segunda-feira, 25 de novembro de 2013

O Min. Joaquim Barbosa preocupa o ambiente jurídico criminal brasileiro

O Min. Joaquim Barbosa vem se mostrando efetivamente despreparado para ocupar o cargo de Presidente do STF, não apenas pelos seus arroubos anteriores, mas também pela provável intervenção que faz perante o Juízo da Vara de Execução Penal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios.
 
 
Não há hierarquia que torne o Juiz da Execução Criminal subordinado ao Presidente do STF, sendo que a pressa em executar a pena dos condenados da Ação Criminal n. 470 (mensalão) levará fatalmente ao benefício daqueles que integram o denominado "núcleo político", mas parece que o Min. Joaquim Barbosa pretende violar toda jurisprudência pátria, direitos dos condenados (que preservam todos aqueles não atingidos pela sentença ou pela lei) para atender ao desejo de vingança pública que parece ser evidente nos dias atuais.
 
A firme jurisprudência do STF, no sentido de que não deve haver execução provisória da pena, sendo que toda prisão anterior ao trânsito em julgado final só se justificará se em favor do condenado ou se estiverem presentes os requisitos e fundamentos da prisão cautelar, foi invertida quando determinaram a execução de penas que transitaram em julgado, mas que ainda pende de julgamento recursos relativos a parte do processo.
 
O pior é o Juiz Criminal, no caso o Presidente do STF ou o próprio colegiado daquela corte, pretender exercer o múnus de Juiz da Execução ou exercer controle prévio sobre as complexas atividades da execução criminal. Hoje, ante o risco de haver abuso por parte do Presidente do STF, Min. Joaquim Barbosa, é possível pensar inclusive em seu "impeachment". (veja-se: http://www.redebrasilatual.com.br/politica/2013/11/lembo-critica-linchamento-e-diz-que-ha-base-legal-para-impeachment-de-barbosa-2659.html)
 
Ressalte-se que não sou simpatizante do Partido dos Trabalhadores, nem vejo carreira honrosa entre os políticos desse partido que foram condenados. Porém, isso não pode transformá-los em objetos do processo, pois são sujeitos com direitos e obrigações perante o Estado.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

O Poder Judiciário mais uma vez envergonha! Análise a partir do Caso de Abaetetuba


Quero evidenciar um acinte ao povo brasileiro, perpetrado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA) que, por intermédio de um colegiado de Desembargadores de Justiça, promoveu a Juíza de Direito Clarice Maria de Andrade Rocha, por merecimento, à titularidade da Vara de Crimes contra Crianças e Adolescentes de Belém. A decisão teve o incentivo dado por decisão imoral do Supremo Tribunal Federal (STF), isso por meio de processo de relatoria do "salvador da pátria",  Min. Joaquim Barbosa, que considerou excessivamente rigorosa a sanção imposta à referida Juíza pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mesmo tendo ela mantido menina de 15 anos presa (sendo estuprada para poder se alimentar) por quase um mês.
A decisão está suspensa pelo TJPA, mas ela foi praticada e pode ser considerada válida, mormente se for impetrado mandado de segurança (MS) perante o STF em que se considere prevento o Min. Joaquim Barbosa.
Em aula, na Graduação do Curso de Direito do UDF, apresento alguns pequenos vídeos, retirados do Youtube [aqui], sendo que procuro evidenciar que não apenas os governantes, mas os Juízes brasileiros também precisam ser condenados pela Corte Internacional Criminal por crimes contra a humanidade.[1] Ontem à noite, dois alunos, Marco Aurélio e Jade, procuraram-me para, indignados, apresentarem a matéria que ensejou a elaboração do presente texto. No mesmo sentido, via Facebook, a aluna Suzeni me enviou a matéria jornalística.

