Passo a tratar aqui de uma inusitada decisão proferida pelo
Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso Especial n. 1.299.021,
divulgada no dia 9.3.2017. Tal decisão chegou até a minha pessoa por postagem
de uma amiga, Susana Bruno,[1]
que diz professar a fé segundo os ditames do candomblé. Curiosamente, foi
considerada extorsão a ameaça de fazer trabalhos contra “cliente” que se negou
a reforçar os “trabalhos” inicialmente pactuados. Veja-se a informação do STJ:
Ameaça espiritual serve para configurar
crime de extorsão
Em decisão
unânime, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou que a
ameaça de emprego de forças espirituais para constranger alguém a entregar
dinheiro é apta a caracterizar o crime de extorsão, ainda que não tenha havido
violência física ou outro tipo de ameaça.
Com esse
entendimento, seguindo o voto do relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, a
turma negou provimento ao recurso de uma mulher condenada por extorsão e
estelionato.
O caso
aconteceu em São Paulo. De acordo com o processo, a vítima contratou os
serviços da acusada para realizar trabalhos espirituais de cura. A ré teria
induzido a vítima a erro e, por meio de atos de curandeirismo, obtido vantagens
financeiras de mais de R$ 15 mil.
Tempos
depois, quando a vítima passou a se recusar a dar mais dinheiro, a mulher teria
começado a ameaçá-la. De acordo com a denúncia, ela pediu R$ 32 mil para
desfazer “alguma coisa enterrada no cemitério” contra seus filhos.
Extorsão
A ré foi
condenada a seis anos e 24 dias de reclusão, em regime semiaberto. No STJ, a
defesa pediu sua absolvição ou a desclassificação das condutas para o crime de
curandeirismo, ou ainda a redução da pena e a mudança do regime prisional.
Segundo a
defesa, não houve qualquer tipo de grave ameaça ou uso de violência que pudesse
caracterizar o crime de extorsão. Tudo não teria passado de algo fantasioso,
sem implicar mal grave “apto a intimidar o homem médio”.
Para o
ministro Rogerio Schietti, no entanto, os fatos narrados no acórdão são
suficientes para configurar o crime do artigo 158 do Código
Penal.
“A ameaça
de mal espiritual, em razão da garantia de liberdade religiosa, não pode ser
considerada inidônea ou inacreditável. Para a vítima e boa parte do povo
brasileiro, existe a crença na existência de forças sobrenaturais, manifestada
em doutrinas e rituais próprios, não havendo falar que são fantasiosas e que
nenhuma força possuem para constranger o homem médio. Os meios empregados foram
idôneos, tanto que ensejaram a intimidação da vítima, a consumação e o
exaurimento da extorsão”, disse o ministro.
Curandeirismo
Em relação
à desclassificação das condutas para o crime de curandeirismo, previsto no artigo 284 do
Código Penal,o ministro destacou o entendimento do Tribunal de Justiça de São
Paulo de que a intenção da acusada era, na verdade, enganar a vítima e não
curá-la de alguma doença.
“No
curandeirismo, o agente acredita que, com suas fórmulas, poderá resolver
problema de saúde da vítima, finalidade não evidenciada na hipótese, em que
ficou comprovado, no decorrer da instrução, o objetivo da recorrente de obter
vantagem ilícita, de lesar o patrimônio da vítima, ganância não interrompida
nem sequer mediante requerimento expresso de interrupção das atividades”,
explicou Schietti.
Pena
mantida
O
redimensionamento da pena também foi negado pelo relator. Schietti entendeu
acertada a decisão do tribunal paulista de considerar na dosimetria da pena a
exploração da fragilidade da vítima e os prejuízos psicológicos causados.
