sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Análise da condenação de Aécio Lúcio Costa Pereira pelos atos antidemocráticos de 8.1.2023

 

1. Introdução

Tratarei aqui especialmente da Ação Criminal n. 1060, na qual Aécio Lúcio Costa Pereira, em 13 e 14.9.2023, foi condenado pelo STF. Desde já, lamento não apresentar a literalidade dos votos dos Ministros do STF, o que se dá porque eles não constam do processo eletrônico.

No dia 13.9.2023 certificou-se:

CERTIFICO que o PLENÁRIO, ao apreciar o processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: Decisão:

Após o início do voto do Ministro Alexandre de Moraes (Relator), o julgamento e a sessão foram suspensos para continuidade na sessão vespertina. Falaram: pelo autor, o Dr. Carlos Frederico Santos, Subprocurador-Geral da República; e, pelo réu, os Drs. Sebastião Coelho da Silva e Juliana Sousa Nascimento Medeiros. Presidência da Ministra Rosa Weber. Plenário, 13.9.2023 (Sessões Extraordinária e Ordinária).[1]

O julgamento prosseguiu no dia seguinte, sendo que houve nova certidão:

CERTIFICO que o PLENÁRIO, ao apreciar o processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Decisão: Após o início do voto do Ministro Alexandre de Moraes (Relator), o julgamento e a sessão foram suspensos para continuidade na sessão vespertina. Falaram: pelo autor, o Dr. Carlos Frederico Santos, Subprocurador-Geral da República; e, pelo réu, os Drs. Sebastião Coelho da Silva e Juliana Sousa Nascimento Medeiros. Presidência da Ministra Rosa Weber. Plenário, 13.9.2023 (Sessões Extraordinária e Ordinária).