O primeiro vídeo que mostro aos alunos evidencia, não uma notícia, mas um crime, em que o apresentador propõe a vingança como solução para “lavar a honra” (Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=-TK46y0gMhw). Quero que eles vejam o que um jurista não deve propor como solução para crimes graves como o provavelmente perpetrado pela Juíza Clarice Maria, a qual manteve uma menina de 15 anos presa com 20 homens, de 21.10.2007 a 14.11.2007, onde era estuprada várias por dia.
Há um vídeo que mostra que agentes penitenciários afirmam que a Juíza de Abaetetuba conhecia a situação. Veja [aqui]
Evidenciado o absurdo, apresento um terceiro vídeo em que se "premia" Membros do Poder Judiciário com a aposentadoria compulsória sob o manto de sanção administrativa. Era o máximo que o CNJ podia fazer e o fez, conforme se pode ver [aqui].
No entanto, a "sanção" foi exagerada, isso segundo perspectiva do STF, conduzida pelo Min. Joaquim Barbosa (mostro a sessão do STF que concedeu a segurança para cassar a decisão do CNJ). Para o relator do MS n. 28.816, impetrado contra a decisão do CNJ, ela não poderia conhecer a situação do lugar, mesmo tendo feito relatório sobre as condições precárias da delegacia de Abaetetuba 2 dias antes da prisão da menina – em tal relatório informou a impossibilidade de manter os homens presos ali, de onde se pode inferir ser impraticável inserir ali uma adolescente sem ser no convívio diuturno com homens.

O voto do relator foi uma vergonha, seguida pelos demais Ministros do STF (eu tenho o vídeo que estava publicado no Youtube -  ele foi retirado dali, provavelmente, por decisão judicial corporativista). Não localizei o voto na rede mundial de computadores (nem mesmo na consulta processual se vê o voto do relator), razão de apresentar tão-somente aquilo que o STF publicou:
 
Quinta-feira, 14 de junho de 2012
Supremo cassa decisão do CNJ que determinou a aposentadoria compulsória de juíza do Pará

