sexta-feira, 1 de março de 2013

Embargos para "cutucar" Juiz geram a revolta do julgador


Vi ontem, dia 28.3.2013, em um livro a seguinte homenagem: “Ao Poder Judiciário brasileiro, bravo, corajoso e firme defensor dos direitos e garantias humanas fundamentais”.[1] Porém, não obstante a homenagem ter partido de um Desembargador de Justiça, de um magistrado com larga experiência jurídica, a sentença que se segue evidencia o contrário.

Em http://www.espacovital.com.br/noticia_complemento_ler.php?id=2752&noticia_id=29166, é possível encontrar notícia que evidencia ter a decisão abaixo chamado a atenção das pessoas e suscitado críticas negativas a ela. Segue a íntegra do decisum, com destaques que faço no mesmo para demonstrar que o Juiz Federal Substituto que o prolatou se vê em plano completamente distinto do ocupado por serventuários do Poder Judiciário:

PROCEDIMENTO COMUM DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5008083-73.2012.404.7202/SC

AUTOR : EMILIANO BIANCHI DORNSBACH

ADVOGADO : RAFFAEL ALBERTO RAMOS

RÉU : UNIÃO - FAZENDA NACIONAL

SENTENÇA

Trata-se de embargos de declaração opostos na forma do art. 535 e seguintes do CPC, em que se sustenta a existência de nulidade, omissão e contradições na sentença proferida no evento 24.

Decido.

São cabíveis embargos de declaração quando houver obscuridade, contradição ou for omitido ponto sobre o qual o juiz deveria se pronunciar. Outra hipótese de manifestação do juiz, após proferido o julgado, ocorre nos casos de inexatidões materiais ou erros de cálculo que podem ser corrigidos ex officio pelo julgador. São estes os pressupostos de admissibilidade dos embargos, de modo que, para hipóteses diversas, uma vez proferida a sentença, é defeso ao juiz retratar-se para mudar-lhe o teor, ficando adstrito em seu pronunciamento a sanar eventuais omissões, contradições ou obscuridades e, ainda, corrigir-lhe erros materiais ou de cálculo.

Analiso o caso concreto.

1) Seria nula a sentença por adotar, para rejeição do pedido, causa de pedir não ventilada na petição inicial:

Também vislumbra-se [sic] a nulidade quando a sentença trouxe por fundamento causa de pedir não relatada pelo demandante - essa é a taxada incongruência objetiva, de acordo com Didier Jr. (2010). Ao referir que os recolhimentos serão de alguma forma incorporados para o cálculo da renda, o Juiz escapa aos limites da causa de pedir imposta pela parte autora, o que configura a prolação de sentença extra petita.

Basicamente, a fundamentação da sentença de improcedência com argumento não mencionado na petição inicial caracterizaria a nulidade da sentença. Considerando-se então que a Fazenda Pública não conteste a ação - ou o faça deficientemente, sem abordar o ponto entendido como relevante pelo magistrado - o julgador estaria impedido, sob pena de nulidade da sentença a ser proferida, de julgar improcedente o pedido, desde que o autor não tenha, em sua petição inicial, feito referência ao fato impeditivo de seu alegado direito ou a interpretações contrárias a seus interesses, que, dessa forma, não poderiam ser abordadas, de ofício (?), na sentença, sob pena de violação ao princípio da congruência.

A tese é tão brilhante que deve o autor levá-la ao relator do projeto do novo CPC para que venha a ser acolhida no novo código. Por ora, porém, na vigência do atual CPC - arcaico, não estando à altura do brilhantismo ímpar da tese evidentemente genial (!) do embargante -, o acolhimento, de ofício, de fundamento apto, por si só, para rejeição do pedido, não abordado na petição inicial ou em contestação, caracteriza pura e simplesmente a aplicação do direito ao caso concreto (narra mihi factum dabo tibi jus), não estando o Juiz vinculado à linha de argumentação de qualquer das partes, máxime em se tratando de matéria de direito público, em que incide a indisponibilidade dos interesses de ordem tributária, não sujeitos a serem comprometidos em razão de supostas deficiências na contestação da Fazenda Nacional, ou mesmo a linhas de argumentação expostas nas petições iniciais que não sejam passíveis de afastamento mediante acolhimento de fundamentações externas, não mencionadas internamente àquilo que o autor, impropriamente, chama de causa de pedir.

O que se tem, na espécie, é pura e simplesmente um pedido de reconsideração, travestido de embargos de declaração, cujas implicações processuais serão abordadas mais à frente.

