domingo, 17 de dezembro de 2023

A antecipação dos efeitos da tutela recursal, em regra, perde os seus efeitos com a sentença de mérito

A minha especialização é jurídico-criminal. Mas, no exercício do meu cargo tenho que enfrentar outras demandas jurídicas, sendo recorrentes os mandados de segurança, especialmente de dependentes de militares, visando a transferência obrigatória para a Universidade de Brasília (UnB).

Grande parte dos pedidos buscam a tutela judicial para a imoralidade, visto que – especialmente no governo 2018-2022 – muitos Oficiais das Forças Armadas eram transferidos, parece, apenas para favorecer o ingresso de algum dependente em Cursos de Medicina nas Universidades Públicas Brasileiras, com enfoque especial na UnB.

Já enfrentei situação concreta, em que o Oficial Superior da Força Aérea Brasileira foi transferido para cidade paraguaia limítrofe o Brasil, seu filho conseguiu vaga de cortesia para ingressar em universidade pública ali, podendo residir no Brasil, e após 2 anos regressou ex officio para Brasília. Obviamente, por não haver congeneridade na forma de ingresso, o pedido administrativo foi indeferido. Então, ele ingressou com mandado de segurança.

Noutra situação, Oficial foi transferido para a China. Ali, sua filha ingressou no curso de Pré-Medicina, mediante seleção simplificada. 18 meses depois, retornou ex officio para Brasília. Novamente, por não haver congeneridade na forma de ingresso e não haver matrícula no Curso de Medicina, o pedido administrativo foi indeferido.

Nas 2 situações mencionadas, o juízo de origem indeferiu os pedidos de liminares. No entanto, o TRF1 concedeu as antecipações dos efeitos das tutelas recursais requeridas, determinando as matrículas dos recorrentes.

Temos que ter cuidado para não favorecer condutas imorais pela concretização de situação que imponha o reconhecimento da teoria do fato consumado,[1] isso a fim de que o processo não se torne instrumento para a consolidação de posturas imorais.

No caso da dependente de militar que foi à China e impetrou mandado de segurança no ano de 2020, anteontem, recebi a informação  de que a segurança foi denegada em sentença de mérito. Eis aí a situação, caso ela termine o curso, será aplicada a teoria do fato consumado. Assim, emerge a pergunta:

– poderíamos determinar o desligamento da aluna do curso?

Ao meu entender, a resposta é positiva. Isso porque o Superior Tribunal de Justiça entende:

EMENTA: AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DECISÃO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. DISCUSSÃO ACERCA DA RELAÇÃO JURÍDICA TRAVADA ENTRE AS CORRÉS NA AÇÃO ORIGINÁRIA. QUESTÃO DECIDIDA NA SENTENÇA PROLATADA ANTES DO JULGAMENTO DAQUELE AGRAVO. ACÓRDÃO EMBARGADO DA TERCEIRA TURMA QUE DECIDIU PELA PERDA DE OBJETO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MÉRITO DA CONTROVÉRSIA DECIDIDO EM OUTRO RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO CONTRA ACÓRDÃO DA APELAÇÃO, O QUAL DEFERIU EFEITO SUSPENSIVO, VEDANDO O LEVANTAMENTO DE VALORES DEPOSITADOS EM JUÍZO E O REPASSE DE QUAISQUER PAGAMENTOS À FUNDAÇÃO ORA EMBARGANTE ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESSEMELHANÇA DO CASO COM AQUELOUTROS TRATADOS NOS PARADIGMAS. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL INEXISTENTE. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA LIMINARMENTE INDEFERIDOS. REITERAÇÃO DAS ALEGAÇÕES. INSUBSISTÊNCIA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

1. Os embargos de divergência - recurso de fundamentação vinculada e de cognição restrita - têm como fim precípuo uniformizar a jurisprudência do Tribunal, não se prestam a mero rejulgamento da causa pela Corte Especial, como fosse via recursal ordinária interna. É requisito elementar de admissibilidade do recurso haver soluções jurídicas diversas a partir da análise de casos fático-processuais semelhantes, o que deve ser demonstrado com o cotejo analítico entre os julgados comparados, consoante disposto no art. 1.043, § 4º, do Código de Processo Civil e do art. 266, caput, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.

