sábado, 20 de março de 2010

Cotas Raciais (II): estatísticas não confiáveis

Tenho lido atentamente os textos do Prof. Dr. José Jorge de Carvalho, do Departamento de Antropologia da UnB, isso porque não estou convencido sobre o acerto da ação afirmativa tendente à reserva de cotas nas universidades, mediante critério puramente racial.

A literatura especializada afirma, à unânimidade, que as estatísticas criminais não são confiáveis, sempre haverá certa margem de insegurança porque existirão "as cifras negras". No entanto, o Prof. José Jorge afirma:

"O lado mais brutal dessa suposta cordialidade racial aparece nas nossas estatísticas oficiais: o número de negros assassinados no Brasil por serem negros (ou seja, crimes de racismo) nas últimas décadas não é menor que os assassinatos equivalentes na África do Sul e nos Estados Unidos. De 1966 para cá, assistimos a grandes transformações nas sociedades da África do Sul e dos Estados Unidos e pelo menos uma parte da violência racial que as caracterizava foi pacificada". (Dia Internacional contra a Discriminação Racial: seu significado para o Brasil em 2010. Disponível em: http://www.unb.br/noticias/unbagencia/artigo.php?id=245. Acesso em 21.3.2010, às 8h).

Matar por motivação racial, em que se pretenda eliminar um grupo no todo em parte, será genocídio (Lei n. 2.889, de 1.10.1956), sendo que não está demonstrada a estatística que sustente a afirmação do douto docente.

Há um texto muito mencionado na rede mundial de computadores, o qual teria sido publicado no Jornal O Globo de 27.12.2004. Pesquisei e não o localizei na página eletrônica "Globo". Porém, reproduzo o texto porque extremamente coerente:

"Está em andamento no Brasil uma tentativa de genocídio racial perpetrado com a arma da estatística. A campanha é liderada por ativistas do movimento negro, sociólogos, economistas, demógrafos, organizações não-governamentais, órgãos federais de pesquisa. A tática é muito simples. O IBGE decidiu desde 1940 que o Brasil se divide racialmente em pretos, brancos, pardos, amarelos e indígenas. Os genocidas somam pretos e pardos e decretam que todos são negros, afro-descendentes. Pronto. De uma penada, ou de uma somada, excluem do mapa demográfico brasileiro toda a população descendente de indígenas, todos os caboclos e curibocas. Escravizada e vitimada por práticas genocidas nas mãos de portugueses e bandeirantes, a população indígena é objeto de um segundo genocídio, agora estatístico. A não ser pelos trezentos e tantos mil índios, a América desaparece de nossa composição étnica. Restam Europa e África.


O problema da cor ou raça persegue nossos demógrafos e estatísticos desde 1849. Haddock Lobo, organizador do censo do Rio de Janeiro desse ano, rejeitou o item cor por considerar essa classificação odiosa, além de inconfiável pela “infidelidade com que cada indivíduo faria de si próprio a necessária declaração”. O primeiro censo nacional, feito em 1872, enfrentou o problema e dividiu as raças (não se diferenciava raça de cor) em branca, preta, parda e cabocla (indígena). Os responsáveis pelo censo de 1890 substituíram pardo por mestiço, argumentando, corretamente, que a cor parda “só exprime o produto do casamento do branco com o preto”. O censo de 1920 eliminou o item raça porque “as respostas ocultavam em grande parte a verdade”, sobretudo as respostas dos mestiços. O registro de cor foi reintroduzido no censo em 1940, quando voltaram os pardos e se estabeleceu o padrão atual, com a única diferença que hoje se separam amarelos (asiáticos) e indígenas.