Decisão: Após o voto do Ministro Alexandre de Moraes (Relator), que rejeitava as preliminares e julgava procedente a ação penal para condenar o réu AECIO LUCIO COSTA PEREIRA à pena de 17 (dezessete) anos, sendo 15 (quinze) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 1 (um) ano e 6 (seis) meses de detenção e 100 (cem) dias-multa, cada dia-multa no valor de 1/3 (um terço) do salário mínimo, pois incurso nos artigos: 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito), do Código Penal, à pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão; 359-M (Golpe de Estado) do Código Penal à pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de reclusão; 163, parágrafo único, I, II, III e IV (dano qualificado), todos do Código Penal à pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de detenção e 50 (cinquenta) dias-multa, fixando cada dia-multa em 1/3 do salário mínimo; 62, I, (deterioração do Patrimônio tombado) da Lei 9.605/1998 à pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão e 50 (cinquenta) dias-multa, fixando cada dia-multa em 1/3 do salário mínimo; 288, parágrafo único, (Associação Criminosa Armada) do Código Penal à pena de 2 (dois) anos de reclusão, fixando o regime fechado para o início do cumprimento da pena de 15 anos e 6 meses de reclusão, nos termos do art. 33, §§ 2º, a, e 3º, do Código Penal, e, no caso da pena de 1 ano e 6 meses de detenção, fixando o regime aberto como o regime inicial de cumprimento da pena, nos termos do art. 33, § 2º, c, do Código Penal. No tocante aos danos morais coletivos, fixava o valor mínimo indenizatório de R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais), a ser adimplido de forma solidária pelos condenados em favor do fundo a que alude o art. 13 da Lei 7.347/85, soma a ser corrigida monetariamente a contar do dia da proclamação do resultado do julgamento colegiado, incidindo juros de mora legais a partir do trânsito em julgado deste acórdão; e do voto do Ministro Nunes Marques (Revisor), que divergia em parte do Relator, acolhendo a preliminar de incompetência do Supremo Tribunal Federal, e rejeitando as demais, e julgando procedente em parte a ação penal, para: 1) absolver o acusado dos crimes previstos nos arts. 288 (com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal), 359-L e 359-M do Código Penal (esses com fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal); 2) condenar o acusado como incurso nas penas do art. 163, parágrafo único, incisos I, II, III e IV, do Código Penal, e do art. 62, I, da Lei 9.605/1998, fixando a pena do crime de dano em 1 ano e 3 meses de detenção e 30 dias-multa no valor unitário mínimo, e a pena do crime do art. 62, I, da Lei 9.605/1998, em 1 ano e 3 meses de reclusão e 30 dias-multa no valor unitário mínimo, que, somadas, em razão do concurso material, correspondem a 2 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicial aberto, além de 60 dias multa, fixando o dia-multa no valor mínimo legal para os delitos do art. 163, parágrafo único, I, II, III e IV, do Código Penal, e do art. 62, I, da Lei 9.605/1998, o julgamento foi suspenso. Presidência da Ministra Rosa Weber. Plenário, 13.9.2023 (Sessões Extraordinária e Ordinária). Decisão: O Tribunal, por maioria, rejeitou as preliminares e julgou procedente a ação penal para condenar o réu AECIO LUCIO COSTA PEREIRA à pena de 17 (dezessete) anos, sendo 15 (quinze) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 1 (um) ano e 6 (seis) meses de detenção e 100 (cem) dias-multa, cada dia-multa no valor de 1/3 (um terço) do salário mínimo, pois incurso nos artigos: 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito), do Código Penal, à pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão; 359-M (Golpe de Estado) do Código Penal à pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de reclusão; 163, parágrafo único, I, II, III e IV (dano qualificado), todos do Código Penal à pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de detenção e 50 (cinquenta) dias-multa, fixando cada dia-multa em 1/3 do salário mínimo; 62, I, (deterioração do Patrimônio tombado) da Lei 9.605/1998 à pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão e 50 (cinquenta) dias-multa, fixando cada dia-multa em 1/3 do salário mínimo; 288, parágrafo único, (Associação Criminosa Armada) do Código Penal à pena de 2 (dois) anos de reclusão, fixando o regime fechado para o início do cumprimento da pena de 15 anos e 6 meses de reclusão, nos termos do art. 33, §§ 2º, a, e 3º, do Código Penal, e, no caso da pena de Código Penal. No tocante aos danos morais coletivos, fixava o valor mínimo indenizatório de R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais), a ser adimplido de forma solidária pelos condenados em favor do fundo a que alude o art. 13 da Lei 7.347/85, soma a ser corrigida monetariamente a contar do dia da proclamação do resultado do julgamento colegiado, incidindo juros de mora legais a partir do trânsito em julgado deste acórdão; e do voto do Ministro Nunes Marques (Revisor), que divergia em parte do Relator, acolhendo a preliminar de incompetência do Supremo Tribunal Federal, e rejeitando as demais, e julgando procedente em parte a ação penal, para: 1) absolver o acusado dos crimes previstos nos arts. 288 (com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal), 359-L e 359-M do Código Penal (esses com fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal); 2) condenar o acusado como incurso nas penas do art. 163, parágrafo único, incisos I, II, III e IV, do Código Penal, e do art. 62, I, da Lei 9.605/1998, fixando a pena do crime de dano em 1 ano e 3 meses de detenção e 30 dias-multa no valor unitário mínimo, e a pena do crime do art. 62, I, da Lei 9.605/1998, em 1 ano e 3 meses de reclusão e 30 dias-multa no valor unitário mínimo, que, somadas, em razão do concurso material, correspondem a 2 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicial aberto, além de 60 dias multa, fixando o dia-multa no valor mínimo legal para os delitos do art. 163, parágrafo único, I, II, III e IV, do Código Penal, e do art. 62, I, da Lei 9.605/1998, o julgamento foi suspenso. Presidência da Ministra Rosa Weber. Plenário, 13.9.2023 (Sessões Extraordinária e Ordinária). Decisão: O Tribunal, por maioria, rejeitou as preliminares e julgou procedente a ação penal para condenar o réu AECIO LUCIO COSTA PEREIRA à pena de 17 (dezessete) anos, sendo 15 (quinze) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 1 (um) ano e 6 (seis) meses de detenção e 100 (cem) dias-multa, cada dia-multa no valor de 1/3 (um terço) do salário mínimo, pois incurso nos artigos: 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito), do Código Penal, à pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão; 359-M (Golpe de Estado) do Código Penal à pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de reclusão; 163, parágrafo único, I, II, III e IV (dano qualificado), todos do Código Penal à pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de detenção e 50 (cinquenta) dias-multa, fixando cada dia-multa em 1/3 do salário mínimo; 62, I, (deterioração do Patrimônio tombado) da Lei 9.605/1998 à pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão e 50 (cinquenta) dias-multa, fixando cada dia-multa em 1/3 do salário mínimo; 288, parágrafo único, (Associação Criminosa Armada) do Código Penal à pena de 2 (dois) anos de reclusão, fixando o regime fechado para o início do cumprimento da pena de 15 anos e 6 meses de reclusão, nos termos do art. 33, §§ 2º, a, e 3º, do Código Penal, e, no caso da pena de 1 ano e 6 meses de detenção, fixando o regime aberto como o regime inicial de cumprimento da pena, nos termos do art. 33, § 2º, c, do Código Penal. Por fim, condenou o réu AECIO LUCIO COSTA PEREIRA no pagamento do valor mínimo indenizatório a título de danos morais coletivos de R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais), a ser adimplido de forma solidária pelos demais condenados, em favor do fundo a que alude o art. 13 da Lei 7.347/1985, soma a ser corrigida monetariamente a contar do dia da proclamação do resultado do julgamento colegiado, incidindo juros de mora legais a partir do trânsito em julgado deste acórdão. Tudo nos termos do voto do Ministro Alexandre de Moraes (Relator), vencidos, quanto à preliminar de incompetência do Supremo Tribunal Federal, os Ministros Nunes Marques (Revisor) e André Mendonça, e, vencidos parcialmente quanto ao mérito: (a) o Ministro Nunes Marques, que absolvia o réu das imputações quanto aos arts. 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito), 359-M (Golpe de Estado) e 288, parágrafo único (Associação Criminosa Armada), todos do Código Penal, com fixação de dosimetria, nos termos de seu voto; (b) o Ministro Cristiano Zanin, que divergia, parcialmente, do Relator apenas no tocante à dosimetria da pena, nos termos de seu voto; (c) o Ministro André Mendonça, que absolvia o réu da imputação quanto ao art. 359-M (Golpe de Estado), com fixação de dosimetria, nos termos de seu voto; e (d) o Ministro Roberto Barroso, que absolvia o réu da imputação quanto ao art. 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito), com fixação de dosimetria, nos termos de seu voto. Presidência da Ministra Rosa Weber. Plenário, 14.9.2023.

Presidência da Senhora Ministra Rosa Weber. Presentes à sessão os Senhores Ministros Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Nunes Marques, André Mendonça e Cristiano Zanin.

Subprocurador-Geral da República, Dr. Carlos Frederico Santos.[2]

Vi atentamente o julgamento, via TV Justiça, e existem aspectos que merecem considerações. Tratarei rapidamente sobre alguns aspectos. Para tanto, apresento o informativo do STF sobre o julgamento:

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, votou nesta quarta-feira (13) pela condenação de Aécio Lúcio Costa Pereira, réu da primeira ação penal (AP 1060) julgada pela Corte envolvendo os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. Ele propôs a pena inicial de 17 anos pela prática dos crimes de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça com substância inflamável contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.

O julgamento prosseguirá nessa quinta-feira (14), a partir das 9h30.

Primeiro réu

De acordo com o relator, Aécio Pereira, morador de Diadema (SP), veio a Brasília de ônibus para participar da manifestação convocada para aquela data e foi preso dentro do Plenário do Senado Federal. Ele foi empregado por mais de 20 anos da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), mas atualmente está desempregado.

O ministro disse que, no interrogatório, Aécio afirmou que já frequentava o Comando Militar do Sudeste, em São Paulo, com um grupo denominado “Patriotas”, que pedia intervenção militar e organizou a vinda para Brasília em janeiro.

Ainda segundo o relator, o réu confessou ter acampado na frente do Quartel-General do Exército, em Brasília, e doado R$ 380 ao grupo. Também admitiu ter entrado no Plenário do Senado Federal e ter vindo à capital pedir intervenção militar e derrubar o governo eleito em 2022.

Vídeos

Em seu voto, o ministro Alexandre de Moraes observou que o réu produziu e divulgou nas redes sociais vídeos em que trajava camiseta com a inscrição “intervenção militar federal” e comemorava a invasão da Praça dos Três Poderes e do Senado Federal. Nas publicações, ele incentivava atos golpistas, depredações e vandalismo, insinuando, por exemplo, que defecaria no Plenário do Senado e nadaria no espelho d ́água do Congresso Nacional.

