Não gosto da postura jurídico-criminal do atual Procurador-Geral da
República Rodrigo Janot Monteiro de Barros. No entanto, todos erram e, em
muitos casos, acertam. Em, 8.9.2016, opinou no sentido de se autorizar o
abortamento de fetos detectados com microcefalia em decorrência do vírus zica.[1]
A conduta de interromper a gravidez com a morte do feto será
abortamento, sendo que o seu resultado será aborto. O nosso Código Penal optou
pela palavra aborto para o nomen iuris
do crime, prestigiando o resultado (arts. 124-128), quando o que se incrimina é
a conduta de interromper a gravidez matando o feto.
Eu sempre me posicionei juridicamente a favor do abortamento durante as
primeiras semanas de gestação. O abortamento eugênico, para melhoria da
espécie, por óbvio, conta com o meu maior apoio, não vendo qualquer argumento
razoável em sentido contrário, salvo se vislumbrados sob os olhos da fé.
A bioética está a recomendar a aceitação do abortamento do anencéfalo
(ou acéfalo), como tardiamente reconheceu o STF na arguição de Descumprimento a
Preceito Fundamental (ADPF) n. 54, ajuizada pela Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Saúde (CNTS).
Estamos vivendo um grave momento em que gestações de mulheres
infectadas pelo vírus zica tem gerado microcefalia. Entendo ser o caso de
abortamento autorizado pelo Direito pátrio com exclusão de culpabilidade por
inexigibilidade de conduta conforme o Direito.
Ontem, o Ministério Público Federal, por intermédio do PGR Rodrigo
Janot opinou na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.581/DF, promovida pela
Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP) questionando a
constitucionalidade da Lei n. 13.301, de 27.6.2016, que prevê o benefício
temporário de prestação continuada pelo prazo máximo de 3 anos à pessoa com
microcefalia (art. 18).
Os fundamentos para o abortamento eugênico, na espécie, é mais do que
justificável, sendo que se pode afirmar:
No parecer, Janot defende que é inconstitucional a
criminalização do aborto em caso de infecção comprovada. “A continuidade
forçada da gestação em que há certeza de infecção pelo vírus da zica
representa, no atual contexto de desenvolvimento científico, risco certo à
saúde psíquica da mulher. Nesses casos, pode ocorrer violação do direito
fundamental à saúde mental e à garantia constitucional de vida livre de tortura
e agravos severos evitáveis”, argumenta.
Em consequência, o abortamento não constituiria crime,
pois a conduta da mulher estaria amparada pelo que o Direito Penal denomina de
estado de necessidade, segundo o artigo 24 do Código Penal. No estado de
necessidade, a pessoa pratica a conduta para proteger direito próprio, cujo
sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir. A questão ainda será
julgada por parte do Supremo Tribunal Federal.
Janot lembra que a decisão deve sempre caber à
gestante. “São as mulheres os indivíduos primeiramente atingidos. Elas é que
sofrem antes mesmo que exista uma criança deficiente à espera de cuidado. Por
não haver conflito entre os direitos envolvidos, cabe prestigiar o direito
fundamental à saúde da mulher, inclusive no plano mental”, afirma.[2]
Concordo com a posição esposada no parecer[3]
e espero que o Poder Legislativo brasileiro transcenda e, superando a “bancada
da Bíblia”, venha a avançar para proteger direitos fundamentais das pessoas atingidas
por problemas graves de saúde, respeitando a dignidade de cada mãe gestante que
tiver uma gravidez indesejada.
[1]
BRASIL. MPU. MPF. Secretaria de Comunicação Social. Janot defende no STF
ampliação de direitos de pessoas atingidas pelos vírus da zica. Disponível em:
<http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/janot-defende-no-stf-ampliacao-de-direitos-de-pessoas-atingidas-pelo-virus-da-zica>.
Acesso em: 9.9.2016, às 12h.
[2]
Ibidem.
[3]
Seu inteiro teor, em 42 páginas, está disponível em: <http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/adi-5-581-df/>. Acesso em:
9.9.2016.
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