quinta-feira, 24 de março de 2011

Uma vida intensa pode resultar em felicidade

Neste texto, procurarei responder à seguinte pergunta:
Devemos evitar problemas e não sermos intransigentes defensores da nossas ideias para não sermos rejeitados ou é melhor defender nossas posições, vivermos intensamente até as últimas consequências?
Ontem, publiquei neste blog um texto que intitulei A frustração não é remédio. Estou pensando no tema devido a uma coincidência que está me levando a pensar: no dia em que fui convidado a receber a notificação do processo administrativo disciplinar instaurado contra a minha pessoa, 23.3.2011, entreguei informação na Corregedoria-Geral da União, onde esclareci pontos de um relatório de correição em que indiquei irregularidades na atividade de uma autoridade e, por isso, fui acusado de irresponsável.
Não posso admitir plenamente a proposta de Stefan Klein sobre o acaso.[1] Também, não sou plenamente a favor do determinismo, bem como não vejo tanta positividade no livre arbítrio. Aliás, sobre este, Nietzsche afirma que foi inventado para punir.
O fato é que vivemos em busca da felicidade e Freud afirma que “não estamos programados para a felicidade”, visto que o sentimento de prazer logo se esvai, ou seja, o estado de felicidade é tépido. “A toda satisfação segue imediatamente um renovado desejo e uma nova necessidade”.[2] Porém, parece mesmo que o correto é o cantor Roberto Carlos ao afirmar que a vida é feita de momentos.
Muitas pessoas, buscando ter mais momentos felizes, evitam embates, mas acabam por se anularem e assim vivem em constante conflito consigo mesmos por não exercerem o “eu” que há em cada um.
Os tribunais exigem que tenhamos postura de homens-médios. A própria noção da negligência em sentido estrito é objetiva, aferida segundo a previsibilidade objetiva do homem-médio, ou seja, para se falar em conduta lícita deverá prevalecer a vulgaridade (não no sentido chulo da palavra, mas no seu sentido próprio: comum, ordinário, trivial...), a mediocridade. Essa, segundo Marilena Chauí, foi uma constatação de Heidegger, sendo oportuna a seguinte transcrição:
A vida cotidiana faz do homem um ser preguiçoso e cansado de si próprio, que, acovardado diante das pressões sociais, acaba preferindo vegetar na banalidade e no anonimato, pensando e vivendo por meio de idéias e sentimentos acabados e inalteráveis, como ente exilado de si mesmo e do ser.[3]
Nos idos de 1996-2000 fui Procurador Autárquico no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), onde proferi inúmeros pareceres em que disse que o conselho fomentava a anomia, eis que não exigia o cumprimento da lei a que era obrigado a zelar. Entrei em rota de colidência e atingi interesses econômicos de grupos poderosos. Então, em Abr/2001 vi uma publicação na Revista Época que me colocava na posição de corrupto. Naquela ocasião, recordei-me do 38º estratagema apresentado por Schopenhauer para se vencer um debate sem precisar ter razão, sobre o qual ele escreve:
Quando percebemos que o adversário é superior e que acabará por não nos dar razão, então nos tornamos pessoalmente ofensivos, grosseiros. O uso das ofensas pessoais consiste em sair do objeto da discussão (já que a partida está perdida) e passar ao contendor, atacando, de uma maneira ou de outra, a sua pessoa... É um apelo desde as forças do espírito à do corpo, à animalidade. Esta regra é muito popular, pois todo mundo é capaz de aplicá-la e, por isto, é usada com frequência.[4]
Esse estratagema é o dos desesperados, mas largamente utilizado no Brasil e alhures. Assim, certo de que posso ser processado por aleivosias decorrentes daqueles que se valerão do referido estratagema (desgastar o opositor porque assim tudo o que ele disser não terá valor), devo ponderar sobre a utilidade de continuar a ser um intransigente defensor da legalidade e da supremacia do interesse público sobre o particular, ter uma vida intensa, independentemente dos desgastes resultantes de ser firme nas minhas posições.
A conclusão a que chego é que não estou destinado a ser sempre feliz, até porque o próprio Schopenhauer nos alertou para o fato de que só podemos conhecer a felicidade se tivermos provado o seu oposto. É lógico que o homem, ao criar o deus bíblico teve que criar o seu oposto, como referencial do bem e do mal. Por isso, é melhor ter momentos infelizes com perseguições, processos infundados resultantes de uma postura intransigente na defesa da legalidade e da supremacia do interesse público sobre o particular, do que ser mais um vulgar, ordinário, medíocre – como o é todo homem-médio -, eis que este tende a ser infeliz por se nulificar ante situações sérias.