Pena

Para o relator, está comprovado que Aécio Pereira integrava grupo criminoso antidemocrático. O ministro propôs fixação da pena inicial em 17 anos (15 anos e seis meses de reclusão em regime fechado e um ano e seis meses de detenção em regime aberto) e a 100 dias-multa, cada um no valor de 1/3 do salário mínimo.

A título de ressarcimento de danos morais e materiais coletivos, o ministro também condenou Aécio ao pagamento de R$ 30 milhões de forma solidária entre todos os condenados.

Conclusões comuns a todas as APs

O ministro Alexandre Moraes apresentou conclusões comuns a todas as ações penais. A seu ver, está muito clara a intenção do grupo de derrubar o governo democraticamente eleito em 2022, ao pedir intervenção militar.

Segundo o relator, os invasores não tinham armamento pesado, “mas estavam numericamente agigantados e violentos”. Na sua avaliação, a ideia era que, a partir da destruição e da tomada dos prédios, houvesse a necessidade de uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Eles também pediam que as forças militares, principalmente o Exército, aderissem a um golpe de Estado.

Crime de multidão

Para o relator, a execução dos crimes é multitudinária, ou seja, de autoria coletiva, em que todos contribuíram para o resultado a partir de uma ação conjunta direcionada para o mesmo fim. Assim, concluiu que cada réu agiu com dolo (intencionalmente) ao fazer parte da multidão.

Golpe de Estado

Ainda de acordo com o ministro Alexandre de Moraes, as testemunhas relataram que os invasores utilizaram de violência contra as forças policiais, arremessando paus, pedras, extintores de incêndio e bolas de gude. Isso foi feito de maneira orquestrada, com organização e divisão de tarefas e até material gráfico com instruções.

“Eles não estavam aqui a passeio, mas com uma finalidade golpista. A tentativa de morte da democracia não é pacífica. O que ocorreu no dia 8 foi um ato violentíssimo contra o Estado democrático de direito”, concluiu.

Divergência

Revisor do processo, o ministro Nunes Marques votou pela condenação de Aécio à pena de dois anos e seis meses de reclusão, quanto aos crimes de deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado pela violência e grave ameaça. A seu ver, os vídeos publicados nas redes sociais e os depoimentos de testemunhas evidenciam a prática dos delitos.

No entanto, em relação aos crimes de golpe de Estado, abolição violenta do estado democrático de direito e associação criminosa armada, entendeu que não há elementos para a condenação. Para Marques, não ficou demonstrado emprego de violência ou grave ameaça contra representantes dos Poderes da República, uma vez que as invasões ocorreram num domingo, durante o recesso parlamentar e judiciário, quando não havia atividade nesses locais.

Sobre o crime de associação criminosa armada, também considerou que a acusação não reuniu provas de associação estável com o fim específico de realizar crimes. A seu ver, não se pode presumir que todas as pessoas presas nos prédios invadidos tivessem esse vínculo associativo.

Por fim, quanto ao delito de golpe de Estado, o ministro observou que os atos de vandalismo não seriam eficazes para alcançar o objetivo dos manifestantes, que era desencadear uma intervenção militar, uma vez que as Forças Armadas não sinalizaram nenhuma adesão ao movimento. Para ele, os expedientes utilizados caracterizam a hipótese de crime impossível, em razão da ineficácia dos meios utilizados para depor o governo.[3]

As decisões foram publicadas sem que exista, ainda publicação do acórdão. Quando este for publicado, iniciará o prazo para a interposição de embargos infringentes, visto que a decisão condenatória não foi unânime (RISTF, art. 333, inciso I).[4]

Não há como analisar tudo porque ainda não temos os votos escritos. O que podemos fazer é resgatar da memória e assistir a sessão de julgamento, disponível em vídeos na rede mundial de computadores.[5]

2. Competência do STF

Dizer que a Constituição Federal, em face do princípio da legalidade, exige lei sentido estrito da União para regular o processo (art. 22, inc. I), havendo competência concorrente da União, Distrito Federal e Estados para legislarem sobre procedimentos em matéria processual (art. 24, inc. XI). Também, os regimentos internos dos tribunais poderiam apenas disciplinar procedimentos.[6]

Essa preliminar já havia sido afastada pelo STF e no julgamento do réu em questão a decisão foi confirmada, mantendo-se a competência do STF para julgar os atentados praticados contra si, ex vi do art. 43 do STF e seguintes.

