terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A rídicula sentença condenatória de Lindemberg Alves (do "caso Eloá)

Aqui estou para apresentar a maior parte do artigo jurídico que publiquei (em http://www.sidio.pro.br/LindembergSentenca.pdf)  sobre a análise jurídica possível da sentença condenatória de Lindemberg Alves:

Farei pequenos comentários à sentença proferida no “Caso Eloá”, levando em consideração aspectos notórios. Por isso, os mesmos prescindem de provas, sendo que as críticas visam a demonstrar o que deve ser feito para melhor aplicação da legislação criminal, ao contrário do teatro montado em torno do julgamento e Lindemberg Alves Fernandes.
A íntegra da sentença está disponível em <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2012/02/confira-integra-da-sentenca-do-julgamento-de-lindemberg-alves.html>, a qual é transcrita aqui, in verbis:
[Não transcreveri aqui a sentença. O interessado poderá ver a sua íntegra na minha página eletrônica, conforme informado acima]
Desculpe-me a Juíza de Direito Milena Dias, mas existem equívocos graves na sua sentença, inclusive, na representação tácita que ela pretendeu demonstrar no dispositivo do ato judicial. Esclareça-se que a doutrina jurídica informa que a sentença é o ato ápice da atuação judicial e deveria ser, em todos os casos, ato de inteligência, sendo que a sentença transcrita não representa aquilo que se pode esperar, mormente em caso tão notório.
(...)

Lindemberg foi levado a julgamento perante o Tribunal do Júri, este o condenou. Com isso, ao contrário de iniciar a sentença com a palavra “Vistos”, que nada traduz, a Juíza deveria ter informado especificamente que o réu foi condenado pelo Tribunal do Júri a determinados crimes, o que ela faz muito mal ao final quando afirma:
“Em face da decisão resultante da vontade soberana dos Senhores Jurados, julgo PROCEDENTE a pretensão punitiva do Estado, para condenar LINDEMBERG ALVES FERNANDES, qualificado nos autos, como incurso nas sanções...”
Diz-se que a sentença do júri, quanto à origem, é mista, porque o tribunal popular decide se absolve ou condena e o Juiz Presidente elabora a sentença e, no caso de condenação, faz a dosimetria da pena, estabelece o regime inicial etc. Assim, quem julgou procedente a pretensão punitiva não foi a Juíza Milena Dias, mas os jurados...

A individualização da pena exigiria detalhamento dos crimes na sentença, o que não foi feito. Por isso, a sentença é nula, cabendo recurso contra ela, isso com fundamento no art. 593, inc. III, alínea “c”, do Código de Processo Penal (CPP). É nula por violar a individualização da pena e por não conter toda fundamentação para o quantum fixado na pena base para cada um dos crimes.
Existem livros monográficos sobre a sentença criminal, especificamente sobre a aplicação da pena, os quais deveriam ter sido lidos pela magistrada para que ela não incorresse em uma situação constrangedora como a que se expôs publicamente no momento de ler a sentença que proferiu. Até mesmo o meu Execução Criminal poderia ajudar bastante, eis que demonstra a técnica para uma adequada dosimetria da pena.[1]
Ao fazer a análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, a magistrada o fez atabalhoadamente, criando, com isso confusões insuperáveis, as quais só podem conduzir à declaração da nulidade da sentença, o que pode ser corrigido pelo próprio TJSP.
(...)

Não se olvide que a teoria normativa informa que são elementos da culpabilidade: (a) imputabilidade; (b) potencial consciência da ilicitude; (c) exigibilidade de conduta conforme o Direito. Porém, como sou partidário da teoria psicológica-normativa, acresço outro aos 3 elementos da culpabilidade, a saber: intensidade de dolo ou grau de negligência[2] (conforme o caso).
(...)

