sábado, 28 de novembro de 2020

Um pedido de desculpas a um amigo

Caro amigo,

Devo lhe agradecer por ter me inserido no grupo de WhatsApp. O grupo tem muitas pessoas das quais gosto muito, inclusive, você. Mas, devo pedir desculpas porque, bêbado, perco o controle e desabafo, às vezes, sequer lembro da “indelicadeza” cometida.

Quando éramos Cadetes na ESFO/APMG, tornei-me amigo de um Médico Residente que ali trabalhava e ele me diagnosticou como alcoólatra, curiosamente bebia comigo. Foi ele quem me disse que um dos sintomas do alcoolismo é a amnésia etílica, por isso, muitas vezes peço desculpas sem saber exatamente de quê estou falando.

Perdão e, pior, lembro que fui grosseiro ao relembrar que disse que “às vezes, pareço esquizofrênico”. Desculpe-me, mas pareço bêbado mesmo, com todas as intempéries da embriaguez. Mas, não me furto publicamente à minha embriaguez.[1] Como Nietzsche via na sua deficiência um desejo de potência, vejo nos meus defeitos oportunidade para lutar.

Somos diferentes e respeito isso, embora me cansando com o discurso de ódio que grassa no grupo. Não saio dele porque as pessoas são maiores do que os seus discursos, até porque acredito em Erasmo de Roterdã, que afirma:

Corneia-se um marido? Toda gente ri e o chama de corno, enquanto o bom homem, todo atencioso, fica a consolar a cara-metade, a enxugar com seus ternos beijos as lágrimas fingidas da mulher adúltera...[2]

Diz o adágio popular que somos um universo e Freud atribua a nós pouco de consciente. O desconhecido é a maior parte de cada um de nós que pode ser conhecida, razão de ser exageradamente pretencioso o desejo de conhecer outrem, razão de não me esforçar muito para conhecer sequer a minha mulher. Mas, podemos ser amigos a partir das experiências. No nosso caso, foram três anos de academia militar, o que nos permite dizer: somos amigos.

O discurso de ódio, o punitivismo, os movimentos de lei e ordem etc. são valorizados no nosso grupo de WatsApp, contrariando aos conhecimentos que nos são dados pelas ciências sociais aplicadas. Isso me coloca em descompasso com o grupo e me leva a me manifestar contra a maioria. Desculpe-me por isso, não o faço pelo mal, mas porque desejo o bem.

Os militares falam muito em deontologia (tratado dos deveres ou ciência da moral), olvidando-se da fundamentação metafísica dos costumes.[3] Mais ainda, moral é costume. Parece que os defensores da deontologia militar se esquecem do clássico exemplo, mencionado em nosso Curso de Formação de Oficiais, de um banco de cimento situado no interior do quartel que ficou com um sentinela o vigiando por vários anos sem saber o porquê, quando tudo iniciou porque pintaram um banco e, por punição, foi colocado ali um recruta para avisar que a tinta era fresca. Desculpe-me Coronel amigo, reflitamos, e lutemos pela nossa evolução.

Finalmente, sou partidário da civilização da polícia, retirando a sua veia militar porque o militar vê inimigo onde não existe. O crime, já nos ensinou Durkheim, é um fato normal e, portanto, o delinquente é sujeito do Direito, não inimigo.

A intolerância nos perturba, apenas isso!

De todo modo, se fui intolerante, perdão!

Brasília-DF, 28 de novembro de 2020, às 20h37

Sidio Rosa de Mesquita Júnior



[1] Já escrevi:

Sou viciado em uma droga lícita, a bebida alcoólica. Não experimentei e não estou mais na idade daqueles que pretendem fazer alguma incursão no âmbito dos psicotrópicos ilícitos. Porém, reconheço, a bebida alcoólica serve como um remédio (ou fuga) para meus problemas. Caso eu fosse usuário de alguma droga ilícita, na sistemática da nova lei, seria objeto de prevenção e se fosse traficante seria objeto de repressão. Nesse ponto, concordo com Alexandre Bizzotto e Andreia Rodrigues que essa dicotomia legal, prevenção (para usuários) e repressão (para traficantes), não é a melhor. (in MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa. Comentários à lei antidrogas.: Lei n. 11.343, de 23.8.2006. São Paulo: Atlas, 2007. p. 8).

[2] ROTERDAM, Erasmo de. Elogio da loucura. Rio de Janeiro: Ediouro, 1985. p. 47.

[3] KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. São Paulo: Martin Claret, 2.003

sábado, 17 de outubro de 2020

Resposta a um amigo, o qual elogia Olavo de Carvalho

Um amigo, Coronel da PMAM, ex-colega da minha turma da Escola de Formação de Oficiais da Academia Policial Militar do Guatupê, de 1987 a 1989, elogiando o atual Presidente da República, ao lado de outro ex-colega da mesma PMAM,  e a sua pretensão de reeleição, me mandou ler Roberto Campos, o que me levou à seguinte resposta no grupo de WhatsApp da referida turma: 

Caro amigo,

Sou Professor porque professo. Professo o bem; professo o desenvolvimento intelectual como elemento para a conquista da felicidade; professo a advocacia pro bono publica como caminho moral para estabilidade social; etc.

2. Gosto muito de discutir assuntos intelectuais e adorei a sua sinceridade quanto à não leitura de Antonio Gramsci. O seu referencial teórico é frágil. Com efeito, sobre Olavo de Carvalho, recomendo uma tentativa de resenha do “Jardim” (maneira que o autor se refere ao livro. Falo de: CARVALHO, Olavo de. O jardim das aflições: de Epicuro à ressurreição de César: ensaio sobre o materialismo e a religião civil. Campinas: Vide Editorial, 2013), disponível em: <http://sidiojunior.blogspot.com/2020/03/um-momento-ruim-discorrer-sobre-olavo.html>. Por outro lado, desconheço publicações do Padre Paulo Ricardo, embora saiba que ele tem 5 títulos publicados. O que conheço dele são os vídeos do Youtube.

3. Olavo de Carvalho é um polichinelo que não pode ser levado a sério. Um astrólogo (adivinho) não se confunde com Filósofo. Ele sequer concluiu o ensino fundamental e foi “Professor” de Roberto Campos. Este só serviu ao ministério do totalitarismo militar brasileiro (não digo que tivemos ditadura militar porque havia alternância de poder no Brasil, embora sempre de militares).

4. Sobre a corrupção dos militares, leia-se os livros do saudoso Gal. Hugo Abreu, que foi Chefe de Gabinete do Excelentíssimo Presidente da República Ernesto Geisel, intitulados: O Outro Lado do Poder; e Tempos de Crise.

5. O Padre Paulo Ricardo fala diversas incoerências sobre a Escola de Frankfurt. Digo isso com a autoridade de quem fez tese de doutoramento que trouxe muito sobre a referida escola. Com efeito, a minha tese foi intitulada Funcionalismo y Garantismo en la Defensa de los Derechos Fundamentales en el Proceso Criminal (Defendida em 2015).

5. Funcionalismo é uma teoria jusfilosófica advinda de Jürgen Habermas, nascido no ano em que foi criada a Escola de Frankfurt, 1929. Também de outra teoria sistêmica oriunda do estadunidense Talcott Edgar Frederick Parsons, o qual influenciou Habermas e Niklas Luhmann. Portanto, sei que o Padre Paulo Ricardo deturpa o pensamento de Theodor Ludwig Wiesengrund-Adorno, sucedido por Habermas na Universidade Johann Wolfgang von Goethe.

Roberto Campos não chegou ao seu doutoramento, mas tem o meu respeito, embora eu prefira a minha titulação acadêmica de doutor. E, concluindo, apenas para não ser prolixo, afirmo: os alemães da Escola de Frankfurt não destruíram o mundo, nem o tornaram pior. Ao contrário, os alemães foram sábios ao enviarem os seus intelectuais, na década de 1960, para estudarem em Harvard, outra grande academia. Falar contra essas escolas e contra a academia em geral só pode ser coisa de idiotas como o é Olavo de Carvalho.

Os discursos de ódio que grassam nestas plagas tupiniquins contam com a ideologia pseudo intelectual de Olavo de Carvalho, plagas de um povo sem memória que se esquece inclusive que, enquanto candidato, o atual Presidente da República dizia ser contra a reeleição e contra a "velha política", de um Congresso Nacional que era integrado por ele em várias legislaturas.

Hoje, um mundo bipolar, restrito à esquerda e à direita, sequer sabe que Habermas e Luhmann trabalham com teorias sistêmicas, de um mundo complexo, dotado de inúmeros (sub)sistemas em potenciais conflitos entre si. Portanto, reduzir esse o Brasil ao conflito de esquerda-direita é uma coisa de ignaros. Mas, a ignorância é uma boa coisa porque não nos deixa incomodados.

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Doei sangue: comprei um lugar nos céus?

Freud, com toda propriedade, nos informa que uma vida após essa vida só se justificará aos olhos da fé. Eu, que já fui cristão, pensei que a verdadeira felicidade (bem-aventurança) estaria em chorar nesta vida para passar uma vida para ser feliz em uma vida eterna. No entanto, não desejo vida no céu, ainda que elas seja me dada sem esforço.

Hoje, acordei cedo para doar sangue:



Detalhe da fotografia: não é porque o meu Goiás foi desclassificado da Copa do Brasil anteontem que será abandonado por esse fiel esmeraldino.

Repensei e estudei a felicidade, chegando à mesmas conclusões de André Comte-Sponville, no sentido de que a felicidade deve ser agora, não para a vida seguinte. Mais ainda, os céu enfadonho que me apresentavam na igreja seria um tédio, especialmente se tomado para todo sempre, paradoxalmente, seria um inferno viver uma eternidade no paraíso.