2) Seria omissa a sentença por não ter considerado o recente entendimento da Turma Recursal de Santa Catarina sobre o tema.

Observo que a sentença mencionou de forma expressa o entendimento da TRSC, favorável ao acolhimento do pedido, e rejeitou seus argumentos, adotando de forma motivada orientação diversa.

Portanto, o que se tem na espécie é pura e simplesmente um pedido de reconsideração, travestido de embargos de declaração, fundado em supostamente nova (ou mantida) orientação jurisprudencial mais benéfica, cujas implicações processuais serão abordadas mais à frente.

3) Seria contraditória a sentença porque, concluo, em síntese, não acolheu - agora meritoriamente - a tese de brilhantismo ímpar, de elaboração claramente genial do embargante, com linha de raciocínio muito acima da inteligência mediana da comunidade jurídica.

Observo que toda a argumentação consiste pura e simplesmente num pedido de reconsideração, travestido de embargos de declaração, fundado em repetição de argumentos já antes expostos na petição inicial e abordados na sentença, que refutou sua alegada procedência.

Observo também que o embargante, Técnico Judiciário em exercício no JEF desta Subseção, em causa cujo valor é de R$ 1.000,00, dá-se o trabalho de redigir embargos de declaração sabidamente incabíveis e de extremamente improvável acolhimento, supostamente por meio de advogado, de 6 (seis) páginas, nas quais tem o atrevimento de dizer que a sentença julgou contra a Lei. É lamentável ver um servidor da própria Justiça Federal cuspindo no produto (sentença) da atividade fim da instituição a que pertence, que paga seu salário e que sustenta sua família. Discordâncias, sempre, devem ser demonstradas de forma cordial e respeitosa, máxime em ações movidas por integrante - estagiário, servidor ou magistrado - da própria instituição, não sendo os embargos de declaração o veículo adequado para que o subordinado, supostamente por meio de advogado, aproveite para dizer ao chefe aquilo que, frente à frente, não teria coragem, nem autoridade, para dizer. Quero deixar registrado que outro(a) magistrado(a) desta Subseção tomou conhecimento do teor da sentença e dos embargos, espontaneamente, sem provocação de minha parte, de forma acidental, comentando-me o lamentável e evidente propósito dos embargos de desqualificar decisões judiciais.

Neste sentido, não perco a oportunidade de registrar que, no dia em que o embargante for aprovado no concurso de Juiz Federal, aos 27 anos de idade, em três oportunidades, obtendo um primeiro e um segundo lugares (sendo que neste último caso o primeiro lugar somente foi assumido por terceiro candidato após a pontuação dos títulos), terá condições intelectuais de dar lições de processo civil a este julgador - refiro-me às imperdíveis lições relativas à suposta incongruência objetiva (Didier, 2010) -, devendo, até lá, situar-se dentro da comunidade jurídica e atuar dentro de suas limitações, seja de ordem jurídica, seja de ordem hierárquica, lembrando-se que, nas não raras ausências dos Juízes Titular e Substituto do Juizado Cível, tenho a titularidade plena deste órgão judiciário, oportunidade em que, qualquer que seja o entendimento de servidores e magistrados nele atuantes, jamais serão eles taxados de contrários à Lei, mas eventualmente substituídos por outros, considerados mais adequados, da mesma forma pela qual, entendendo um servidor que a decisão judicial é contrária à Lei, deverá respeitar o entendimento dissonante de suas compreensões, levando seus reclames ao órgão recursal competente, abstendo-se de utilizar recurso inadequado para cutucar magistrado ou para tentar dar aulas de Direito para as quais não tem qualificação nem conhecimento jurídico suficientes.

Analisados os três apontados defeitos (nulidade, omissão e contradição), concluo que o embargante rasga o dicionário tentando, a todo custo, enquadrar como omissões, contradições e nulidades aquilo que, de forma clara, consiste em simples pretensão de prevalência de seu entendimento sobre o tema.

Passo então à análise das implicações processuais decorrentes.

1) Considerando a incúria no manejo dos embargos de declaração, interpostos de forma nitidamente incabível, com propósitos inadmissíveis nesta espécie processual, constato a presença de embargos manifestamente protelatórios, aos quais se dirige a sanção prevista no art. 538 do CPC:

Art. 538. Os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de outros recursos, por qualquer das partes. (Redação dada pela Lei nº 8.950, de 1994)

Parágrafo único. Quando manifestamente protelatórios os embargos, o juiz ou o tribunal, declarando que o são, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente de 1% (um por cento) sobre o valor da causa. Na reiteração de embargos protelatórios, a multa é elevada a até 10% (dez por cento), ficando condicionada a interposição de qualquer outro recurso ao depósito do valor respectivo.