[1] KLEIN, Stefan. Como o acaso comanda as nossas vidas. São Paulo: Lua de Papel, 2.008.
[2] ENDO, Paulo; SOUSA, Edson. Itinerário para uma leitura de Freud. FREUD, Sigmund. O mau-estar na cultura. Porto Alegre: L&PM, 2.010. p. 28.
[3] CHAUÍ, Marilena de Souza. Vida e obra. HEIDEGGER, Martin. Os pensadores: Heidegger. São Paulo: Nova Cultural, 1.995. p. 8.
[4] SCHOPENHAUER, Arthur. Como vencer um debate sem precisar ter razão: em 38 estratagemas. Rio de Janeiro: Topbooks, 1.987. p. 180-181.


quarta-feira, 23 de março de 2011

A frustração não é remédio

Lido com duas questões frustrantes, há 8 dias. Hoje recebi mais uma que, ao "homem médio", seria razão para a frustração. Já vi muitas pessoas mortas por barbitúricos, "chumbinho" e "barradão", isso sem falar de outras formas de suicídio, todas resultantes da depressão. Aliás, o meu maior amigo dos idos de 1990-1994 se suicidou com um tiro no ouvido. Porém, prefiro enfrentar os problemas e dizer que a frustração é a pior solução a ser adotada.

No dia 15.3.2011 fui intimado a me manifestar sobre representação formulada por uma autoridade pública, por crime contra a administração pública, em decorrência do fato de ter apontado irregularidades na sua atuação, em atividade correicional que efetivei. Desde a intimação, dediquei-me exclusivamente, inclusive durante períodos do final de semana, para responder à representação absurda.

Outro assunto frustrante, tem a ver com o indeferimento do meu pedido de afastamento para estudos no período necessário à elaboração da tese de doutorado. Lamentavelmente, tentei substituir o pedido por licença capacitação e lincença prêmio, mas hoje fui intimado da decisão indeferitória desta última por razões alheias às que aleguei, quais sejam: reconhecimento do tempo de serviço, deste 1987, em 1994 e em 1997, o que representa direito adquirido, a qual resultou de ato jurídico perfeito. Fui informado verbalmente, na 5ª feira, dia 17.3.2007, do futuro indeferimento do pedido de licença prêmio.

Representei contra um Procurador Federal por desídia, má conduta etc. e ele, com base nas manifestações públicas que faço sobre a fuga por meio de psicotrópicos lícitos e outros meios, alegou falsamente - em sua defesa - minha suposta embriaguez contumaz. Outrossim, durante a sindicância, houve pequeno incidente entre o Sindicante e a minha pessoa, sendo que ele, certamente, resolveu se vingar e fez relatório que resultou em processo administrativo disciplinar contra a minha pessoa, do qual fui formalmente intimado hoje.

Terei que me defender de duas acusações que resultam da minha conduta intransigente, em defesa da lei, o que me faz lembrar a frustração de Freud, uma vez que ele se amargurou devido a manipulação do conhecimento científico para atender conveniências do poder. Porém, ao contrário da frustração acolhida e vivida por ele, entendo que é melhor viver neste momento o "desejo de potência" de Nietzsche (mesmo não fazendo o mesmo que ele, evidente viciado em psicotrópico ilícito).