2. "A falta de similitude fático-jurídica entre o acórdão embargado e o apresentado como paradigma obsta a admissão do recurso de embargos de divergência, pois tem-se por não cumpridos os arts. 1.043, § 4º, do CPC e 266, § 4º, do RI/STJ" (AgInt nos EDcl nos EAREsp 1337814/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, CORTE ESPECIAL, julgado em 22/03/2022, DJe 24/03/2022).

3. Nos presentes autos, sem arranhar o entendimento sufragado nos paradigmas, o acórdão embargado, ao dar provimento ao recurso especial da PETROBRAS, decidiu pela perda de objeto do agravo de instrumento exatamente em razão da superveniência de sentença de mérito na origem, anterior à prolação do acórdão recorrido. Assim, o entendimento esposado pelo acórdão embargado, dada as peculiaridades do caso, ao contrário de divergir da jurisprudência citada, ratifica a tese de prevalência da decisão de mérito sobre a tomada em caráter cautelar.

4. Agravo interno desprovido.[2] (grifei)

Com Araken de Assis, não digo que sempre o recurso de agravo de instrumento estará prejudicado, visto que tal recurso poderá ser julgado na mesma sessão de julgamento da apelação (CPC, art. 946, parágrafo único),[3] no entanto, a prevalência da sentença de mérito autorizará ao tribunal, ao julgar o agravo considerá-lo prejudicado, visto que, em casos que não se sustenta qualquer preliminar de incompetência ou outro vício que poderá anular a sentença, efetivamente, a sentença de mérito prejudicará o agravo. O mesmo se dará se o juízo a quo decidir em sentença reconhecendo preliminar arguida em sede de agravo de instrumento.

Para não cansar o leitor concluo o presente artigo sem me estender e desejando que prevaleça a moralidade e a isonomia em tais casos, evitando-se a aplicação da teoria do fato consumado.



[1] BRASIL. STJ. 2ª Turma. REsp 709.934/RJ (2004/0175944-8). Min. Humberto Martins. Julgamento, em 21.6.2007. Disponível em: <chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=200401759448&dt_publicacao=29/06/2007>. Acesso em: 17.12.2023, às 10h30:

EMENTA: ADMINISTRATIVO. DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. MATÉRIA AFETA AO STF. MILITAR. TRANSFERÊNCIA EX OFFICIO. ENSINO SUPERIOR. MATRÍCULA DE DEPENDENTE. CONGENERIDADE. DECURSO DE 6 ANOS DA CONCESSÃO DA SEGURANÇA. APLICAÇÃO DA TEORIA DO FATO CONSUMADO.

1. A apreciação de suposta ofensa a preceitos constitucionais não é possível na via especial, nem à guisa de prequestionamento; porquanto matéria reservada, pela Carta Magna, ao Supremo Tribunal Federal.

2. É assegurado o direito à transferência obrigatória de servidor militar estudante e de seus dependentes quando ele tenha sido removido ex officio e no interesse da Administração Pública, desde que a instituição de ensino seja congênere à de origem; ou seja, de pública para pública ou de privada para privada, caso dos autos.

3. Entretanto, na hipótese dos autos, verifica-se que, entre a sentença que concedeu a segurança tornando possível a matrícula da ora recorrida na UFRJ e a presente data, decorreram aproximadamente seis anos.

4. Impõe-se, no caso, a aplicação da Teoria do Fato Consumado, segundo a qual as situações jurídicas consolidadas pelo decurso do tempo, amparadas por decisão judicial, não devem ser desconstituídas, em razão do princípio da segurança jurídica e da estabilidade das relações sociais.

Recurso especial conhecido em parte e improvido. (grifei)

[2] BRASIL. STJ. AgInt nos Eresp 1971910/RJ e AgInt nos EDREsp 2019/0159243-6. Corte Especial. Min. Laurita Vaz. Julgamento, em 22.8.2023. Disponível em: <chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201901592436&dt_publicacao=30/08/2023>. Acesso em: 15.11.2023, às 14h50.

[3] ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. São Paulo; Revista dos Tribunais, 2016. p. 658.

Nenhum comentário: