segunda-feira, 9 de agosto de 2021

O DESALENTO DE AFRÂNIO SILVA JARDIM ANTE O OBSCURANTISMO

Já tive oportunidade de dizer pessoalmente a Afrânio Silva Jardim, quando lhe entreguei um livro da minha autoria, que o considero o maior processualista, em matéria criminal.

Ele tem histórico acadêmico ovacionado por muitas turmas de alunos. É deveras respeitado no meio jurídico. Mas, há algum tempo que ele vem manifestando estar desgostoso com os rumos que a política e o sistema de justiça vêm seguindo.

Hoje, transcrevo um texto que ele disponibilizou em uma rede social e depois farei alguns comentários porque já comentei anteriormente sobre alguns aspectos, no mesmo sentido. É bom quando verificamos pessoas com perspectivas que se aproximam das nossas.

Segue o texto:

O OBSCURANTISMO ESTÁ NOS DESTRUINDO. NÃO HÁ SALVAÇÃO NESTE MODELO DE SOCIEDADE !!!

Começo asseverando que o conhecimento e a cultura estão fora de moda. Raciocínio lógico está fora de moda. Ciência está fora de moda. O moderno é “ter fé”, vale dizer, acreditar no que dizem alguns espertalhões, sem qualquer prova.

Muito estranho, mas é verdade: estou me sentindo uma espécie de "estrangeiro" onde nasci e sempre vivi.

Esta inadaptação pode resultar um pouco da minha idade. O velho não tem muita paciência e se torna muito exigente com as coisas em geral.

O fato é que não gosto da nossa imprensa empresarial; não mais gosto do que faz o nosso sistema de justiça criminal; detesto a maioria dos governantes; nunca gostei do nosso modelo de sociedade, injusto, capitalista, desigual, individualista e hipócrita; estou decepcionado com o nosso povo que escolheu, para Presidente da República, uma pessoa ignorante e asquerosa (adepta da tortura e do extermínio de seus adversários).

Acho que estou assistindo à derrocada de quase todos os valores que sempre estiveram presentes em minha vida, pelos quais sempre lutei.

Enfim, não gostaria de terminar a minha existência no seio de uma sociedade tão ruim como esta.

Não posso deixar de registrar o meu desencanto com a "comunidade jurídica", onde me realizei profissionalmente. Explico.

Salvo as sempre existentes exceções, os juristas de meu país estão absolutamente omissos diante da chegada de algo muito parecido com o fascismo.

Muitos a tudo se submetem, por opção ideológica mesmo, outros por mero oportunismo e carreirismo. A maioria dos advogados não quer comprometer sua atividade profissional e continua a bajular ministros e desembargadores ou poupa de críticas as mazelas do nosso Poder Judiciário.

A maior parte da juventude, mormente os estudantes, está alienada e só pensa em seus interesses mais imediatos. Viciados em tecnologia, as novas gerações se afastam, cada vez mais, da cultura, do conhecimento científico, das lutas sociais e do conhecimento histórico. Justiça social não é, nem de longe, uma de suas principais preocupações. Para este jovens, mais importante é trocar o celular por um de última geração... Os outros ... são os outros ...

Nos atuais dias, poucos se preocupam com a dor alheia, poucos se preocupam com o sofrimento dos outros.

Hedonismo e individualismo estão cada vez mais predominando em nossa sociedade, competitiva e alienante.

Uma sociedade que pouco se incomoda com a morte de mais de quinhentos e sessenta mil pessoas é uma sociedade que “não deu certo”. Notem que muitas destas mortes seriam evitáveis ... Trata-se de uma tragédia dolorosa demais para ser tão facilmente tolerada. Estamos doentes em todos os sentidos ...

A minha derradeira esperança, para mudar todo este deletério estado de coisas, era a rebeldia dos jovens, que pouco teriam a conservar. Decepção. Dentre eles, não é muito fácil encontrar uma consciência verdadeiramente crítica.

Nos dias de hoje, muitos jovens são levados, facilmente, pelos modismos criados pelos projetos empresariais, muitos destes projetos comerciais são concebidos no estrangeiro. As crianças estão robotizadas pela gananciosa propaganda, sob os olhares complacentes de seus pais infantilizados.

