laica, em que a origem primeira das coisas está além da física e, portanto, fora do alcance da racionalidade humana (jusnaturalismo metafísico).

O positivismo representa a busca do homem, por meio do conhecimento, de superar a organização natural das coisas no universo. Todavia a teoria do conhecimento entrou em crise dizendo-se que o positivismo nos levou à construção de conceitos estéreis e pouco críveis. Talvez por isso, Habermas afirma que “Kant caiu no descrédito porque, valendo-se dos fundamentos transcendentais, criou uma nova disciplina: a teoria do conhecimento”.[5]

Pessoalmente, estou mais para Heidegger e para Sartre, mas não posso negar a influência que as teorias sistêmicas exercem sobre o ambiente acadêmico brasileiro. Particularmente, concordo com Luigi Ferrajoli, o qual afirma ser a proposta de Luhmann jusnaturalista, expondo:

“Luhmann parece relutante a esclarecer se sua teoria se limita a dizer como vão as coisas ou mesmo se aspira ainda sugerir-nos como as coisas não podem não andar, ou pior, devam não andar. E acaba freqüentemente por equiparar subrepticiamente a sua descrição ‘científica’ do mundo como é a tese, não importa se otimista ou pessimista, que o mundo não pode ser de outro modo. Aqui é evidente a falácia jusnaturalista. Da tese (opinativa) de que este mundo é existente, isto é de um juízo de fato, se deriva um juízo de valor ou, o que dá no mesmo, de necessidade: precisamente da direita, que este é o melhor dos mundos possível; da esquerda, que este mundo, por sendo péssimo, é o único mundo possível, sendo necessário ou inevitável. É assim que o cientificismo sociológico se converte em uma nova filosofia da história e uma nova metafísica determinista”.[6]

Habermas, por sua vez, apresenta uma filosofia que exige conhecimentos multidisciplinares, propondo candidamente um consenso pressuposto que só poderia ser possível em democracias ideais. Embora ele mencione Freud, parece olvidar-se de que o “isso” (este é denominado de “id” na Psicologia Clínica. Esta não foi proposta por Freud[7]) representa a maior parte do psiquê. Todavia, devo afirmar como Campilongo porque o “fatualismo” representa um grosseiro reducionismo da experiência jurídica.[8]

4. SOLUÇÃO "JURÍDICA" ABSURDA
Ninguém duvida que o Direito formal é seletivo. Entretanto, não será correto propor a aceitação do “Direito achado na rua”. Este não é científico, nem pode ser melhor que aquele estabelecido mediante métodos seguros de estudos. Outrossim, não se pode pretender um Direito alternativo, ou seja, fora do Direito, porque senão será outra coisa, um não Direito, ou seja, quando muito, pode-se propor um Direito renovado.

A notícia que se segue representa um “Direito” dos povos, tão rudimentar e bárbaro quando aquele da antiguidade. Leia-se a seguir:

“Paquistão: estupro como punição.

Governo indeniza professora violentada por quatro homens por ordem de um tribunal. Seu crime: ser irmã de jovem que namorou mulher de outra casta.

Da redação

O estupro de uma professora de 18 anos, punida por um conselho tribal por um crime cometido por seu irmão de 12 anos, gerou um escândalo tão grande dentro e fora do Paquistão que até o governo federal teve que intervir para melhorar a imagem do país. Sob ordens do presidente Pervez Musharraf, a Ministra Paquistanesa de Assuntos Femininos, Attiya Anaytullah, entregou ontem à família da moça um cheque de indenização de US$ 8 mil. e prometeu que uma escola será construída em homenagem à vítima, Mukhtar Mai.

Mai, da casta Gujjar, foi violentada quatro vezes no dia 22 de junho por ordem de juízes tribais da região de Punjab, como um castigo pelo fato de seu irmão Abdul Shakoor ter se relacionado com Salma Bibi, uma mulher de 22 anos pertencente a uma casta superior, os Mastoi. A polícia paquistanesa prendeu ontem um dos estupradores, Abdul Khaliq, mas continua à procura dos outros três. Oito familiares dos suspeitos foram detidos, como medida de pressão para que eles se entreguem às autoridades.

A sentença da Jirga local (tribunal popular) foi decidida há um mês. Apesar de os tribunais tribais serem ilegais, eles ainda são muito procurados pelas populações das áreas rurais. nos últimos dias, porém, a comissão dos direitos humanos do Paquistão tem pedido com insistência o fim das punições tribais.

