quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Curso de Direito Criminal: teoria geral do direito criminal

 

SIDIO ROSA DE MESQUITA JÚNIOR

 

 

 

 

 

 

ANÁLISE CRÍTICA DO DIREITO CRIMINAL:

teoria geral do Direito Criminal, teoria da norma jurídico-criminal, teoria do crime e teoria da pena

 

 

 

 

 

 

 

Volume 1

 

 

 

 

 

BRASÍLIA

2022

ÍNDICE

____________________

Abreviaturas e siglas

Nota do autor

Introdução

1. Introdução,

1.1 Divisão da obra em volumes,

1.2 O código penal vigente,

1.3 Como o assunto será tratado,

1.4 Motivação do autor,

2. Noções preliminares,

2.1 Proposta de estudo,

2.2 O porquê do estudo filosófico,

2.2.1 Objeto de estudo da jusfilosofia,

2.2.2 Graus do conhecimento, conceito e autonomia do DCrim,

2.2.3 A localização de topoi e o problema das classificações,

2.3 Relações do DCrim,

2.4 Denominação,

2.5 História do DCrim e a sua relação com a filosofia,

2.5.1 Generalidades,

2.5.2 Ideias e instituições criminais,

2.5.2.1 Significado de ideias e instituições criminais,

2.5.2.2 Fase da vingança,

2.5.2.3 Lei de talião e a pena de morte,

2.5.2.4 Composição,

2.5.2.5 Códigos escritos,

2.5.2.6 Povos antigos

2.5.2.6 Direito da igreja

2.5.2.7 Período humanitário,

2.5.2.8 Período criminológico,

2.5.3 Escolas criminais,

2.5.3.1 Escola clássica,

2.5.3.2 Escola positiva,

2.5.3.3 Funcionalismo,

2.5.3.4 Formação multidisciplinar do direito e o funcionalismo criminal: teorias do discurso,

2.5.4 DCrim no Brasil,

2.5.4.1 Das ordenações do reino ao código penal vigente,

2.5.4.2 Lei das contravenções penais e distinção entre crime e contravenção,

2.6 Sanção criminal e outras sanções,

2.7 Fontes do direito criminal,

2.7.1 Fontes materiais,

2.7.2 Fontes formais,

2.7.2.1 Imediatas,

2.7.2.2 Mediatas,

2.8 Posição enciclopédica,

2.9 Outras classificações,

2.10 Caracteres do dcrim,

2.11 DCrim, Penalogia, Política Criminal, Vitimologia e Criminologia,

2.11.1 Objeto de estudo de cada ciência,

2.11.2 Conceituando a criminologia,

2.11.3 Autonomia da criminologia,

2.11.4 Método de estudo da criminologia,

2.11.5 Criminologia clássica (ou positiva?),

2.11.6 Vertentes hodiernas,

2.11.6.1 Contextualizando a criminologia e dentre os movimentos que tendem ao combate da criminalidade,

2.11.3.2 As denominadas escolas criminológicas,

2.11.3.3 Criminologia crítica e abolicionismo, minimalismo e maximização do DCrim,

3. Lei criminal e outras regras gerais,

3.1 Objetivos deste capítulo,

3.2 Conceito e espécies de normas criminais,

3.2.1 Conceito e elementos mínimos,

3.2.2 Classificação,

3.3 Hermenêutica e interpretação da norma criminal,

3.3.1 Distinção entre hermenêutica e interpretação,

3.3.2 Escola da exegese,

3.3.3 Escola histórico-evolutiva e direito livre,

3.3.4 Métodos de interpretação,

3.4 Lei criminal no tempo,

3.4.1 Princípios da legalidade e da reserva legal,

3.4.2 O garantismo e o direito criminal funcionalista,

3.4.3 Bases do garantismo,

3.4.4 Congruência das teorias: funcionalismo e garantismo,

3.4.5 Criação, extinção e repristinação da norma criminal,

3.4.6 Tipo (elementos e espécies) e norma criminal em branco,

3.4.7 Princípio da anterioridade,

3.4.8 Princípio da irretroatividade,

3.4.9 Retroatividade benéfica da lei criminal,

3.4.10 Ultra-atividade da lei criminal,

3.4.11 O fenômeno da ultra-atividade e retroatividade da lei ao mesmo tempo (lex tertia),

3.4.12 Tempo do crime,

3.5 Lei criminal no espaço,

3.5.1 Princípio da territorialidade,

3.5.1.1 Sentido do princípio,

3.5.1.2 O princípio da territorialidade ante a corte internacional criminal,

3.5.2 Da extraterritorialidade,

3.5.3 Lugar do crime,

3.6 A norma criminal quanto às pessoas,

3.6.1. Distinção entre imunidade e prerrogativa de foro,

3.6.2 Imunidades,

3.6.2.1 Espécies básicas,

3.6.2.2 Imunidade absoluta,

3.6.2.3 Imunidade relativa,

3.7 Pena cumprida no estrangeiro,

3.8 Sentença estrangeira,

3.9 Contagem do prazo,

3.10 Legislação especial,

4. Teoria do injusto criminal: parte objetiva do delito,

4.1 Introdução,

4.2 O crime: conceitos,