Doar sangue, portanto, não é buscar comprar um lugar no céu. Mas, não significa que estou propondo aqui o criacionismo, pois, lendo a A Origem das Espécies Por Meio da Seleção Natural - de Charles Darwin - passei a desacreditar neste. Então, por quê doar sangue?

Resposta: a teoria da sobrevivência do mais gentil parece ter a explicação.

Está provado que alguns símios são mais fortes fisicamente e mais capazes de se adaptar às novas situações do que os humanos, mas que não conseguiram se evoluir tanto quanto nós por não conseguirem ser solidários, dividir tarefas etc.

Doar sangue, adotar medidas sanitárias (neste momento de pandemia), proteger o meio ambiente etc. é mais do que sobrevivência individual, é propiciar a evolução duradoura e feliz da espécie humana.

terça-feira, 25 de agosto de 2020

A participação do Ministério Público é imprescindível para efetivar acordo de leniência

 Introdução

O presente texto será a base da palestra a ser proferida às 15h30 do dia 25 de agosto de 2020 no Congresso da Ordem dos Advogados do Brasil, 2ª Subseção Jaú, em homenagem ao Doutor Airton Goes.

O título “A participação do Ministério Público é Imprescindível para Efetivar Acordo de Leniência” enuncia o problema, qual seja: é imprescindível a participação do MP para efetivar acordo de leniência?

Trabalharemos com uma única hipótese, que é a de que o acordo de leniência para ter a efetividade desejada dependerá da participação do Ministério Público, salvo se a conduta, em tese não constituir crime e o objetivo da empresa seja exclusivamente o de evitar ou minimizar a responsabilidade administrativa.

O nosso estudo será o qualitativo, utilizando a pesquisa bibliográfica e textos disponíveis na rede mundial de computadores.

1. Conceituando o Acordo de Leniência

A palavra leniência, do latim lenitate, significa brandura, suavidade, mansidão. Com isso, pode-se afirmar que o acordo de leniência é aquele em que o Estado agirá com brandura perante pessoas físicas e jurídicas que realizarem o referido acordo, o qual surgiu em um contexto de um Direito negocial ou consensualizado e premial que vem crescendo no Brasil e no mundo.

Thiago Marrara faz uma relação entre o acordo de leniência e a delação premiada, observando que a perspectiva utilitarista prevaleceu para evitar o crescimento da impunidade resultante da fraqueza probatória de processos acusatórios baseados nas tradicionais técnicas de instrução, expondo:

...inclusive o Brasil, optaram pela via utilitarista: aceitaram negociar com um infrator com o objetivo de enriquecer o processo e lograr punir outros infratores! Diga-se bem: negociar não para beneficiar gratuitamente, não para dispor dos interesses públicos que lhe cabe zelar, não para se omitir na execução das funções públicas. Negociar sim, mas com o intuito de obter suporte à execução bem sucedida de processos acusatórios e atingir um grau satisfatório de repressão de práticas ilícitas altamente nocivas que sequer se descobririam pelos meios persecutórios e fiscalizatórios clássicos.[1]

O acordo de leniência consta da lei anticorrupção (Lei n. 12.846, de 1.8.2013), a qual consagra a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica. No entanto, no meio pátrio, a pessoa jurídica não praticará crime contra a ordem econômica, funcionando o acordo de leniência como mitigação indireta da responsabilidade objetiva da pessoa jurídica. Nesse sentido:

[...] apesar da responsabilidade objetiva, que o processo administrativo instaurado para apurar os fatos, direta ou indiretamente, terá de produzir prova relativamente à autoria, materialidade, e culpa ou dolo até para viabilizar o processo de aplicação da sanção, ainda que não o preveja para o reconhecimento da responsabilidade. Na verdade, cuida-se de uma mitigação indireta da responsabilidade objetiva. O mesmo pode ser dito com relação à responsabilização do agente administrador da pessoa jurídica infratora, no caso com muito mais razão.[2]

O acordo de leniência tem as suas raízes na colaboração premiada ou, mais remotamente, delação premiada. Na defesa da ordem econômica há importante distinção entre a leniência prévia e a leniência concomitante, distinção que não é feita na Lei n. 12.846/2013 e, por isso, é criticada por Thiago Marrara.[3]

2. Natureza do Ministério Público e sua imprescindibilidade no processo criminal

Em livro, tratamos das correntes existentes acerca da posição do Ministério Público no processo criminal e tomamos partido para dizer que a sua natureza seja administrativa, não obstante o seu destacado papel e a independência funcional.[4]

Não podemos nos olvidar que é função institucional do Ministério Público “promover privativamente, a ação penal pública” (Constituição Federal, art. 129, inc. I). Disso decorre o art. 257 do Código de Processo Penal que prevê que, na ação criminal, o Ministério Público atuará como parte ou fiscal da execução da lei.