Abdul, o irmão da vítima, também não saiu ileso do caso. Por ter se relacionado com Salma, o menino recebeu uma surra com pedaços de paus por parte da família da moça, que depois recorreu ao tribunal tribal.

A sentença contra Mai foi cumprida por dois irmãos e um primo de Salma Bibi, além de um dos membros da Jirga, em uma casa de barro no povoado de Meerwala, enquanto do lado de fora cerca de 500 pessoas gritavam e davam gargalhadas. ‘‘Eu rezei e implorei, mas eram como animais’’, conta Mai. ‘‘Um deles colocou uma arma na minha cabeça enquanto os outros arrancavam minha roupa’’. Ela ainda foi obrigada a voltar nua para casa.

Medo

A família da jovem ficou uma semana paralisada de medo e impotência. Eles pertencem à tribo Gujjar, casta inferior à Mastoi — que é muito mais influente. Por isso, temiam denunciar o caso e estimular as represálias da tribo Mastoi. No fim de semana passado, um grupo de Advogados apresentou queixa formal à polícia de Meerwala.

Os pais do garoto agora acusam a tribo Mastoi de fabricar as acusações para esconder o fato de o menino ter sido Sodomizado por três homens Mastoi. Eles contaram à polícia que seu filho foi vítima de abusos sexuais quando trabalhava num campo, em junho. Quando ele ameaçou contar tudo, os homens o trancaram num quarto com Salma e o acusaram de manter relações com ela.

Segundo os moradores de Meerwala, este foi o segundo estupro cometido na região recentemente. Há uma semana, uma garota de uma vila próxima se suicidou depois de ter sido violentada por dois homens de tribos locais. Dois suspeitos foram presos. Nas zonas rurais do Paquistão onde imperam os tribunais tribais, a sentença por infidelidade feminina, comprovada ou não, é quase sempre a morte. Segundo estudo citado pelo jornal The Times, mais de 300 mulheres são assassinadas a cada ano no Paquistão em nome da honra. E uma violação ocorre a cada duas horas”.[9]

5. PARA NÃO CONCLUIR

Sou parceiro do POSEAD, estando coordenando pós-graduação lato sensu que tem a marca Gama Filho. Em tal posição, devo atualizar os textos da pós-graduação à distância e, diante da proposta institucional de apresentar temas para reflexão sob a provocação de “não concluir”, resolvi apenas chamar a atenção do leitor para algumas indagações:

a) o Direito é ciência ou parte da filosofia? Caso se conclua que o Direito é ciência, o julgamento exposto é invalido porque contraria o Direito formal do Paquistão. De qualquer modo, será mesmo inválido o julgamento que estiver amparado pela vontade do povo paquistanês, o qual prefere tais julgamentos tribais?

b) sendo a legitimação anterior ao Direito, leis como a decorrente da sentença tribal exposta não seriam válidas?

c) havendo uma predominância de vontade pelos julgamentos tribais e uma conformação local às sentenças proferidas, haverá justiça nas decisões?
Referências:

[1] Moretto, Vasco Pedro. Prova, um momento privilegiado de estudo, não um acerto de contas. Rio de Janeiro: DP&A, 2.001.
[2] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução criminal: teoria e prática. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 20-23.
[3] BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2.002. p. 76.
[4] RUSSELL, Bertrand. Meu desenvolvimento filosófico. Rio de Janeiro: Zahar, 1.980. p. 12.
[5] HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989. p. 18.
[6] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão – teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 719.
[7] BETTELHEIM, Bruno. Freud e a alma humana. 14. ed. São Paulo: Pensamento-Cultrix, 1.982. passim.
[8] CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e democracia. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 16.
[9] CORREIO BRASILIENSE. Estupro como punição. Carderno Mundo, 6.7.2002. Disponível em: http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO_20020706/pri_mun_ 060702_111.htm. Acesso em: 21.4.2009, às 8h,

quarta-feira, 11 de março de 2009

A nova processualidade criminal brasileira.




Caríssimos[1]

É uma honra imensurável estar aqui. O Nordeste brasileiro sempre foi uma região que teve grandes nomes de destaque no cenário político e jurídico nacional. Assim, espero, respirando destes ares maranhenses, adquirir um pouco dessa elevada cultura jurídica que o Nordeste tem a oferecer.

BREVE INTRODUÇÃO
A elevada inflação legislativa não é problema exclusivo do Brasil. A Itália, por exemplo, tem passado por problema semelhante, reclamando-se ali das alterações legislativas pontuais, o que tem sido objeto de críticas na doutrina[2]. Uma modificação legislativa deve observar todo sistema dinâmico de normas, não fazer reforma legislativa como a italiana, que tem um Código de Processo Penal de 1.989 e um Código Penal de 1.930[3].