4.2.1 Conceitos formal e material de crime,

4.2.1.1 Funcionalismo criminal e imputação objetiva,

4.2.1.2 Conceitos formal e material propriamente ditos,

4.2.2 Conceito analítico ou operacional de crime,

4.2.2.1 Conceitos quadripartido(e) e tripartido(e),

4.2.2.2 Conceitos bipartidos(es),

4.3 Fato típico,

4.3.1 Conduta,

4.3.1.1 Teorias,

4.3.1.2 Injustos comissivo, omissivo e comissivo por omissão,

4.3.3.3 O dolo e a negligência como elementos da conduta (incluindo o conceito e as espécies de perigo),

4.3.4 Relação de causalidade, uma das principais problemáticas do delito,

4.3.4.1 Limites do art. 13 do CP,

4.3.4.2 Teorias de maior prestígio,

4.3.4.3 Aplicação das teorias e posição dominante na doutrina pátria (até o advento da teoria da imputação objetiva),

4.3.4.4 A minha posição, em face da legislação brasileira,

4.3.4.5 Causalidade na omissão,

a. Crimes omissivos impróprios são (in)constitucionais,

b. Poder-dever de agir,

c. Tentativa de crime omissivo impróprio,

4.4.4.6 Ponderações acerca da inserção da relação de causalidade na lei,

4.4.4.7 A imputação objetiva segundo Chaves Camargo,

4.4.4.8 Exemplos que demonstram a inadequação da imputação objetiva,

4.3.5 Resultado,

4.3.5.1 Espécies de resultado e classificação dos delitos segundo seus resultados (material ou de dano, formal ou de perigo e de mera conduta),

4.3.5.2 O iter criminis,

4.3.5.3 Consumação e tentativa,

4.3.6 Tipicidade,

4.3.6.1 Generalidades,

4.3.6.2 Retorno aos elementos e espécies de tipo,

4.3.6.3 Problemas decorrentes da adoção da adequação social,

4.3.6.5 Tipicidade conglobante,

4.3.6.6 Princípio da insignificância,

4.3.6.7 Modificação e realização do resultado,

4.3.7 Últimas considerações acerca do fato típico,

4.3.7.1 Atribuição objetiva do resultado,

4.3.7.2 Política criminal – primeira parte: crimes complexos e crimes conexos e os princípios da subsidiariedade, da consunção e da alternatividade,

4.3.7.3 Política criminal – segunda parte: tentativa, desistência voluntária, arrependimento eficaz e arrependimento posterior,

4.3.7.4 Política criminal – terceira parte: crime impossível,

4.3.7.5 Delitos: doloso, negligente, preterintencional e qualificado pelo resultado,

4.3.7.6 Erro de tipo,

4.3.7.7 Erro determinado por terceiro,

4.3.7.8 Erro sobre a pessoa,

4.4 ILICITUDE

4.4.1 Denominação (antijuridicidade, ilicitude ou injusto?) e relação com o fato típico,

4.4.2 Ilicitude objetiva e ilicitude subjetiva,

4.4.3 Ilicitude formal e ilicitude material,

4.4.4 Excludentes da ilicitude,

4.4.4.1 Generalidades,

4.4.4.2 A ilicitude e o princípio da adequação social,

4.4.4.3 Consentimento da vítima,

4.4.4.5 Excludentes legais,

A. Generalidades,

B. Estado de necessidade,

C. Legítima defesa,

D. Estrito cumprimento do dever legal,

4.4.4.7 Excesso negligente ou doloso,


ABREVIATURAS E SIGLAS

_________________________________

CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica

CC – Código Civil

CF – Constituição Federal

CP – Código Penal

CPP – Código de Processo Penal

DCrim – Direito Criminal

DProc – Direito Processual

DAdm – Direito Administrativo

DConst – Direito Constitucional

DCiv – Direito Civil

DExecCrim – Direito de Execução Criminal

EC – Emenda à Constituição

LICPCPP – Lei de Introd. ao Código Penal e ao Código de Processo Penal

LEP – Lei de Execução Penal

PG/CP – Parte Geral do Código Penal

SINIC – Sistema Nacional de Identificação Criminal

STJ – Superior Tribunal de Justiça

STF – Supremo Tribunal Federal

TACrim – Tribunal de Alçada Criminal

TJDFT – Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios

v.g. verbi gratia

NOTA DO AUTOR

_________________________

O presente livro volta-se ao público acadêmico em geral. É uma obra que pretende merecer o status de análise propedêutica e doutrinária do Direito Criminal pátrio, mas sem esgotar todos os assuntos que o Direito Criminal aborda, uma vez que, até em um tratado, é impossível enfrentar todos os temas que o exame científico da norma criminal viabiliza. Não obstante isso, o objetivo é desenvolver uma análise mais aprofundada e crítica do DCrim.