As consequências dos crimes de cárcere privado até poderiam ser consideradas desfavoráveis, mas em relação ao homicídio, a Juíza não disse a razão, até porque não existiriam elementos para uma reprimenda maior. Vida é sempre vida, sendo que as consequências de um homicídio podem ser mais graves se a vítima for arrimo de família, ser mãe de crianças pequenas etc. Todavia, o que se vê in casu que a notoriedade do caso e o clamor público decorre de uma curiosidade anormal e da hipervalorização de assuntos criminais, como sempre ocorre na mídia.
No tocante aos crimes de homicídio, a o motivo torpe serviu para qualificar cada um deles, elevando a pena mínima de 6 para 12 anos. Desse modo, não poderia ser considerado na pena-base. Ao assim agir, a Juíza incorreu em bis in idem, o que torna a sentença nula nessa parte.
Foi desastrosa a entrada policial no ambiente dos crimes. Não foi uma entrada que respeitou a técnica policial que me ensinaram quando estudei na Academia Policial Militar do Guatupê e fui declarado Aspirante-a-Oficial. Não se olvide que as circunstâncias eram de tensão e que os homicídios se deram depois de alguns dias em claro, sendo que a cobertura intensa dos meios de comunicação de massa, ao contrário de tornarem tais circunstâncias desfavoráveis ao réu, lhe favoreciam porque alterariam sua capacidade de dominar a sua própria vontade, reduzindo a sua culpabilidade.
São 8 as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal (CP), mal transcritas na sentença, in verbis: culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias [e as consequências] do crime, bem como o comportamento da vítima... Data venia, fixar a pena no mínimo será muito mais do que fantasia, será um poder-dever do Estado sempre que não houver circunstância judicial, agravante genérica ou causa de aumento de pena a incidir ao caso.
(...)

Tomando por base o exposto, o homicídio qualificado, como tem pena cominada que varia de 12 a 30 anos de reclusão, o máximo que poderia ser atribuído a cada circunstância judicial seria 3 anos (1/6 de 18 anos, o que resulta de 30 anos menos 12 anos). O exposto deixa clara a possibilidade de se impor pena mínima máxima somente se ao menos 6 circunstâncias judiciais estiverem presentes, sendo que, a sentença em comento sequer tangencia algumas das mencionadas circunstâncias do art. 59 do CP.
O clamor social, criado pela cobertura maciça dos meios de comunicação de massa, não deve ser considerado em desfavor do agente porque é fator alheio ao crime propriamente dito.
(...)

Preferiu-se a falta de técnica e falar de “formas aglutinadoras”, talvez por falta de conhecimento, tratar de institutos jurídicos consagrados no ordenamento jurídico – concurso formal e crime continuado -, os quais nem sempre levam à exasperação da pena. Com efeito, com relação a ameaça feita a todos, mantendo-os em cárcere privado, será uma ação que levará a mais de um crime (concurso formal), conforme previsão do art. 70 do CP.
Quanto à pena de multa, a magistrada não fundamentou o quantum segundo a capacidade econômica do réu, o que torna a pena nula nessa parte, eis que desrespeitou ao disposto no art. 60, caput, do CP...

A prisão cautelar conta com fundamentação sucinta. Esta não se confunde com ausência de fundamentação, portanto, a sentença não contém mácula formal nessa parte. De outro modo, eu e a doutrina processualista pátria (com fundamento no princípio do estado de inocência – constante do Pacto de São José da Costa Rica como princípio da presunção de inocência -, na Constituição Federal e no próprio Código de Processo Penal, recém-alterado nessa parte) verificamos violação à legalidade material ao impor prisão cautelar apenas com fundamento na gravidade dos fatos ou no clamor social.
A magistrada errou, também, ao mandar extrair cópia da sentença e enviar para o Ministério Público sem manifestar expressamente a sua vontade de que a Defensora do sentenciado seja processada criminalmente, pois o crime contra a honra por ela noticiado é de ação de iniciativa pública condicionada à representação (CP, art. 145)...
Finalmente, a Juíza de Direito sequer leu o Código de Processo Penal para verificar os requisitos da sentença condenatória, eis que atenta à importância de atendimento à vítima, a Lei no 11.719/2008 inseriu o inc. IV, no art. 387 do CPP...

Poderia escrever mais sobre a confusão e a falta de técnica manifestadas na sentença. No entanto, estes breves apontamentos já evidenciam que o “circo” montado em torno do “Caso Eloá” terminou com um triste desfecho, evidenciado por uma ridícula sentença condenatória recorrível.




[1] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução criminal: teoria e prática. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 276-310.
[2] Negligência é omissão ao dever de cuidado, a qual, ao meu sentir engloba as 3 clássicas modalidades de culpa, permitindo abandonar esta última palavra, eis que ela gera confusões com culpabilidade.

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