domingo, 22 de agosto de 2021

Doação de sangue e felicidade

Iniciei as doações de sangue no ano de 1987, quando houve uma convocação de alunos da Escola de Formação de Oficiais da Academia Policial Militar do Guatupê, ali eu era Cadete primeiroanista. Desde lá, vinha doando 1 vez por ano.

À época, tinha 20 anos, tendo doado até os 28 anos de idade. Mas, em 3.12.1994, sofri um grave acidente. Então, tive que suspender as doações, visto que recebi sangue e entrei em quarentena de 5 anos. Mas, descobriram que houve um elevado índice de erros na testagem de HIV nos sangues disponíveis para doação. Por isso, a quarentena foi elevada para 10 anos – hoje a quarentena é de 1 ano.[1] Assim, só voltei a doar sangue em 2005, quando tinha 38 anos de idade.

Ao retornar, passei a doar sangue 2 vezes por ano. No entanto, o Hemocentro do Governo do Distrito Federal é complicado e, como encontrei entraves bobos nas 2 últimas vezes em que fui ali, passei a doar na Hemoclínica e no Hemocentro São Lucas. Com a pandemia, passei a doar, a partir de 2020, 4 vezes aos anos.

Doei sangue em Jun2021 e o Hemocentro São Lucas me telefonou, em 16.8.2021, pedindo para doar novamente. Como alterno entre as 2 instituições, informei que a próxima seria da Hemoclínica, o que se concretizou ontem, 21.8.2021.

Doar sangue tem tudo a ver com a felicidade. Com André Conte-Sponville (nascido em 12.3.1952), entendo que a felicidade tem que ser para hoje, não para a semana seguinte ou para a vida seguinte.[2] Jogo regularmente na quina e na mega sena, mas não adio a felicidade para quando for premiado.

Não tenho fé no Deus bíblico porque não tenho a Bíblia como livro sagrado. A história das religiões abraâmicas está a demonstrar inúmeros equívocos, desde o homem ter sido feito à imagem e semelhança (Gênesis 1:26). Aliás, nesse sentido, sempre recomendo um vídeo de Mário Sérgio Cortella, disponível no Youtube, o qual evidencia a incoerência de pensar que o universo foi criado para a humanidade ou especialmente para cada um de nós.[3] Assim, não adio a felicidade para uma suposta vida seguinte, até porque penso ser infeliz a certeza de uma vida eterna, não desejando ir aos céus por melhores que eles sejam.

Assim como Conte-Sponville, desejo a felicidade para agora, desesperadamente, conseguindo isso em bom nível dela. No entanto, Harari (nascido em 24.2.1976) ensina que o prazer é químico, com o que concordo. Por isso, não pretendo viver sempre feliz. Com efeito, Harari nos mostra que o mal do momento é o psiquiátrico/psicológico que nos deprime. As pessoas estão se drogando em busca da felicidade. Mas, embora busquemos uma felicidade permanente, para todo o sempre, ela parece quase impossível.[4]

Não temos um dom para a felicidade, ela precisa ser conquistada. A conquista da felicidade, segundo Bertrand Russell (nascido em 24.2.1976), esbarra em causas de infelicidade variáveis, enumerando algumas delas, a saber: (a) infelicidade byroniana, pela qual é virtuoso ser infeliz; (b) o espírito de competição, pelo qual a luta pela vida é a luta pelo êxito, gerando a necessidade de sucesso financeiro; (c) o aborrecimento e a agitação, sendo o primeiro um desejo frustrado de aventuras, o tédio, a apatia etc. Já a agitação é o oposto do aborrecimento, sendo esgotante e exigindo estimulantes;[5] (d) a fatiga, Russell apresenta interessante percepção do momento da publicação do livro, década de 1930, em que, em todos os níveis sociais e diversas atividades, levavam às ocupações excessivas, problema que continua atual e até se intensifica; (e) a inveja, uma das maiores causas da infelicidade ao longos dos anos, visto que a pessoa não se vê, observando apenas o sucesso alheio; (f) o sentimento de culpa é sim uma das maiores causas da infelicidade por tornarem momentos maravilhosos em momentos de tristes remorsos, assemelhando-se ao sentimento do pecado; (g) a mania de perseguição evidencia uma fraqueza da pessoa, que vê em si um defeito de outrem; (h) o medo da opinião pública, é terrível sendo que “Um homem nascido, suponhamos, numa pequena cidade de província, encontra-se desde a infância rodeado de uma hostilidade para tudo o que é necessário ao progresso intelectual”[6].[7]