A questão administrativa da licença prêmio será resolvida judicialmente, Por outro lado, terei que decidir se optarei por buscar uma decisão judicial contra o processo administrativo disciplinar relativo à representação que fiz contra um colega ou se apenas me defenderei. No último caso, esperarei o resultado final da correição, Todavia, como solução ideal para o meu problema, mergulharei nos meus estudos e, mesmo com os obstáculos opostos, terminarei a construção da minha tese, intitulada Analisis del funcionalismo e del Garantismo en el Proceso Criminal, eis que a frustração não é remédio para problemas pessoais.

terça-feira, 15 de março de 2011

A defesa pública do abuso de autoridade, feita por um Juiz Federal

Uma sociedade complexa, na visão de Montesquieu (a qual inspira a nossa Constituição Federal), exige que os Poderes da República Federativa do Brasil sejam independentes e harmônicos entre si. No entanto, vem-se desenvolvendo a ideia de que os Poderes Legislativos e Executivo devem se curvar a todas decisões dos magistrados, ainda que manifestamente ilegais.

Liminares e tutelas antecipadas são decisões interlocutórias, as quais, emboram tenham naturezas distintas, são proferidas nos processos sem esgotar o contraditório e o devido processo legal. Até mesmo o cumprimento de tais decisões proferidas contra órgãos públicos deve passar por uma prudente análise, a fim de evitar danos irreparáveis para o Estado e à coletividade.

Ao lado da certeza de que a maioria das soluções da sociedade complexa são metajurídicas, emerge o discurso e o lobby de operadores do Direito (não gosto dessa denominação porque o cientista do Direito deve ir além dos discursos, muitas vezes pífios, que são travados nos processos judiciais) de que a inarredabilidade do Poder Judiciário, assegurada no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, permite levar as mais tolas discussões ao Poder Judiciário, judicializando temas banais ou se valendo dele para a obtenção de vantagens espúrias.

É preocupante verificar um contexto em que os Juizes Federais pretendem verem aumentadas as suas rendas, e que os advogados públicos federais buscam equiparação a eles, contando com tentativas de legitimar inclusive atos de abuso de autoridade. Note-se o que está publicado em "O Estado de São Paulo":


GABRIEL WEDY - Justiça para quem precisa de saúde

Centenas de ações se avolumam todos os dias na Justiça Federal questionando a inaplicabilidade ou uso não adequado das regras estabelecidas para o tratamento de pacientes portadores de doenças graves e raras; fornecimento de medicamentos de forma gratuita; ortotanásia ortotanásia (morte natural de um paciente terminal em que os médicos deixam de ministrar remédios que prolongam sua sobrevida); disponibilização de leitos hospitalares, tanto no setor público quanto no privado; e cobrança abusiva cometida por operadoras de planos de saúde e de seguros.

Não é de hoje que o Poder Judiciário se tornou refúgio dos que buscam remédios ou algum procedimento não oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Quando os hospitais e postos de saúde fecham suas portas, é na Justiça que os pacientes buscam socorro. Hoje tramitam mais de 112 mil ações desse tipo em 20 dos 91 tribunais brasileiros.

(...)



É imprescindível, portanto, que o Poder Executivo faça a sua parte para evitar essa avalanche de ações no Poder Judiciário e, de outra banda, cumpra, de forma expedita e precisa, decisões judiciais que salvam a vida de milhares de cidadãos brasileiros todos os anos. Decisões judiciais, diga-se, respaldadas na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional de regência.


(...)


Em agosto do ano passado o CNJ, em exemplar decisão, arquivou reclamação disciplinar apresentada pela Advocacia-Geral da União (AGU) contra uma juíza federal de Porto Alegre que, em março de 2009, determinou a prisão do procurador regional da União no Rio Grande do Sul por crime de desobediência. A ordem foi dada em razão do descumprimento da decisão em que a magistrada determinou a entrega, em 48 horas, do suplemento alimentar MSUD-2 a um bebê que corria risco de vida. A decisão só foi cumprida 48 dias depois da concessão da tutela antecipada, mais precisamente duas horas após a prisão da autoridade federal, que foi solta após concessão de liminar em habeas corpus. Obviamente, a juíza, em momento algum, como ficou evidenciado no julgamento do CNJ, teve a intenção de cometer qualquer afronta institucional ao advogado da União. Apenas, num juízo de ponderação de valores constitucionais, optou pela tutela do direito à vida do bebê no legítimo exercício do poder jurisdicional. Como bem disse o ex-corregedor nacional de Justiça ministro Gilson Dipp, em seu voto no plenário do CNJ, "a magistrada se viu na última fronteira entre as instituições públicas e o direito à vida".