Devo esclarecer que tenho perspectiva kelsiana acerca do objeto de estudo do Direito, o qual é a norma a norma jurídica[4]. Ao meu sentir, todavia, o verdadeiro sentido da norma não pode ser encontrado em um artigo de lei e, na maioria das vezes, nem mesmo na totalidade de uma lei, eis que o efetivo sentido da norma está em seu sistema dinâmico[5]. Devo esclarecer que norma jurídica não pode ser concebida unicamente como a lei escrita, eis que Kelsen não negou o commum law.

Neste momento, ainda como breve introdução, devo alertar aos vocês sobre o quanto lamento que o nosso sistema repressivo estatal sirva de fomento à criminalidade endêmica que nos assola. Mais ainda, concordo com o saudoso Professor Assis Toledo que dizia:

Não percebem os que pretendem combater o crime com a só edição de leis que desconsideram o fenômeno criminal como efeito de muitas outras causas e penetram em um círculo vicioso invencível, no qual a própria lei penal passa frequentemente, a operar ou como importante fator criminógeno, ou como intolerável meio de opressão.”[6]

O Direito é uma ciência, como tal seu conhecimento é fragmentário, sendo que, conforme alerta Luís Barroso, a maioria das soluções dos problemas da sociedade complexa é matajurídica, mas nos consideramos dotados de superpoderes e de todo conhecimento para nos imiscuirmos em discussões alheias ao sistema jurídico, propondo soluções falaciosas, inclusive para o fenômeno criminal. Daí ser oportuno expor o que o autor diz: “Para os que creem, narcisicamente, na onipotência da ciência jurídica, vale o aviso: há espaços no mundo ocupados prioritariamente por outras ciências, como a psicologia e a psicanálise”[7].

CASUISMO INSPIRADOR DA REFORMA DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Nosso Código de Processo Penal merece revogação imediata

Nosso CPP é objeto de duras críticas na doutrina brasileira. Ele foi elaborado sob a vigência de uma Constituição Federal outorgada por Getúlio Vargas, evidenciando sua pretensão de solucionar o problema da criminalidade por meio da pena[8].

Péssimo em técnica legislativa e em perspectiva garantista, o CPP se apresenta como monstro obsoleto que, segundo a visão dos processualistas pátrios, merece imediata revogação. Entretanto, foi necessária a pressão da imprensa e de organizações internacionais para que acelerássemos sua modificação.

Na reforma, foram mantidas inalteradas as disposições que versam sobre prisão e liberdade provisória. Estas, ao meu sentir, estão tacitamente revogadas, mas os “operadores do direito” (detesto a categoria dos meros operadores do Direito)[9] não conseguem perceber a grande incoerência que há em fixar fiança para delitos menores e exigir deles compromisso, enquanto que aqueles que praticam crimes mais graves alcançarão a liberdade provisória sem fiança, bastando o compromisso. Ora, como a fiança constitui a garantia de que a pessoa vai honrar o compromisso prestado (até a denominação fiança merece críticas)[10], é completamente ilógico só ser exigível de quem é acusado de crime menos grave.

Também, todo sistema recursal e de nulidades está mal elaborado, isso sem falar da necessária adequação técnica, abandonando-se expressões obsoletas como “recurso de ofício” (art. 574), “conflito de jurisdição” (art. 113) etc. consagradas pelo codex. Portanto, desde já, informo que as reformas foram insuficientes.

Foi equivocada a inspiração que provocou a edição da Lei n. 11.689/2008

A Lei nº 11.689, de 9.6.2008, decorre do Projeto de Lei nº 4.203, apresentado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional no dia 12.3.2001, o qual ganhou tramitação de urgência apenas devido às pressões da imprensa e de organizações governamentais e não governamentais estimuladas pela absolvição do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida.

O projeto ficou parado de 2.002 a 2.007, sendo que voltou a tramitar rapidamente, principalmente depois do julgamento do Bida, acusado de ser o mandante do assassinato da missionária Dorothy Stang. Ele foi absolvido do crime, em 6.5.2008, em sede de protesto por novo júri.

O protesto por novo júri era um recurso ultrapassado e peculiar da legislação brasileira. Por isso, a doutrina o criticava duramente, propondo a revogação dos dispositivos do Código Processo Penal que consagravam tal recurso, mais especificamente seus arts. 607 e 608. Existia até o mencionado Projeto de Lei n. 4.203/2001, mas foi a absolvição do Bida quem determinou a celeridade da sua tramitação.

