quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Quando o "anormal" se transforma em "normal"?

Já escrevi alhures que a palavra normal tem o sentido de régua, de regra, de medida etc. É normal quem está vivendo dentro de determinada medida, dentro de determinado padrão  (vide: http://jus.com.br/revista/texto/3645/caso-pedrinho-algumas-consideracoes-oportunas). Ocorre que o cotidiano, já dizia Heidegger, torna o homem preguiçoso e incapaz de pensar. Desse modo, o homem normal é aquele Jeca Tatu da concepção originária de Monteiro Lobato, ou seja, um imprestável. Ele é levado pelas ondas de uma sociedade complexa, que estabelece a sua moral de forma metafísica (leia-se sobre como os costumes se estabelecem, em Kant - na sua Crítica da Metafísica dos Costumes -, apesar de que não ser boa a sua proposta, desenvolvida no sentido de que a moral deve ser estabelecida pelo devir).

O tempo é uma medida, uma régua, um padrão etc. criado pelo homem. Portanto, estabelecer um prazo de normalidade é tão metafísico quanto à sua imprecisão. Desse modo, é difícil estabelecer o momento em que o anormal se transforma em normal sem se socorrer de padrões de normalidade metafisicamente convencionados.

Cheguei para trabalhar hoje e vi que usaram o computador que utilizo (isso no prédio da Reitoria da Universidade de Brasília). Nele estava aberto um texto que tratava de Freud, um anormal que admiro. Imediatamente pensei no livro de Stefan Klein, intitulado Como o acaso comanda as nossas vidas, e resolvi postar o presente texto.

Eu não poderia perder a oportunidade porque só poderia saber se ela seria boa ou ruim depois que passasse e o autor nupercitado explica que cabe a nós escolher as oportunidades que o acaso coloca diante de nós. É evidente que essa visão tem uma carga de normalidade, eis que não despreza o livre arbítrio do judaísmo, incorporado pelo cristianismo e, depois, pelo islamismo, mas - mesmo eu (uma pessoa anormal) - o incorporo parcialmente.

No texto que estava em meu computador, intitulado Origem dos problemas psicológicos (provavelmente retirado de <http://www.alexeieduardovieira.com.br/index.php?pr=Origem_dos_problemas_psicol%F3gicos> para ser utilizado em uma normalidade patética da técnica "copia" e "cola" dos trabalhos estudantis) há um tópico intitulado O conceito de normalidade equivocado de Freud.

Acessei a rede mundial de computadores e na tela inicial verifiquei uma chamada que me prendeu a atenção, intitulada Pessoas que vivem sem sexo afirmam que escolha é sinônimo de paz e felicidade. É um texto de fundamentação frágil, escrito por Marcelo Duarte Jatobá (vide: http://estilo.uol.com.br/comportamento/ultimas-noticias/2011/11/08/pessoas-que-vivem-sem-sexo-afirmam-que-escolha-e-sinonimo-de-paz-e-felicidade.htm).

Digo que o texto é fraco porque se baseia unicamente na experiência de três pessoas (amostragem insuficiente) e opinião de  tão-somente uma Psicóloga. Esta foi muito bem ao afirmar que a felicidade é relativa e que a abstinência total do sexo, quando fundamentada na experiência de "relacionamentos malsucedidos", é um problema. No entanto, digo que a abstenção total daquilo que é próprio da natureza animal é anormal.

Não é normal enfrentar todos os problemas de frente. Devemos fugir de muitos deles, ainda que seja buscando soluções metafísicas, como é a esperança de que um deus venha a solucioná-los. Porém, uma prática discursiva inconsistente como é a que verificamos nos meios de comunicação com grande penetração e influência na sociedade complexa, certamente transforma o anormal em normal.

Em nome da democracia, aceitamos a ditadura da maioria (lembre-se de como são decididas as hipóteses nas escolas). Aliás, até mesmo a liberdade de expressão é combatida em nome da mesma liberdade. Mas todo direito fundamental (este concebido como aquele protegido pela Carta Magna de um Estado) é relativo (leia-se nesse sentido Robert Alexy e o seu discípulo Virgílio Afonso da Silva).

A anormalidade se transformará em normalidade no dia em que, mesmo que seja uma prática estapafúrdia, atender aos fins da maioria. Para finalizar, devo dizer que discordo do texto que encontrei no meu computador (anteriormente citado) porque a sua conclusão exprime:

A doença neurótica existe por causa da ignorância que a pessoa possui e porque a pessoa faz uma auto-análise errada, ou seja, não reflete sobre si mesma de uma forma correta. É possível, no entanto, com o tempo, adquirir conhecimentos mais verdadeiros e assim adquirir um conhecimento verdadeiro sobre si mesmo. Uma boa auto-análise, na verdade, demora muito tempo, é algo que se constrói, que se obtém no transcorrer de vários anos. Na verdade, o ideal é que a pessoa sempre reflita sobre si mesma, sobre as próprias ações e as dos outros, e sobre o sentido destas ações. Esta reflexão contínua garantiria um grande bem-estar para a pessoa, se a auto-análise for bem feita.

Há muito tempo que a minha opção pela relatividade me fez migrar da dicotomia certo-errado para bom-ruim. Também, a verdade é tão relativa quanto a qualquer pessoa. Até mesmo na Bíblia iremos encontrar a dificuldade para estabelecer um padrão de verdade, pois Cristo quando perguntado sobre a mesma respondeu: "Eu sou... a verdade e...".

Posso afirmar apenas que nenhuma normalidade pode ser boa se contrariar plenamente a nossa natureza. Por isso digo: (a) nascemos para externar ideias, razão pela qual (quando colocadas em tese) elas podem ser discutidas, mas não proíbidas; (b) somos naturalmente onívoros, portanto, será anormal ser vergetariano ou carnívoro; (c) somos sociais, o que torna anormal a clausura etc. Também, devemos tomar cuidado para não nos deixarmos levar por discursos dominantes e com isso, inconscientemente, transformarmos o anormal em normal.

Um comentário:

Rubenita disse...

Já estive por aqui antes, fiz um comentário e não deu certo a finalização. Vamos ver se agora dá certo. É muito perigoso o rumo que o "Assim caminha a humanidade" está tomando. A verdade é relativa, o normal também e, como estamos e somos frutos de um País dito laico, temos o privilégio de expressarmos e pensarmos "normalmente", só precisamos cuidar para que o anormal não se torne normal e vice-versa.