O Supremo Tribunal Federal (STF) cassou decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que determinou a aposentadoria compulsória da juíza C.M.A., que atuava na comarca de Abaetetuba (PA). Ela foi condenada pelo Conselho porque teria determinado a prisão de uma garota menor de idade em uma cela masculina durante 24 dias, e falsificado documento para afastar sua responsabilidade no caso. 
No julgamento do Mandado de Segurança (MS) 28816, os ministros entenderam que não há evidências de que a juíza tinha ciência da circunstância em que foi cumprida a ordem de encarceramento, que tenha sido informada a respeito ao longo do período em que a menor ficou presa ou que tenha agido intencionalmente ao determinar a prisão em uma cela masculina.
O Tribunal cassou a decisão do CNJ, e determinou que o órgão julgue novamente o caso levando em conta apenas a acusação de falsificação. Segundo os autos, a juíza teria alterado uma certidão expedida pelo diretor de Secretaria da 3ª Vara da Comarca de Abaetetuba, atestando a transmissão de fac-simile, em 8 de novembro de 2007, para a Corregedoria do Interior, autorizando a transferência da presa da delegacia para a capital do estado. O ofício só teria sido encaminhado no dia 20 de novembro de 2007, com data retroativa ao dia 7 de novembro.
Voto do relator
Segundo o voto do relator do caso, o ministro Joaquim Barbosa, por maior que seja a experiência e a capacidade técnica de um profissional, elas são insuficientes para afastar totalmente a possibilidade de erro. Sustentou que, ao entender que havia na carceragem local a possibilidade de segregação de detentos por sexo, a juíza pode ter incorrido em erro de avaliação que não pode ser atribuído simplesmente a negligência ou imperícia.
A violação dos direitos da menor, argumentou o ministro, decorreu de condutas excessivas de todos os agentes estatais envolvidos, a começar pela polícia. A circunstância de os policiais terem dever e possibilidade real de impedir os abusos ocorridos na carceragem é por sua vez insuficiente para afastar a responsabilidade das demais autoridades estatais envolvidas. Com a falha dos policiais, os papéis do Ministério Público, do conselho tutelar e do próprio juiz ganhariam relevância extraordinária.
O ministro relator também entendeu que o CNJ, ao condenar a magistrada, fez juízo de valor sobre ato jurisdicional. Ao lavrar o ato de prisão, o juiz pode fazer considerações sobre as condições de encarceramento – o que não é um ato administrativo, mas judicial, que poderia ser revisto por outra autoridade judiciária.
O ponto que deve ser avaliado pelo CNJ, concluiu o voto do ministro Joaquim Barbosa, é saber se a suposta falsificação de documento, se comprovada, é compatível com a magistratura, e se a impetrante quis furtar-se à responsabilidade pela fraude.
Por maioria, acompanhando voto do ministro Marco Aurélio, o Tribunal determinou também que ao julgar novamente o caso, abordando apenas a acusação de falsificação de documento, o CNJ não determine novamente a pena de aposentadoria – determinando a suspensão, advertência ou outra punição prevista. Nesse ponto, ficaram vencidos o ministro Joaquim Barbosa e a ministra Cármen Lúcia, que não se pronunciaram sobre o conteúdo de uma eventual segunda condenação, e vencido  também o ministro Dias Toffoli, que deferiu totalmente o pedido para cassar a decisão do CNJ em relação aos dois fundamentos – a negligência e a falsificação.
MS 28102
Os ministros também concluíram o julgamento do Mandado de Segurança (MS) 28102, impetrado pela juíza para contestar a abertura do processo administrativo disciplinar no CNJ que resultou na condenação.
Em decisão unânime, o Tribunal denegou a segurança, se posicionando pela legalidade do ato do Conselho. “Entendo que a decisão do CNJ está fundamentada, ainda que com ela não concorde a impetrante” afirmou o relator, ministro Joaquim Barbosa, no início do julgamento, em junho de 2011.
Em seu voto-vista, o ministro Luiz Fux se pronunciou a respeito da preliminar apresentada pela defesa da juíza, segundo a qual a sessão do CNJ que resultou na abertura do processo contra a magistrada violou a Constituição porque foi presidida por ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o corregedor do Conselho à época, o que iria de encontro à Constituição Federal.
O ministro Luiz Fux entendeu que não há ilegalidade, uma vez que o STF já teria entendido que não há nulidade na decisão proferida pelo CNJ. A decisão teria sido proferida anteriormente à edição da Emenda Constitucional 61/2009, que começou a surtir efeitos em 12 de novembro de 2009. A emenda determinou que a presidência do CNJ só pode ser ocupada pelo presidente ou pelo vice-presidente do STF. (O tribunal omitiu a postagem, mas a sua existência pode ser vinslumbrada [aqui]. Mas, a rede mundial de computadores, no Jusbrasil, a mantém, podendo ser vista [aqui]).

O STF colocou a magistrada em um catapulta e a lançou para cima. Corolário foi ela "cair por merecimento” como Juíza Titular da Vara de Crimes contra Crianças e Adolescentes de Belém, mudando para o outro lado do rio, uma vez que Abaetetuba é pior para se morar, pois é município do interior do Estado do Pará, localizado a 123 km de Belém, tendo a 6ª maior população do Estado. Aplicou-se o adágio popular: a raposa foi colocada para cuidar do galinheiro. (a informação pode ser vista [aqui])

No voto do relator consta, vergonhosamente, que a discussão não deveria chamar a atenção por ser uma adolescente com homens, mas uma mulher presa com homens. Data venia, no mínimo, os demais Ministros do STF deveriam ter chamado a atenção para o fato de que a especial proteção aos adolescentes decorre de normas constitucionais programáticas, mas fizeram ouvidos moucos ao absurdo.

Invocou-se, no voto do relator, decisão de tribunal estadunidense para dizer que se o Estado não tem condições de manter os presídios sem excesso de presos, pode-se executar a prisão em presídios superlotados. Isso é um absurdo porque a menina não era condenada, mas acusada de "crime por presunção" (foi localizada com telefone móvel que não conseguia explicar a procedência lícita) e não se tratava de simples superpopulação carcerária, mas adolescente presa (o que é vedado) e com 20 homens (onde era estuprada).

A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Estado do Pará (OAB/PA), questionou a promoção e a decisão foi suspensa. Mas, ao final, prevaleceu a promoção por merecimento da boa Juíza de Direito.