O Direito é uma ciência da praxis social. Ele é um instrumento para a pacificação social, sendo apenas um dentre inúmeros subsistemas de uma sociedade global. O processo, por sua vez, é o conjunto de atos coordenados entre si, tendentes à aplicação da lei material ao caso concreto.
Temos leis criminais como instrumento para resguardar direitos subjetivos das pessoas que integram a sociedade, sendo que tais normas encontrarão efetividade no processo. Desse modo, o processo não é um fim em si mesmo, mas um instrumento de outro instrumento denominado por nós de Direito Criminal, mas – equivocadamente – pretendemos que o Direito Criminal seja a panacéia para todos os problemas sociais.

Outra perspectiva que temos, mas que merece muito cuidado é sobre a afirmação de que é bom que as decisões judiciais sejam justas. Não estou plenamente convencido de que o fim último do Direito seja a justiça porque não sei se é possível encontrar um conceito geral de justiça. Ademais, a justiça é objeto de estudo da filosofia, o que é diverso daquele que o Direito deve se ocupar.

Kelsen estudou profundamente o sentido de justiça, tendo se despedido dos Estados Unidos da América, onde ficou exilado grande parte da sua vida, com as seguintes palavras:

Abri este ensaio com a pergunta "o que a justiça?". Agora, chegando ao fim, percebo nitidamente que não respondi. Minha única desculpa é que, nesse aspecto, estou em ótima companhia: teria sido muita pretensão levar o leitor a crer que eu poderia ter êxito onde falharam os pensadores mais ilustres. Por conseguinte, não sei, nem posso dizer o que é justiça, a justiça absoluta que a humanidade está buscando. Devo contentar-me com uma justiça relativa e só posso dizer que é a justiça para mim. Uma vez que a ciência é minha profissão e, portanto, a coisa mais importante da minha vida, a justiça, para mim, é a ordenação social sob cuja proteção pode prosperar a busca da verdade. A ‘minha’ justiça, portanto, é a justiça da liberdade, a justiça da democracia: em suma, a justiça da tolerância.[11]

Não vejo a superior sabedoria dos “operadores do Direito” que decidem em matéria criminal. Daí defender a instituição do júri como válida e necessária. O Direito carece de melhor fundamentação, desde os critérios de seleção de pessoal para as posições mais importantes da aplicação da lei (magistrados e membros do Ministério Público)[12], a fim de que se estabeleça uma situação melhor do que aquela que encontramos, em que há efetiva crise de legitimação do sistema jurídico[13].

Talvez seja o caso mais célebre de erro judiciário, aquele que envolveu os irmãos Naves. Dele podemos extrair elementos que subsidiam a nossa dúvida, pois Sebastião e Joaquim Naves foram acusados de terem matado Benedito Pereira Caetano, crime que teria ocorrido em Araguari, cidade localizada no Triângulo Mineiro, em 29.11.1937. Absolvidos duas vezes pelo tribunal do júri e condenados pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, isso porque Getúlio Vargas tinha acabado com a soberania do veredicto do tribunal do júri, foram absolvidos em sede de revisão criminal.

Pasmem, em 28.8.1948, Joaquim Naves morreu como indigente em um asilo de Araguari, Minas Gerais, e foi somente em 24.7.1952 que Sebastião Naves localizou Benedito vivo, isso em Ponte Nova, Minas Gerais. As provas valorizadas pelos Desembargadores de Justiça, em oposição ao povo mineiro, foram obtidas mediante tortura, o que provocou o sofrimento desnecessário dos acusados culminando na morte de Joaquim Naves[14].

Concordo com Bertrand Russell que afirma: “A ciência, em nenhum momento, está inteiramente certa, mas é raro estar inteiramente errada e, normalmente, tem maior chance de estar certa do que as teorias não-científicas. Portanto, é racional aceitá-la hipoteticamente”[15]. A minha concordância com tal proposta não me leva à cegueira da triste situação que se destaca no País, em que a composição dos tribunais tem carga política e onde grassa o nepotismo.

Não sei se o júri erra com grande freqüência e considero lamentável a cultura de que o problema da criminalidade se resolve por meio do seu efeito (a pena), mas isso é o que ocorre em nosso país. Não podemos esquecer que foi o povo do lugar do crime quem absolveu o Bida. No entanto, nos ocupamos rapidamente de editar a Lei n. 11.689/2008, a qual, expressamente, revogou os arts. 607-608 do Código de Processo Penal.

Modificações advindas das novas leis

No mesmo dia que publicamos a lei que alterou o procedimento decorrente dos crimes dolosos contra a vida (a Lei n. 11.689/2008), publicamos a Lei n. 11.690, de 9.6.2008 (decorrente do Projeto de Lei n. 4.205/2001), versando esta última sobre provas. Depois, editamos a Lei n. 11.719, de 20.6.2008 (em face da aprovação do Projeto de Lei n. 4.207/2001). É impossível dissociar o estudo de tais leis, as quais modificaram quase todo sistema processual legislado do Brasil.

VISÃO SUPERFICIAL DOS PROCEDIMENTOS

Sistema adotado

Não consigo verificar a adoção do sistema inquisitivo. O inquisidor produz a prova e depois decide. Isso é latismável porque ele será influenciado por sua atividade probatória. No entanto, tenho a perspectiva de que a verdade é uma construção nossa muito diferente do processo.

Concordo com José Osterno, no sentido de que a verdade real não poderá ser alcançada no processo[16]. Estou mais para Hume, pensador que sustentava ser inexistente a razão prática porque só somos capazes de fazer representações da realidade.[17] Na verdade, assiste razão a Nietzsche ao afirmar que a linguagem é uma convenção e, como tal, não pode expressar a realidade. A “coisa” e o “fenômeno” são frutos do nosso intelecto[18]. Todavia, Juízes, no afã de encontrar alguma verdade, atuam como inquisitores porque o CPP lhes autoriza a produção de provas (art. 156).

O processo criminal inquisitivo seria inconstitucional. Daí dizer que nosso processo criminal é acusatório, o que faz com que uma parte acuse, outra se defenda e um terceiro decida. Desse modo, os poderes instrutórios do Juiz são apenas complementares[19].

Recebimento da denúncia ou da queixa

Todo processo tem três fases básicas, a saber: postulatória, instrutória e decisória. O recebimento da denúncia é o primeiro ato, marcando o início da ação de iniciativa pública.

A denúncia é a petição inicial a ser feita em Juízo, a qual é elaborada por Membro do Ministério Público, enquanto a queixa é a petição inicial elaborada por advogado. Uma queixa não pode ser feita em delegacia porque ela é uma petição inicial do processo criminal, a qual só poderá ser elaborada por quem detiver capacidade postulatória.

O procedimento revogado previa o recebimento da denúncia como primeiro ato, o que era criticável porque violava o contraditório ter uma decisão sem ouvir o acusado. Equivocadamente, a reforma manteve o recebimento da denúncia como primeiro ato. Correta é a Lei n. 9.099/1995, haja vista que ali o Juiz não decide se recebe ou rejeita a denúncia antes de ouvir o acusado (art. 81).

No novo procedimento, a defesa prévia será posterior ao recebimento da denúncia (CPP, art. 396). Depois o Juiz fará julgamento antecipado da lide se for o caso de absolvição (art. 397). Até aí, todos os procedimentos são contemplados, não interessando se comuns ou especiais ou se inseridos no Código de Processo Penal ou não.

No tocante ao procedimento do júri, a regra é aplicável porque o art. 394, § 4º, do CPP não excepciona. Todavia, há quem, de forma inexplicável, pretenda ver “silêncio eloqüente” na lei[20]. Data venia, não pode haver “silêncio eloquente” se o CPP determina a aplicação dos seus arts. 395-397 a todos procedimentos, sem exceção.

Surgem vozes aduzindo que não há recebimento da denúncia ou da queixa antes da defesa prévia. Todavia, não há erro na lei, em mencionar o recebimento da denúncia no art. 396. É necessário concordar com Guilherme de Souza Nucci, no sentido de que a absolvição sumária prevista no art. 397 do CPP só será possível se existente a ação criminal, ou seja, se concretizado o recebimento da denúncia ou da queixa[21].

A endeusada celeridade processual

O mito de que todos problemas da criminalidade endêmica tem solução jurídica e, mais especificamente, das normas criminais, mormente pela certeza da punição, trouxe a idéia de que o processo deve ser célere, em audiências únicas.

Agora, o velho CPP que não tinha qualquer técnica nesse aspecto, passou a estabelecer três procedimentos comuns possíveis (art. 394, § 1º):

Ø ordinário: para crimes cuja pena máxima cominada seja igual ou superior a quatro anos;

Ø sumário: procedimento comum aplicável aos crimes com pena máxima cominada superior a dois anos e inferior a quatro anos;

Ø sumaríssimo: procedimento comum da Lei n. 9.099, de 26.9.1995, aplicável aos crimes com pena máxima cominada igual ou inferior a dois anos.

