terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Prescrição da pretensão sancionatória administrativa não pode ser declarada antecipadamente, sem o decurso de 5 anos

Segue uma minuta de informações em mandado que elaborei. Espero que seja assinada porque exponho nela aquilo que realmente defendo. Veja-se:


AO JUÍZO DA XXXª VARA FEDERAL CÍVEL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL

Mandado de Segurança n. xxx

Impetrante: xxx

MÁRCIA ABRAHÃO MOURA, brasileira, maior, capaz, Presidente da Fundação Universidade de Brasília e Reitora da Universidade de Brasília, com endereço profissional localizado no Prédio da Reitoria, situado no Campus Universitário Darcy Ribeiro, em Brasília-DF, vem à presença desse douto juízo para apresentar

INFORMAÇÕES

em face do mandado de segurança em epígrafe, esclarecendo inexistir qualquer direito líquido e certo a ser tutelado na via mandamental, pois o impetrante não demonstra qualquer ilegalidade ou abuso de poder por parte da administração pública, visto que se insurge contra instauração de processo administrativo disciplinar, olvidando-se que a administração tem o poder-dever de apurar as infrações disciplinares que chegarem ao seu conhecimento.

Síntese do procedimento

2. A petição inicial, protocolada em xxx, na qual o impetrante sustenta que a administração pública tomou conhecimento da potencial infração no dia 4.4.2023. Tenta provar a prescrição da pretensão punitiva estatal sustentando prazo prescricional de 180 dias, sem que exista julgamento da autoridade impetrada. Então, pediu judicialmente:

Por todo o exposto, requer-se o conhecimento do presente writ constitucional e, liminarmente, inaudita altera pars, A SUSPENSÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR N° 23106.042041/2023-95 e, no mérito, A CONCESSÃO DA SEGURANÇA PLEITEADA PARA RECONHECER A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA, arquivando-se o PAD anteriormente numerado.

Por fim, requer-se que todas as comunicações atinentes sejam direcionados aos causídicos que subscrevem a presente petição, através dos e-mails (i) xxx@gmail.com e (ii) yyy@gmail.com, para acompanhamento. (id. xxx).

3. Foi certificada negativamente a prevenção no mesmo dia xxx (id. xxx). Então, em xxx, esse douto juízo determinou a emenda da petição inicial, em relação ao valor da causa (id. xxx).

4. Intimado, em xxx, na mesma data e em xxx, o impetrante emendou a petição inicial (respectivamente, id. xxx e xxx). No dia xxx esse douto juízo escorreitamente decidiu:

A Lei 12.016/2009, em seu artigo 7º, III, exige, para a concessão da liminar em mandado de segurança, a presença simultânea de dois requisitos, a saber:

a) a existência de plausibilidade jurídica (fumus boni iuris); e

b) a possibilidade de lesão irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora).

O segundo requisito está ausente, uma vez que a tramitação do Processo Administrativo Disciplinar até decisão final do processo, após manifestação da autoridade apontada como coatora, não traria danos irreversíveis ao impetrante.

Por outro lado, seria precipitado reconhecer a existência de prescrição sem sequer permitir à autoridade coatora manifestar-se sobre a alegação.

Ante o exposto, indefiro a liminar.

Intime-se a autoridade apontada como coatora para que preste informações no prazo legal de 10 dias (art. 7º, I, da Lei 12.016/2009).

Dê-se ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, para que, querendo, ingresse no feito (art. 7º, II, da Lei 12.016/2009).

Decorrido o prazo para informações, colha-se o parecer do Ministério Público Federal (art. 12 da Lei 12.016/2009).

Ao final, venham-me os autos conclusos para sentença. (id. xxx)

5. Por fim, em xxx, foi certificada a notificação e a intimação da autoridade impetrada (id. xxx).

Razões para manutenção do indeferimento da liminar e, em definitivo, a denegação da segurança

6. O processo administrativo disciplinar foi instaurado pelo Ato da Reitoria n. xxx, de xxx, publicado no Boletim de Atos Oficiais da UnB, de xxx (SEI, id. xxx).

7. A íntegra do processo administrativo é apresentada juntamente com as presentes informações, o que torna possível a visualização de cada documento em anexo.

8. Na p. 11 da petição inicial (id. xxx), o impetrante insiste em sustentar má-fé da comissão processante -valendo-se até de suposta negação à existência de documento até 23.11.2023, olvidando-se que o documento pode ter sido inserido no SEI no dia 21.11.2023 e ter sido certificado digitalmente no dia seguinte, ficando tudo registrado, sem que se possa falar em má-fé. Apenas pretende tumultuar, valendo-se de uma só vez, de vários estratagemas para vencer o debate sem precisar ter razão, pois o ponto central é: não se pode definir o prazo prescricional antes do julgamento porque infrações conexas podem ser inseridas no processo administrativo e toda conclusão precipitada representará prejulgamento.[1]

9. Não se nega que a prescrição da pretensão punitiva da administração pública em matéria disciplinar é matéria de ordem pública, a qual deverá ser declarada de ofício pela Administração, sendo que a Lei n. 8.112, de 11.12.1990, dispõe:

Art. 112. A prescrição é de ordem pública, não podendo ser relevada pela Administração.

10. As sanções administrativas e criminais poderão ser cumuladas, no que tange aos servidores públicos regidos pelo regime jurídico único (Lei n. 8.112/1990, art. 125). Aliás, como regra geral, as sanções administrativas não prejudicam a aplicação da pena pelo juiz criminal e vice-versa. De outro modo, os prazos prescricionais constantes da Lei n. 8.112/1990 não são absolutamente rígidos, pois a lei prevê a aplicação dos prazos previstos na lei penal para as infrações administrativas. Os prazos encontram-se assim regulados:

Art. 142. A ação disciplinar prescreverá:

I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão;

II - em 2 (dois) anos, quanto à suspensão;

III - em 180 (cento e oitenta) dias, quanto à advertência.

§ 1o. O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido.

§ 2o. Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime.

§ 3o. A abertura da sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente.

§ 4o. Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção”.

11. O artigo transcrito “prevê os prazos de prescrição, contra a Administração”.[2] Com efeito o prazo prescricional previsto retira da administração o direito de iniciar a ação disciplinar contra os seus servidores, os quais poderão ser diferentes, quando as infrações administrativas também forem capituladas como crimes, já o dissemos.[3] Assim, sem julgamento da informante é impossível determinar o prazo da prescrição, até porque não houve processo administrativo sobre o crivo do contraditório.

12. A lei preceitua que a prescrição se interrompe na data da instauração da sindicância ou do processo disciplinar. Também, prevê que o lapso prescricional não corre durante o prazo do processo até a decisão final. Aqui, tacitamente, o foi criada uma causa suspensiva da prescrição, ou seja, ao ser interrompida, a prescrição fica parada, dormindo, enquanto persistir o motivo que impede o seu curso. Essa matéria foi pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça.[4] Com isso, sem ter decorrido 5 anos, desde a data do conhecimento dos fatos pela autoridade impetrada, é precipitado falar em prescrição, uma vez que, fundamentadamente, a autoridade julgadora pode discordar do relatório conclusivo da decisão da comissão processante. Nesse sentido:

Art. 168. O julgamento acatará o relatório da comissão, salvo quando contrário às provas dos autos.

Parágrafo único. Quando o relatório da comissão contrariar as provas dos autos, a autoridade julgadora poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta, abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade.

13. Veja-se que sequer há relatório de comissão de processo administrativo disciplinar em sentido estrito e sim de sindicância investigativa. Assim, é inconcebível falar em uma sanção máxima possível, a determinar previamente o lapso prescricional.

14. O impetrante utiliza a palavra estrangeira lawfare para imputar a prática de uso do Direito para substituir o arbítrio de forças militares tradicionais pelo Direito.[5] No entanto, na visão do Ministro Zanin, é uma estratégia do uso do Direito como arma política. No caso vertente, não há qualquer cunho político ou militar e sim a busca de apurar fatos violadores da disciplina administrativa e da moralidade pública, os quais são potencialmente graves.

15. A decisão de instauração do processo administrativo disciplinar foi precedida de fundamentada manifestação da Procuradoria Federal junto à Fundação Universidade de Brasília (PARECER n. xxx/yyy/CONS/PFFUB/PGF/AGU), portanto, fundamentada, na medida em que acolheu os fundamentos lançados no parecer que orientou a decisão que não acolheu o parecer da comissão sindicante. Ademais, prazo prescricional é análise jurídica, não meramente factual.

Pedido

Ante o exposto, sequer há plausividade no pedido, razão de requerer a manutenção do indeferimento da liminar pleiteada e, ao final, a denegação da segurança.

Termos em que

pede e espera deferimento.

Brasília-DF, xx de dezembro de xxx

MÁRCIA ABRAHÃO MOURA

Reitora da UnB


[1] SCHOPENHAUER, Arthur (1788-1860). 38 estratégias para vencer qualquer debate: a arte de ter razão. São Paulo: Faro Editorial, 2014. passim. Veja-se alguns estratagemas que podem ser vislumbrados: 3º (confunda a argumentação), 8º (desestabilize o oponente), 10º (use a Psicologia da negação), 17º (faça uso da dupla interpretação), 19º (desfoque, depois encontre uma brecha), 23º (provoque o oponente), 24º (torne a alegação do outro inconsistente), 26º (reforce um aspecto no oponente , depois destrua o seu valor), 29º não se importe em fugir do assunto se estiver a ponto de perder), 31º (complique o discurso do de seu oponente); 32º (“cole” um sentido ruim na alegação do outro), 33º (encontre e explore o ponto fraco) e 37º (destrua a tese boa pela prova frágil).

[2] RIGOLIN, Ivan Barbosa. Comentários ao Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 241.

[3] Os prazos prescricionais penais estão insertos no art. 109 do CP, fazendo-se mister a lembrança de que determinadas pessoas são beneficiadas pela redução do quantum de metade (CP, art. 115).

[4] STJ. Súmula n. 635:

Os prazos prescricionais previstos no art. 142 da Lei n. 8.112/1990 iniciam-se na data em que a autoridade competente para a abertura do procedimento administrativo toma conhecimento do fato, interrompem-se com o primeiro ato de instauração válido - sindicância de caráter punitivo ou processo disciplinar - e voltam a fluir por inteiro, após decorridos 140 dias desde a interrupção.

Disponível em: <https://scon.stj.jus.br/SCON/sumstj/doc.jsp?livre=%22635%22.num.&b=SUMU&p=false&l=10&i=1&operador=E&ordenacao=-@NUM>. Acesso em: 11.12.2023, às 21h10.

[5] Aqui cabe inserir outros estratagemas para se vencer um debate sem precisar ter razão, além dos mencionados na nota 1: 31º (complique o discurso de seu oponente) e 36º (confunda e assuste o oponente com palavras complicadas).


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