quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Crime de fraude a certame de interesse público

Elaborei um artigo estritamente jurídico que intitulei de Os crimes “das fraudes em certames de interesse público” (disponível em: http://www.sidio.pro.br/ConcursoCrime.pdf). É um texto para quem tem afinidade mínima com o Direito Criminal, onde exponho:
O presente artigo visa a tratar de uma lei recente, a Lei n. 12.550, de 15.12.2011, publicada no Diário Oficial da União do dia 16.12.2011, de vigência imediata, criada para autorizar o Poder Executivo a criar a empresa pública denomina Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), mas aproveitou para inovar no Código Penal e criou o Capítulo V do Título X da sua Parte Especial.
(...)
Com a nova lei, o Código Penal foi acrescido do seguinte:
CAPÍTULO V
das fraudes em certames de interesse público
            Fraudes em certames de interesse público
            Art. 311-A. Utilizar ou divulgar, indevidamente, com o fim de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a credibilidade do certame, conteúdo sigiloso de:
            I - concurso público;
            II - avaliação ou exame públicos;
            III - processo seletivo para ingresso no ensino superior; ou
            IV - exame ou processo seletivo previstos em lei:
            Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
            § 1o Nas mesmas penas incorre quem permite ou facilita, por qualquer meio, o acesso de pessoas não autorizadas às informações mencionadas no caput.
            § 2o Se da ação ou omissão resulta dano à administração pública:
            Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
            § 3o Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se o fato é cometido por funcionário público”.
(...)
Concluindo esta breve análise, em um primeiro momento, entendo que, no caso de corrupção para a fraude a certame, o crime do art. 311-A deverá ser absorvido pela corrupção, aplicando-se o princípio da consunção, ao contrário de se falar em concurso formal imperfeito”.
Ao meu sentir, trata-se de lei desnecessária, até porque as condutas da nova lei já poderiam ser consideradas crimes de prevaricação e outros delitos previstos no Código Penal, só podendo atingir mais claramente certames de instituições privadas, o que minimiza a possibilidade de aplicação concreta da nova lei.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

O Rafael da telenovela Fina Estampa e a manutenção da ignorância do Direito.

O personagem Rafael da telenovevela Fina Estampa é utilizado para a total manutenção da ignorância do telespectador, isso em relação à matéria jurídico-criminal.

Depois de uma absurda prisão para averiguação decorrente da confissão de crimes sem violência e sem grave ameaça contra a pessoa, o personagem foi vítima de agressões de uma moça que desejava o seu mal. Ele reagiu e foi preso sob a alegação de que é reincidente.

O Código Penal dispõe:

"Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. Art. 64 - Para efeito de reincidência: I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação; II - não se consideram os crimes militares próprios e políticos".

O Rafael não foi condenado, portanto, é primário. Por isso, deveria ser tratado como primário. Esse conhecimento não pode ser subtraído do povo brasileiro. 


segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Uma proposta para "A conquista da Felicidade"

A felicidade é um dos meus objetos de estudo e devo dizer que estou publicando o presente texto porque fui provocado pelos meus estudos e por uma rápida discussão, em uma rede social, com o amigo Marco Túlio de Oliveira, em que o tema central foi a felicidade e tangenciou a racionalidade.
Marco Túlio propôs o simples ser, viver e ser feliz, independentemente, de qualquer racionalidade. Outra amiga, Alessandra de La Vega, há poucos dias, disse que eu e o Marco Túlio estamos em lugares distintos e, por isso, nossas discussões não poderiam chegar a lugar algum que fosse comum aos dois.
Na tese de doutorado que estou desenvolvendo, intitulada Analisis del funcionalismo e del garantismo en la defensa de los derechos fundamentales,  sou obrigado a tratar do funcionalismo habermasiano, sendo que estou discorrendo, no momento, sobre a sua teoria da ação comunicativa, um dos meus marcos teóricos.[1]
A racionalidade é o objeto de preocupação da parte inicial do livro citado, sendo que exclusivamente a racionalidade dirigida a fins não tem me fascinado, como sequer me atrai a racionalidade religiosa ou a racionalidade ajustada a normas.
Acredito que todas as discussões bem racionalizadas podem nos trazer evolução pessoal, independentemente de consenso. Por isso, continuo as minhas discussões com o Marco Túlio, até porque, além de serem prazeirosas, acredito que a sua proposta intuitiva não abandona a racionalidade.
Na rede social, logo que li o texto postado pelo Marco Túlio, enviei a seguinte mensagem a ele:
A essência do fundamento, em Heidegger, está no "ser-em-si". Porém, estou mais para o "ser-aí" (ou, em Sartre, o "ser-para-si"). No meu relativismo, vejo que aquilo que me faz feliz pode não gerar felicidade a outrem. Portanto, vivo do passado. Aprendi que a realidade é o que está na nossa imaginação (racional e sentimental), devendo buscar boas realidades para mim.
Fenômenos de hoje, que sei que amanhã poderei me lembrar bem deles, é o que desejo para hoje. Logicamente, concordo com Bertrant Russell, no sentido de que as amarras morais e o sentimento do pecado dificultam "A conquista da felicidade". Então, procuro me manter fiel à minha própria filosofia e assim posso dizer: SOU FELIZ.
Entendo que a felicidade é relativa, mas que a minha proposta é um caminho razoável para encontrá-la. O maior obstáculo adoção de tal proposta é a preguiça natural do homem, eis que ele, segundo Heidegger, se adapta ao cotidiano, de maneira a se nulificar. Porém, àqueles que tem em mente tal desafio, proponho buscarem a conquista da felicidade por meio de uma ideologia, uma filosofia de vida, como aquela da mensagem que encaminhei ao meu amigo.



[1] HABERMAS, Jürgen. Teoria de la acción comunicativa. Madrid: Trotta, 2.010. t. I e II.




domingo, 18 de dezembro de 2011

Telenovela Fina Estampa não corrigiu equivocos mencionados aqui.

Uma telenovela que está em transmissão, Fina Estampa, apresentou a prisão do personagem Rafael apenas porque ele confessou crimes sem violência ou grave ameaça contra a pessoa humana, o que foi criticado aqui porque ele não poderia ser preso. Logo depois ele foi solto sob o argumento de que não poderia continuar preso. Porém o correto seria dizer que a prisão foi errada, ele jamais poderia ter ficado preso.

Não se pode prender provisoriamente unicamente com base na confissão, mormente quando não se tem a prova da materialidade do delito, ou seja, prova dos elementos objetivos do crime. Também, crimes sem violência e sem grave ameaça não ensejam, em regra, prisão cautelar.

Poucos dias depois da prisão, apenas se disse que ele não poderia continuar preso, quando o correto seria dizer que foi um erro a prisão, até porque não se admite, à luz da Constituição Federal, a denominada prisão para averiguação, mas esta espécie de foi absurdamente concretizada, sem que o equívoco tenha sido evidenciado pela telenovela.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Equívocos jurídicos na telenovela Fina Estampa?

Estou me tornando um noveleiro, mas não aceito bem os equívocos que ofendem a minha intelectualidade. Vejo que uma personagem expulsou o marido - e todos empregados - de um restaurante famoso do qual ele era gerente (sem preavisar e pagar os empregados) e, também, da própria casa. Dois erros jurídicos absurdos porque os trabalhadores e o próprio marido - segundo a legislação brasileira - seriam detentores de direitos subjetivos, não se podendo atuar arbitrariamente contra os mesmos sem um devido processo legal.

Mais interessante é o personagem Rafael. Ele confessou crimes sem violência ou grave ameaça contra pessoas - sem a existência de outras provas - e, mesmo assim, foi preso. Ora, a confissão, por si mesma, não é suficiente para a condenação e, muito menos, para a prisão cautelar.

Não se olvide que a prisão cautelar é excepcional e, portanto, só terá cabimento em circunstâncias excepcionais. as quais não estão presentes no caso fictício da telenovela.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Empresas terceirizadas vendem vagas em órgãos públicos?

Uma matéria publicada na página eletrônica da Revista Veja, intitulada "Comprei uma vaga de trabalho por 4.000 reais" (disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/comprei-uma-vaga-de-trabalho-por-4-000-reais), vem sendo equivocadamente vinculada à Universidade de Brasília ou, mais especificamente, à pessoa jurídica de natureza autárquica gestora dos seus recursos, que é a Fundação Universidade de Brasília (FUB)

A conduta pode até constituir delito trabalhista, civil ou criminal, mas que não pode ser vinculado à FUB. Com efeito, Josefa, Agreny e Claúdia dizem que são vendidas vagas de emprego na  empresa Patrimonial e teriam trabalhado  em outros locais - por exemplo, DNIT e INFRAERO -, sendo que o Agreny, após fazer exigências infundadas foi dispensado sem justa causa. A Josefa está em gozo de licença médica e se diz vítima de assédio moral e a Cláudia Cristina Santos afirma que foi demitida para dar lugar ao rodízio que permite a venda de novas vagas.

Vender vagas de trabalho é algo imoral. Porém, a Consolidação das Leis do Trabalho não assegura estabilidade contra dispensas sem justa causa. Basta a empresa indenizar e a pessoa será dispensada normalmente, sem maiores problemas. Aliás, são conhecidas as políticas empresariais que evitam ter empregados por muitos anos, sem que haja qualquer ilícito em tais políticas.

Da notícia se extrai que o "site da VEJA" tentou falar com representante da FUB, mas houve silêncio. Data venia, a FUB não pode ser envolvida em um ilícito que versa unicamente sobre diretores da empresa Patrimonial. Seria equivocado a FUB se tornar responsável solidária por uma conduta que não é da autarquia ou dos seus servidores.

Não se olvide que os empregados que pagaram por uma vaga não são unicamente vítimas, mas cúmplices de ilícitos. Pressionar devido ao ilícito de origem pode representar assédio moral do empregado contra o empregador e, mesmo que a suposta existência de venda de vagas e assédios morais do empregador sejam verdadeiros, não há vínculo do empregado da Patrimonial com a FUB, podendo haver a troca do posto de trabalho, eis que para a FUB não interessam os nomes mas as qualificações dos empregados disponibilizados para os seus postos de trabalho, tudo respeitando às cláusulas contratuais.

Caso o Ministério Público do Trabalho entenda ser o caso de violação a direito individual homogêneo, que instaure inquérito civil público e até proponha ação civil pública contra a empresa, mas a FUB não poderá sequer ser demandada se não houver a demonstração da sua cumplicidade com o suposto ilícito noticiado.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Médicos de Jundiaí são acusados de homicídio doloso

