domingo, 22 de março de 2020

UM MOMENTO RUIM: DISCORRER SOBRE OLAVO DE CARVALHO EM UM INÍCIO DE RESENHA DE “O JARDIM DAS AFLIÇÕES: DE EPICURO À RESSUREIÇÃO DE CÉSAR: ENSAIO SOBRE O MATERIALISMO E A RELIGIÃO CIVIL”


1. Introdução
Não que tenha apreço a Olavo de Carvalho (nascido em 29.4.1947), mas porque sei que poderei demonstrar muitas das suas incoerências a partir da presente tentativa de resenha, a qual não será concluída, exporei a minha posição sobre o livro "O Jardim...", de Olavo de Carvalho.
Um astrólogo se autointitular Filósofo, autoproclamar intelectual e premiado no Brasil e no estrangeiro não o tornará efetivo intelectual ou filósofo. Com efeito, a Filosofia não será exclusiva de graduados em tal área do conhecimento, mas de efetivos incansáveis lutadores pela busca do conhecimento, independentemente da área de concentração de estudos do pesquisador.
A presente iniciativa de resenha será repleta de opiniões pessoais, especialmente porque Olavo de Carvalho é um radical que coloca as suas posições a todo momento, o que exigirá, até mesmo, um combate ao que está se transformando em um modismo, sem que muitos sequer tenham noção do que ele expõe.
2. O livro e a sua apresentação (incluindo prefácio)
Olavo de Carvalho apresenta o livro com elogios, ao mesmo tempo que critica outro livro da sua autoria, O imbecil coletivo. No entanto, confirmando a sua característica, diz que o livro tem uma tese, sem proclamar qual é essa tese.[1] De todo modo, afirma que o livro é aquele em que o autor disse tudo que gostaria de dizer.[2]
O prefácio, de Bruno Tolentino (1940-2007), é repleto de elogios ao livro. No entanto, depois de ler 1 página vê-se a total inexistência de referência ao seu conteúdo. E assim o prefaciador segue dizendo que o livro é rico em conteúdo, tendo tudo a ver com o leitor, e afirma que o autor se esforça para pensar  em público segundo a sua Teoria dos Quatro Discursos, o que constaria do ensaio pioneiro de Olavo de Carvalho: Uma Filosofia Aristotélica da Cultura. Nesse, Olavo de Carvalho vê em Aristóteles a esquematização objetiva de um conjunto de dados sensíveis em uma figura dotada de sentido (Poética), com interpretações discordantes fortalecidas no confronto das vontades em que se apoiam (Retórica), em um conjunto de esforços retóricos hierarquizados, dirigidos a uma solução racional (Dialética), o que permitiria o estabelecimento de critérios científicos para conduzir a uma resolução maximamente exata (Lógica). “A tarefa específica do filósofo seria, portanto, a de colher as questões ao nível retórico e elaborá-las em hipóteses formais para as entregar à busca de uma solução lógico-científica”.[3] O prefaciador trata de livros anteriores, ou seja, parece ter desprezado aquele prefaciado.
Depois de continuar elogiando profundamente Olavo de Carvalho, Bruno Tolentino afirma que a proposta do autor é a da construção a partir da antítese, observada no campo dos fatos, para hierarquizar os termos opostos e resolvê-los no princípio comum de que emanam. E, em Jan1995, conclui o prefácio com muitos elogios a Olavo de Carvalho e à sua elevada cultura.[4]
3. Livro I: Pessanha
Como epígrafe deste livro, Olavo de Carvalho utiliza uma afirmação de um autor inglês, publicada em um livro em 1912, que assim enuncia:
É estranho descobrir que, aqui e em outras partes da América do Sul, homens de talento indiscutível são frequentemente seduzidos por frases e parecem preferir palavras aos fatos.