3. Condenações concretizadas

Não me canso de citar Ferri, o qual já nos alertava para a constante utilização do sistema punitivo estatal em uma aversão moral pelo delinquente, fazendo nascer um sentimento atávico de vingança ede comiseração pela vítima.[7] Isso piora quando se vê que o STF não tem Ministro especializado em matéria criminal.

3.1 Dano qualificado

O dano é, em princípio, uma infração criminal de ação de iniciativa exclusivamente privada. No entanto, passemos a verificar o que dispõe o Código Penal:

Dano

Art. 163 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Dano qualificado

Parágrafo único - Se o crime é cometido:

I - com violência à pessoa ou grave ameaça;

II - com emprego de substância inflamável ou explosiva, se o fato não constitui crime mais grave

III - contra o patrimônio da União, de Estado, do Distrito Federal, de Município ou de autarquia, fundação pública, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviços públicos;

IV - por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima:

Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

Dano em coisa de valor artístico, arqueológico ou histórico

Art. 165 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa tombada pela autoridade competente em virtude de valor artístico, arqueológico ou histórico:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

Ação penal

Art. 167 - Nos casos do art. 163, do inciso IV do seu parágrafo e do art. 164, somente se procede mediante queixa.

A ação se iniciou mediante denúncia, inexistindo querelante. Assim, é incabível a condenação pelo crime do art. 163, parágrafo único, inciso IV (motivo egoístico e prejuízo considerável à vítima). Erro crasso consolidado.

Quanto à pena, respeitando a jurisprudência de outrora, em que cada circunstância judicial teria o valor, para exasperação, variando aproximadamente entre 4 meses (1/8 para não subvalorizar) e 5 meses e 15 dias (1/6 para não supervalorizar), parece estranha a pena privativa de liberdade fixada (1 ano e 6 meses de detenção).

A fixação do regime inicial aberto demonstra certa ignorância do sistema dinâmico de normas. Com efeito, os regimes devem ser unificados (Lei n. 7.210, de 11.7.1984 – Lei de Execução Penal – art. 111). Como é inconciliável o regime inicial fechado com o aberto, todas as penas, inicialmente, deverão ser cumpridas no regime inicial fechado.

A pena de multa é nitidamente exagerada, desrespeitando ao disposto no art. 60, caput, do Código Penal, o qual determina que “Na fixação da pena de multa o juiz deve atender, principalmente, à situação econômica do réu”. É notório que o sentenciado está desempregado (foi demitido por justa causa da SABESP, onde trabalhava). Assim, sua pena de multa razoável seria o mínimo legal (10 dias-multa, na razão de 1/30 do salário mínimo, ex vi do art. 49 do Código Penal).

O relator afirma que a contribuição financeira do autor para a organização dos crimes foi de R$ 380,00, representando cerca de 30% do salário mínimo, o que evidencia não ter condições financeiras que permitam suportar a elevada pena de multa fixada (50 dias-multa, a razão de 1/3 do salário mínimo para cada dia).

3.2 Deterioração do patrimônio tombado

O art. 165 do Código Penal, transcrito no item anterior está tacitamente revogado. Daí a condenação pelo seguinte crime da Lei n. 9.605, de 12.2.1998:

Art. 62. Destruir, inutilizar ou deteriorar:

I - bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial;

II – (omissis)

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

Vê-se aí um concurso formal imperfeito (Código Penal, art. 70, caput, parte final), em que a conduta do dano levou à cumulação da pena com a do art. 62, inc. I transcrito. Ao mesmo tempo que a turba quebrava vidraças, cadeiras etc. destruiu bens históricos e culturais.

A pena privativa de liberdade fixada (1 anos e 6 meses de reclusão), considerando as penas mínimas e máximas cominadas, cada exasperação por circunstância judicial desfavorável, oscilaria de 3 meses (1/8) a 4 meses (1/6), o que só torna a pena aplicada razoável se apenas 2 circunstâncias judiciais foram consideradas desfavoráveis e não houver agravante genérica.

A pena de multa, novamente, é exagerada (50 dias-multa, importando em 1/3 de salário mínimo cada dia-multa). Pelas razões já expostas, o razoável seria a fixação da pena no mínimo legal.