Em apertada síntese, o procedimento que estava dividido em várias fases, passou a concentrar toda instrução em audiência única. Recebida a denúncia, o Juiz determinará a citação e, caso não absolva sumariamente o réu, designará audiência de instrução e julgamento. Na audiência, ouvirá as testemunhas e a vítima. Depois, o réu será interrogado. Ao final, o Juiz proferirá sentença, podendo deixar para proferir em seu gabinete, mas nada obsta que a profira na própria audiência.

O procedimento sumário é praticamente o mesmo do ordinário, apenas diferindo quanto ao número de testemunhas possíveis (oito no ordinário e seis no sumário) e a audiência, no procedimento ordinário, poderá ser desmembrada por requerimento das partes para produção de provas complementares. O procedimento sumário não admite o fracionamento da audiência e, finalmente, o prazo será de sessenta dias no procedimento ordinário e de trinta dias no procedimento sumário.

O procedimento dos crimes dolosos contra a vida é desenvolvido em duas fases (iudicium acusationes e iudicium causae). A primeira fase começa com o recebimento da denúncia ou queixa. Feita a defesa prévia, o Juiz poderá absolver sumariamente o réu. Não o absolvendo, designará audiência de instrução (é possível, a cada parte, arrolar oito testemunhas). Feita a audiência, proferirá decisão de pronúncia, impronúncia, absolvição sumária ou desclassificação.

A sentença de pronúncia fará nascer o iudicium causae (juízo da causa) e foi suprimida a fase do libelo, portanto, intimado o réu da sentença de pronúncia, sobrevirão diligências e despacho saneador. Depois, será realizada a sessão plenária, onde o réu será julgado.

O fato é que não se resolve o problema dos crimes dolosos contra a vida por meio da modificação do procedimento, pois “um dos grandes problemas referentes à aplicação do Direito Penal em nossa atualidade refere-se à diversidade de pensamentos, especialmente por parte de aplicadores do Direito, quanto às suas finalidades”[22]

CONCLUSÃO

A doutrina pátria está com Ivan Marques da Silva, o qual sustenta ser necessário instalar um novo sistema codificado para a processualidade criminal pátria[23]. Todavia, volto a dizer, nossos governantes devem buscar encontrar soluções metajurídicas para o problema da criminalidade, pois o Direito é apenas um pequeno subsistema da sociedade global, não podendo resolver todos seus impasses.

Espero ter contribuido um pouco para a evolução do conhecimento de cada um aqui presente e, embora o tema tenha sido abordado de forma superficial, espero que sejam feitas indagações que tornem possível o aprofundamento da discussão, ficando agora à disposição de todos vocês.

Muito obrigado pela atenção.
Referências e notas explicativas:
[1] Palestra proferida no auditório da Faculdade Imperatriz (FACIMP) no dia 6.3.2009.
[2] GRAZIANO, Giuseppe. Il futuro del diritto penale. Milão: Seam, 1.999. passim.
[3] Ibidem. p. 44-45.
[4] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1.998. p. 79-86.
[5] KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1.998.p. 165-167.
[6] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1.994. p. 5.
[7] BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2.002. p. 76.
[8] BIZZOTTO, Alexandre; RODRIGUES, Andreia de Brito. Processo penal garantista. Goiânia: AB Editora, 1998.
[9] O conhecimento jurídico é científico e, portanto, os juristas devem atuar como cientistas de uma cieência cultural, não como mero operadores de máquinas ou executores de ordem que não devem pensar ou atender ao sistema que constitui a sociedade global.
[10] Em matéria criminal, fiança é uma garantia que a pessoa presta em seu próprio favor, portanto, deveria se chamar caução.
[11] Apud LOSANO, Mario G. Apresentação. In KELSEN, Hans. O problema da justiça. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. XXXI.
[12] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1.997. p. 77.
[13] HABERMAS, Jürgen. A crise de legitimação no capitalismo tardio. 3. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1999. passim.
[14] ALAMY FILHO, João. O caso dos irmãos naves: um erro judiciário. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2.000.
[15] RUSSELL, Bertrand. Meu desenvolvimento filosófico. Rio de Janeiro: Zahar, 1.980. p. 12.
[16] ARAÚJO, José Osterno Campos de. Verdade processual penal: limitações à prova. Curitiba: Juruá, 2.005.
[17] HUME, David. Investigação sobre o entendimento humano. São Paulo: Escala, [2000?].
[18] NIETZSCHE, Friedrich. Fragmentos finais. Brasília: UnB, 2.002. p. 63-89.
[19] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. O processo criminal brasileiro e o ônus da prova: análise feita a partir da doutrina de Afrânio Silva Jardim. Teresina: Jus Navigandi, ano 12, n. 1805, 10.6.2008. Disponível em: . Acesso em: 25.2.2009, às 7h50.
[20] MENDONÇA, Andrey Borges. Nova reforma do código de processo penal: comentada artigo por artigo. São Paulo: Método, 2.008. p. 7.
[21] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.008. p. 719-720.
[22] MAMELUQUE, Leopoldo. Manual do novo júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.008. p. 21.
[23] SILVA, Ivan Luís Marques da. Reforma processual penal de 2.008: Lei n. 11.719/2008, procedimentos penais: 187; Lei n. 11.690/2008, provas; Lei n. 11.689/2008, júri; comentadas artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.008. p. 187.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Procurador Federal ingressa com ação contra a Revista "Rio for Partiers" (Rio para Forasteiros).