Aqui apresento a minha objeção porque entendo que todo fato só existe a partir da percepção. Aliás, toda verdade de processos criminais, nos quais atuo, será sempre formal, uma vez que a verdade dos autos será sempre uma verdade percebida. O nada, conforme nos ensina Sartre, existe, mas a partir da percepção de que está faltando algo. Assim, o que efetivamente existirá no mundo dos fatos será aquilo que for percebido por alguém.[5] Com isso, não apenas aqui no Brasil, mas no Velho Mundo se defende precipuamente a racionalidade, ao contrário do ser-em-si, que é meramente factual.
Olavo de Carvalho, desde a apresentação da obra, insiste que ela deve ser lida na integralidade, justificando sob o medo de conclusões equivocadas precipitadas.[6] Mas, alerta que escreveu o presente livro em uma noite, em oposição a José Américo Motta Pessanha (1932-1993),[7] eminente Professor da UFRJ, o qual teria proferido palestra em Mai1990 de forma a aproximar o Jardim de Epicuro ao Jardim das Oliveiras.[8] Sem se conter, o autor ficou tratando das inquietações que a posição do Professor Motta Pessanha lhe trouxe. Chega a ser extremamente leviano, chulo e tendencioso em suas considerações, até porque critica a plateia, denominando-a de obtusa e acrítica.[9]
Afirma que fez um manuscrito e o leu a amigos na noite seguinte, tendo a intenção de convidar o Professor Motta Pessanha para uma réplica. E como lhe é característico, debocha ao firmar que esqueceu, como gostaria, do ilustre Professor.
Não sei se Olavo de Carvalho se esqueceu, mas afirmo que este é um trabalho complicado porque ele atribui o início do valor à palavra ética ter se dado em 1992, quando a eleição de Fernando Collor de Mello (nascido em 12.8.1949), que tomou posse em 1990, foi toda pautada nessa palavra. Com isso, estou afirmando que o autor diz valorizar fatos, mas os deturpa. Ele atribui toda discussão sobre a ética ao impedimento de Collor, olvidando-se da eleição que o antecedeu.
Parece que Olavo de Carvalho se abstraiu dos fatos, que disse prestigiar para valorizar a discussão ética sobre o impedimento de Collor, quando toda discussão do golpe militar de 1964 teve por pano de fundo a discussão ética, inclusive com a aposentadoria precoce, em 1968, de Ministros do STF por serem “incompatíveis” com o cargo.
Em uma análise reducionista, Olavo de Carvalho, atribui o impedimento de Collor à “esquerda”.[10] Essa visão obtusa de uma sociedade bipolar é muito claramente esclarecida por Norberto Bobbio (1909-2004), que afirma que a dicotomia esquerda-direita só existe, como dizia Glauco a Sócrates, “em nossos discursos”.[11]
Disseram-me que o livro tem pensamento complexo e me recuso a continuar lendo porque o autor reduz sua filosofia a uma cultura antiPT. Posso ler livros ruins, mas não aqueles abaixo do nível médio aceitável. O autor dirá que entendi mal. Mas ele não merece o prestígio de uma resenha. Com efeito, referindo-se à morte de Pesanha, o autor depois de atacar as suas posições, denominando-as de falsas, atribui a ele a responsabilidade pelo Congresso Libertino/Libertários, havido em Jun1995.[12]
O autor reconhece ser um nauseabundo na construção do livro., talvez pela repugnância que afirma ter ao lidar com “esse gênero de materiais”. E continua a atribuir insignificância, mas sendo rude e indelicado em suas considerações, até quando cita um autor que aduz ter admirado, mas se decepcionado, é quando novamente se cita[13] para dizer da descrença no autor, certamente se referindo a Fritjof Capra (nascido em 1.2.1939) e, especialmente, a Antonio Gramsci (1891-1937).[14] No entanto, o autor insiste em continuar pedindo desculpas porque será grosseiro e, contrariamente, conclui afirmando “...como disse Goethe, contra nada somos mais severos do que contra os erros que abandonamos”.[15] Não entendi, nem começou a escrever sobre a sua proposta, já despejou inúmeros impropérios e agressões e disse ser severo com erros abandonados?