(...)


JUIZ FEDERAL, É PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES

Disponível em:  http://www.estadao.com.br/ estadaodehoje/20110314/not_imp691534,0.php. Acesso em: 15.3.2011, às 7h30.

O que decepciona é que o advogado passa a ser responsável pela eventual omissão do administrador público. Outrossim, na qualidade de Advogado da União, Procurador Federal etc., o advogado público atua como agente público, não como particular. No entanto, a ordem de prisão foi por crime de desobediência.

A decisão contrariou a invocada Constituição Federal porque a ordem não poderia ser dirigida ao advogado, mas ao administrador que deveria cumpri-la. Violou-se, portanto, a constitucional personalização da pena, pela qual esta não passsará da pessoa do agente (Constituição Federal, art. 5º, inciso XLV).

Violou-se, pela mesma decisão, o art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, visto que não se pode obrigar o advogado público a fazer algo que não está contido em lei. Quem deve comprar medicamentos, implantar benefícios previdenciários etc. é o administrador público. Assim, responsabilizar a advocacia pública pela eventual omissão do administrador é incabível.

Não bastasse, o crime de desobediência (Código Penal, art. 330) é crime de particular contra a administração pública e de menor potencial ofensivo (Lei n. 9.099, de 26.9.1995, art. 61). Assim sendo, o crime não pode ser praticado por agente público que age ou se omite em tal qualidade. Também, por ser delito de menor potencial ofensivo, não pode ensejar imediata autuação em flagrante (Lei n. 9.099/1995, art. 69, parágrafo único).

Ao contrário de agir em conformidade com a Constituição Federal, o ato publicamente defendido no texto transcrito, em tese, constitui abuso de autoridade, visto que se subsubme ao descrito na Lei n. 4.898, de 9.12.1965, in verbis: "Art. 4º Constitui também abuso de autoridade: a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder".

segunda-feira, 14 de março de 2011

Uma linda mulher, só no cinema

Nos idos dos anos 2000-2002, li em uma revista um artigo com título igual ou semelhante ao desta postagem e de conteúdo parecido com o que transcreverei adiante. A revista discutia unicamente a prostituição, sendo que lamento muito o seu estravio, visto que é muito séria, com artigos interessantes.

Sábado (dia 12.3.2011), fui surpreendido pelo meu irmão que comprou ingressos para o filme intitulado Bruna Surfistinha em um posto de abastecimento de combustíveis e me noticiou que estávamos indo ao cinema.

Mesmo não gostando dos ambientes das salas de cinema (não gosto de nada estremamente limitador e os cinemas em geral impõem limites excessivos), acompanhei o meu irmão e vi uma película de uma menina adotiva (Raquel), pressionada pelo irmão mais velho. Ela tinha o hábito de furtar e foi envolvida em um escândalo de sexo oral com um colega de colégio e resolveu sair de casa por não gostar dos normais limites impostos pelos pais adotivos e se entregou à prostituição.

Inicialmente, tinha 17 anos de idade, mas disse ter 18 anos e foi admitida em uma casa. Era a preferida dos clientes e conheceu Carol, uma amante de um velho casado, mantida por este. Carol usava cocaina, sendo que Raquel a seguiu e, em função da droga, foi expulsa da casa em que era explorada sexualmente.

Uma colega que lhe ajudou muito na organização dos programas sexuais se sentiu desvalorizada por Raquel (Bruna Surfistinha), abandoando-a, iniciando-se um período de decadência para a prostituta que foi parar na rua e em um "vintão", onde desmaiou durante uma relação sexual.

Ela decidiu continuar a vida de prostituição por mais 6 meses (cerca de 600 a 800 programas sexuais) para depois abandoná-la. Esta é, em apertada síntese, a história do filme protagonizado pela atriz Debora Secco.