Mesmo na execução da multa decorrente de processo criminal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.150 e na 12ª Questão de Ordem incidente na Ação Penal n. 470, o Supremo Tribunal Federal, as julgou parcialmente procedente para dar interpretação conforme a Constituição Federal ao art. 51 do Código Penal, noticiando:

Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que o Ministério Público é o principal legitimado para executar a cobrança das multas pecuniárias fixadas em sentenças penais condenatórias. Na sessão desta quinta-feira (13), os ministros entenderam que, por ter natureza de sanção penal, a competência da Fazenda Pública para executar essas multas se limita aos casos de inércia do MP.[5]

Superada a denominação Direito Penal Executivo e reconhecida a autonomia do Direito de Execução Criminal, entendo que a multa, ao adquirir a natureza de dívida de valor com a Fazenda Pública, estabelecida no art. 51 do Código Penal, com a redação que lhe deu a Lei n. 9.268, de 1.4.1996, foi afastada a atribuição do Ministério Público.[6] De todo modo, em face da mencionada decisão do Supremo Tribunal Federal, o Código Penal foi modificado pela Lei n. 13.964, de 24.12.2019 (pacote anti-crime), para resgatar a competência do Juízo da Execução Criminal e a atribuição do MP para a execução da multa. Essa discussão, que aparentemente se afasta do objeto da nossa pesquisa, apenas evidencia a inafastabilidade do Ministério Público do processo criminal.

Como o acordo de leniência poderá levar à isenção ou redução da pena, verifica-se a imprescindibilidade da participação do Ministério Público para que o acordo seja plenamente eficaz.

3. Colaboração premiada e acordo de leniência da legislação brasileira

O Brasil, enquanto colônia de Portugal, era regido pelas Ordenações do Reino, a saber: Afonsinas, de 1446 a 1521;[7] Manuelinas, de 1521 a 1603; e Filipinas, de 1603 e perduraram por muitos anos.[8] Em matéria criminal, as ordenações foram substituídas pelo Código Criminal do Império (1830). As ordenações Filipinas disciplinavam a delação premiada no Título XII do Livro V, acerca do crime de moeda falsa.

Embora não prevista em lei, a delação era veladamente admitida em processos criminais, nos quais a prova testemunhal era obtida mediante tortura ou mediante a promessa de impunidade ou redução da pena.[9] A delação premiada reapareceu no art. 7º da Lei n. 8.072, de 25.7.1990, com redução da pena do colaborador da extorsão mediante sequestro, de 1/3 a 2/3, isso ao inserir o § 4º no art. 159 do Código Penal. Mais tarde, a Lei n. 9.269, de 2.4.1996, alterou a redação desse § 4º.

A Lei n. 8.137, de 27.12.1990 (lei de combate aos crimes contra a ordem econômica, tributária e das relações de consumo), foi alterada pela Lei n. 9.080, de 19.7.1995, para incluir o parágrafo único no seu art. 16, beneficiando o delator com a redução da pena de 1/ a 2/3.

Em 24.8.1989, o então Deputado Federal Michel Temer apresentou o Projeto de Lei n. 3.516, o qual foi transformado na Lei n. 9.034, de 3.5.1995 (lei de combate ao crime organizado). Essa lei também previu a redução da pena de 1/3 a 2/3 ao colaborador. Certamente, o seu processo legislativo foi influenciado pela Operação Mãos Limpas, iniciada na Itália em 1992. Mais recentemente, em 2.8.2013, a Lei n. 12.850 (lei de combate à organização criminosa), revogou aquela, mantendo a colaboração premiada, agora podendo conceder perdão judicial (arts. 3º-A ao 5º). Devo destacar a significativa alteração da Lei n. 12.850/2013 feita pela Lei n. 13.964, de 24.12.2019.

A Lei n. 9.080/1995, introduziu o § 2º no art. 25 da Lei n. 7.492, de 16.6.1986 (lei do colarinho branco), com a mesma redução da pena das leis anteriores em favor do delator. A inovação emerge com a Lei n. 9.807, de 13.7.1999 (lei de proteção às testemunhas), que permite o perdão judicial ao colaborador primário (art. 13) e redução da pena ao colaborador reincidente (art. 14).

A Lei n. 9.613, de 3.3.1998 (lei de combate aos crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores) foi significativamente alterada pela Lei n. 12.683, de 9.7.2012. Desde a sua redação original, já previa a delação premiada como causa de isenção e de redução da pena.

