Sempre que inicio aulas, palestras e conversas
técnicas, informo que pretendo manter a discussão jurídica no plano científico,
visto que o conhecimento vulgar é superficial, o filosófico genérico e o
teológico exige fé, o que não tenho, embora reconheça que tenha que tangenciar
todos esses níveis de conhecimento.
Cientificamente falando, a pena não é objeto de
estudo do jurista, mas do penálogo.[1]
Porém, um país parco em conhecimentos como o Brasil tem raros conhecedores de
Penalogia, dedicando o conhecimento aos juristas, especialmente aos Juízes,
como se eles fossem capazes de serem conhecedores de tudo, uns deuses. Aí, imbricados em sentimentos religiosos, admitem a pena de morte com fundamento na lei de talião, presente em Êxodo 21; Levítico 24, 19-20; e Deuteronômio, 19, 20-21.
Informo que existem correntes sobre as teorias da
pena, as quais passam por fundamentações distintas (filosóficas, religiosas,
sociológicas, jurídicas etc.), que podem ser agrupadas em três básicas: (a) absolutas: castigo, é um
mal a ser retribuído a quem praticou um mal; (b) relativas ou utilitárias:
a pena é utilidade, manifestada pela prevenção; (c) mistas: a pena é retributiva-preventiva.[2]
Porém, esclareço nas aulas, inventam muito acerca da suposta prevenção.
Antes, eu só falava durante as aulas nas
denominadas prevenções: (a) geral: visa a dissuadir a prática
do crime por meio da ameaça da pena; (b) especial: a aplicação e a
execução da pena surtirão efeitos no condenado, fazendo com que ele não
reincida. Hoje, viraram espécies da denominada prevenção geral negativa e, por
influência dos germânicos, digo que a doutrina menciona as prevenções negativas
apresentadas, bem como as seguintes prevenções positivas: (I) geral: visa evitar
a criminalidade por meio de ideologias e do sistema jurídico-criminal; (II) especial: caracteriza-se
pela segregação do condenado pelo período da pena, dando ensejo à aceitação da
pena de morte.
Um povo, quanto mais rudimentar, mais se
aproximará da exclusividade jurídico-criminal. É interessante notar que os
Estados Unidos da América parecem evoluídos, mas caem no vazio intelectual do
punitivismo, consagrando a pena de morte com ampla aplicação no Texas e na
Califórnia. Mesmo assim ficam longe dos nórdicos, em termos de prevenção
jurídico-criminal.
Logo após a primeira e mais remota instituição
criminal, a vingança, instituímos a lei de talião (do latim talio, lei de talis, significando tal,
idêntico), pela qual a pena é um mal que deverá ter a mesma medida do mal
que reprime. Depois, passamos pela composição, hoje a mais reconhecida como benéfica,
eis que a reparação do dano evitará a pena, evidenciando a primeira origem da indenização
civil.
A pena de
morte encontra apoio, principalmente, entre pessoas menos cultas. Nem mesmo a
lei de talião a justifica e a possibilidade de erro do Estado, sem a
possibilidade de reparação de tal erro, dentre outros aspectos, está a
recomendar a rejeição da sua previsão legal. Não se olvide de célebres casos de
erros judiciários com execuções de condenados, como o de Mota Coqueiro, a Fera
de Macabu.[3]
Não direi
que a vida é bem jurídico (bem
do Direito, objeto do Direito, objeto jurídico: aquilo que o Direito protege)
absoluto porque não se concebem mais bens absolutos, pois até mesmos os
direitos fundamentais da Constituição Federal precisam ser ponderados.[4]
Porém, a pena de morte, passível de aplicação, no Brasil, àqueles que
praticarem crimes militares em tempo de guerra (ainda que o julgamento se dê em
tempo de paz), não se justificará – à luz da lei de talião – nem mesmo para os
delitos mais graves.
Imaginemos
algumas hipóteses para imposição de pena de morte: (1) Tício matou Caio e ocultou o cadáver para assegurar a
impunidade. Descobriu-se que Tício agiu por motivo pouco relevante porque foi ofendido
durante discussão banal de trânsito. Ele desferiu um tiro contra a vítima,
matando-a instantaneamente; (2)
Mévio matou vinte crianças e retalhou os corpos das vítimas, preparando-os para
o consumo. Após devorar metade da carne, foi localizado e descobriu-se que ele
era um religioso fanático que pregava a purificação da espécie humana por meio
do consumo de carne proveniente de pessoas puras; (3) Semprônio, planejando roubar um banco, nele adentrou e matou seis
vigilantes. Foi preso dois anos depois, momento em que morava em suntuosa casa,
adquirida com o produto do crime.
Segundo a
lei de talião, em nenhum dos casos, haveria justiça porque Tício, caso (1),
será morto mediante tortura mental, haja vista que suportará o processo e
aguardará execução premeditada, maior, portanto, que o mal por ele praticado.
Em outros casos, a pena seria desproporcional por ser menor que o mal praticado
pelo infrator da lei.
Não haveria
proporção na morte de Mévio, caso (2), porque ele poderia ser um doente e,
assim, ao contrário de pena, mereceria tratamento. Também, caso fosse Mévio
efetivamente o monstro que se imagina, ante tão cruel hipótese, sua pena
deveria ocorrer por várias vezes, mas isso apenas nos reduziria ao período
bárbaro, já experimentado e sem sucesso no combate à criminalidade.
No caso (3),
o de Semprônio, estar o agente se usufruindo do produto do crime não torna as
mortes das vítimas mais dolorosas, não havendo a menor condição de se afirmar
que há proporcionalidade entre a conduta de Semprônio e a pena de morte que lhe
foi imposta e executada.
Minha
indagação, neste momento, reside no tocante à proporcionalidade. Não havendo
proporcionalidade, não se pode falar em pena justa. Também, não me parece
razoável a posição simplista exposta no sentido de que “foi pouco”. Ora, se é
“pouco”, é desproporcional, portanto, a pena é injusta, ou seja, a pena de
morte, ao contrário de justificar a lei de talião e as teorias absolutas,
deixa-a desmascarada.
Há muito tempo
que sabemos que um povo rudimentar tende mais às leis criminais. Essa é uma
falácia da qual procuro fugir, embora sabendo que “em tempos de Operação
Lava-Jato” só desejamos polícia e penas. Lamentável!
[1] Veja-se o que informo sobre a Penalogia em:
MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução
criminal: teoria e prática. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 7.
[2] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Op. cit. p. 45.
[3] Esse é um notório caso de erro judiciário,
em que, influenciado pela mídia, o povo condenou um inocente à morte, o qual enforcado.
[4] SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo
essencial, restrições e eficácia. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2.010. p. 254.