Quem é Olavo de Carvalho para afirmar que Epicuro não é “um filósofo menor, mas alguma coisa menor do que um filósofo"?
A densidade do conhecimento filosófico de Olavo de Carvalho, abstraindo o fato de sequer ter concluído o ensino fundamental, não se prova por seus escritos repetitivos e de um discurso antiPT agressivo como se o Brasil se resumisse a esse partido político que já não tem grande força nestas plagas. É um partido com quase 40 anos de existência que não tem o meu prestígio e que encontra forte resistência popular nos dias de hoje.
O repúdio do autor ao MASP (Museu de Arte da São Paulo) se desenvolve em várias páginas criticando eventos ali concretizados sob a coordenação da Professora Emérita da Universidade de São Paulo Marilena Chauí (nascida em 4.9.1941). Visivelmente, pensa estar em nível intelectual superior ao dela.
O livro chega a ser patético porque, tratando da Santa Inquisição, critica Pesanha porque ele teria afirmado a sua imagem (da Santa Inquisição) mais sangrenta começa a partir do ano 1400 e, conclui: “Isto é tão medieval quanto a física de Newton” (1643-1727).[16]
4. Conclusão
Certo de que decepcionarei alguém que amo, assim como decepcionei no dia 20.3.2019 (quando saí da sala porque não mais conseguia continuar ouvindo a entrevista que se fazia a Olavo de Carvalho), abandonarei a leitura do livro. Tenho mais a fazer do que ficar lendo quem parece não gostar de ler.
Cansativo, repetitivo e agressivo é a marca maior de Olavo de Carvalho. Ficar lendo os seus escritos será uma grande perda daquilo que tenho como mais precioso para a minha vida: o tempo. Este, tenho dúvidas de que seja mesmo existente, mas tenho muitas atividades e penso que o verdadeiro sentido da vida está especialmente em fazer sentido para alguém.
Aos meus familiares, especialmente aos mais próximos, devo fazer sentido os protegendo e amparando. Daí voltar ao tempo, visto que tenho muito mais a ler do que escritos de uma pessoa que procura demonstrar intelectualidade, mas sem expor exatamente onde se aportam as suas posições. Com isso, excluo Olavo de Carvalho do rol de autores a serem lidos e abandono o propósito de construir uma resenha porque tenho muitos livros sérios a ler.



[1] CARVALHO, Olavo de. O jardim das aflições:  de Epicuro à ressurreição de César: ensaio sobre o materialismo e a religião civil. Campinas: Vide Editorial, 2013. p. 9.
[2] Ibidem.
[3] TOLENTINO, Bruno. Prefácio. In CARVALHO, Olavo de. O jardim das aflições:  de Epicuro à ressurreição de César: ensaio sobre o materialismo e a religião civil. Campinas: Vide Editorial, 2013. p. 12.
[4] O prefaciador cita o controvertido Harold Bloom (1930-2019) para apoiar o suposto autodidatismo de Olavo de Carvalho.
[5] SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Petrópoles||; Vozes, 1997. p. 29.
[6] CARVALHO, Olavo de. O jardim... Op. cit. p. 18.
[7] Ibidem.
[8] Ibidem.
[9] Ibidem. p. 20.
[10] Ibidem. p. 21.
[11] BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. 3. ed. São Paulo: Unesp, 2011. p. 139.
[12] CARVALHO, Olavo de. O jardim... Op. cit. p. 34, nota de fim n. 10.
[13] CARVALHO, Olavo. A nova era e a revolução cultural. Fitjof Capra e Antonio Gramsci. Petrópolis: Vide, 2016.
[14] CARVALHO, Olavo de. O jardim... Op. cit. p. 25.
[15] Ibidem. p. 26.
[16] Ibidem. p. 29.

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