O Procurador Federal Marco Di Túlio promoveu ação tendente à obrigação de fazer e reparação de danos pela utilização da marca "Brasil", em nome da Embratur, contra a Editora Solcat, a qual publica a revista "Rio para Forasteiros", sendo que uma amiga, Isabela Torres, perguntou-me sobre eventual prática de crime e entendi oportuno tornar pública minha posição sobre o assunto.

A mensagem eletrônica que a Isabela me mandou continha o seguinte trecho:

"Às fls. 113 da referida publicação (documento IV), procede a editora Ré à classificação da mulher brasileira, indicando quatro grupos a que podem pertencer: 'Britney Spears', 'Popozuda', 'Hippie/Raver' e 'Balzac'.

A respeito da classificação das mulheres brasileiras no estereótipo indicado como 'Britney Spears', o Memorando em anexo (documentos I e II) traz a seguinte tradução para o texto: 'São as filhinhas de papai, se vestem como a Britney Spears, são maravilhosas, mas não deixam ninguém cantá-las. Por quê? Porque elas têm uma longa lista de servidores esperando por elas da sua antiga escola/universidade, dos filhos dos amigos dos seus pais, etc. Elas têm o direito de ser metidas. Pode esquecê-las a menos que seja apresentado a uma.'

As 'Popozudas', por seu turno, são indicadas como: 'Máquina de sexo bunduda. Elas malham, usam calças apertadas enfiadas na bunda, pintam o cabelo de loiro e se esforçam ao máximo para aparecer. Bom para você investir seu tempo porque o motel é sempre uma possibilidade com essas maravilhas... se você estiver disposto.'

As 'Balzac': "Quer se divertir, dançar, beber e beijar. Trate-as como uma dama que elas te tratarão como um rei, talvez não hoje à noite, mas amanhã com certeza.' Por fim, as 'Hippie/Raver': 'A hippie e raver - festas rave. São garotas divertidas, fáceis de se aproximar, fáceis de conversar, difíceis de beijar, fáceis de ir para a balada.'

Outra prática nefasta realizada pela Ré consiste na indicação de locais para os turistas que buscam sexo na cidade do Rio de Janeiro. Às fls. 82 do exemplar (documento IV), encontra-se o seguinte texto (com a tradução constante dos documentos I e II): 'Bailes de carnaval: são festas ao ar-livre com atividades de semi-orgias (não tem sexo em público, mas é garantido quando você traz ele/ela de volta)... Alguns bailes estão cheios de prostitutas, enquanto a maioria tem pessoas comuns.'

No que se refere à mulher brasileira, a publicação (fls. 112) incita a prática da exploração sexual:

'A maioria dessas mulheres ainda vive com os pais, porque o Rio é uma cidade perigosa para uma garota viver sozinha. Isso quer dizer que você não será convidado para ir à sua casa. Você vai, no entanto, conseguir beijá-la em trinta minutos conversando com elas, às vezes muito mais rápido do que isso. Se as coisas forem muito bem e a química entre vocês funcionar, você pode levá-las para um motel para uma sessão de duas horas (veja nossa lista de motéis na pág. 104. Mas só um lembrete: beijá-las não garante que você vai dormir com elas, como é comum na Europa e EUA. Você pode estar beijando uma beijoqueira.'