Foi determinada,
ainda, a execução imediata da pena, por aplicação do entendimento do Supremo
Tribunal Federal de que seu cumprimento pode se dar logo após a condenação em
órgão colegiado na segunda instância.[2]
Provocado, entendi que não era o caso de existir ameaça,
essencial para concretização, na espécie, tendo assim exposto:
"Ameaçar alguém (...) de mal injusto grave"
(CP, art. 147). Trata-se de crime formal, bastando que potencialmente seja
capaz de afetar a liberdade da vítima. Sinceramente... considero excesso de
rigor porque, fora as crendices, a macumba não tem potencial ofensivo à
liberdade individual. Só não como e bebo as oferendas porque não creio na
higiene de quem as "abandona"! O PIOR É O RELATOR
"GARANTISTA" ENTENDER SER EXTORSÃO: CP, art. 158: "Constranger
alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com intuito de obter para si ou
para outrem indevida vantagem econômica,..." Não vejo, a ameaça!
O garantismo, de Luigi Ferrajoli, é um modelo de estrita
legalidade.[3]
A ameaça é crime formal, mas exige o “mal injusto e grave”. Daí eu ter exposto
na mesma rede social:
O problema
é que a potencialidade lesiva da ameaça não deve ser observada sob a ótica da
crendice psicótica de quem tem uma fé exagerada em milagres, mas segundo |o
homem médio. Como examinamos a potencialidade lesiva da ameaça?
O "mal
injusto" (ilícito ou imoral) se realizaria com a anuência e pela força das
entidades espirituais?
E o mal "grave" seria "sério" ou "verossímil"? Eu não vejo a ameaça porque não vejo a possibilidade do "mal injusto e grave" por ação humana.
E o mal "grave" seria "sério" ou "verossímil"? Eu não vejo a ameaça porque não vejo a possibilidade do "mal injusto e grave" por ação humana.
Não conheço o candomblé, mas não acredito que as pessoas
dominem as entidades que incorporam. Ao contrário, a “entidades” incorporadas
teriam o controle. Desse modo, sob a ótica do Direito Criminal, não existiria
conduta humana capaz de ensejar crime, eis que a ameaça, em nome de entidades
espirituais, não seria adequada, por duas razões:
(1ª) a “entidade” espiritual não estaria sob o controle do
homem, sendo contrário à lógica e ao conhecimento teológico, admitir qualquer
crendice sem suporte de razoabilidade;
(2ª) o candomblé é uma “seita” ou “religião” tendente ao
mal?
Suas “entidades”, especialmente os “Exus”, não podem ser
pré-concebidas como más ou maus, senão toda religiosidade estará sufragada pelo
preconceito da maldade.
Crime é fato decorrente de conduta humana. Com isso, embora
a hipótese concreta evidencie vítima que crê na possibilidade de serem os Exus
maus, na ameaça, como evidencia crime formal, seria incapaz de amedrontar o homem
médio e, portanto, não seria ameaça.
São requisitos da ameaça, ser o ato: que gera mal injusto;
idôneo – o que não vejo na ameaça espiritual; sério, quando ao homem médio, a
utilização de “entidades” para o mal parecerá “animus jocandi”; verossímil,
sendo que a hipótese parece ser semelhante à da pessoa comum que venha a dizer
que irá lançar bomba atômica sobre a casa da vítima; e iminente – ora, como
poder determinar a vontade da “entidade”?
O exposto me permite estranhar a decisão, eis que o relator
do recurso noticiado se diz garantista, quando a decisão foge da legalidade estrita
e o STJ adota posição inusitada, à qual, nesse momento, me recuso a me submeter
ideologicamente, ao menos até melhor amadurecimento das análises.
[1]
Disponível em: <https://www.facebook.com/susana.bruno.35/posts/1286938901344034?
comment_id=1288013034569954&reply_comment_id=1288545474516710¬if_t=mentions_comment¬if_id=1489612119724968>.
Acesso em:
[2]
BRASIL. STJ. Notícias. Recurso Especial n. 1.299.021. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Amea%C3%A7a-espiritual-serve-para-configurar-crime-de-extors%C3%A3o>.
Acesso em: 16.3.2017, às 18h41.
[3]
GIANFORMAGGIO, Letícia. Direito e ragione tra essere e dover essere.
GIANFORMAGGIO, Letizia (Org.). Le regioni del garantismo: discutendo com Ferrajoli. Turim:
Gianppichelli, 1993. p. 25.
Um comentário:
Ótimo! Obrigado professor.
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