Aplico a multa de 1%, portanto.

2) Os embargos incabíveis têm, em geral, sido reconhecidos pela jurisprudência como interruptivos do prazo recursal. Em regra, apenas os embargos intempestivos não têm o condão de interromper o prazo do recurso cabível (apelação / recurso inominado). Trata-se de orientação jurisprudencial benéfica, destinada a evitar situações de discordância em comuns zonas cinzentas, dúbias, quanto a se ter, ou não, omissões e contradições no julgado.

No caso, porém, ficou evidente a natureza estritamente modificativa, de pedido de reconsideração propriamente dito - para não se falar em propósitos menos nobres -, dos embargos opostos contra a sentença, que de modo expresso fundamentou, exaustivamente, as questões supostamente omitidas. O que se percebe é que houve, por todos os fundamentos expostos nos EDcl, um pedido de reconsideração, travestido de embargos de declaração. Em tal hipótese, os embargos não têm efeito interruptivo, conforme decidido pelo STJ e divulgado em seu informativo n. 509:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. NÃO INTERRUPÇÃO DO PRAZO RECURSAL. Os embargos de declaração consistentes em mero pedido de reconsideração não interrompem o prazo recursal. Os embargos de declaração, ainda que rejeitados, interrompem o prazo recursal. Todavia, em se tratando de pedido de reconsideração, mascarado sob o rótulo dos aclaratórios, não há que se cogitar da referida interrupção. Precedente citado: REsp 964.235-PI, DJ 4/10/2007. AgRg no AREsp 187.507-MG, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 13/11/2012.

No âmbito do TRF-4, o entendimento não é outro, valendo salientar, também, que o nomem iuris (formal) da peça processual (embargos de declaração) não define o que ela, em verdade (substancialmente), é (pedido de reconsideração):

[...] 1. Os embargos de declaração são meio processual idôneo para veicular pretensão atinente à hipótese objeto do artigo 535 do CPC. A ausência de tais situações hipotéticas fragiliza a utilização do remédio processual. 2. A causa de pedir e o pedido concernentes à rediscussão do mérito da decisão, conquanto articulados em peça nominada de aclaratórios, revela pedido de reconsideração. A classificação da peça processual deriva do seu conteúdo e não do nomen juris a ela conferido. 3. O pedido de reconsideração não ostenta aptidão para interromper o prazo para interposição de recursos. Precedentes. 4. [...] (TRF4, AG 0004345-74.2011.404.0000, Quarta Turma, Relator Luís Alberto Dazevedo Aurvalle, D.E. 26/11/2012)

No âmbito do procedimento do JEF, os embargos excepcionalmente suspendem, e não interrompem, o prazo do recurso cabível (Lei n. 9.099/95, art. 50). Portanto, aplicando-se o entendimento do STJ, o efeito produzido será, no caso, de não suspensão do prazo de interposição do recurso cabível.

O prazo de interposição do recurso inominado é de 10 (dez) dias (Lei n. 9.099/95, art. 42). Observo que o autor foi intimado da sentença em 11.02.2013, com prazo iniciando-se em 14.02.2013 e terminando em 25.02.2013. Devia, portanto, ter interposto seu recurso até tal data, sob pena de não recebimento, por intempestividade.

Observo que hoje é dia 27.02.2013. Logo, o recurso inominado a ser eventualmente interposto é intempestivo. Desde já, deixo de recebê-lo e determino à Secretaria que, por ato ordinatório, intime o recorrente, caso ele venha a interpor o RI contra este decisum, momento em que poderá buscar, querendo, junto à Turma Recursal, a prevalência de seus eventuais argumentos, mediante interposição de expedientes processuais a serem dirigidos diretamente àquele órgão (agravo de instrumento, mandado de segurança, etc.) durante cuja elaboração - e análise de cabimento - terá o embargante um excelente momento de reflexão a respeito dos pressupostos de cabimento dos embargos e do real significado das expressões nulidade, omissão e contradição, que lhe permitirá, numa próxima oportunidade em que vier a ser intimado de alguma sentença, melhor avaliar sobre a presença, ou não, dos pressupostos de cabimento dos embargos declaratórios, diante da conclusão de que tão mais fácil teria sido, simplesmente, encaminhar seus reclames recursais ao órgão competente, em vez de inventar embargos de declaração para finalidades de discutível legitimidade moral, ética, hierárquica e processual.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO aos embargos de declaração.