3.3 Associação criminosa

Foi fixada a pena do crime de associação criminosa (Código Penal, art. 288), com a causa especial de aumento de pena prevista no parágrafo único, em face de estarem os agentes armados, conforme preceitua o Código Penal:

Associação Criminosa

Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.

Parece-me provada a permanência tendente à prática dos crimes concretizados, razão de discordar daqueles Ministros que não vislumbraram a tipificação de tal delito. Com efeito, o relator demonstrou que o sentenciado confessou que acampou em frente ao quartel do Exército localizado na sua cidade de origem e veio para Brasília um dia antes para participar dos atos antidemocráticos criminosos concretizados, tendo acampado no Setor Militar Urbano desta capital.

A pena privativa de liberdade fixada (2 anos de reclusão), em princípio, está razoável, eis que cada exasperação da pena base poderia variar, aproximadamente, de 3 meses (1/8) a 4 meses (1/6). Com o aumento de metade (causa especial de aumento da pena), não parece exagerada a dosimetria empreendida.

3.4 Golpe de Estado

Ao meu sentir, todos os movimentos, toda prova apresentada acerca das pessoas que desejavam – antes a manutenção -, no momento dos fatos, o retorno do Presidente da República vencido nas urnas, caracteriza o crime de golpe de Estado, visto que o Código Penal preceitua:

Golpe de Estado

Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência.

Veja-se que o crime se completa pela tentativa de deposição de governo legitimamente constituído. Não podemos dizer que os agentes apenas exerciam as liberdades de expressão e de reunião (Constituição Federal, art. 5º, incisos IV e XVI) visto que tais liberdades não podem constituir crimes.

A pena privativa de liberdade fixada (6 anos e 6 meses de reclusão), considerando que cada circunstância judicial poderia levar à exasperação da pena base de, aproximadamente, 1 ano (1/8) a 1 ano e 6 meses (1/6), em princípio, não parece estar equivocada a pena aplicada.

3.5 Abolição violenta do Estado Democrático de Direito

Concordo com a divergência inaugurada pelo Min. Nunes Marques, no sentido de que é, em tese, impossível combinar as penas dos crimes do art. 359-M e 359-L, especialmente no caso vertente porque a tentativa de golpe de Estado não foi bem sucedida, eis que esse último está assim estabelecido:

Abolição violenta do Estado Democrático de Direito

Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

O crime impossível (Código Penal, art. 17) merece análise ex post. Não posso concordar que, quanto ao crime do art. 359-M do Código Penal, houve crime impossível, visto que potencialmente o golpe de Estado poderia se concretizar. Porém, inexistem elementos para dizer que se pretendia “abolir” o Estado Democrático de Direito.

Os Ministros André Mendonça e Luís Roberto Barroso entenderam ser o caso de aplicar o princípio da consunção. Entendo diversamente, ao meu sentir, o princípio da especialidade resolve a questão, a fim de evitar bis in idem.

Ao meu sentir, é impossível tentar abolir o Estado Democrático de Direito quando a tentativa de golpe de Estado restar fracassada. Sendo a tentativa de golpe fracassada, a abolição do Estado Democrático de Direito esbarrará e meio absolutamente ineficaz para tal, cuja análise deve ser a posteriori, não ex ante.

4. A esperança que nos resta

Havendo quatro votos pela absolvição, serão cabíveis os embargos infringentes. Espero que eles ocorram para que haja maior maturidade da discussão e o Min. Celso de Mello sustentou:

Na realidade, a resposta do poder público ao fenômeno criminoso, resposta essa que não pode manifestar-se de modo cego e instintivo, há de ser uma reação pautada por regras que viabilizem a instauração, perante juízes isentos, imparciais e independentes, de um processo que neutralize as paixões exacerbadas das multidões, em ordem a que prevaleça, no âmbito de qualquer persecução penal movida pelo Estado, aquela velha (e clássica) definição aristotélica de que o Direito há de ser compreendido em sua dimensão racional, da razão desprovida de paixão![8]

Com o tempo, talvez, a paixão de cada Ministro do STF permita decidir mais serenamente e corrigir os equívocos evidentes, como, por exemplo, foi o de condenar o réu em ação de iniciativa pública por crime de ação de iniciativa exclusivamente privada.