Na mesma página da publicação encontram-se as seguintes informações:

'Se você se encontrar tendo uma conversa significante com uma garota brasileira, seu próximo passo é naturalmente trepar/transar. Já que não tem nenhum lugar apropriado no Rio, como becos bonitinhos, parques ou praias seguras, sua melhor aposta é levá-la para seu hotel (se a recepção não tiver citado nenhuma restrição contra isso) ou levá-la para um motel. Já que você vai estar provavelmente se deslocando de táxi, o procedimento é falar ao taxista qual o motel que você quer ir enquanto ela estiver entrando no carro. Desse jeito ela não vai ficar com vergonha. Um bom motel para memorizar é o Motel VIP´s'."

A maioria dos problemas de uma sociedade complexa tem solução metajurídica. Pior é pretender imiscuir o Direito Criminal nesse assunto porque é sabido que a situação narrada é verdadeira, sendo que importaria em pretender fazer prevalecer cegueria proposital à prostituição que grassa no País, a qual pode ser obtida facilmente em qualquer cidade de médio ou grande porte do Brasil.

Os crimes só podem ser praticados por pessoas físicas. Embora parte da doutrina brasileira, bem como a jurisprudência, tenha se orientado no sentido de que a prática de crime ambiental por pessoa jurídica seja possível, entendo que a teoria do crime é incompatível com qualquer construção nesse sentido.

Crime é fato típico, ilícito culpável, sendo que a conduta é a ação ou a omissão humana, socialmente reprovável e dominada ou dominável pela vontade que gera o resultado jurídico-criminal. Destarte, a pessoa jurídica não é capaz de praticar conduta jurídico-criminal.

A pessoa jurídica também não pode praticar fato culpável porque a culpabilidade importa em imputabilidade, potencial consciência da ilicitude, exigibilidade de conduta conforme o Direito (teoria normativa, decorrente de Welzel) e dolo ou negligência (o elemento subjetivo, ou normativo, conforme o caso, será exigível se optarmos pela teoria psicológica-normativa da culpabilidade, a qual prefito). Sendo a pessoa jurídica uma ficção do Direito, é incapaz de dominar sua vontade, razão de necessitar de representante legal. Assim, quem pode praticar crime é o representante da pessoa jurídica.

Proponho, pois, a interpretação restritiva do art. 225, § 3º, da Constituição Federal, pela qual a pessoa jurídica será responsabilizada civilmente e administrativamente pelos danos causados ao meio ambiente, enquanto seu representante legal poderá ser responsabilizado criminalmente.

Nos crimes contra a honra, a pessoa jurídica não pode ser autora de crime. De outro modo, a calúnia admite a exceção da verdade e a difamação a exceção de notoriedade. Não é o caso de calúnia porque a Revista não apresenta fatos que consituiriam crimes de mulheres brasileiras.

Impossível é a difamação porque não há imputação de fato específico e, mais ainda, é notória a ocorrência do que a revista narra. Então, emerge a possibilidade de indagar sobre a ocorrência de injúria, a qual não exige que imputação seja falsa, ou qualidade específica. O crime do art. 140 do Código Penal (injúria) não está caracterizado porque não há vítima específica.

Não vejo sequer a prática do crime do art. 17 da Lei n. 5.250, de 9.2.1967 (Lei de Imprensa) pela prática, visto que o tipo é: "ofender a moral pública e os bons costumes".

A revista relata situação corrente que evidencia a moral estabelecida na cidade do Rio de Janeiro. Em consulta ao sistema mundial de computadores, inseri em www.google.com.br a seguinte pesquisa: "rio de janeiro" "sexo" "mulher" "nua" "foto". O resultado foi de 20.400 páginas eletrônicas que contenham todas as palavras (acesso em 11.1.2009, às 11h49). Interessante notar que dentre os resultados apresentados, muitos com páginas de pesquisa de prostituição, consta a informação de atriz com "tapa-sexo" de tamanho total de 4 cm, dentre outros casos de notória exposição pública do sexo no Rio de Janeiro.

A prostituição se classifica pelo pagamento para obter favores sexuais, sendo que as matérias não indicam isso ou qualquer intermediação ao sexo, até porque, assim como no suicídio, prostituir-se não constituirá crime, mas participar (induzindo, instigando ou auxiliando) à prostituição (ou do suicídio) alheia constituirá delito contra os costumes.

Considero oportuna a ação judicial, a fim de tentar criar movimento que, de forma metafísica, contribua para o estabelecimento de uma moral em que as pessoas sejam livres, mas sem se subjugarem ao domínio econômico de estrangeiros. Com isso, quiçá, melhoraremos o nível econômico, cultural e social dos nossos turistas.