O combate aos psicotrópicos ilícitos no Brasil, na Década de 1960, passou por vários acordos internacionais, o que fez com que o art. 281 do Código Penal fosse alterado diversas vezes.[10] Nessa esteira de modificações legislativas sobre a matéria, emergiu a Lei n. 6.368, de 21.10.1976, a qual foi objeto de muitas críticas. Daí o surgimento da Lei n. 10.409, de 11.1.2002, a qual tinha a pretensão de revogar toda a Lei n. 6.368/1976, mas a sua maior parte material foi vetada, subsistindo praticamente só a processual. Essa nova lei consagrou a delação premiada, tendo eu exposto alhures:

O art. 32, § 2º da Lei n. 10.409/02 consagra a delação premiada, inaugurada no Brasil pela Lei Hedionda (art. 8º, parágrafo único),[11] o que é criticável porque ela – delação premiada – constitui medida de caráter unicamente pragmático, conforme ensina Silva Franco, citando Molina:

"Dá-se o prêmio punitivo por uma cooperação eficaz com a autoridade, pouco importando o móvel real do colaborador, de quem não se exige nenhuma postura moral, mas, antes, uma atitude eticamente censurável. Na equação ‘custo-benefício’, só se valoram as vantagens que possam advir para o Estado com a cessação da atividade criminosa ou com a captura de outros delinquentes, e não se atribui relevância alguma aos seus reflexos que o custo possa apresentar a todo sistema legal, enquanto construído com base na dignidade da pessoa humana".[12]

O parágrafo nupercitado diz que o "sobrestamento do processo ou a redução da pena podem decorrer de acordo entre o Ministério Público e o indiciado". O preceito inova, em relação à lei hedionda, uma vez que, implicitamente, estende o alcance do acordo à impunidade, ou seja, o indiciado delator não será punido. A inovação tem razão de ser porque o delator beneficiado com a redução da pena, pela "lei" do cárcere, deve morrer. Assim, o preceito restaria inócuo se mantida apenas a redução da pena. No entanto, a impunibilidade do delator não é novidade no sistema jurídico pátrio, ela já consta da Lei n. 8.884/1994, que admite o acordo de leniência, no que tange ao cartel (art. 35-C).[13] Caso o acordo tenha sido feito após o oferecimento da denúncia, o Juiz poderá deixar de impor pena ou reduzi-la, de um sexto a dois terços, não cabendo o sobrestamento do processo.[14][15]

Como não poderia deixar de ser, essa lei teve curta vigência, sendo revogada pela Lei n. 11.343, de 23.8.2006, a qual previu a redução da pena de 1/3 a 2/3 em favor do delator (art. 41). Esse utilitarismo é preocupante, tendo eu exposto ao comentar a nova lei:

Hegel dizia que a pena dignifica o homem porque ele demonstra ser capaz de responsabilizar-se por seus atos.[16] O delinquente delator, segundo tal proposta, será , sem dúvida, pior que seus comparsas, não merecendo qualquer benefício por seu ato imoral.[17]

Conforme já expus aqui, é o utilitarismo aquele que dá bases teóricas para a delação premiada. Conforme ensina Marcelo Mendroni a colaboração premiada decorre do princípio do consenso que uma variante do princípio da legalidade, permitindo que as partes entrem em consenso a respeito do destino da situação jurídica do acusado que, por qualquer razão, concorda com a imputação.

O mesmo que se afirmou no parágrafo anterior se pode dizer do acordo de leniência, introduzido na legislação brasileira por força da Medida Provisória n. 2.055, de 11.8.2000, convertida na Lei n. 10.149, de 21.12.2000, tendo incluído na Lei n. 8.884, de 11.6.1994, o acordo de leniência.

O Decreto-lei n. 869, de 18.11.1938, criou a Comissão Administrativa de Defesa Econômica, apenas para combater os crimes contra a economia popular. Mais tarde, o Decreto-lei n. 7.666, de 22.6.1945, definiu formas mais claras de defesa da ordem econômica. Mas, esse teve vigência curtíssima, logo sendo revogado pelo Decreto-lei n. 8.167, de 9.11.1945.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) foi instituído pela Lei n. 4.137, de 10.9.1962, como órgão do Ministério da Justiça. A Lei n. 8.884/1994, revogou aquela e transformou o CADE em autarquia e previu a designação Membro do Ministério Público Federal para oficiar nos processos administrativos (art. 12).

À época que vigorava o mencionado art. 12, o então Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro, tentou dar efetividade ao referido dispositivo, mas houve parecer contrário por entender inconstitucional organizar e estabelecer atribuições de Membros do MP por lei ordinária, quando a Constituição Federal prevê a regulação de tais matérias por lei complementar (art. 128, § 5º). Também, o art. 129, inc. IX, da Constituição Federal veda “a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas”.

A Lei n. 12.529, de 30.11.2011, revogou a Lei n. 8.884/1994, prevendo a participação de Membro do MPF junto à autarquia, nos moldes da lei revogada (art. 20). Mesmo com alguma restrição à literalidade da redação anterior, Waldir Alves, entende possível o Membro do MPF oficiar em processos administrativos perante o CADE.[18] Hoje, há o Acordo de Cooperação Técnica n. 1, de 5.2.2020, entre o CADE e o MPF para ampliar a comunicação entre eles.[19] Ademais, especificamente sobre o acordo de leniência, foi firmado o recente Acordo de Cooperação Técnica, em 6.8.2020.[20]

A Lei n. 12.846/2013 prevê o acordo de leniência entre a administração pública e a pessoa jurídica que colabore com as investigações, o que provocará a redução do valor da multa aplicável em até 2/3. Também, ficará isenta das sanções de suspensão ou interdição parcial das atividades e da proibição incentivos, subsídios, subvenções, ou empréstimos do poder público ou instituições por ele controladas.