Condeno a parte embargante ao pagamento de multa de 1% do valor da causa (CPC, arts. 538).

Havendo interposição de recurso inominado, intime-se o recorrente por ato ordinatório, na forma da fundamentação.

Indefiro desde já e previamente todo e qualquer pedido de reconsideração desta decisão.

Sentença publicada e registrada eletronicamente.

Intimem-se.

Chapecó, 27 de fevereiro de 2013.

Guilherme Gehlen Walcher

Juiz Federal Substituto[2]

É lamentável que o Juiz tenha decidido sobre eventual apelação em sede dos embargos de declaração opostos, eis que a decisão deveria ser objeto daquela que decidiu o recurso. Aliás, sobre isso, o Juiz se equivocou gravemente e, mesmo se gabando de ter sido aprovado em 1º lugar no concurso público, parece não saber que contra a sentença se interpõe recurso de apelação e, em face da ignorância (desconhecimento) do sistema dinâmico de normas, mencione equivocadamente o denominado “recurso inominado”.

O Juiz, em tese, sob o manto de estar prestando jurisdição, ofendeu a honra subjetiva do serventuário embargante ao dizer ele deveria ficar no seu lugar de “burro”. Com efeito, há injúria implícita ao dizer que o embargante detém “brilhantismo ímpar” e que deve se colocar no seu lugar de Técnico Judiciário, devendo aguardar o momento da sua aprovação em três concursos públicos para Juiz, para poder questionar as suas decisões.

Uma pessoa ocupar um cargo público em que o requisito estudantil para ingresso é o ensino médio não pode ser objeto de desprezo, assim como não se pode criticar um defeito físico de pode uma pessoa para lhe ofender a honra, como – em princípio – se pode extrair da decisão proferida.

A empáfia do Juiz Federal Substituto que proferiu a decisão transcrita remonta a antiguidade, em que os Juízes manifestavam as vontades dos deuses, o que é uma pena que ainda se verifique nos dias de hoje.



[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 5.

O STF declarou inconstitucional a nova redação do art. 2º, § 1º, da Lei Hedionda

Publiquei artigo, em http://www.sidio.pro.br/LeiHediondaInconstitucionalidade.pdf, intitulado "Inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da lei hedionda (Lei n. 8.072, de 25.7.1990): um assunto delicado e que precisa ser melhor examinado", no qual sustento:
 
A Lei n. 8.072, de 25.7.1990, foi denominada por Alberto Silva Franco de lei hedionda por ser pior do que os crimes que enumera.[1] Essa lei vem sendo objeto de muitas críticas na doutrina, o que foi feito inclusive por mim.[2] O seu art. 2º dispõe:
Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:
I - anistia, graça e indulto;
II - fiança.
§ 1o A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado.
(...)
 
O § 1º previa o cumprimento da pena integralmente no regime fechado, mas o STF (embora em decisão tardia), em 23.2.2006, declarou a inconstitucionalidade daquela previsão legal (Habeas Corpus n. 82.959-7, cujo julgamento se deu em 23.2.2006).
O Congresso Nacional, ao contrário de declarar a ineficácia da norma, optou por editar a Lei n. 11.464/2007, o que consiste em uma declaração indireta da inconstitucionalidade. Com isso, foi necessário dar nova redação ao § 2º para estabelecer os novos requisitos temporais para progressão de regime (mais graves do que o tradicional 1/6 da pena, inserto no art. 112, da Lei n. 7.210, de 11.7.1984. Esta lei constitui-se no nosso Código de Execução Criminal).
(...)
 
O vício do novo § 1º, do art. 2º da Lei Hedionda está, na concepção do decisum, em estabelecer para todos os condenados o regime inicial fechado, sem qualquer possibilidade de diferenciação. No entanto, a composição do STF não estava completa na ocasião do julgamento, sendo possível que se venha a se modificar a orientação jurisprudencial.
(...)
 
O Código Penal estabelece o regime inicial fechado para quem é condenado a mais de 8 anos de reclusão por crime doloso (art. 33, § 2º, alínea “a”). Isso sem dúvida é um critério objetivo por entender mais grave a infração cometida pelo condenado, o que se pode pensar acerca dos crimes hediondos, sendo necessário aguardar para ver como se consolidará a posição do STF sobre a matéria.


[1] FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. Crimes hediondos: notas sobre a Lei n. 8.072/1990. São Paulo: Revista dos Tribuanis, 1994. passim.
[2] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução criminal: teoria e prática. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 16-29.