terça-feira, 24 de agosto de 2010

Criação, Extinção e Repristinação da Norma Jurídico-Criminal

Texto mais detalhado poderá ser encontrado em: http://www.sidio.pro.br/Revogacao.pdf

1. GENERALIDADES

Criar uma lei é fácil, basta ter vontade. O mesmo se pode dizer da sua extinção, ou seja, basta que uma nova lei discipline a matéria de forma diversa da lei anterior, sendo incompatíveis seus textos, ou que expressamente declare revogada a lei anterior. Finalmente, repristinar a lei significa restaurar a lei revogada.

Este texto continua uma série de publicações que estou fazendo, a fim de divulgar o conhecimento jurídico-criminal como científico. Outrossim, acredito que o conhecimento deve ser divulgado, não podendo ser restringido a um grupo pequeno de pessoas, mormente porque apenas intensificará a reunião do poder nas mãos de uns poucos, prejudicando a maioria das pessoas.

2. A ESTRUTURA NORMATIVA DA TEORIA PURA DO DIREITO

2.1 Introdução

Kelsen propunha a ciência Direito como um sistema fechado, adstrito ao sistema normativo puro, sem intromissões de aspectos subjetivos (sua teoria pura do direito, no entanto, não deixou de perceber vários aspectos que tendiam a influir no Direito).

2.2 Constituição da República Federativa do Brasil

A Constituição Federal é nossa lei maior, portanto, nenhuma norma interna pode contrariá-la. Sua finalidade é, como se pode extrair da própria denominação, dizer a estrutura do Estado, sua forma de governo, seus Poderes e enunciar direitos e garantias fundamentais, não descrevendo ilícitos penais, nem cominando penas.

A emenda à Constituição tem o mesmo status desta, uma vez que passa a integrar o texto constitucional. Toda lei promulgada e publicada é presumidamente válida, mas algum vício pode retirar-lhe a validade. A emenda à Constituição, como passa a integrar a própria CF não visa à descrição de condutas criminosas e à cominação de penas.

2.3 Lei complementar

A lei complementar é instituída para regular matérias expressamente previstas na Constituição, a qual depende de maioria qualificada para sua aprovação, visto que se entende que tais normas dependem de maior durabilidade. Aliás, as matérias mereceriam estar na própria Constituição, mas só não constam dela porque não se pode engessar tão significativamente o tratamento delas.

A lei complementar está no mesmo nível da lei ordinária, mas aquela não se destina a descrever crimes e a cominar penas. Ela é uma lei em sentido estrito, que passa por todas fases do processo legiferante (instrutória, constitutiva e complementar), portanto, eventualmente, poderá até vir a estabelecer crimes e penas, mas isso constituirá uma exceção nada salutar, uma vez que as matérias reservadas constitucionalmente à lei complementar são aquelas relativas às estruturas de órgãos (Ministério Público, Advocacia-Geral da União, Defensoria Pública da União etc.) ou atividades (sistema financeiro, sistema tributário etc.).

2.4 Lei ordinária

Lei ordinária é aquela que deve disciplinar o Direito Criminal material. Ela passa pelas fases: a) instrutória, que se caracteriza pela iniciativa prevista no art. 61 da CF; b) constitutiva, manifestada pelas deliberações parlamentar e executiva; c) complementar, na qual se dá a promulgação e a publicação.

Não há hierarquia entre lei ordinária federal e lei ordinária estadual. O que existe é uma reserva de matérias à lei complementar, ou reserva à União. No entanto, no tocante à aquela norma em que é concorrente a “competência” da União e do Estado (ou Município) para legislarem sobre a matéria, mister será estabelecer o que é geral e o que é específico.

Uma lei estadual (ou do Distrito Federal) poderá disciplinar matéria criminal, desde que se trate de assunto específico autorizado por lei complementar federal (CF, art. 22, parágrafo único).

2.5 Atos normativos inferiores

Existem atos normativos inferiores, v.g., medida provisória, decreto, portaria etc. Todavia, nenhum deles terá potencial para instituir crimes ou penas.

3. VACATIO LEGIS E REVOGAÇÃO

Uma nova lei é será instituida e só entrará em vigor depois de algum período de maturação, salvo se for prevista a imediata vigência. Tal assunto é melhor disciplinado pela “Lei de Introdução ao Código Civil”.

Uma lei, como regra, terá prazo de vigência indeterminado, ou seja, permanecerá em vigor até que outra a revogue – que é o ato pelo qual uma lei é retirada no todo ou em parte de determinado ordenamento jurídico. Tal revogação pode ser expressa – quando a lei nova se refira expressamente à retirada de vigor da lei anterior, v.g., art. 4º da Lei n. 9.455/1997 – ou tácita – quando a lei nova regula a matéria da lei anterior de forma diversa, ou seja, a nova lei é incompatível com a antiga. Havendo revogação expressa ou tácita, caso a lei revogadora venha a ser revogada por lei nova, lei anterior não se restaura, salvo se a nova expressamente determinar (Decreto-Lei n. 4.657/1942, art. 2º, § 3º).

4. REPRISTINAÇÃO

Repristinar significa restaurar expressamente lei revogada. Essa é a única forma que existe para se restaurar lei retirada do ordenamento jurídico, visto que, conforme prelecionava Carlos Maximiliano, “na dúvida não se admite a ressurreição da lei abolida pela ultimamente revogada. Exige-se a prova do propósito restaurador, a declaração expressa, a legge repristinatoria, dos italianos”.

5. CONCLUSÃO

A revogação expressa não apresenta maiores problemas, mas a revogação tácita sim. Inicialmente, é importante destacar o fato de que a lei não deve conter palavras vãs, portanto, por não existir qualquer utilidade na tradicional expressão contida no último artigo de praticamente toda lei nacional, doravante o legislador deveria não mais inseri-la. Aqui, faz-se referência à expressão: “revogam-se as disposições em contrário”. Ora, se a lei nova é incompatível com a lei anterior, esta resta tacitamente revogada por aquela, sendo desnecessária a expressão.

O art. 2º, § 2º dispõe que “a lei nova que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga, nem modifica a lei anterior”, mas tal preceito, conforme exposto, merece pequeno reparo, visto que a lei especial derroga a lei geral, ao menos no que se refere à matéria por ela disciplinada. De outro modo, às vezes é fácil de se perceber a vontade da lei geral no sentido de revogar a lei especial, total ou parcialmente, ocasião em que o preceito nupercitado não terá aplicação.

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