sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Abortamento eugênico do afetado por microcefalia

Não gosto da postura jurídico-criminal do atual Procurador-Geral da República Rodrigo Janot Monteiro de Barros. No entanto, todos erram e, em muitos casos, acertam. Em, 8.9.2016, opinou no sentido de se autorizar o abortamento de fetos detectados com microcefalia em decorrência do vírus zica.[1]
A conduta de interromper a gravidez com a morte do feto será abortamento, sendo que o seu resultado será aborto. O nosso Código Penal optou pela palavra aborto para o nomen iuris do crime, prestigiando o resultado (arts. 124-128), quando o que se incrimina é a conduta de interromper a gravidez matando o feto.
Eu sempre me posicionei juridicamente a favor do abortamento durante as primeiras semanas de gestação. O abortamento eugênico, para melhoria da espécie, por óbvio, conta com o meu maior apoio, não vendo qualquer argumento razoável em sentido contrário, salvo se vislumbrados sob os olhos da fé.
A bioética está a recomendar a aceitação do abortamento do anencéfalo (ou acéfalo), como tardiamente reconheceu o STF na arguição de Descumprimento a Preceito Fundamental (ADPF) n. 54, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS).
Estamos vivendo um grave momento em que gestações de mulheres infectadas pelo vírus zica tem gerado microcefalia. Entendo ser o caso de abortamento autorizado pelo Direito pátrio com exclusão de culpabilidade por inexigibilidade de conduta conforme o Direito.
Ontem, o Ministério Público Federal, por intermédio do PGR Rodrigo Janot opinou na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.581/DF, promovida pela Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP) questionando a constitucionalidade da Lei n. 13.301, de 27.6.2016, que prevê o benefício temporário de prestação continuada pelo prazo máximo de 3 anos à pessoa com microcefalia (art. 18).
Os fundamentos para o abortamento eugênico, na espécie, é mais do que justificável, sendo que se pode afirmar:
No parecer, Janot defende que é inconstitucional a criminalização do aborto em caso de infecção comprovada. “A continuidade forçada da gestação em que há certeza de infecção pelo vírus da zica representa, no atual contexto de desenvolvimento científico, risco certo à saúde psíquica da mulher. Nesses casos, pode ocorrer violação do direito fundamental à saúde mental e à garantia constitucional de vida livre de tortura e agravos severos evitáveis”, argumenta.
Em consequência, o abortamento não constituiria crime, pois a conduta da mulher estaria amparada pelo que o Direito Penal denomina de estado de necessidade, segundo o artigo 24 do Código Penal. No estado de necessidade, a pessoa pratica a conduta para proteger direito próprio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir. A questão ainda será julgada por parte do Supremo Tribunal Federal.
Janot lembra que a decisão deve sempre caber à gestante. “São as mulheres os indivíduos primeiramente atingidos. Elas é que sofrem antes mesmo que exista uma criança deficiente à espera de cuidado. Por não haver conflito entre os direitos envolvidos, cabe prestigiar o direito fundamental à saúde da mulher, inclusive no plano mental”, afirma.[2]
Concordo com a posição esposada no parecer[3] e espero que o Poder Legislativo brasileiro transcenda e, superando a “bancada da Bíblia”, venha a avançar para proteger direitos fundamentais das pessoas atingidas por problemas graves de saúde, respeitando a dignidade de cada mãe gestante que tiver uma gravidez indesejada.



[1] BRASIL. MPU. MPF. Secretaria de Comunicação Social. Janot defende no STF ampliação de direitos de pessoas atingidas pelos vírus da zica. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/janot-defende-no-stf-ampliacao-de-direitos-de-pessoas-atingidas-pelo-virus-da-zica>. Acesso em: 9.9.2016, às 12h.
[2] Ibidem.
[3] Seu inteiro teor, em 42 páginas, está disponível em: <http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/adi-5-581-df/>. Acesso em: 9.9.2016.

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