Sobre o tema, é interessante o texto que se segue:

São Paulo, segunda-feira, 14 de março de 2011
O amargo veneno do escorpião

A VIDA REAL DAS GAROTAS DE PROGRAMA DE LUXO PASSA LONGE DO GLAMOUR DAS TELAS

CARLOS MINUANO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

No cinema ou na literatura, a coisa até parece fácil e divertida. Mas, na real, a vida de uma garota de programa passa longe do clima de videoclipe do sucesso de bilheteria "Bruna Surfistinha".
Há duas semanas em cartaz, o filme foi assistido por mais de 1 milhão de pessoas.
O longa é inspirado no livro "O Doce Veneno do Escorpião" (Panda Books), que relata as experiências de Bruna, codinome de Raquel Pacheco, 26, que viveu como garota de programa dos 17 aos 21 anos.
O filme de Marcus Baldini, com Deborah Secco como Bruna, parece uma peça publicitária, mas traz um pouco do lado B da prostituição.
Caso da passagem da personagem pelo chamado "baixo clero" dos bordéis, ou o famoso "vintão" -nome e preço do programa.
O longa e a história real de Bruna mostram também como tudo pode começar a partir de uma brincadeira: na cena inicial, Deborah Secco encarna uma lolita que despe sua camisola via webcam.
Pode ser o primeiro passo para um universo por onde transitam jovens (incluindo aí uma penca de adolescentes) que vendem o corpo para qualquer um que pague.

"CÁRCERE PRIVADO"
A jovem Drica*, 24, vive no circuito de luxo da prostituição. Seus clientes são empresários, advogados e "todo tipo de gente com dinheiro".
Ela conta que começou aos 21 anos, imaginando que ganharia altas cifras. Mesmo atendendo a "clientes vips", ela vivia sob o que chama de "cárcere privado".
"Entrava às 21h e era obrigada a ficar até às 4h da manhã. Só podia sair se pagasse multa de R$ 100, mesmo se estivesse passando mal."
Já Valentina, 22, apesar de formada em fisioterapia e moda, decidiu vender o corpo quando sua família, no interior paulista, sofreu um revés financeiro.
Para ela, a violência pesou. "Há clientes que agridem, há humilhação."
Depois de dois anos como garota de programa, ela hoje é hostess de uma boate de São Paulo e observa dramas até piores aos que viveu.
"Há clientes hoje que querem uma parceira para o sexo e para se drogar em quantidades gigantescas", diz.

TRÁFICO DE PESSOAS
A cada cliente, existem novos perigos. Valentina tem amigas que desapareceram no exterior, aliciadas por redes de tráficos de pessoas.
"Algumas são mantidas presas. Dificilmente voltam."
Assim como o preço do programa, o perfil da prostituição entre jovens varia de acordo com a região do país. "No Norte e Nordeste, o problema é a pobreza extrema mesmo", afirma a promotora Laila Shukair, da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e da Juventude.
Famílias desestruturadas se tornam alvos fáceis de redes de tráfico de pessoas -a terceira atividade criminosa mais lucrativa no mundo, depois de drogas e armas.
O dinheiro que as meninas ganham vai embora tão rápido como veio. "É uma compensação. Se você não torra com drogas, gasta tudo no shopping", diz Valentina.
Nas ruas desde os 20 anos, Ticiane diz que o pior é a solidão. "Não tenho mais vida pessoal, namorado ou amigos." Ela também reclama da violência. "Saí com três rapazes que me levaram para uma rua deserta. Se não fosse um vigia noturno, acho que tinha morrido."
A promotora Shukair aponta três responsáveis. "A família falhou na educação. O Estado não garantiu o direito constitucional de essas adolescentes se desenvolverem sexualmente de forma saudável. E falhou a sociedade três vezes: na figura de quem explora, de quem paga e de todos que se omitem."


*Todos os nomes das meninas são fictícios

Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/folhatee/ fm1403201113.htm. Acesso em: 14.3.2011, às 10h30.

Há alguns anos, quando me deslocava para lecionar Direito Criminal (Material e Processual) em curso de especialização realizado pela Faculdade de Ciências e Tecnologia de Unaí (FACTU), localizada na cidade de Unaí, Estado de Minas Gerais, pedi ao motorista para fazer uma pausa, visto que estava com sede e ali comprei uma revista sobre prostituição, sendo que na capa constava, em destaque, algo semelhante ao título do presente texto.