A pena de multa exagerada não terá maiores consequências porque, desde o advento da Lei n. 9.268, de 1.4.1996, é vedada a sua conversão em prisão, constituindo apenas título de valor em favor da União. De todo modo, seria conveniente que o tribunal não se movesse impelido por sentimento de vingança.


[1] STF. Tribunal Pleno. AP n. 1060. Carmem Lilian Oliveira de Sousa, Assessora-Chefe do Plenário. Certidão. Disponível em: <chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://peticionamento.stf.jus.br/api/peca/recuperarpdf/15360996455>. Acesso em: 16.11.2023, às 13h59, às 13h59.

[2] STF. Tribunal Pleno. AP n. 1060. Carmem Lilian Oliveira de Sousa, Assessora-Chefe do Plenário. Certidão. Disponível em: <chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://peticionamento.stf.jus.br/api/peca/recuperarpdf/15361013814>. Acesso em: 16.11.2023, às 13h59, às 14h15.

[3] STF. Notícias. Relator propõe pena de 17 anos para primeiro réu dos atos antidemocráticos de 8/1: o Plenário começou hoje a julgar a primeira ação penal do caso, tendo como réu Aécio Lúcio Costa Pereira. Julgamento continua amanhã, às 9h30. Publicado em 13.9.2023. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=514007&ori=1>. Acesso em: 16.11.203, às 14h32.

[4] Há quem diga que o STF pretende afastar os Ministros Nunes Marques e André Mendonça dos julgamentos das ações decorrentes de 8.1.2023. O Ministro Barroso, em 29.9.2023, já manifestou o interesse de voltar o julgamento das ações criminais para as turmas (GRILLO, Brenno. Barroso quer devolver às turmas do STF competência sobre ações penais. Consultor Jurídico, 29.9.2023. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2023-set-29/barroso-devolver-turmas-competencia-acoes-penais/>. Acesso em: 16.11.2023, às 15h05. Diz-se que isso seria uma articulação porque o relator continuaria sendo o Min. Alexandre de Moraes, que é da 1ª Turma, afastando os dissidentes, que são da 2ª Turma. Mais ainda, o Min. Dias Toffoli poderia retornar à 1ª Turma, reforçando a vontade condenatória pelos atos golpistas. Isso evitaria embargos infringentes e tiraria a publicidade dos discursos de Advogados bolsonaristas em sessões transmitidas ao vivo pela TV Justiça.

[5] STF. Pleno. Bloco 1 – Julgamento da 1ª ação penal de réu acusado de participar dos atos de 8/1, 13.9.2023. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ItyLAux7WQQ&list=PLippyY19Z47vFgErj_z1KpDr8Q3YP41Wj>. Acesso em: 16.11.2023, às 21h34; STF. Pleno. Bloco 1 – STF condena três réus nas primeiras ações penais sobre atos de 8/1, 14.9.2023. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=-dReKZYKYtc&list=PLippyY19Z47vVk3X06e_Hf6efzKeuowES>. Acesso em: 16.11.2023, às 21h36.

[6] Sobre isso já comentamos aqui (MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Normas processuais e normas procedimentais, distinção difícil. Brasília: Estudos Jurídicos e Filosóficos, 29.1.2010. Disponível em: <https://sidiojunior.blogspot.com/2010/01/normas-processuais-e-normas.html>. Acesso em: 16.11.2023, às 15h47). Mais detalhado é o voto do Min. Celso de Mello no agravo regimental interposto para gerar o conhecimento aos embargos infringentes na Ação Criminal n. 470, sobre a qual tratamos, também, aqui: (MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Análise/resenha do voto do Ministro Celso de Mello, proferido nos autos do AgrRegEmbInf Interpostos contra acórdão da Ação Criminal n. 470. Brasília: Estudos Jurídicos e Filosóficos, 17.9.2023. Disponível em: <https://sidiojunior.blogspot.com/2023/09/naliseresenha-do-voto-do-ministro-celso.html>. Acesso em: 16.11.2023, às 15h55).

[7] FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal: o criminoso e o crime. 2. ed. Campinas: Bookseller, 1999. p. 28.

[8] STF. Tribunal Pleno. 26º AgrReg na Ação Penal 470-MG. Voto do Min. Celso de Mello. p. 242/277. Disponível em: <chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=5276407>. Acesso em: 17.11.2023, às 1h10.

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