Em http://www.sidio.pro.br/Medicos.pdf, publiquei um texto, do qual transcrevo parte:
"OMISSÃO DE GARANTE PODE REPRESENTAR AÇÃO CONTRA A LEI: Análise feita a partir da omissão de dois Médicos, na cidade de Jundiaí-SP
Vi uma matéria que merece destaque: a omissão de socorro de médicos que resultou na morte de pessoa idosa na cidade de Jundiaí (SP), fato ocorrido no dia 8.12.2011. Os médicos foram indiciados por homicídio culposo e – um dia depois – o Juiz da 1ª Vara Criminal de Jundiaí-SP, decidiu no sentido de que há indício de homicídio doloso.[1] Na hipótese de culpa, a pena será de detenção e variará entre 1 e 3 anos. Porém, na hipótese de dolo, a pena será de reclusão e variará entre 6 e 30 anos.
O assunto é interessante, chamando a atenção jurídico-criminal por se referir à conduta criminalmente relevante, sendo que in casu se estará diante de conduta omissiva. Ocorre que não se trata de omissão pura ou propriamente dita, mas da omissão de dois garantes ou garantidores.
(...)
Tenho as minhas dúvidas sobre eventual existência de dolo na conduta dos profissionais que se omitiram e são acusados de homicídio por não terem atendido o idoso que morreu no dia 8.12.2011, em Jundiaí-SP. Porém, diz-se que, na fase postulatória do processo criminal, deverá prevalecer o denominado princípio in dubio pro societate.
(...)
Sobre a causalidade na omissão já discorri alhures,[19] recomendando a leitura do artigo, especialmente o seu item 6, onde digo que aquele que se omite não causa o crime, ainda que a conduta seja comissiva por omissão. Todavia a teoria do incremento do risco nos socorre para dizer que aquele que se afasta da possibilidade de evitar o resultado jurídico-criminal, incrementando o risco da sua produção deverá responder por ele.
A hipótese concretizada em Jundiaí-SP, em que dois médicos deixaram de atender um idoso que morreu na rua, sob o ponto de vista exclusivamente causal, pode levar os profissionais serem responsabilizados pelo resultado morte. Porém, para que sejam julgados pelo Tribunal do Júri, ou seja, onde se julga crimes dolosos contra a vida, será necessário que se demonstre o dolo. Advirta-se, no entanto, que a causalidade natural não se confunde com o elemento anímico caracterizador do dolo.
Não se pode imputar o resultado morte aos médicos se houver apenas a relação de causalidade (Código Penal, art. 19), evidenciada pela teoria do incremento do risco. Aliás, é necessário verificar se os médicos, além do dever de agir, podiam efetivamente salvar o idoso. Será que a omissão dos garantes foi determinante para o resultado morte?
Outro aspecto que deverá ser examinado é se houve dolo ou negligência dos profissionais. Será que eles assumiram o risco da produção do resultado, ao deixarem de cumprir o dever?
Não me estenderei sobre o estudo do dolo e da negligência, mas posso dizer que toda discussão jurídica que se travará no foro criminal estará em torno de tal questão. Também, não discutirei acerca do sistema inquisitivo – em oposição ao sistema acusatório – para saber se o Juiz poderia, na fase da persecução criminal, poderia modificar a classificação do delito (de negligente para doloso). O que me interessou foi apenas dizer que, sobre o ponto de vista estritamente legal (em face do art. 13, § 2º do Código Penal), o resultado morte, em tese, poderá ser imputado aos Médicos.


[1] DIÁRIO DE SÃO PAULO. Idoso Morto em Frente a hospital é enterrado: Ele teve um mal súbito na rua e não foi atendido pelos médicos, que foram indiciados por homicídio. Disponível em: <http://www.redebomdia.com.br/noticia/detalhe/6853/Idoso+morto+em+frente+a+ hospital+e+enterrado>. Acesso em: 10.12.2011, às 21h50.
[19] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Relação de causalidade no Direito Penal. Teresina: Jus Navigandi, ano 5, n. 39, 1 fev. 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/959>. Acesso em: 9.12.2011, às 22h30.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Democracia e polícia preventiva.

Meu primo por afinidade, Rafael Jucá, um excelente amigo, me enviou um artigo interessante de autoria de Rizzato Nunes, intitulado A lei seca e o direito do cidadão-consumidor de se locomover (disponível em: http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5502805-EI11353,00-A+lei+seca+e+o+direito+do+cidadaoconsumidor+de+se+locomover.html), sendo que o texto, em apertada síntese traz o seguinte: (a) desde os idos da década de 1970 que o sonho por democracia era latente nos brasileiros, mas - mesmo com os vanços e a Constituição Federal de 1988 - as práticas estatais guardam métodos ditatoriais; (b) as  barreiras policiais de trânsito violam o fundamental direito de ir e vir, sem maiores justificativas, até porque ter ingerido bebida alcoólica não é suficiente para caracterizar o delito de trânsito, sendo exigido estar sob a influência de alcóol; (c) as barreiras policiais de trânsito estão mais para a caracterização do crime de abuso de autoridade (Lei n. 4.898, de 9.12.1965, art. 3º, alíneas "a" e "i"); (d) as práticas policiais provocam profunda tristeza a quem tem mais de 36 anos de magistério jurídico.

Tenho me manifestado contra as novas leis criminais mais rigorosas, inclusive, entendo equivocada a Lei n. 11.705, de 19.6.2008, a denominada "lei seca", que alterou a Lei n. 9.503, de 23.9.1997, o nosso Código de Trânsito.

A crítica que faço ao texto do nobre docente articulista que citei está no fato de que a nova lei estabelece que é infração administrativa a direção de veiculo automotor sobre a influência de álcool ou qualquer outro psicotrópico, independentemente da quantidade de álcool ingerido (arts. 165 e 276).

A Constituição Federal se equivoca ao reduzir a segurança pública ao aparelho policial, mas ela distingue bem a polícia preventiva  (administrativa) da repressiva (judiciária), lembrando uma dicotomia do sistema francês, o qual - ressalte-se - não é o melhor.

As ações policiais preventivas (que visam a evitar a prática de crimes) são inerentes ao Estado e não podem ser consideradas, por si mesmas, caracterizadoras de atos de abuso de autoridade ou qualquer outra conduta que venha a violar direitos dos consumidores, até porque na relação de trânsito de veículos não há qualquer vínculo de consumo dos condutores e passageiros dos veículos automotores para com o Estado.

Um Estado despido de um poder de polícia não evidenciará a soberania necessária à sua caracterização como tal. Assim, em que pese assistir razão ao nobre docente articulista, no sentido de ser exigível a "influência" do psicotrópico para caracterização do delito (seja ele administrativo ou criminal), as barreiras policiais preventivas são legítimas, mesmo nas democracias garantistas.

Não confundamos democracia com ditadura da maioria. Lamentavelmente, ao se falar em democracia tem-se em vista a "regra da maioria", como se as minorias não pudessem ser legitimamente representadas e não detivessem direitos fundamentais. Porém, mesmo em democracias legítimas, em que se respeitem direitos fundamentais, tal qual o direito de ir e vir, não se pode prescindir de ações de polícia preventiva.

As práticas jurídicas dos tribunais, do Conselho Superior de Justiça, das Polícias, do Ministério Público e até mesmo das advocacias (pública e privada), bem como de todos os (sub)sistemas que cuidam das leis, geram profunda tristeza, o que não exigirá 36 anos de prática (a desilusão vem em prazo muito menor). Tal tristeza é tão profunda que a melhor palavra a ser utilizada - em liguagem estritamente jurídica - é nojo. Porém, as ações ações de polícia preventiva decorrem do ius imperii estatal. O exercício desse direito, ao lado dos outros 3 direitos dináticos básicos (ius gladii, ius majestatis e ius honorum), evidenciará a soberania, sem representar delito.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Inaugurado o laboratório de Geocronologia da UnB

Ocorreu ontem, 28.11.2011, a partir da 11h30, a inauguração do Laboratório de Geocronologia da Universidade de Brasília, integrante da Rede Geochron.

Da importância do evento, a partir dos seus participantes, considero esclarecedora a seguinte fotografia:

Fotografia gentilmente cedida por Emília (SECOM/UnB)

Inicialmente, é conveniente ver parte do que se expôs sobre o evento (Disponível em http://www.unb.br/noticias/ unbagencia/unbagencia.php?id=5985, de onde extraio o seguinte:

"Laboratório de geocronologia da UnB dá suporte em pesquisas do pré-sal
Ministro da Ciência e Tecnologia inaugurou aparelhos de última geração. Instalações são estratégicas para o desenvolvimento científico nacional
Pedro Rafael Ferreira - Da Secretaria de Comunicação da UnB

O laboratório de geocronologia do Instituto de Geociências (IG) da Universidade de Brasília está entre os mais importantes do mundo na pesquisa sobre recursos minerais, como o petróleo.  O reconhecimento desse trabalho foi enfatizado nesta segunda-feira 28, durante visita técnica de inauguração de oito novos equipamentos. O investimento, com recursos da Petrobrás, soma R$ 15 milhões.

A comitiva foi liderada pelo ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Aloizio Mercadante, o diretor de exploração e produção da Petrobrás, Guilherme Estrella, o reitor José Geraldo de Sousa Junior, além representantes da Presidência da República, do Ministério de Minas e Energia (MME) e de outros órgãos que lidam com a questão minerária.

Desde 2004, o laboratório compõe uma rede nacional – a Rede Geochronos – que articula nove instituições de pesquisa, empresas e órgãos governamentais envolvidos nas áreas de mineração, petróleo e estudo geoambiental.

Os pesquisadores analisam a evolução geológica de rochas, sedimentos e até matéria orgânica, por meio de equipamentos com alta resolução e precisão de informações. 'A identificação de eventos geológicos é muito importante para localizar pontos de acumulação de petróleo, por exemplo”, explicou Guilherme Estrella. Atualmente, a UnB produz, só para a Petrobrás, mais de 200 dados por dia contendo análises de sedimentos minerais'.

O Prof. Dr. Roberto Ventura fez proposições sérias e todos agradeceram à Presidente Dilma Roussef por ter iniciado o Programa de Geocronologia no Brasil, dizendo que isso ocorreu quando ela foi Ministra de Minas e Energia. Também, o referido professor invocou a flexibilização de compras para a pesquisa.

Fui convidado para o evento, talvez devido à minha participação em processos de compras, sendo importante destacar que a pesquisa pode ensejar a aquisição de produtos mediante dispensa de licitação (Lei n. 8.666, de 21.6.1993, art. 24, inc. XXI). Aliás, manifestei-me nesse sentido e em favor da aquisição de equipamentos para o Laboratório da Rede Geochron que foi inaugurado. É necessário, pois, que a legalidade formal seja flexibilizada para aplicação do permissivo legal e viabilizar o avanço científico do Brasil.

Finalmente, não sei como está o mercado de trabalho para Geólogos, mas o Min. Aloizio Mercadante disse que foi feito um concurso para Geólogos (a fim de atuarem na prevenção de desastres naturais) e sobraram vagas, o que é bom  e promissor para os nossos futuros cientistas dessa área do conhecimento.

Imunidade absoluta e erro grasso em telenovela.

Imunidades são direitos, prinvilégios ou vantagens decorrentes do cargo, da função ou da posição familiar de alguém. Ela pode ser absoluta (afastando a incidência da lei brasileira) ou relativa (pela qual se criarão obstáculos processuais à aplicação da lei). O descendente tem imunidade absoluta em certos crimes, mas a telenovela Fina Estampa não se atentou para esse fato.

Vi, em 28.11.2011, na telenovela Fina Estampa um absurdo jurídico e - é por entender que as telenovelas deveriam prestar algum serviço social útil - resolvi postar este pequeno texto.

Na trama, a personagem Griselda tem alguns filhos, dentre os quais um de nome Antenor, a "ovelha negra" da família. Ele já fez muitas trapalhadas, sendo que a última foi a de pegar um cheque em branco (assinado pela mãe) para gastar em uma finalidade, mas desviou a finalidade e comprou um carro.

A mãe, ao ficar sabendo, agrediu fisicamente o Antenor - sem exageros - e o ameaçou de levar o caso à polícia. Ela pediu as chaves do carro e ele disse que não as devolveria. Então, as pessoas que assistiam a tudo intervieram e disseram que ele deveria entregar as chaves porque senão eles iriam com a Griselda até a delegacia de polícia para testemunharem em favor da mesma.

O erro está no fato de que a polícia não poderia fazer nada. Tudo que se poderia manejar validamente e com sucesso seria ação civil da mãe para reaver o veículo, visto que, embora o Antenor tenha atuado de forma que, em princípio, constitua crime, goza de imunidade absoluta. Com efeito, o Código Penal dispõe:

Art. 181 - É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo: (...) II - de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural”.