Não se esqueça que a Juíza praticou falsidade ideológica no curso do processo de 2007 e promovê-la "por merecimento", no mínimo, foi prestigiar a imoralidade na administração da Justiça.

As mulheres que atravessaram no caminho daquela menina e a prejudicaram significativamente não sofreram penas. Apenas 2, dentre os diversos estupradores, foram punidos e, ao final, a menina sumiu. (leia-se [aqui])


[1] Dispõe o Estatuto de Roma, promulgado pelo Decreto n. 4.388, de 25.9.2002:
Artigo 7o
Crimes contra a Humanidade
 1. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crime contra a humanidade", qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque:
(...);
c) Escravidão;
(...)
f) Tortura;
g) Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável;
(...)
k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.
2. Para efeitos do parágrafo 1o:
(...)
c) Por "escravidão" entende-se o exercício, relativamente a uma pessoa, de um poder ou de um conjunto de poderes que traduzam um direito de propriedade sobre uma pessoa, incluindo o exercício desse poder no âmbito do tráfico de pessoas, em particular mulheres e crianças;
(...)
e) Por "tortura" entende-se o ato por meio do qual uma dor ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são intencionalmente causados a uma pessoa que esteja sob a custódia ou o controle do acusado; este termo não compreende a dor ou os sofrimentos resultantes unicamente de sanções legais, inerentes a essas sanções ou por elas ocasionadas;
(...)
g) Por "perseguição'' entende-se a privação intencional e grave de direitos fundamentais em violação do direito internacional, por motivos relacionados com a identidade do grupo ou da coletividade em causa”.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Precisamos pensar bem ao escolher os nossos candidatos

Resolvi publicar aqui uma discussão havida no facebook. Ela iniciou quando um amigo postou uma mensagem aduzindo que não há qualquer impedimento à candidatura de Aécio Neves à Presidência da República, momento em que eu disse não ter sido o Tancredo Neves uma pessoa que podemos chamar de "grande homem". Pior seria pensarmos naquele (Aécio Neves) que viveu na sombra da imagem de Tancredo.
 
Então, um rapaz passou a chamar a atenção para a suposta probidade de Joaquim Barbosa (JB), lamentando que ele não fosse se candidatar a Presidente da República, o que rebati dizendo que o JB não tem conduzido adequadamente o STF, o que torna óbvio não ter condições para comandar a República Federativa do Brasil.
 
Depois que o rapaz insistiu em ovacionar o JB, escrevi:

 "Não posso deixar de chamar a atenção para algumas publicações que fiz (referia-me a este "blog"), nas quais evidencio que o Joaquim Barbosa (JB) não pode posar de paladino da moralidade.

Há um abismo entre ele e a legalidade estrita, sendo que existem perguntas que são melhores do que as suas respostas, seguem algumas delas:

(a) por que o JB conversou muito, por um certo período, com o Aécio Neves?

(b) como o JB era membro do Ministério Público Federal no Brasil e vivia nos EUA (onde era Professor Universitário) quando foi convidado para ser ocupar a "cota dos negros" no STF?

(c) qual razão o levou a comprar um apartamento em Miami em nome de uma empresa que tem por sede seu imóvel funcional em Brasília, empresa da qual, mesmo sendo proibido por lei, é o único diretor?

(d) por que ele considera imoral receber auxílio moradia (decidiu nesse sentido no CNJ) e - mesmo tem residido mais tempo no exterior - enquanto Membro do MPF - recebeu R$ 414.000,00 de retroativos relativos ao tal auxílio?


terça-feira, 20 de agosto de 2013

INCONSTITUCIONALIDADES DA LEI N. 8.072/1990 E REVOGAÇÃO TÁCITA DO SEU ART. 8º

A Lei n. 12.850, de 25.7.1990, dispõe sobre a organização criminosa. Ela revogou o art. 8º da Lei n. 8.072, de 25.7.1990, que é a denominada lei dos crimes hediondos. Esta, por ser pior do que os crimes que enumera, merece ser chamada de lei hedionda. Ela nasceu repleta de problemas, o que levou Alberto Silva Franco a mencionar diversas inconstitucionalidades contidas nas suas disposições.[1]
Embora a Constituição Federal da República Federativa do Brasil (CFB) tenha preceituado que os crimes hediondos seriam definidos em lei, a Lei n. 8.072/1990 preferiu tão somente enumerá-los (art. 1º), o que – ao meu sentir – não apresenta maiores inconvenientes porque o verdadeiro sentido de uma norma deve ser buscado em um sistema dinâmico, não apenas em um artigo de lei.[2] Assim, como o art. 1º da lei hedionda remete o intérprete a outra lei, a definição noutra poderá ser encontrada, sem que haja inconstitucionalidade na opção legislativa adotada.
Entendo que o art. 2º, inc. I, da lei hedionda é inconstitucional porque a CFB, em seu art. 5º, inc. LXIII, não veda o indulto enquanto o referido preceito da lei hedionda proíbe a sua concessão. Já afirmei alhures que a graça não é indulto individual,[3] considerando equivocada a posição que se consolidou no sentido de ser a graça indulto individual, e que o art. 5º da CFB admite interpretação extensiva para ampliar direitos e garantias, não para restringi-los, ex vi do seu § 2º. Destarte, não poderia a norma infraconstitucional ampliar as restrições do inc. XLIII do art. 5º da CFB.
O STF demorou a acordar e ver a incoerência outrora existente, além da inconstitucionalidade de, violando o constitucional estado de inocência (CFB, art. 5º, inc. LVII), proibir a liberdade provisória antes da sentença, mas com a autorização da mesma lei em favor daquele que tivesse contra si sentença condenatória recorrível (Lei n. 8.072, art. 2º, inc. II, e § 2º). Com o advento da Lei n. 11.464, de 28.3.2007, o art. 2º, inc. II, só proíbe a fiança e o § 2º de outrora foi renumerado, passando a constituir o § 3º, o que corrigiu a incoerência mencionada.
Outra inconstitucionalidade do art. 2º da lei hedionda estava no seu § 1º, que determinava o cumprimento da pena imposta por crime hediondo ou assemelhado no regime integralmente fechado, o que representava violação ao terceiro momento da individualização da pena (execução). Mesmo diante do clamor de todos autores que tinham a seriedade suficiente para enfrentar o assunto, o STF demorou 16 anos para perceber a inconstitucionalidade e para declará-la.
Com o advento do novo art. 2º, § 1º, da lei hedionda, apenas o regime inicial será fechado. Não obstante isso, o STF declarou a nova redação do referido § 1º inconstitucional, o que considero equivocado porque estabelecer regime inicial fechado para crimes considerados mais graves não pode constituir violação à individualização da pena e, como a própria CFB se ocupou dos crimes hediondos e assemelhados, impondo maiores rigores a quem os praticasse, sem dúvida, os considerou mais graves.[4]
Não sou simpatizante da delação premiada, tendo me manifestado academicamente contra ela.[5] Por isso, por instituírem a delação premiada, não poderia ser favorável aos arts. 7º e 8º, parágrafo único, da lei hedionda.
Quando surgiu a Lei n. 12.015, de 7.8.2009, passei a proferir palestras sobre ela e afirmei que o art. 9º da lei hedionda foi tacitamente revogado, expondo:
Como o art. 224 do CP foi expressamente revogado, a impossibilidade de defesa da vítima, no caso de surpresa, caracterizará o tipo do art. 215. De outro modo, o menor de 14 anos e a vítima doente mental são classificados como vulneráveis, com pena maior em razão da vulnerabilidade, o que impede a incidência do art. 9º da Lei n. 8.072/1990. Destarte, com a incidência da nova lei, referido artigo foi esvaziado ocorrendo, ainda que tardiamente, revogação tácita da sua parte outrora aplicável.[6]
No sentido do que expus, Fernando Capez entende que o art. 9º da lei hedionda ficou esvaziado pela Lei n. 12.015/2009.[7] Pelas mesmas razões, ante a edição da Lei n. 12.850, de 2.8.2013, entendo que o art. 8º da lei hedionda foi tacitamente revogado.
Embora o art. 8º da lei hedionda só faça referência ao art. 288 do Código Penal, o seu parágrafo único dispõe que “O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços”, o que evidencia o caput se restringe ao delito de quadrilha ou bando. Portanto, como o crime de quadrilha ou bando desapareceu, não há mais como aplicar o referido art. 8º.
O crime de associação criminosa, que agora ocupa o art. 288 do Código Penal, exige menor número de coautores, estando mantida a redação anterior. Com isso, representa novatio legis in peius, a qual não poderá retroagir e, também, em face da desnaturação do preceito anterior, somente uma nova lei autorizará novamente tratar de forma mais severa a organização criminosa destinada a praticar crimes hediondos e assemelhados.
A Lei n. 12.720, de 27.9.2012, criou uma incoerência inaceitável porque o crime do art. 288-A, por ela instituído, tem pena cominada de 4 a 8 anos de reclusão, para qualquer grupo criado com “a finalidade de praticar qualquer dos crimes” do Código Penal, ou seja, pena maior do que aquela aplicável a quem participasse de organização criminosa para crimes mais graves (denominados hediondos ou assemelhados). Destarte, ao menos do ponto de vista da proporcionalidade, a revogação tácita foi oportuna. Porém, o novo art. 288-A não poderá alcançar a milícia destinada a praticar genocídio, uma vez que tal crime não se encontra no Código Penal, mas na Lei n. 2.889, de 1.10.1956, sendo necessário solucionar a nova incoerência legislativa.