O tema é atual, tendo sido assinado, em 6.8.2020, acordo de cooperação técnica, amplamente divulgado pela imprensa e pelo Supremo Tribunal Federal,[21] o qual teve enfoque especial sobre os acordos de leniência, ensejando discurso do Presidente do Tribunal, o qual afirmou:

Além do TCU, da AGU e da CGU, merece destaque o papel do Ministério Público Federal que, sob a liderança do Dr. Antônio Augusto Brandão de Aras, reconhece a necessidade de atuação conjunta com outros órgãos, sem abrir mão do relevante papel do Ministério Público nos acordos de leniência.

O acordo de leniência para produzir a isenção ou redução de pena, não poderá ser realizado sem a participação do Ministério Público. Ressalte-se que a palavra pena está sendo aqui utilizada em sentido estrito, ou seja, a consequência do Direito Criminal aplicável ao agente imputável.

Ante o art. 62, § 1º, inc. I, alínea “b”, da Constituição Federal, entendo que a inserção do acordo de leniência na Lei n. 8.884/1994 foi inconstitucional. Porém, sei que o STF tem admitido que a norma criminal mais favorável, decorrente de medida provisória, será constitucional, desde que seja convertida em lei.

Hoje vigora o art. 87 da Lei n. 12.529/2011 que permite a isenção da pena. Ora, ante os acordos firmados entre o CADE e o MPF e Ministérios Públicos estaduais, não mais existe razão para dizer ser prescindível a participação do Ministério Público na efetivação de acordo de leniência.

Conclusão

Diante do acordo de cooperação firmado no dia 6.8.2020,[22] não parece oportuno ao Membro do Ministério Público invocar a independência funcional (CF, art. 127, § 1º) ou vedação para que preste consultoria jurídica de entidades públicas para não participar de acordos de leniência.

As consequências que afetam distintos ramos do direito, dotados de autonomia relativa podem se complicar caso o Ministério Público e o TCU se recusem a reconhecer a validade do acordo de leniência, firmado no âmbito das atribuições da Controladoria-Geral da União (Lei n. 12.846/2013, art. 16, § 10).

Veja-se que, na tentativa de implementar adequadamente o acordo de cooperação de 6.8.2020, o TCU arquivou representações contra a ex-AGU Grace Mendonça e o ex-CGU Wagner Rosário, o que foi amplamente divulgado na imprensa e, por ser notório, peço vênia para apresentar aqui. E concluo dizendo que é necessário que todos envolvidos no combate às violações à ordem econômica, crimes de corrupção, de psicotrópicos ilícitos etc. estejam empenhados a dar efetividade à lei, ao contrário de criarem processos contra servidores públicos por aparentes descumprimentos dos seus deveres.

Referências

ALVES, Waldir. O Ministério Público Federal e o CADE na lei antitruste. Brasília: ESMPU, Boletim Científico, ano I, n. 1 – out.dez. 2001. p. 126-131. Disponível em: <https://revistajuridica.presidencia.gov.br/index.php/saj/article/view/852>. Acesso em: 25.8.2020, às 2h58.

BRASIL. STF. Acordo de cooperação técnica que entre si celebram o Ministério Público Federal, a Controladoria-Geral Da União (CGU), A Advocacia-Geral Da União (AGU), o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e o Tribunal de Contas da União (TCU) em matéria de combate à corrupção no Brasil, especialmente em relação aos acordos de leniência da Lei n. 12.846, de 2013. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/Acordo6agosto.pdf>. Acesso em: 25.8.2020, às 4h.

BRASIL. STF. Notícias STF, 13.12.2018. Legitimidade para execução de multas em condenações penais é do Ministério Público. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=398607>. Acesso em: 24.8.2020, às 21h54.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Imprensa. Ministro Dias Toffoli assina acordo de cooperação técnica para combate à corrupção; “O acordo de cooperação sobre acordos de leniência não cria nem retira competências, pois estas decorrem da Constituição e das leis. O acordo apresenta uma grande conciliação institucional”, afirmou Dias Toffoli. Em 6.8.2020, às 14h15. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=449073&ori=1>. Acesso em: 13.8.2020, às 12h.

CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA. Acordo de Cooperação Técnica n. 1/2020. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/convenios-e-transferencias/acordos-nacionais/acordo-cade-e-mpf-1.pdf/view>. Acesso em: 25.8.2020, às 3h45. Acordos com Ministérios Públicos dos Estados também foram realizados, por exemplo, MPRS, MPSP etc.

DIPP, Gilson Langaro; CASTILHO, Manoel Lauro Volkmer de. Comentários sobre a lei anticorrupção. São Paulo: Saraiva, 2016.

FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos: notas sobre a Lei 8.072/1990. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.

FREITAS, Vladimir Passos de. A delação premiada entrou definitivamente no processo penal brasileiro. Consultor Jurídico, 3.4.2016. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2016-abr-03/segunda-leitura-delacao-entrou-definitivamente-processo-brasileiro>. Acesso em: 24.8.2020, às 23h29.

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da filosofia do direito. Lisboa: Guimarães, 1990. p. 104.

MARRARA, Thiago. Acordos de leniência no processo administrativo brasileiro: modalidades, regime jurídico e problemas emergentes. São Paulo: USP, Revista Digital de Direito Administrativo, v. 2, n. 2, 2015. p. 509-527. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rdda/article/download/99195/98582>. Acesso em: 24.8.2020, às 19h53.

MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Comentários à lei antidrogas: Lei n. 11.343, de 23.8.2006. São Paulo: Atlas, 2007.

______. Execução criminal: teoria e prática. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

______. Incoerências da Lei n. 10.409/2002. Teresina: Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, ano 8, n. 66, 1.6.2003. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/4135>. Acesso em: 25.8.2020, às 11h40.

______. Prescrição penal. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2001.



[1] MARRARA, Thiago. Acordos de leniência no processo administrativo brasileiro: modalidades, regime jurídico e problemas emergentes. São Paulo: USP, Revista Digital de Direito Administrativo, v. 2, n. 2, 2015. p. 509-527. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rdda/article/download/99195/98582>. Acesso em: 24.8.2020, às 19h53.

[2] DIPP, Gilson Langaro; CASTILHO, Manoel Lauro Volkmer de. Comentários sobre a lei anticorrupção. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 48.

[3] MARRARA, Thiago. Acordos de leniência no processo administrativo brasileiro: modalidades, regime jurídico e problemas emergentes. São Paulo: USP, Revista Digital de Direito Administrativo, v. 2, n. 2, 2015. p. 509-527. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rdda/article/download/99195/98582>. Acesso em: 24.8.2020, às 19h53.

[4] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução criminal: teoria e prática. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 216-220.

[5] BRASIL. STF. Notícias STF, 13.12.2018. Legitimidade para execução de multas em condenações penais é do Ministério Público. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=398607>. Acesso em: 24.8.2020, às 21h54.

[6] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução criminal: teoria e prática. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 462-466.

[7] Ressalte-se que, oficialmente, o Brasil foi descoberto acidentalmente por Pedro Álvares Cabral, em 22.4.1500. Mas, diz-se que, já em 1325, circulavam lendas e mapas em Portugal sobre terra assinalada no além-mar como Hy-Brazil. Viagens sigilosas dos Portugueses foram feitas em 1493 e 1498, respectivamente, por João Coelho da Porta Cruz e Duarte Pacheco. Outrossim, os espanhóis e primos Vicente Yáñez Pinzon e Diego de Lepe, chegaram ao Brasil, respectivamente, em Jan/1500 e Mar/1500.

[8] As Ordenações Manuelinas e Filipinas tomaram por base as Ordenações Afonsinas. Elas tratavam das matérias cíveis e criminais (o Livro V era o criminal).

[9] FREITAS, Vladimir Passos de. A delação premiada entrou definitivamente no processo penal brasileiro. Consultor Jurídico, 3.4.2016. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2016-abr-03/segunda-leitura-delacao-entrou-definitivamente-processo-brasileiro>. Acesso em: 24.8.2020, às 23h29.

[10] A Lei n. 4.451, de 4.11.1964, inaugurou essas modificações. Logo sobreveio nova alteração, trazida pelo Decreto-lei n. 385, de 26.12.1968. Mas, também, essa norma não subsistiu muito tempo, sobrevindo nova redação por força da Lei n. 5.726, de 29.10.1971.

[11] Diz-se que a Lei n. 8.072/1990 é a Lei dos Crimes Hediondos, ocorre ela é tão ruim que pode ser denominada de lei hedionda, eis que pior que os crimes que enumera.

[12] FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos: notas sobre a Lei 8.072/1990. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 318.

[13] A respeito de tal acordo, que denominamos de acordo de conivência, vide: MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Prescrição penal. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 120-121. [O amadurecimento dos nossos estudos não permite mais pensarmos em conivência, visto que desde a Medida Provisória n. 2.055/2000 existem requisitos de contrapartida e cessação da prática delituosa para validade do programa de leniência.]

[14] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Incoerências da Lei nº 10.409/2002. Teresina: Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, ano 8, n. 66, 1.6.2003. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/4135>. Acesso em: 25.8.2020, às 11h40.

[15] Esse trecho foi transcrito em: MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Comentários à lei antidrogas: Lei n. 11.343, de 23.8.2006. São Paulo: Atlas, 2007. p. 115.