Retrocedeu-se a 1872, ignorado o alerta feito em 1890. Os descendentes de indígenas ficaram embutidos na classificação de pardos, da qual são agora definitivamente enxotados. Ora, é óbvio para qualquer um que os 39% de pardos do censo de 2000 se compõem em boa parte de descendentes de indígenas. Aí está, aliás, a razão de ser do tribunal racial da Universidade de Brasília, destinado a apontar entre os pardos os afro-descendentes. A Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, de 1998, mostrou que as pessoas classificadas como pardas pelos critérios impostos, quando deixadas livres para se autoclassificarem se disseram morenas e morenas claras em 60% dos casos. Apenas 34% dos pardos concordaram com essa classificação e apenas 2% se disseram mulatos. Pesquisa feita na Região Metropolitana do Rio de Janeiro em 1997 revelou que 50% dos que foram classificados de pardos pelos entrevistadores se disseram morenos ou brancos. Outra pesquisa no Rio, de 2000, mostrou que 48% dos pardos diziam ter antecedentes indígenas. Nos estados do Norte, onde foi fraca a presença da escravidão africana, os descendentes de indígenas formam sem dúvida a grande maioria dos pardos.

A inspiração do genocídio vem naturalmente dos Estados Unidos. Mas a operação é falaciosa. Para corrigir os males de uma sociedade em preto e branco, os americanos começaram a valorizar todas as etnias. Como se sabe, não existem mais americanos. Lá, as pessoas são euro, afro, latino, nativo, asiático-americanas. Professores brasileiros quando vão dar aulas por lá têm que se autoclassificar racialmente. Eu sou latino. Importou-se essa valorização das etnias. A falácia consiste em ter sido ela importada não para acabar com a polarização, mas para implantá-la num país em que ela não existia. Valorizam-se duas cores, raças, etnias, seja lá o que for, com exclusão das outras. Viramos um país em preto e branco, ou melhor, em negro e branco.

Deixados livres para definir sua cor, os brasileiros exibem enorme variedade e grande ambigüidade. Essa riqueza foi aprisionada no leito de Procusto das cinco categorias pré-codificadas do IBGE. Os americanizantes querem mutilá-la ainda mais, reduzindo-a à polarização branco-negro. Se é para valorizar as etnias, vamos copiar direito os americanos. Vamos incluir todas as etnias, sem esquecer a dos primitivos habitantes do país, instaurando entre nós a sociedade hifenizada. Para isso, nenhuma das opções dos censos, de 1872 a 2000, é satisfatória". (Genocídio racial estatístico. Disponível em: http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=1493&sid=396&tpl=printerview. Acesso em: 21.3.2010, às 8h30).

No meu Execução Criminal: Teoria e Prática (6. ed. São Paulo: Atlas, 2010) procuro destruir certos mitos, dentre eles a idéia de que prisão é lugar dos "Três P's", até porque as estatítiscas prisionais vem apresentando maior número de brancos.

O assunto precisa ser examinado de forma mais profunda, bem como devemos ter maior cuidado com estatísticas. Não vejo acusações no foro por genocídio racial de branco contra negro, o que me leva a ver com certo cuidado a afirmação do docente que mais defende as cotas raciais na UnB.

2 comentários:

Raquel Lima disse...

Olá prof. Sídio, enfim achei seu blog e, de antemão, já digo que adorei o conteúdo, parabenizo pela atitude de dividir seu vasto conhecimento com todos nós. Com certeza me tornarei uma visitante assídua.

Há alguns meses eu tenho refletido sobre o tema da minha monografia, entre os temas pesquisados dois me chamaram a atenção: "o princípio da dignidade frente aos estabelecimentos prisionais do Brail" e "homicídio passional e psicopatias". Depois de assistir ao vídeo da "cpi carcerária" na sua última aula, o meu interesse sobre o primeiro tema aumentou ainda mais, portanto, se possível, gostaria de pedir que me enviasse o vídeo e outros materiais que possa ter a respeito do assunto. Agradeço desde já.

Att,
Sua aluna da Upis, Raquel Lima.

Sidio Rosa de Mesquita Júnior disse...

Te mandarei uma mensagem.