Ainda tratando da (i)moralidade pública (assunto recorrente neste blog), caracterizada por equívocos de autoridades, inclusive do Poder Judiciário, apresento a seguinte notícia:
Reclamação sobre R$ 2,3 bilhões está prejudicada
O Conselho Nacional de Justiça julgou, nesta terça-feira (26/4), prejudicada a Reclamação contra a decisão da juíza Vera Araújo de Souza, titular da 5ª Vara Cível em Belém (PA). Ela havia confirmado a existência e o bloqueio de R$ 2,3 bilhões do valor em favor de uma pessoa física do Pará, que tentou sacar o dinheiro no Banco do Brasil.
Um pedido de vista do ministro Cezar Peluso, presidente do CNJ, suspendeu anteriormente o julgamento da Reclamação. Segundo ele, na retomada do caso, o autor do processo judicial que pedia a liberação da verba desistiu da ação. Assim, o pedido ficou prejudicado.
A cautela de Peluso se deu diante da informação de que Francisco Nunes Pereira, autor da ação na Justiça do Pará que reivindica ser o dono do dinheiro depositado em sua conta, desistira do processo e de que outra pessoa passou a reclamar a quantia judicialmente.
Em dezembro, a ministra Eliana Calmon, diante de suspeita de fraude contra o Banco do Brasil, suspendeu decisão da 5ª Vara Cível de Belém (PA) de bloquear R$ 2,3 bilhões e manter essa quantia na conta bancária de Francisco Nunes Pereira. Ele entrou com ação judicial dizendo ser dono do dinheiro, depositado há cinco anos em sua conta, e de origem desconhecida. A Justiça do Pará entendeu que, mesmo sem o conhecimento da procedência da quantia, ela pertence ao autor da ação, porque estaria caracterizado o usucapião.
"Há indícios de utilização da magistratura paraense para a prática de golpes bancários", afirmou na época a corregedora, ao decidir pela suspensão do bloqueio dos recursos. "Não se sabe se a magistrada agiu em prol da quadrilha. Talvez tenha agido por ingenuidade ou desconhecimento. O que se sabe é que é uma quadrilha que forja documentos".
Para conseguir a indisponibilidade do dinheiro do banco, Francisco Nunes Pereira teria apresentado documentos falsos alegando que tinha direito aos recursos por usucapião. Ele sustentou que a quantia bilionária fora depositada em sua conta por um desconhecido e que lá teria permanecido por mais de cinco anos. Mas o banco afirma que esses recursos nunca existiram.
Documentos apontam a existência de indícios de que a transferência ou o saque dos R$ 2,3 bilhões no Banco do Brasil poderia favorecer uma quadrilha interestadual especializada em golpes contra instituições bancárias. Com informações da Assessoria de Comunicação do CNJ.
Reclamação Disciplinar 0007997-15.2010.2.00.0000[1]
A postura adotada pelo Conselho Nacional de Justiça causa o mais profundo nojo – observe-se que esta palavra não está sendo utilizada em seu sentido vulgar -[2] porque é um mecanismo falacioso para deixar de apurar eventual delito administrativo praticado pela magistrada que proferiu a decisão ensejadora da reclamação perante o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
É lamentável que o Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), também presidente do CNJ (Cezar Peluso), tenha procedido a diligências para chegar à conclusão de que a reclamação está prejudicada. Este é um mecanismo falacioso para a impunidade.
Um delito (seja ele civil, administrativo ou criminal), em regra se completa com o ato, sendo que muitos independem do resultado material para a ocorrência da consumação. Destarte, mister seria a continuidade do julgamento para imposição da sanção administrativa cabível, caso se concluísse pela ocorrência da violação do dever.
Devemos modificar a cultura dos povos antigos, visto que o Juiz personificava a pessoa de Deus ou, no mínimo, era prolator da vontade deste. Hoje está claro que tal concepção é uma falácia que não poderá subsistir, sendo oportuno tratarmos os Juízes como os demais brasileiros.
O crime de corrupção passiva (Código Penal, art. 317) é formal, ou seja, de consumação precipitada (antecipada). Com isso, basta o momento da ação ou omissão para que ele se complete.
Embora eu não seja a favor da intervenção criminal, a violação do dever funcional da magistrada, caso restasse provada a sua conduta dolosa ou negligente, independentemente do resultado, poderia ensejar sanção administrativa. Razão de entender que não se poderia aplicar o raciocínio empregado para isentar automaticamente a magistrada de eventual responsabilização administrativa.
Decisões como a que ora se noticia só me fazem desacreditar cada dia mais no Poder Judiciário e em todo (sub)sistema jurídico.
[1] CONJUR. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2011-abr-26/homem-dizia-dono-23-bilhoes-desiste-acao. Acesso em: 27.4.2011, às 10h53.
[2] Esclareça-se que a palavra nojo tem sentido técnico-jurídico, representando a mais profunda das tristezas, a ponto do afastamento decorrente da morte, ser denominado de “licença nojo”. Como o sentimento não pode ser reprimido pelo Direito, não há como dizer que a minha tristeza é ofensiva.