terça-feira, 1 de junho de 2010

A evolução do Direito por meio da violação à lei. Subtração de incapazes não poderá gerar os mesmos efeitos da simples "adoção à brasileira".

No dia 31.5.2010, o STJ publicou a seguinte notícia:

DECISÃO

"Maternidade socioafetiva é reconhecida em julgamento inédito no STJ:

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a maternidade socioafetiva deve ser reconhecida, mesmo no caso em que a mãe tenha registrado filha de outra pessoa como sua. “Não há como desfazer um ato levado a efeito com perfeita demonstração da vontade daquela que, um dia, declarou perante a sociedade ser mãe da criança, valendo-se da verdade socialmente construída com base no afeto”, afirmou em seu voto a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso.
A história começou em São Paulo, em 1980, quando uma imigrante austríaca de 56 anos, que já tinha um casal de filhos, resolveu pegar uma menina recém-nascida para criar e registrou-a como sua, sem seguir os procedimentos legais da adoção – a chamada “adoção à brasileira”. A mulher morreu nove anos depois e, em testamento, deixou 66% de seus bens para a menina, então com nove anos.
Inconformada, a irmã mais velha iniciou um processo judicial na tentativa de anular o registro de nascimento da criança, sustentando ser um caso de falsidade ideológica cometida pela própria mãe. Para ela, o registro seria um ato jurídico nulo por ter objeto ilícito e não se revestir da forma prescrita em lei, correspondendo a uma “declaração falsa de maternidade”. O Tribunal de Justiça de São Paulo foi contrário à anulação do registro e a irmã mais velha recorreu ao STJ.
Segundo a ministra Nancy Andrighi, se a atitude da mãe foi uma manifestação livre de vontade, sem vício de consentimento e não havendo prova de má-fé, a filiação socioafetiva, ainda que em descompasso com a verdade biológica, deve prevalecer, como mais uma forma de proteção integral à criança. Isso porque a maternidade que nasce de uma decisão espontânea – com base no afeto – deve ter guarida no Direito de Família, como os demais vínculos de filiação.
'Permitir a desconstituição de reconhecimento de maternidade amparado em relação de afeto teria o condão de extirpar da criança – hoje pessoa adulta, tendo em vista os 17 anos de tramitação do processo – preponderante fator de construção de sua identidade e de definição de sua personalidade. E a identidade dessa pessoa, resgatada pelo afeto, não pode ficar à deriva em face das incertezas, instabilidades ou até mesmo interesses meramente patrimoniais de terceiros submersos em conflitos familiares' disse a ministra em seu voto, acompanhado pelos demais integrantes da Terceira Turma."

Durkheim dizia que o Direito devia ser cooperativo e, portanto, menos interventor. Aliás, propunha ser o delito essencial ao desenvolvimento da sociedade (a esse respeito, proponho a leitura do 2º Capítulo da 6ª edição do meu livro intitulado Execução Criminal: Teoria e Prática). Com isso concordo, mas deve-se notar que "dar parto alheio como próprio" é diferente da "subtração de incapazes".

Entendo razoável propor a evolução do Direito por meio de decisões judiciais, mas tenho minhas dúvidas sobre a tópica. O texto transcrito (extraido de http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=97469. Acesso em 1.6.2010, às 12h10) afasta a supressão de incapazes, como hipótese de reconhecimento de maternidade socioafetiva. Todavia, apenas para reflexão, proponho a seguinte hipótese:

Ticiana subtraiu Caio da enfermaria de maternidade pública, o que provocou grande comoção social. A mãe, moradora de rua, disse que desejava criar o filho. De outro modo, o pai, ex-empregado doméstico de Ticiana, tinha informado a ela que a mãe pretendia abandonar o filho e que ele não pretendia reconhecê-lo como tal, ocasião em que ela viu a oportunidade de ter um filho. Dez anos depois se descobre a verdade, sendo que Caio, muito bem tratado por Ticiana, tem excelente relação com a mesma e a mãe biológica manifestou interesse em reavê-lo, até porque melhorou um pouco o padrão de vida. Caio quer manter o vínculo jurídico com Ticiana e o pai se sente agradecido pelo ato generoso desta. Como que você, Juiz(a), agiria?

Nenhum comentário: