domingo, 19 de junho de 2022

Lava Jato: inglória notória

 1. FINALIDADE

Tratarei aqui academicamente sobre uma provocação de um amigo, um coordenador de uma graduação em Direito de uma faculdade privada que está situada no Distrito Federal. Ele é um intelectual que sabe da minha posição acadêmica sobre o Direito Criminal.

A provocação que me foi enviada tem o seguinte texto:

O ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), declarou, nesta sexta-feira (10), que "ninguém pode esquecer" que casos de corrupção ocorreram no Brasil e que "embora nas decisões da Lava Jato tenha havido anulações formais, aqueles R$ 50 milhões nas malas eram verdadeiros".

"Não eram notas americanas falsificadas. O gerente que trabalhava na Petrobras devolveu R$ 98 milhões de dólares, e confessou efetivamente que tinha assim agido", afirma.

Fux se referia, sem citar nomes, às malas do ex-ministro Geddel Vieira Lima, encontradas em um apartamento em Salvador, e aos R$ 98 milhões de dólares que o ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco devolveu, após confessar desvios.

As declarações foram durante discurso em evento do Tribunal de Contas do Estado do Pará, em Belém, com a presença de autoridades, incluindo o governador Helder Barbalho (MDB) e o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas.[1]

Essa provocação à reflexão me levou a pensar sobre momentos anteriores em que me posicionei sobre a Operação Lava Jato e tenho por orientação a hipótese de que não se pode pretender combater a criminalidade praticando novos crimes, como os perpetrados pela equipe da Lava Jato. Pior, diárias, em média de R$ 3.000.000,00 anuais, por si só, representam elevado custo que não podemos esquecer.

2. UM POUCO DA OPERAÇÃO LAVA JATO

Em 2017 planejei e implementei um curso de extensão em que tratei especificamente sobre a Operação Lava Jato, seu orientador fático foi um livro de investigação jornalística.[2]

A operação lava jato já foi objeto de breve exposição crítica que fiz à visão de Moro sobre a Operação Mani Pulite (Operação Mãos Limpas). Nela escrevi:

Um Juiz imparcial, não adotaria as práticas que ele defendeu em 2004 e que evidencia estar concretizando 10 anos depois. Sua visão da Operação Mãos Limpas deixa à mostra o quanto é perigosa a condução por ele dos processos criminais da Operação Lava Jato, em que as semelhanças com a Operação Mani Pulite” não são meras coincidências.

O pior é que o seu artigo é concluído com a seguinte assertiva: “Daí, por evidente, o valor, com seus erros e acertos, do exemplo representado pela Operação Mani Pulite”. Porém, ele próprio reconhece que a referida operação projetou politicamente Berlusconi, um homem de histórico de (im)probidade complicado. E, não se pode afirmar que a operação foi benéfica se a Itália continua sendo um dos países mais corruptos da Europa, só empatando com a Romênia e a Grécia.[3]

A operação policial/judicial se iniciou em 17.3.2014, tendo esse nome em razão de que o Posto da Torre, localizado no Setor Hoteleiro Sul de Brasília, ter um lava jato que era usado para lavagem de dinheiro, por intermédio de Alberto Youssef.

A Lava Jato se tornou interminável operação policial/judicial, com quase uma centena de fases para apurar uma série de crimes continuados, tratados como crimes perpetrados em concurso material.[4] Um negacionismo a tudo, inclusive à lei, leva ao que temos, Juízes Substitutos negando a teoria objetivo-formal, adotada pelo Código Penal, para rejeitar a continuidade delitiva. Mas, o fazem com o aval do STJ. Com isso, o crime continuado não merece prestígio na jurisprudência pátria e a Lava Jato o desprezou.

3. A CRISE DA OPERAÇÃO LAVA JATO

A operação não teve uma crise porque ela foi inconstante do início ao fim. Seus primeiros problemas surgiram com o desrespeito aos direitos fundamentais e com a prática do seguinte crime:

Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, promover escuta ambiental ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

O Lula afirmou que tudo não passava de pirotecnia.[5] Pior, sempre foi isso. Como Moro alertou no seu pequeno artigo que citei, sempre considerou questionável o vazamento de informações, mas útil. Isso é inquestionável na famigerada operação, a partir do Tchau, querida, divulgação havida em 16.3.2016,[6] quando eu discursava em caminhão de som falando em prol da saída da então Presidente da República. Fiquei muito envergonhado.

Naquele dia conclui: MBL (Movimento Brasil Livre) nunca mais. No entanto, o STF demorou um pouco mais a acordar.

O STF veio sofrendo pressões desde muito antes. Pior, membros do STF da pior estirpe quiseram, a qualquer custo, validar a Lava Jato. Ministro fez chicana para acreditarmos que o louvável Ministro Celso de Mello criou oportunidade incabível de embargos infringentes contra decisão dele,[7] STF, o que já sabíamos ser contrário à legalidade e ao direito do réu.

As ilegalidades foram as mais diversas possíveis. E, somente depois de mais uma decisão absurda, Lula foi colocado em liberdade.[8]

Recuso-me a citar a decisão monocrática que anulou as diversas decisões plenárias do STF, embora indique a sua fonte neste texto (nota de rodapé n. 9) porque ela subverte toda ordem jurídica. De todo modo, todas anteriores que não percebiam, por maioria, os vícios de origem criticáveis.[9] Com efeito, é do garantismo e sempre alertou o Min. Gilmar Mendes que “não se combate crime cometendo crime”. Ele lembrou os fatos trazidos na mensagem do Professor Doutor que me provocou, rebatendo-o porque um erro não justifica outro.[10]

Conclusão

Talvez o conhecimento aqui trazido seja “zero” porque um relator parcial era de conhecimento público. A “vaza jato” era outra crise criminosa de vazamento de dados sigilosos do processo.

Pior, Albert Youssef, já indigno de nova delação por desonrar a anterior, foi preso no NE por determinação de um Juiz Federal do PR, em face de crime havido em Brasília. Ninguém conseguia ver isso porque a nossa democracia caminha ao lado da polícia e de maus sistemas repressivos.

O dano moral coletivo que nunca quisemos apurar, os danos morais a Lula e outros envolvidos, hoje inocentes, em face da anulação de processos, são, talvez, maiores do que os conhecidos danos aventados por Fux na matéria que inspirou este texto.

O Brasil sempre foi e será inconsequente enquanto não tivermos efetiva concepção democrática. Por enquanto, vivemos presos ao saudosismo do péssimo momento de totalitarismo militar.

Lamentável!



[1] G1 PARÁ. Ministro Fux diz que decisões sobre casos de corrupção foram anuladas na Lava Jato, mas dinheiro desviado era real: Luiz Fux declarou que, embora as anulações formais na Lava Jato, R$ 50 milhões em malas eram verdadeiros. Belém, 10.6.2022, às 17h50. Disponível em: <https://g1.globo.com/google/amp/pa/para/noticia/2022/06/10/ministro-fux-diz-que-decisoes-sobre-casos-de-corrupcao-foram-anuladas-na-lava-jato-mas-dinheiro-desviado-era-real.ghtml>. Acesso em: 17.6.2022, às 21h44.

[2] NETTO, Vladimir. Lava Jato: o Juiz Sérgio Moro e os bastidores da operação que abalou o Brasil. Rio de Janeiro: Primeira Pessoa, 2016.

[3] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. O artigo de autoria do Juiz Federal Sérgio Fernando Moro, de 2004, sobre a Operação Mãos Limpas, “Mani Pulite”, evidenciando suas práticas na Operação Lava Jato. Brasília: Estudos Jurídicos e Filosóficos, 15.9.2015. Disponível em: <http://sidiojunior.blogspot.com/2015/09/o-artigo-de-autoria-do-juiz-federal.html>. Acesso em: 17.6.2022, às 23h22.

[4] Veja-se os arts. 71 e 69 do Código Penal:

Crime continuado

Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código.

Concurso material

Art. 69 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela.

§ 1º - Na hipótese deste artigo, quando ao agente tiver sido aplicada pena privativa de liberdade, não suspensa, por um dos crimes, para os demais será incabível a substituição de que trata o art. 44 deste Código.

§ 2º - Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais.

[5] AGÊNCIA O GLOBO. Lula chama de “pirotecnia” denúncia do MP: ex-Presidente foi denunciado pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro na Lava-Jato, 15.9.2016, às 13h51. Disponível em: <https://epocanegocios.globo.com/Brasil/noticia/2016/09/lula-chama-de-pirotecnia-denuncia-do-mp.html>. Acesso em: 17.6.2022, às 20h13.

[6] Estávamos em clima de derrubada da então Presidente da República, quando vazou o vídeo, totalmente irregular, do ex-Presidente com a então Presidente, a jogando por terra, em plena ilicitude, ato decorrente de Juiz absolutamente incompetente (In CASTRO, Fernando; NUNES, Samuel; NETTO, Vladimir. Moro derruba sigilo e divulga grampo de ligação entre Lula e Dilma: ligação foi feita às 13h32 desta quarta-feira (16). Em outra conversa, Lula diz que não iria para o governo para se proteger. 16.3.2016, às 18h38. Disponível em: <https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2016/03/pf-libera-documento-que-mostra-ligacao-entre-lula-e-dilma.html>. Acesso em: 17.6.2022, às 20h22.

[7] Em voto polido e muito bem fundamentado, o Ministro, em 18.9.2013, demonstrou o total cabimento dos embargos infringentes em favor de réus que, em ação criminal originária no STF, são condenados por maioria. (STF. Tribunal Pleno. Ação Penal n. 470-MG. Min. Celso de Mello. 18.9.2013. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/arquivos/2013/9/voto-celsomello-infringentes.pdf>. Acesso em 17.6.2022, às 20h42.

[8] STF. Tribunal pleno. Ag. Reg. No HC 193.726. Min. Edson Fachin, 14.4.2021. Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1273296176/agreg-no-agreg-no-habeas-corpus-hc-193726-pr/inteiro-teor-1273296181>. Acesso em: 17.6.2022, às 20h54.

[9] Era triste ver um grupo, formado precipuamente por Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Carmem Lúcia e Edson Fachin (e outros ex-Ministros), não perceberem os diversos vícios processuais, especialmente, que o crime não pode ser combatido mediante a prática de novos crimes

[10] CARTA EXPRESSA. Gilmar rebate Fux sobre Lava Jato: “não se combate crime cometendo crime: ninguém discute se houve, ou não, corrupção. O que se cobra é que isso seja feito seguindo o devido processo legal”. Disse o Ministro. Carta Capital, 13.6.2022, às 18h27. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/gilmar-rebate-fux-sobre-lava-jato-nao-se-combate-crime-cometendo-crime/>. Acesso em: 17.6.2022, às 21h20.

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