O título ao qual se refere o art. 181 transcrito é o “Dos crimes contra o patrimônio”. Assim, havendo imunidade absoluta, qualquer providência policial ficaria afastada in casu. Somente nas hipóteses do art. 183 do Código Penal a imunidade não incidiria e se poderia falar em intervenção policial.

domingo, 27 de novembro de 2011

O caso dos exploradores de caverna

Hoje, depois de muitas leituras que fiz do livro intitulado “O Caso dos Exploradores de Caverna”,[1] o reli e decidi redigir o presente texto para emitir algumas opiniões sobre esse livro, o qual considero de leitura obrigatória para todos estudantes de Direito.
O texto constituirá uma resenha crítica tendente a apresentar uma perspectiva pessoal de um livro propedêutico ao Direito, o qual vale o seu peso em ouro, devido à riqueza de detalhes dos temas que aborda.
Uma criação fictícia (de um professor da Universidade de Harvard) trazendo fatos ocorridos no condado de Stowfield, ocorridos em Mai/4299, levou à condenação de 4 homens à forca. De tal condenação, houve recurso à Suprema Corte de Newgarth (local fictício). É do julgamento colegiado de tal recurso que trata o livro.
4 membros da Sociedade Espeleológica – organização amadorística de exploração de cavernas –, em Mai/4299 adentraram em uma caverna com um outro espeleólogo, chamado Roger Whetmore. Devido a um acidente, eles o mataram e comeram a sua carne, tendo saído da caverna no 32º dia em estado de desnutrição.
Ficou claro que o assassinato foi premeditado, pois, no 20º dia, Whetmore falou com o exterior, valendo-se de rádio transceptor, momento em que informou da ausência de suprimentos e, respondendo a uma pergunta de Whetmore, um médico disse ser possível sobreviverem se comessem a carne de um deles.
A escolha de qual deles morreria seria feita jogando dois dados de propriedade de Whetmore, mas este desistiu do sorteio. Os demais fizeram o sorteio com os mesmos dados inicialmente previstos e um deles jogou a rogo de Whetmore, mas este perdeu e foi sacrificado.
Os 4 recorrentes foram condenados à morte na primeira instância e os jurados, assim como o Juiz, pediram clemência ao Poder Executivo para comutar a pena, visando a convertê-la para 6 meses de prisão. Então, o livro prossegue tratando do julgamento proferido em grau de recurso, enquanto pendia o pedido de clemência.
O livro inverte muitos aspectos do Direito normativo vigente no mundo jurídico ocidental, sendo que devemos temperar alguns aspectos ali contidos. Por exemplo, quem vota primeiro é o Presidente do Tribunal, Truepenny, C., quando a praxe é diversa, visto que o relator vota primeiro, independentemente do lugar que ocupa no Tribunal, reservando-se ao Presidente o último voto (salvo se for o relator).
O voto de Truepenny (Presidente do Tribunal) apresenta relatório irretocável. Há uma riqueza de detalhes que esta resenha, pela própria natureza, não pode alcançar. Porém, ele descumpre o seu dever e não decide, transferindo para o Poder Executivo o dever de decidir sobre o caso, ou seja, tudo se resumiria na decisão do pedido de clemência, o qual ele acreditava que seria favorável aos recorrentes. Apenas em função disso, negou provimento ao recurso.[2]
O 2º voto foi proferido por Foster, J., o qual criticou o Presidente do Tribunal por fugir da sua responsabilidade. Então, discorre sobre o fato de estarem os recorrentes fora do mundo do Direito, o que exigiria ver os fins do Direito e o contrato dos espeleólogos.
Para Foster, cessante ratione legis, cessat et ipsa lex (cessando a razão da lei, cessa a própria lei), portanto, considerando os fins preventivos do Direito, os recorrentes não poderiam ser condenados. Também, eles tinham um contrato válido e, portanto, a pena de morte seria válida.
Observe-se que à luz do Direito pátrio o contrato não seria válido, uma vez que o seu objeto, vida, não seria lícito. É por isso que Foster os coloca em outro mundo jurídico, o da natureza, para validar o contrato, o qual faz lei entre as partes.
Com toda razão, afirma que o direito fundamental à vida não é absoluto. Isso é uma verdade que pode ser extraído dos diversos sistemas normativos. No Brasil, por exemplo, excepcionalmente, é admitida a pena de morte (Constituição Federal, art. 5º, inc. XLVII). Ora, se vida pode ser atingida pela pena, ela não constitui valor absoluto.
Foster não nega a aplicação da lei, mas invoca a interpretação e precedentes do próprio tribunal para sustentar a inexigibilidade de os 4 recorrentes atuarem conforme o Direito. Também, lembra que a legítima defesa não é conhecida no ordenamento legislado daquele País, mas que a jurisprudência a admite.
O magistrado apresenta exemplos para dizer que a lei contém lacunas, esperando uma fidelidade inteligente à lei, não apenas uma observância da legalidade formal. Com isso, dá provimento ao recurso.[3]
Igual ou pior ao voto do Presidente do Tribunal é o 3º voto, proferido por Tatting J. Digo isso porque aquele transferiu para o Poder Executivo uma decisão que deveria ser judicial e Tatting se nega à prestação jurisdicional, abstendo-se de votar.
Tatting inicia bem, combatendo os diversos pontos do voto de Foster, inclusive mencionando os elementos da legítima defesa, a fim de negá-la àquele caso. Discute os fins da lei, o que parece correto sob a ótica Kelsiana e Luhmmaniana porque Foster os coloca no plano da justiça, enquanto aqueles entendem que a justiça é anterior ao Direito. Do mesmo modo, Tatting entende que as questões valorativas não podem contaminar a decisão judicial.
Para Tatting faltam elementos da legítima defesa, o que é correto sob a ótica criminal hodierna, pois não houve reação a qualquer agressão injusta, mas agressão praticada pelos recorrentes. Ocorre que o Direito daquele País, nem mesmo na jurisprudência, conhecia o estado de necessidade.
No campo das especulações, Tatting chega a imaginar a hipótese de Whetmore estar armado e se defender da ação dos recorrentes. Com isso, procura evidenciar o absurdo da posição de Foster, construída no sentido de ter ocorrido legítima defesa.
Foster invocou os propósitos da lei, o que foi questionado por Tatting, dizendo que se a lei tem vários propósitos e não caberá ao tribunal escolher um deles e negar vigência aos demais.
Respeitando a legalidade estrita, Tatting lembrou que sequer o furto famélico foi admitido por aquele tribunal. Por outro lado, refutou a idéia de ter existido contrato válido, vindo a sugerir a hipótese de Whetmore não ter aceito, desde o início, a solução encontrada pelo grupo.
Tatting poderia até se dizer suspeito por razões de foro íntimo. Porém, preferiu colocar razões humanitárias para a sua dúvida sobre como decidir. Ao contrário de se declarar suspeito, optou por negar-se à prestação jurisdicional,[4] o que é equivocado à luz do Direito brasileiro.
O 4º voto é o de magistrado limitado, Keen J., ele inicia afastando as questões que entende não serem da competência do tribunal. Assim, critica a posição do Presidente do Tribunal porque ele não poderia se imiscuir em decisão que só caberia ao Poder Executivo. Também, questiona a justiça como fundamento das decisões judiciais, retornando, em linhas gerais, à ideia retrógrada de que “o Juiz é a boca da lei”.
Keen diz que Foster se recusa a se opor à lei, mas fica feliz em encontrar buracos na lei, afirmando: “Em resumo, não lhe agradam as leis”. E, ainda em oposição a Foster, sustenta não estarem presentes os elementos da legítima defesa.
Dizer, como Keen, que “Uma decisão rigorosa não é popular”, é tão equivocado quanto contrário ao sentimento de vingança popular. Mas Keen prossegue em suas falácias ao supor que se os homens não tivessem sacrificado Whetmore e comido a sua carne eles teriam gerado a discussão e provocado a alteração da legislação (como se eles fossem obrigados ao heroísmo). Tudo isso serviu para justificar o seu voto pelo improvimento do recurso.[5]
O 5º e último voto foi o de Handy J., um voto que se afasta da Ciência do Direito. Sobre ele, inicio transcrevendo seu primeiro parágrafo:
“Ouvi com estupefação os angustiados raciocínios  que este caso trouxe à tona. Nunca deixo de admirar a habilidade com que meus colegas lançam uma obscura cortina de legalismos sobre qualquer problema que lhes seja apresentado a decidir. Nesta tarde ouvimos arrazoados sobre distinções entre direito positivo e direito natural , a letra e o propósito da lei, funções judiciais e executivas, legislação oriunda do judiciário e do legislativo. Minha única decepção foi que ninguém levantou a questão da natureza jurídica do contrato celebrado na caverna – se era unilateral ou bilateral, e se não se poderia considerar que Whetmore revogou a sua anuência antes que se tivesse atuado com fundamento nela”.[6]
Handy diz que o governo é exercido por homens, encaixando nesse conceito de governo o tribunal, para dizer que o bom governo é aquele exercido por homens que conseguem apreender os sentimentos do povo, propondo uma racionalidade calcada em métodos e princípios a serem adaptados aos casos concretos, mediante seleção dos meios de que dispõe para alcançar o resultado objetivado.
A lei da natureza de Foster e a fidelidade à lei escrita de Keen, segundo Handy, nada significarão, diante de alguns aspectos que devem ser evidenciados. Destarte, diz que o “pudico decoro” dos colegas fez com que eles omitissem o clamor público que influenciou as suas manifestações. Como 90% do povo desejava a absolvição, disse que deveria levar em conta esse desejo.
Handy diz que o Ministério Público poderia ter deixado de acusar, o Júri poderia ter absolvido e, ainda, seria possível o indulto. Mas, o fato de ser o porta-voz do Júri um advogado, prejudicou a decisão, levando os demais a condenar os recorrentes. Outrossim, critica Tatting porque ele gostaria que a decisão tivesse sido tomada pelo Ministério Público. Tal crítica tem lugar no Brasil porque muitos Juízes preferem que o membro do Ministério Público decida por eles.
Disse que 90% do povo desejava o provimento do recurso, mas o mesmo povo, em pesquisa acadêmica, demonstrou pensar que a palavra “espeleólogo” significava “canibal” e que “antropofagia” constituía um princípio a ser adotado pela sociedade.
O voto prossegue com razões metajurídicas para informar que o Chefe do Poder Executivo não tinha a intenção de indultar os recorrentes, momento em que critica o Presidente do Tribunal por transferido a ele a solução do caso. Mais ainda, acreditou que o voto de Foster teve por motivação a posição do Presidente do Tribunal.
Handy concluiu dizendo que é necessário respeitar ao senso comum, utilizando um caso de um sacerdote espancado como paradigma. Em tal caso, o sacerdote teria sido expulso de uma seita e compareceu a uma reunião do grupo, quando rebateu os argumentos da expulsão e foi espancado. Ele pediu indenização e, baseado no senso comum, Handy absolveu o grupo promotor da reunião por ausências de provas e foi ovacionado pela imprensa.
Não consigo aceitar tal posição porque a análise deve ser científica, visto que as teorias científicas nem sempre estarão corretas, mas a probabilidade das teorias não-científicas estarem erradas será maior do que a das teorias científicas. O censo comum de vingança de um povo não deve ser o fundamento de validade de uma decisão judicial.
Handy votou pela absolvição. Com isso, o julgamento resultou em empate. Então, o Presidente do Tribunal perguntou a Tatting se ele não gostaria de rever a sua posição, o qual a manteve. Desse modo, foi considerada mantida a decisão recorrida e os 4 recorrentes foram executados.
Para finalizar, devo dizer que a solução da lei brasileira, em regra, é mais sábia. Pateticamente, defende-se que a decisão do TSE, em caso de empate de decisão em sede de recurso no STF, será mantida. Ora, a dúvida leva à incerteza. Assim, havendo empate, deve prevalecer a decisão mais favorável ao recorrente. Essa é a solução do Código Processo Penal (art. 615, § 1º).