Tenho 2 filhas e me preocupo com o tema como pai e pesquisador, visto que temos delitos relativos à prostituição, matéria que já foi abordada por mim, inclusive em palestras (vide:
MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Crimes contra a dignidade sexual. Teresina: Jus Navigandi, ano 14, n. 2340, 27.11.2009. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/13917>. Acesso em: 13.3.2011, às 10h40). Também, certa feita, enquanto professor de Direito Penal IV do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), uma excelente aluna Júlia Riccardi, realizou pesquisa exemplar sobre prostituição, esclarecendo como sua prática já foi combatida e até fomentada durante a história da humanidade.

A aparente vida fácil das prostitutas e o constante sonho de encontrar um milionário semelhante ao ator Richard Gere, do filme "Uma linda mulher" é um engodo bem retratrado pelo texto anteriormente transcrito. Porém, a prostituta vende o seu corpo assim como todo trabalhador que se vale do corpo para sustentar a sua vida, não sendo ela inferior ao professor  (que vive do seu intelecto), do lutador e do atleta em geral (que vivem das suas forças e das suas habilidades) etc.

Não quero que uma das minhas filhas se transforme em prostituta porque sei que é uma atividade de extremo sofrimento. Muitas ficam na prostituição por longos anos por estarem acostumadas aos elevados rendimentos, mas todas sabem que a vida profissionalmente ativa é curta. Em tal certeza, vivem o sonho de "Uma linda mulher".

Em muitos paises a prostituição é uma profissão como outra qualquer e deveria ser assim no Brasil. No entanto, a hipocrisia, bloqueios religiosos etc. atrapalham sua regulação por lei, o que piora ainda mais o nível de vida das prostitutas, empurando-as para a marginalidade e aumentando as dores que são impostas a elas.

Os homens se valem de prostitutas e ao final dizem que elas não prestam. No entanto, não param de se valer delas, sendo que a prostituição, hoje, não é privilégio do sexo feminino. Muitos homens se prostituem.

A prostituição deve parar de ser tratada como problema jurídico e como desvio moral. Existem problemas anteriores graves, sendo que uma soma de fatores sociais, educacionais, econômicos etc. fomentam a manutenção de uma prática antiga e, hipocritamente, muito rejeitada.

quarta-feira, 9 de março de 2011

"Ciclista morto em assalto": o Jornal de Brasília errou.

De <http://www.jornaldebrasilia.com.br/site/index.php>, é possível extrair a postagem abaixo:

RECANTO DAS EMAS
Ciclista morre baleado e moradores tentam linchar criminoso


Para conhecimento dos fatos, apresento o inteiro teor da matéria eletrônica, in verbis:

Publicação: Terça-feira, 08/03/2011 às 18:50:22   Atualização: 08/03/2011 às 20:47:21


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Um ciclista foi baleado por volta das 18h30 desta terça-feira (08) na altura da quadra 800 do Recanto das Emas. Claudimiro de Oliveira, de 40 anos, pedalava com um grupo de amigos quando um assaltante menor de idade os abordou. Após o assalto, Claudimiro seguiu o criminoso para tentar recuperar o material roubado, entrou em luta corporal e foi baleado nas costas. Muitos moradores – inclusive crianças – testemunharam o crime e tentaram linchar o menor.

Os moradores foram contidos pelo Corpo de Bombeiros que chegou primeiro ao local. Não se sabe o estado de saúde do adolescente, mas testemunhas afirmam que ele saiu gritando, sentindo bastante dor. Segundo a Polícia Militar, o criminoso participou de uma tentativa de roubo a um ônibus instantes antes  com um grupo de outros três assaltantes. 

O grupo da vítima partipava da atividade semanalmente. Claudimiro era proprietário de uma loja que vendia utensílios para bicicletas no Recanto das Emas. 

O menor foi conduzido ao Hospital Regional do Gama e, depois, para a DCA. Alguns moradores que participaram das agressões foram levados à Delegacia.

Fonte: Da redação do clicabrasilia.com.br, com informações de Ana Paula Andreolla
Disponível em: <http://www.jornaldebrasilia.com.br/ site/noticia.php?id=330325>. Acesso em: 9.3.2011, às 10h30.

O texto transcrito não apresenta os equívocos que pretendo apresentar. Refiro-me à matéria de autoria de Ana Paula Andreolla (Ciclista morto em assalto. Brasília: Jornal de Brasília, 9.3.2011, Caderno Segurança, p. 8), publicada hoje, de onde se pode extrair uma série de equívocos:

(I) a jurisprudência trata com extremo rigor o crime de latrocínio, impondo os maiores gravames aos seus agentes, portanto, caso estívessemos diante de um crime, poderíamos falar em latrocínio, não em roubo seguido de homicídio;

(II) o autor do disparo causador da morte é adolescente, razão de não praticar crime, mas fato definido como crime que se denomina ato infracional.

(III) fomenta-se a redução de mortes em crimes violentos utilizando adequada informação, não apenas incentivando a revolta contra os seus agentes.

Já tive oportunidade de publicar um artigo em que sustento que a culpabilidade integra o conceito de crime (vide: MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de Mesquita. A Culpabilidade Integra o Conceito Analítico de Crime. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 24.8.2009. Disponível em: <www.investidura.com.br/ biblioteca-juridica/artigos/direito-penal/4160>. Acesso em: 09.3.2011, às 10h45. Destarte, esclarecendo minha segunda afirmação, transcrevo parte da matéria publicada no jornal impresso:

"No local, muitas pessoas - e inclusive crianças - testemunharam o homicídio". Homicídio é crime, devendo ser analisado juridicamente, sendo que é equivocado dizer que o adolescente o tenha praticado. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069, de 13.7.1990), em seu art. 103, diz que o a prática de fato definido como crime será ato infracional. Assim, o adolescente praticou fato definido como crime, mas não homicídio, visto que a ele é incabível a prática de crime.

Homicídio é crime contra a vida, sendo que a morte concretizada para possibilitar o roubo caracterizará latrocínio. Este, segundo a jurisprudência pátria (esta é o costume do tribunal) se consuma com o resultado morte. Destarte, ainda que a subtração não tenha se completado, com a morte da vítima, haverá latrocínio e não homicídio.

É lamentável que a jurisprudência tenha em vista apenas o rigor (a pena mínima do latrocínio é de 20 anos - Código Penal, art. 157, § 3º, in fine - enquanto que o somatório das penas do homicídio consumado por ter sido praticado para assegurar a vantagem ou impunidade de outro crime a do roubo é de 17 anos e 4 meses. Observe-se: Código Penal, art. 121, § 2º, inc. V: pena - 12 anos; e art. 157, § 2º, inc. I e II: pena - 5 anos e 4 meses). Em casos como o narrado, talvez houvesse roubo consumado e mais homicídio, eis que a conduta causadora da morte seria superveniente à consumação da subtração e da violência ensejadora do dano patrimonial.

Os ciclistas, segundo a notícia, quando abordados,  estavam em número muito maior do que o dos agentes. Com isso, fica evidente que a subtração se deu mediante o emprego de arma de fogo. Por isso, longe de fazer uma apologia à conduta das vítimas, melhor seria informar a população sobre o erro na conduta caracterizada pela reação.

Vi o jogador de futebol Roger apelando por providências das autoridades públicas porque a sua mãe foi vítima de disparos de arma de fogo porque reagiu a um roubo e, mesmo sabendo que o índice de objetos recuperados é pequeno em relação aos roubados, digo que são necessárias medidas que vão além das policialescas que o Estado constuma oferecer.

Mais do que de polícia, em um caderno de "Segurança", a imprensa tem o importante papel de informar bem, inclusive criticando as reações aos roubos. Porém, não basta isso, em uma sociedade complexa, são necessárias muitas medidas que vão além, parafraseando Foucault, de "Vigiar e Punir".

quarta-feira, 2 de março de 2011

O motorista que atropelou ciclistas em Porto Alegre-RS praticou conduta dolosa, mas pode ser inimputável

Publiquei um texto sobre este assunto anteriormente, no qual informei que o homem que atropelou ciclistas em Porto Alegre-RS teve dolo. Tal idéia é mantida porque o dolo, segundo a concepção finalista, bem como para a teoria do tipo total, é alguma coisa vazia. Aliás, uma das críticas que pende sobre Hans Welzel decorre do fato dele, com a transferência do dolo para conduta, ter causado dois grandes problemas: (a) tornou inexplicável a negligência em sentido estrito; (b) o dolo se transformou em um conceito estéril, oco ou vazio.