[16] HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da filosofia do direito. Lisboa: Guimarães, 1990. p. 104.

[17] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Comentários à lei antidrogas: Lei n. 11.343, de 23.8.2006. São Paulo: Atlas, 2007. p. 116.

[18] ALVES, Waldir. O Ministério Público Federal e o CADE na lei antitruste. Brasília: ESMPU, Boletim Científico, ano I, n. 1 – out.dez. 2001. p. 126-131. Disponível em: <https://revistajuridica.presidencia.gov.br/index.php/saj/article/view/852>. Acesso em: 25.8.2020, às 2h58.

[19] CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA. Acordo de Cooperação Técnica n. 1/2020. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/convenios-e-transferencias/acordos-nacionais/acordo-cade-e-mpf-1.pdf/view>. Acesso em: 25.8.2020, às 3h45. Acordos com Ministérios Públicos dos Estados também foram realizados, por exemplo, MPRS, MPSP etc.

[20] BRASIL. STF. Acordo de cooperação técnica que entre si celebram o Ministério Público Federal, a Controladoria-Geral Da União (CGU), A Advocacia-Geral Da União (AGU), o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e o Tribunal de Contas da União (TCU) em matéria de combate à corrupção no Brasil, especialmente em relação aos acordos de leniência da Lei n. 12.846, de 2013. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/Acordo6agosto.pdf>. Acesso em: 25.8.2020, às 4h.

[21] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Imprensa. Ministro Dias Toffoli assina acordo de cooperação técnica para combate à corrupção; “O acordo de cooperação sobre acordos de leniência não cria nem retira competências, pois estas decorrem da Constituição e das leis. O acordo apresenta uma grande conciliação institucional”, afirmou Dias Toffoli. Em 6.8.2020, às 14h15. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=449073&ori=1>. Acesso em: 13.8.2020, às 12h.

[22] BRASIL. STF. Acordo de cooperação técnica que entre si celebram o Ministério Público Federal, a Controladoria-Geral da União (CGU), a Advocacia-Geral da União (AGU), o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e o Tribunal de Contas da União (TCU) em matéria de combate à corrupção no Brasil, especialmente em relação aos acordos de leniência da Lei n. 12.846, de 2013. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/Acordo6agosto.pdf>. Acesso em: 13.8.2020, às 12h27.

terça-feira, 12 de maio de 2020

Presidente da República não tem a propriedade sobre vídeo que gravou de reunião de trabalho, havida no Palácio do Planalto


No dia 24.4.2020, o então Ministro da Justiça Sérgio Fernando Moro pediu exoneração do Ministério da Justiça. Ele fez uma apresentação pública dos motivos que o levaram a pedir exoneração, narrando fatos que, em tese, poderiam o complicar e, especialmente, o Presidente da República Jair Messias Bolsonaro. Depois, em depoimento perante a Polícia Federal, Moro falou de uma reunião ministerial gravada em vídeo no dia 22.4.2020, porque o Procurador-Geral da República Augusto Aras requisitou a instauração de inquérito policial – autuado no STF sob o n. 4.829 – para apuração de supostos crimes perpetrados pelo ex-Ministro da Justiça e pelo Presidente da República.[1]
O Presidente da República saiu do Palácio do Planalto, hoje, às 16h15, e aproveitou para responder perguntas dos jornalistas, quando afirmou que ele foi quem fez o vídeo e, portanto, seria dele e não estaria obrigado a apresentá-lo.
Entendo que o Presidente da República gravar ou mandar agentes públicos gravarem uma reunião ministerial retira o direito de propriedade de qualquer pessoa física sobre ele, ainda que utilizados equipamentos particulares.
Os agentes políticos estão vinculados aos constitucionais princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade eficiência e, pensando no caso vertente, especialmente, ao princípio da publicidade. Nesse sentido, veja-se, o art. 37, caput, da Constituição Federal.
O Presidente da República não desejar apresentar assuntos que podem interferir nas relações diplomáticas do Brasil ou na segurança nacional pode até ter alguma justificativa, mas isso passará pelo crivo de autoridades públicas que poderão determinar que toda gravação ou parte dela fique em segredo de justiça.
O que o Presidente afirmou hoje, no sentido de que o vídeo foi editado, não pode ser admitido, até porque podem ter sido retiradas agressões à honra de pessoas públicas, por meio de palavrões, que a imprensa noticia a todo modo momento que estiveram presentes na reunião. Ora, uma reunião de serviço não é para ser ambiente para a prática de crimes, razão pela qual não há justificativa plausível para os imbróglios criados pela Presidência da República, por intermédio da Advocacia-Geral da União, para impedir o acesso aos vídeos por autoridades públicas.


[1] BRASIL. MPU. PGR. Augusto Aras. Íntegra da Petição n. 8.802, de 24.4.2020. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/Inq4829.pdf>. Acesso em: 12.5.2020, às 17h44.