Seria infindável a minha "choradeira". Mas quero terminar lamentando o crescente fundamentalismo religioso que, indevidamente misturado com a política, cria condições para uma sociedade obscura, conservadora e inimiga da cultura e do conhecimento científico. A razão perde espaço para as crendices. A lógica perde espaço para o raciocínio de difícil entendimento.

Mais uma vez confesso que não sei o que fazer. Entretanto, sei que não posso deixar de fazer alguma coisa.

Na verdade, estou achando que aqui não é o meu lugar. Parentes, alguns poucos amigos e vocês, leitores desta página, ainda me dão alguma esperança de eu poder fazer alguma coisa útil neste ambiente tão hostil.

De qualquer forma, ainda tenho esperança de que meus netos possam viver em uma sociedade menos ruim. Vamos continuar lutando para que isso aconteça ...

Como disse em mensagem anterior, parodiando uma linda música de Victor Heredia, ouso dizer que ainda sinto “estar vivo entre tantos mortos". Enquanto continuar achando que realmente a vida vale a pena, vou continuar tentando ressuscitar alguns destes zumbis ...[1]

Logo de início quando ele afirma que “o conhecimento e a cultura estão fora de moda”, faz-me recordar que Friedrich Nietzsche (1844-1900) já dizia que a Alemanha da sua época era assim, não buscava o conhecimento. Aliás, a preguiça humana para a busca do conhecimento, foi reafirmada por Martin Heidegger (1889-1976):

A vida cotidiana faz do homem um ser preguiçoso e cansado de si próprio, que, acovardado diante das pressões sociais, acaba preferindo vegetar na banalidade e no anonimato, pensando e vivendo por meio de ideias e sentimentos acabados e inalteráveis, como ente exilado de si mesmo e do ser”.[2]

Hoje, conforme Afrânio S. Jardim afirma, é mais fácil se deixar levar e valorizar equipamentos eletrônicos. Ficamos vazios e pouco fazemos para ajudar os outros. Nesse ponto, procuro ser um diferencial, visto que procuro sempre estar ajudando pessoas. Exerço advocacia privada exclusivamente pro bono, enfrentando muitos dissabores para tanto.

Ainda bem que ele lembrou que existem exceções que não vivem a bajular Juízes. Eu já enfrentei processo criminal porque apelei em favor de um réu absolvido, mas que – ao meu entender – teve prisão abusiva desde o momento em que ficou provada a sua inocência. Tal ação criminal, promovida pelo MPDFT foi extinta pelo TJDFT, em sede de habeas corpus:

CALÚNIA E INJÚRIA EM ALEGAÇÕES FEITA POR ADVOGADO EM RECURSO. INEXISTÊNCIA DE DOLO. JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL.

1. Não há crimes de calúnia e injúria se as alegações, conquanto impróprias e excessivas, foram feitas pelo advogado, no exercício da defesa de seu constituinte, mas sem o animus de caluniar e ofender a honra de magistrado.

2. Inexistente o animus de ofender, atípica a conduta, não crime, caso em que será a denúncia rejeitada por falta de justa causa.

3. Ordem concedida. (TJDFT. 2ª Turma Criminal. Habeas Corpus n. 0700791-29.2018.8.07.0000. Relator Jair Soares. Julgamento em 22.2.2018. Disponível em: <https://pesquisajuris.tjdft.jus.br/IndexadorAcordaos-web/sistj>. Acesso em: 17.9.2020, às 12h23)

O hedonismo, enquanto filosofia de vida de um prazer desmedido e constante, certamente leva ao fracasso. Mas, concordo com Afrânio Silva Jardim, no sentido de que essa filosofia está presente na sociedade do momento.

Não escreverei muito e, tendo 54 anos de idade – no próximo dia 14 terei 55 anos -, vejo com tristeza e alegria o desalento de alguém que é um pouco mais velho do que eu porque AFRÂNIO SILVA JARDIM AINDA CONSIDERA QUE A VIDA VALE A PENA e continua a tentar “ressuscitar alguns destes zumbis”.



[1] Disponível em: <https://www.facebook.com/afraniojardim/posts/371660564322524>. Publicado em: 9.8.2021. Acesso em: 9.8.2021, às 21h27.

[2] Conf. CHAUÍ, Marilena de Souza. Vida e obra. HEIDEGGER, Martin. Os pensadores: Heidegger. São Paulo: Nova Cultural, 1995. p. 8.

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