[1] FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos: notas sobre a Lei 8072/1990. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.
[2] KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 165.
[3] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução criminal: teoria e prática. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 228-232.
[4] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da lei hedionda (Lei n. 8.072/1990). Um assunto delicado e que precisa ser melhor examinado. Teresina: Jus Navigandi, ano 18, n. 3533, 4.3.2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/23842>. Acesso em: 20.8.2013, aos 36 min.
[5] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Comentários a lei antidrogas: Lei n. 11.343, de 23.8.2006. São Paulo: Atlas, 2007. p. 114-116.
[6] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Crimes contra a dignidade sexual. Teresina: Jus Navigandi, ano 14, n. 2340, 27.11.2009 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/13917>. Acesso em: 20.8.2013, às 1h15.
[7] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 4, p. 262-263.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Sobre a palavra “delito”, a nova organização criminosa e a associação criminosa

No dia 5.8.2013, o Diário Oficial da União publicou a Lei n. 12.850, de 2.8.2013, revogando a Lei n. 9.034, de 3.5.1985. Com isso, passamos a ter uma nova lei de combate à organização criminosa, com acentuação da cultura punitivista, policialesca e, lamentavelmente, superficial do fenômeno jurídico criminal.
É interessante verificar a nova definição de organização criminosa, bem como a extraterritorialidade, constante da nova lei, in verbis:
Art. 1o Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.
§ 1o Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
§ 2o Esta Lei se aplica também:
I - às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
II - às organizações terroristas internacionais, reconhecidas segundo as normas de direito internacional, por foro do qual o Brasil faça parte, cujos atos de suporte ao terrorismo, bem como os atos preparatórios ou de execução de atos terroristas, ocorram ou possam ocorrer em território nacional.
Quanto ao caput do art. 1º, devo dizer que a lei não inova, mas em relação § 1º, esclareço que a lei brasileira distingue o crime da contravenção, ex vi do Decreto-lei n. 3.914, de 9.12.1941 (Lei de introdução ao Código Penal e à Lei de CP):
Art. 1º Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.
Pelo que se vê a “infração penal” (denominação imprópria, uma vez que se é gênero de crime, deveria ser denominada infração criminal), se divide em crime e contravenção segundo a pena cominada. No entanto, essa é uma distinção vazia de conteúdo, tendo em vista que ontologicamente não distinção prática entre reclusão, detenção e prisão simples, já tendo, inclusive, sido proposta a redução das três espécies a uma única, que é a prisão (Projeto de Lei n. 3.473/2000[1]) Esta que é gênero, atualmente, daquelas, passaria a ser a única espécie de pena privativa de liberdade. O projeto de lei foi elaborado por uma comissão de alto nível, composta por grandes criminalistas,[2] mas parou no Congresso Nacional porque foi tido como benevolente demais.
O Código Penal da França, de 1810, adotou a classificação tripartida, pela qual os crimes são mais graves e julgados pelo júri, os delitos pelos tribunais correcionais e as contravenções, como infrações menos graves, são julgadas pelos tribunais de polícia. Porém, ali, para fugir do menor rigor do julgamento popular, feito por intermédio dos jurados, os membros do parquet denunciavam por delito aquilo que seria crime.[3]
A distinção feita pelo Decreto-lei n. 3.914/1941, expondo que o crime será apenado com detenção ou reclusão, enquanto a contravenção será apenada com prisão simples, ratifico, é inócua porque, embora a legislação criminal procure apresentar distinções, na prática, toda distinção estará no regime de cumprimento da pena (fechado, semi-aberto ou aberto).
No tocante ao § 1º do art. 1º da Lei n. 12.850/2013 gostei da nova redação, em relação à “associação de 4 (quatro) ou mais pessoas”, abandonando a complicada redação anterior do art. 288 do Código Penal, que enunciava a mesma coisa como “mais de 3 (três) pessoas”. Mas não gostei da parte que expõe “mediante prática de infrações penais” porque poderíamos estar vendo de forma mais coerente a palavra delito.
No Brasil, a maioria dos criminalistas diz que a palavra delito é sinônima de crime, mas – incoerentemente – vê delito administrativo, delito civil, delito trabalhista etc. O melhor, portanto, será – ad fortiori – entender que delito é gênero, importando em infração jurídica, seja ela administrativa, civil, trabalhista ou criminal. Porém, no campo criminal o delito admitirá duas espécies, a saber: crime e contravenção.
É interessante notar que o Código Penal não tem mais o crime de “quadrinha ou bando”, mas não houve abolitio criminis, eis que o tipo do art. 288 do Código Penal passou a ter a seguinte rubrica e está assim tipificado:
Associação Criminosa
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.
É a punição da fase preparatória de outros crimes, constituindo preparação punível como crime autônomo. Porém, a preparação para um único crime será impunível, eis que a conduta só será punível a partir do início da execução (Código Penal, art. 14). Daí a nova redação do art. 288 manter a exigência de que agentes tenham a finalidade de “cometer crimes”, não bastando apenas um.
Vê-se que o novo tipo é mais abrangente e, portanto, agasalhou o tipo anterior, o que faz com que eventuais condenados pelo crime do art. 288 do Código Penal não tenham em seus favores a extinção dos efeitos criminais da condenação. Porém, trata-se de lex mitior – ou novatio legi in mellius – no tocante ao aumento da pena por se tratar de associação armada, eis que o aumento anterior era do dobro da pena. Desse modo, os condenados por quadrilha ou bando com o aumento do parágrafo único poderão pleitear a redução da pena junto ao juízo da execução criminal, eis que a lei criminal retroagirá para beneficiar o réu e o condenado (Constituição Federal, art. 5º, inc. XL; e Código Penal, art. 2º).
Considero lamentáveis os aspectos processuais da nova lei, os serão comentados por mim em outra oportunidade, mas as linhas gerais da minha resistência à delação premiada, ao flagrante diferido, à infiltração policial etc. já foram objetos de diversas publicações, especialmente nos meus comentários à lei antidrogas.[4]



[1] Publicado no Diário da Câmara dos Deputados, em 24.8.2000. p. 44.962. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/dc_20.asp?selCodColecaoCsv=D&Datain=24/08/2000&txpagina=44962&altura=650&largura=800>. Acesso em: 23.2.2012, às 12h28.
[2] Exemplificando o elevado nível de conhecimento jurídico dos componentes da comissão, seu presidente foi Alberto Silva Franco.
[3] GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1956. v. 1, t. 1, p. 198.
[4] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Comentários à lei antidrogas: Lei n. 11.343, de 23.8.2006. São Paulo: Atlas, 2007. passim.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Não gosto de ver o povo sendo iludido e defendendo a Indicação do nome de Joaquim Barbosa a Presidente da República