O medo da opinião pública me assolou por muitos anos. Conforme Bertrand Russell, há livre-arbítrio nas escolhas. No entanto, não é bem assim. Muitos caem em desgraça, enquanto outros, assim como eu, sublimam o passado buscando o sucesso profissional. Aliás, sobre o livre-arbítrio, tenho inúmeras dúvidas sobre a sua existência.[8]

Depois de enumerar 6 causas para a felicidade, Bertrand Russel afirma ser possível ser feliz distribuindo afeição, sem fazer um cálculo matemático de quanto terá em volta, pois afeição calculada não é sincera.[9]

Concordo com a proposta de que somente procurando ajudar outrem podemos ser felizes. Recentemente, assisti um filme intitulado Na Natureza Selvagem (Into The Wild), de 2007, com roteiro e direção de Sean Penn, baseado na história verídica de Christopher McCandles (12.2.1968-13.8.1992 – 24 anos, 6 meses e 1 dia), que em buscou a liberdade, tentando chegar ao Alaska. Abandonou tudo ao se formar e buscou a felicidade em uma vida livre, acabando por morrer na Califórnia e prestes a morrer escreveu no livro que o orientava (de W. H. Davies: The Autobiography of a Super-Trump): “a felicidade só é real quando é compartilhada”.

Não creio na possibilidade real do hedonismo (uma vida dedicada exclusivamente ao prazer, o bem supremo). Christopher McCandles se tornou escravo da liberdade que buscou. Assim se concretizará conosco se não tivermos freios e não vislumbrarmos a necessidade de nos preocuparmos com as outras pessoas.



[1] BRASIL. Ministério da Saúde. Doação de sangue: como doar, quem pode doar, impedimentos. Disponível em: <https://antigo.saude.gov.br/saude-de-a-z/doacao-de-sangue#:~:text=Sim.,ano%20para%20fazer%20a%20doa%C3%A7%C3%A3o.>. Acesso em: 22.8.2021, às 11h01.

[2] COMTE-SPONVILLE, André. A felicidade desesperadamente. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

[3] BATERA, Daniel. Mário Sérgio Cortella: você sabe com quem está falando? YouTube, 1.4.2011. Palestra do ano de 2005, realizada em Brasília. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=P3NpHryB-fQ>. Acesso em: 22.8.2021, às 16h49.

[4] HARARI, Yuval Noah. Homo deus: uma breve história do amanhã. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

[5] Russel, aos 58 anos de idade (em 1930) afirmava que o excesso de aborrecimento e o de agitação são prejudiciais. Ele informa que nessa idade já aprendemos que não adianta pretender saber tudo de determinada área de conhecimento, nem pretendermos sermos os melhores.

[6] RUSSELL, Bertrand. A conquista da felicidade. 6. ed. Lisboa: Guimarãe & C.ª Editores, 1982. p. 104.

[7] Ibidem. p. 13-112.

[8] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Livre-arbítrio não existe: um dos estudos mais interessantes a ser desenvolvido. Brasília: Estudos Jurídicos e Filosóficos, 15.5.2014. Disponível em: <http://sidiojunior.blogspot.com/2014/05/livre-arbitrio-nao-existe-um-dos.html>. Acesso em: 22.9.2021, às 17h37.

[9] RUSSELL, Bertrand. A conquista da felicidade. 6. ed. Lisboa: Guimarãe & C.ª Editores, 1982. p. 196.

Um comentário:

Robimar disse...

Concordo em partes... Também sou doadora de sangue. Eu sou uma pessoa feliz, acredito em Deus,na bíblia... Minha felicidade não depende dos outros.
Minha felicidade vem de dentro pra fora, sentimentos que transbordam,apesar de passar por momentos tristes às vezes... O principal sentimento é o amor, em seguida a gratidão. E eu sempre digo que a pessoa ingrata é infeliz.
Sou grata a Deus principalmente pela vida. Pelo que sou, e não pelo que tenho. Minha felicidade não está vinculada a coisas nem pessoas.