Observe-se a matéria abaixo:

02/03/2011 - 10h16

Acusado de atropelar ciclistas no RS permanecerá internado em hospital psiquiátrico

Lucas Azevedo
Especial para o UOL Notícias
Em Porto Alegre

"Não tinha outra alternativa", diz suspeito

Após o impasse, no início da manhã desta quarta-feira (2), sobre a prisão do motorista que atropelou um grupo de ciclistas em Porto Alegre, ficou acordado que Ricardo Neis permanecerá internado no hospital Parque Belém, na zona sul de Porto Alegre, para acompanhamento psiquiátrico. Segundo novo laudo médico, o bancário deve permanecer sob observação, já que está abalado psicologicamente, podendo, inclusive, tentar suicídio.

“O médico entregou um laudo no qual avalia que o Neis deve ficar internado sob acompanhamento de profissionais da saúde. Ele pode vir a cometer um ato de suicídio. Dessa maneira, a polícia está solicitando à Justiça a remoção do acusado ao Instituto Psiquiátrico Forense”, informou o coordenador de imprensa da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, delegado Rodrigo Garcia. O nome do médico que assina o laudo ainda não foi divulgado.

Por volta das 6h30 de hoje, nove agentes da Polícia Civil foram ao hospital para cumprir o mandado de prisão deferido pela Justiça no final da noite de ontem. Lá, encontraram Neis sob efeito de medicamentos. O bancário estaria sem dormir há três dias.

Neis alegou estar “muito abalado”, segundo seus advogados. Contatado pela reportagem, o advogado Luis Fernando Albino, da equipe de defesa de Neis, afirmou no início da manhã: “Estão tentando tirar ele à força [do hospital]”, referindo-se aos policiais.

No fim da noite de terça-feira (1º), a juíza Rosane Michels, do 2º Juizado da 1ª vara do júri de Porto Alegre, decretou a prisão preventiva do motorista. A juíza acolheu o pedido feito pelo delegado Gilberto Montenegro, que investiga o caso.

Requerimento similar, formulado pelo Ministério Público, foi negado pela juíza. O teor da decisão não foi divulgado.


A prisão provisória, em princípio, não se justificaria porque não há qualquer indicativo de que ela seja necessária como cautela processual. Ademais, é oportuna a ~seguinte crítica à prisão provisória:

Impõe-se tratar este instituto como uma medida preventiva e policialesca, pertencente por esta razão não ao subsistema penal e processual penal ordinário, mas àquele administrativo. É verdade que o encarceramento preventivo é o momento do processo ordinário e é ordenado por um Juiz. Todavia, por causa dos seus pressupostos, da sua modalidade e da sua dimensão assumida, tornou-se o sinal mais vistoso da crise da jurisdição, da tendência a tornar mais administrativo o processo penal e, sobretudo, da sua degeneração no sentido diretamente punitivo.[1]
Até mesmo a internação provisória dependeria dos pressupostos da prisão cautelar, sendo incabível a prognose apressada que tem movimentado o Poder Judiciário em casos que tem clamor público. Porém, a decisão é indicativo de que o acusado, no momento dos fatos, não era capaz de se conduzir de acordo com o seu dissernimento, em função de doença mental.

Preponderando a ideia da inimputabilidade, mesmo que se prove o fato típico (caracterizado por conduta jurídico-criminal, nexo causal, resultado e tipicidade) e ilicitude, deverá ser submetido a um tratamento denominado medida de segurança, ao contrário da pena.

A medida de segurança, ao contrário de ser considerada medida penal, deve ser concebida como medida sanitária, a qual não deverá basear-se na gravidade dos fatos, mas nas necessidades do doente.

[1] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.002. p. 619.