A matéria jornalística que se segue me foi gentilmente enviada por uma amiga e serve para evidenciar claramente o porquê de eu estar a demonstrar que o povo brasileiro é facilmente enganado e a sua carência de mártires é tão grande que profundos vilões são tidos como heróis nacionais. Agora, pretendo continuar demonstrando que Joaquim Barbosa está longe de atender aos requisitos para ser o nosso paladino da moralidade, conforme se pode ver a seguir:

A empresa criada na Flórida, Estados Unidos, pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, para adquirir um apartamento na cidade de Miami, tem como sede o imóvel funcional onde ele mora, na Quadra 312 da Asa Sul, em Brasília, o que contraria o Decreto nº 980, de 1993. Ao Correio, o Ministério do Planejamento informou que o inciso VII do artigo 8º da norma — que rege as regras de ocupação de imóveis funcionais — estabelece que esse tipo de propriedade só pode ser usado para “fins exclusivamente residenciais”.

Nos registros da Assas JB Corp., pertencente a Barbosa, no portal do estado da Flórida, consta o imóvel do Bloco K da SQS 312 como principal endereço da companhia usada para adquirir o apartamento em Miami — conforme informado pelo jornal Folha de S.Paulo no domingo passado. As leis do estado norte-americano permitem a abertura de empresa que tenha sede em outro país. A Controladoria-Geral da União (CGU) também assegurou que o Decreto n° 980 não prevê “o uso de imóvel funcional para outros fins, que não o de moradia”. O presidente do STF consta, ainda, como diretor e único dono da Assas Jb Corp. A Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar nº 35, de 1979), a exemplo da Lei n° 8.112/90, do Estatuto do Servidor Público Federal, proíbe que seus membros participem de sociedade comercial, exceto como acionistas ou cotistas, sem cargo gerencial.

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) defende a apuração “rigorosa” acerca das duas situações. “Um ministro do STF, como qualquer magistrado, pode ser acionista ou cotista de empresa, mas não pode, em hipótese alguma, dirigi-la”, afirmou o presidente da entidade, Nino Toldo, referindo-se ao artigo 36 da Lei Complementar nº 35. “Essa lei aplica-se também aos ministros do STF. Portanto, o fato de um ministro desobedecê-la é extremamente grave e merece rigorosa apuração”, ressaltou Toldo.[1]

No meu livro, Execução Criminal: Teoria e Prática, transcrevo uma parte de um artigo do saudoso jurista Evandro Lins e Silva, em que ele afirma:

Eu li agora há pouco tempo um livro que comprei na França, Desejos de punir, demonstrando que essas pessoas que desejam muito punir, na realidade, estão querendo é praticar um crime. Então, as leis, refletindo esse sentimento que está dentro de cada um, de vingança contra um crime bárbaro, estão se tornando leis contrárias a essa tendência universal de melhorias, de atenuação de abolição da pena de prisão, crimes hediondos, crimes organizados, a repressão violenta contra a criminalidade de uma maneira geral. Evidentemente, eu não sou a favor do crime.[2]

Não sou a favor do crime, mas não posso concordar com os ensaios que são feitos em prol de um Joaquim Barbosa Presidente da República ou de paladino da moralidade brasileira.



[1] D’ANGELO, Ana. Joaquim Barbosa é dono e diretor de empresa sediada em imóvel funcional: Joaquim Barbosa é dono e diretor da Assas JB Corp., cuja sede fica na própria residência, em Brasília, prática vedada pela legislação. 28.7.2013. Disponível em: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica-brasil-economia/33,65,33,14/2013/07/28/interna_politica,379371/joaquim-barbosa-e-dono-e-diretor-de-empresa-sediada-em-imovel-funcional.shtml. Acesso em: 29.7.2013, às 7h51.
[2] Apud FORMIGA, Marcone. A justiça é vítima. Brasília: Hoje em Dia, ano II, n. 87, 21 a 27 jun. 1998, p. 15.