[1] FULLER, Lon L. O caso dos exploradores de cavernas. Porto Alegre: Fabris, 1976.
[2] Ibidem. p. 1-10.
[3]  Ibidem. p. 10-25.
[4]  Ibidem. p. 25-40.
[5]  Ibidem. p. 40-54.  
[6] Ibidem. p. 54.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Habermas e as diversas formas de "ação"

Popper introduz distintos conceitos de mundo para, segundo Habermas, evidenciar diversas regiões do ser dentro de um único mundo objetivo. Mas, Habermas diz que não se valerá da linguagem de Popper para explicar a ação. Então, inicia tratando co conceito de ação teleológica, que é o centro da teoria filosófica da ação. Ocorre que ela se amplia e se transforma em ação estratégica. Esta é utilitarista, não tendo apenas em vista somente os fins da ação teleológica, mas também os meios, exemplificando com a teoria dos jogos da Economia.
Outra espécie da ação é a regulada por normas. Ela orienta atores, em princípios solitários, a se orientarem por valores comuns quando forem se interagir com outros atores. Nesse sentido, as normas expressam um acordo existente em um grupo social.
Habermas fala, também, da ação dramatúrgica, na qual os atores se colocam como participantes de uma interação, constituindo uns aos outros como participantes de um público, regulando a interação e o recíproco acesso aos demais à esfera dos próprios sentimentos.
Depois de todas essas espécies de ação que foram mencionadas, Habermas arremata:
“Finalmente, el concepto de acción comunicativa se refiere a la interacción de al menos dos sujetos capaces de lenguaje y de acción que (va sea con medios verbales o con medios extraverbales) entablan una relación interpersonal. Los actores buscan entenderse sobre una situación de acción para poder así coordinar de común acuerdo sus planes de acción y con ello sus acciones”.[1]
Devo dizer que a noção de realidade, assim como a de verdade, não pode advir da comunicação. Esta é representação e, como tal, não pode evidenciar a realidade. Desse modo, a ação comunicativa nada mais será do que mais uma representação discursiva na sociedade complexa.


[1] HABERMAS, Jürgen. Teoria de la acción comunicativa. Madrid: Trotta, 2.010. t. I e II. p. 118.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Caso Jader Barbalho e o STF como tribunal de exceção

Transcreverei o informativo do STF, disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=193500> e depois farei alguns comentários, a fim de demonstrar que o STF, mesmo sendo tribunal permanente, no Caso Jader Barbalho, se apresenta como tribunal de exceção.

"Quarta-feira, 9 de novembro de 2011
Empate adia decisão sobre candidatura de Jader Barbalho

Um empate suspendeu nesta quarta-feira (9) o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de recurso em que Jader Barbalho (PMDB) pede para ser considerado elegível diante da decisão da Corte que impediu a aplicação da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/10) para as eleições de 2010. No ano passado, Barbalho concorreu a uma cadeira do Senado pelo Pará com o registro de candidatura cassado e foi o segundo candidato mais votado.

Hoje, o julgamento foi suspenso com cinco votos favoráveis a Barbalho e cinco contra. Diante do impasse, o caso será levado novamente a julgamento quando a Corte estiver com quórum completo, com o preenchimento da vaga decorrente da aposentadoria da ministra Ellen Gracie, em agosto deste ano.
Em outubro de 2010, quando o STF julgou o Recurso Extraordinário (RE 631102) de Jader Barbalho, foi mantida a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que o declarou inelegível com base em dispositivo da Lei da Ficha Limpa. Na ocasião, também houve empate. Por maioria de votos (7x3), os ministros decidiram aplicar regra do Regimento Interno da Corte segundo o qual, em caso de empate, o ato contestado permanece válido.

Assim, foi mantida a decisão do TSE que aplicou a Barbalho sanção prevista na Lei da Ficha Limpa, que estabelece que o político que renunciar fica inelegível por oito anos após o fim do mandato que ele cumpriria (alínea 'k' do inciso I do artigo 1º da Lei de Inelegibilidades). Jader Barbalho renunciou em 2001 ao cargo de senador. Na ocasião, o político era a alvo de denúncias sobre suposto desvio de dinheiro no Banpará (Banco do Estado do Pará) quando foi governador do Estado.

Após o Supremo decidir pela inaplicabilidade da Lei da Ficha Limpa para as eleições de 2010, no dia 23 de março deste ano, a defesa de Jader Barbalho solicitou a retratação do entendimento adotado pela Corte no ano passado. Para tanto, a defesa interpôs um tipo de recurso chamado embargos de declaração, que visa esclarecer pontos contraditórios ou omissos de uma decisão colegiada. Diante do novo entendimento da Corte sobre a lei, a defesa pediu que o recurso de embargos tivesse caráter modificativo.

O relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, foi o primeiro a votar contra a possibilidade de os embargos modificarem a decisão tomada no julgamento do recurso de Jader Barbalho, no ano passado. Entre os argumentos da defesa, estava o de que o empate ensejaria a retratação da decisão. 'Entender que essa circunstância deve ter como consequência a possibilidade de rejulgamento do recurso é admitir que todos os ministros presentes àquela sessão perderam o tempo em uma sessão inútil', disse.

Como a decisão do STF sobre a não validade da Lei da Ficha Limpa para as eleições de 2010 teve Repercussão Geral reconhecida, a defesa também sustenta a aplicação de dispositivo do Código de Processo Civil (3º do artigo 543-B) que permite a retratação, pelos tribunais, sobre determinada matéria após o julgamento de mérito da questão pelo Supremo. Quando a Repercussão Geral fica configurada, os tribunais de origem têm de aplicar o entendimento final do Supremo.

'Entendo que o dispositivo mencionado não se aplica (ao recurso de Jader Barbalho), uma vez que o texto literal da norma restringe a possibilidade de retratação aos recursos não julgados', disse o relator, ressaltando que o STF se debruçou sobre o processo do político por quase oito horas e encontrou uma solução para o impasse. 'A possibilidade de retratação é absurda', concluiu.

Nesse mesmo sentido votaram os ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Ricardo Lewandowski e Ayres Britto. 'Houve uma opção do tribunal por uma solução do caso por meio de um dispositivo regimental, de sorte que houve a conclusão do julgamento', afirmou o ministro Luiz Fux. 'A orientação (da Corte) mudou, mas não há elementos que autorizariam o acolhimento (do pedido de Jader Barbalho)', acrescentou a ministra Cármen Lúcia. O ministro Lewandowski concordou. Segundo ele, a matéria 'foi julgada e esgotada'.

Divergência

Os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso afirmam que, diante do posterior posicionamento da Corte sobre a não aplicação da Lei da Ficha Limpa para as eleições de 2010, a retratação deve ser feita. O decano da Corte, ministro Celso de Mello, frisou que a utilização de embargos em casos como esse tem sido 'a prática processual' da Corte, inclusive nas Turmas.

'O STF é um órgão de encerramento, onde se concluem, em caráter definitivo, todos os julgamentos, todas as controvérsias. Por isso mesmo a prática processual desta Corte tem sim conferido maior elasticidade aos próprios embargos de declaração, reconhecendo-lhes a possibilidade de veicularem pretensões de caráter infringente (modificativo)', destacou.

Os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli inclusive citaram precedentes nesse sentido. De acordo com o ministro Gilmar Mendes, há exemplos de admissibilidade desse tipo de embargo em diversas decisões da Corte. 'Fiz um levantamento nas turmas, temos manifestações praticamente de todos os ministros, falo sem medo de errar, em relação à possibilidade de cabimento dos embargos com esse efeito infringente ou corretivo para assegurar a manutenção da jurisprudência do Tribunal', disse.

O ministro Dias Toffoli acrescentou que a manutenção da decisão que tornou Jader Barbalho inelegível para o pleito de 2010 'seria de uma iniquidade, de uma injustiça gritante'. Ele disse ainda que quando o caso transitar em julgado, a defesa do político poderá ingressar com uma ação rescisória 'que só tem um destino, que é a procedência'.

O ministro Gilmar Mendes, por sua vez, afirmou que a não retratação gera uma situação de 'surrealismo inédito'. Ele lembrou que o terceiro colocado nas eleições de 2010 para uma cadeira de senador pelo Pará, o político Paulo Rocha, também concorreu com o registro de candidatura suspenso e já obteve decisão favorável do Supremo, e que, atualmente, a quarta colocada no pleito exerce o mandato parlamentar. 'Que grande contribuição está a se dar à insegurança jurídica, quando não há possibilidade de mudança de posição (do STF sobre a não aplicação da Lei da Ficha Limpa) às eleições de 2010', disse. 'Está se fazendo um case para Jader Barbalho, uma decisão para Jader Barbalho', acrescentou.

'O quadro, para dizer o mínimo, é estarrecedor', disse o ministro Marco Aurélio sobre a situação da eleição de 2010 para o Senado pelo Estado do Pará. Segundo ele, o julgamento do caso de Jader Barbalho não está esgotado e o 3º do artigo 543-B do Código de Processo Civil proporciona que tribunais de origem revisem suas decisões conforme o entendimento do Supremo em matérias de Repercussão Geral.

'Estamos aqui diante de um quadro esdrúxulo, que não pode ser encampado pelo Supremo. É preciso encontrar uma solução, sob pena de não termos sequer ordem pública, que pressupõe segurança jurídica, afastamento de iniquidades', disse, acrescentando que se os tribunais do país podem aplicar a retratação em matéria de Repercussão Geral, com maior razão o STF também o pode".

Durante o julgamento, publiquei a seguinte mensagem no facebook:

O STF está julgando o ED interposto no RE 631102 por Jader Barbalho. O Min. Dias Toffoli abriu a divergência, mas o Rel. Joaquim Barbosa, acompanhado por outros Ministros, defende a patética visão de que ele deve propor ação rescisória, em posição contrária à sua própria jurisprudência. Está certo o Min. Gilmar Mendes dizendo que estão fazendo uma "santa inquisição" contra o recorrente.

A decisão foi proferida e publiquei nova mensagem, in verbis:

Sidio Mesquita Júnior Decisão: empate e quem desempatará será a nova Ministra. O Min. Fux, juntamente com o relator, propôs a desistência da ação e a proposição de ação rescisória, sendo que o relator garantiu a liminar em eventual ação cautelar. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

A notoriedade jurídica do Min. Luiz Fux dispensa comentários. Seu formalismo também. Porém, ele próprio reconhece a existência do denominado princípio da instrumentalidade das formas, mas propõe ilogicamente a proposição de duas ações para substituir uma simples providência que o STF poderia ter adotado no julgamento em análise.

A limitação intelectual do Min. Joaquim Barbosa também é notória, o que evidencia o erro de lotear o STF segundo a regra de que uma vaga é do negro, outra da mulher, outra do empresário, outra do governo etc. É melhor que o supremo tenha o melhor jurista, independentemente de sexo, idade, posição social, religião etc.

Tal limitação não permitiu a ele ver o rídiculo de sentir ameaçado por cartas que lhe foram enviadas pela parte. Mais ainda, demorou muito para publicar uma decisão porque queria forçar a proposição de novas ações.

Nunca neguei a minha admiração pela intelectualidade do Min. Gilmar Mendes, bem como tenho me manifestado em prol da postura consistente do Min. Celso de Mello, o qual ingressou no STF tão jovem quanto o Min. Dias Toffoli. Este vem evidenciando estar buscando os bons exemplos do Min. Celso de Mello para se firmar como o grande julgador que está se apresentando. A sua divergência, mais do que adequada, foi útil e necessária.

O STF, mesmo sendo um tribunal permanente, se caracteriza, no caso Jader Barbalho, como tribunal de exceção, o que é inadmissível. Com efeito, ao tratar diferentemente um processo, em função do nome da parte, coloca-se na ridícula posição de formador de um direito alopoiético, ou seja, sem um procedimento mínimo que lhe dê maturidade para as decisões.

Na linguagem luhmanniana, é necessária a autopoiesis [auto(re)produção] do Direito. Com isso, o STF evitará atuar diferentemente a cada exceção que ele próprio vier a eleger como tal.