O livro irá além do Código Penal (CP), não sendo apenas uma abordagem momentânea da legislação vigente. Apresenta um conteúdo atualizado e crítico das posições consolidadas e que estão emergindo acerca do Direito Criminal (DCrim), mas com razoável enfoque jusfilosófico, base do discurso jurídico na atualidade.

Restringir o DCrim às normas que constituem seu objeto de estudo é equivocado. Pior seria restringi-lo à legislação criminal, uma vez que o conceito de norma jurídica é mais amplo que o conceito de lei. É por essa razão que o estudo estará permeado de análises que induzirão o leitor a perceber que o cientista do Direito não pode resolver todas as questões que lhe são apresentadas. A maioria dos problemas jurídico-criminais ensejam discussões que tem soluções metajurídicas.

Este livro conterá análises mais aprofundadas no primeiro volume, que versará inicialmente sobre a propedêutica processual, onde a preocupação maior será a de apresentar o conceito e a evolução histórica do DCrim. Outrossim, uma das maiores preocupações dos 3 primeiros capítulos será contextualizar o DCrim, esclarecendo três pontos principais:

Ø é necessário empregar terminologias adequadas e se esclarecer o conceito de cada palavra utilizada, evitando-se cair discussões vazias, pois, conforme Heidegger nos ensinou, é necessário que se tenha definições claras do “ente”, do “ser” e “do fenômeno”, a fim de evitar confusões que tornam equivocados os estudos e, consequentemente as conclusões.[1] Ele dizia que o pensamento e o discurso residem e se movem na linguagem.[2] Assim, é mister o rigor terminológico e o emprego de palavras adequadas ao estudo científico que se desenvolve;

Ø a questão da legitimidade, para parte da jusfilosofia, é anterior ao Direito. Todavia, ninguém duvida que é melhor que a norma seja legítima, o que enseja a análise, já no Cap. 1, de questões relativas à evolução da jusfilosofia e sua posição atual, com profundos reflexos na teoria do crime e da pena.

Ø a norma jurídica precisa ser definida, uma vez que constitui pressuposto do crime e da pena. Esclarecer o alcance da norma, em relação ao tempo, ao espaço e às pessoas, é fundamental, a fim de possibilitar sua correta aplicação aos casos concretizados;

A teoria do crime será desenvolvida a partir do 4º capítulo, sendo que este volume corresponderá ao previsto na maioria das faculdades de Direito, visando a atender ao programa de Direito Penal I e de Direito Penal II, visto que incluirá a teoria da pena, a inciativa da ação, os efeitos da condenação e a extinção da punibilidade.

O 2º volume visará a atender aos conteúdos programáticos: (a) Direito Penal III: Parte Especial: dos crimes contra a pessoa aos crimes contra a dignidade sexual; (b) Direito Penal IV: Parte Especial: dos crimes contra a família aos crimes contra a administração pública.

A legislação criminal especial será tangenciada nos 2 volumes, de acordo com a aproximação dos temas em discussão, mas recomendando-se a complementação dos estudos com livros, ensaios e artigos específicos.

O estudo procurará ser profundo, mas com apresentação sucinta, evitando-se repetições de conceitos e teorias expostos no primeiro volume. Com isso, a compreensão do exposto no volume que tratará da parte especial exigirá conhecimento prévio do objeto de estudo do primeiro volume.

A crítica, aqui utilizada no sentido de indagação, acompanhará todo livro. O objetivo será propiciar conclusões racionais acerca de casos concretos e tornar possível a construção do saber jurídico-criminal do estudante da graduação em Direito, bem como contribuir para a evolução teórica daqueles que já trilham esse fascinante caminho.

1

INTRODUÇÃO

____________________

1.1 DIVISÃO DA OBRA EM VOLUMES

O DCrim vem sofrendo muitas transformações nos últimos anos. Não há acordo na doutrina sobre muitos aspectos. Assim, por responsabilidade, o estudo não pode apresentar uma única posição doutrinária.

Procurarei ser o mais abrangente possível, isso no tocante à apresentação, mesmo que de forma sucinta, das posições doutrinárias divergentes e das várias teorias incidentes sobre os assuntos que serão examinados, ganhando prestígio especial as teorias da norma e do crime, calcadas na moderna corrente jusfilosófica denominada funcionalismo. Para tanto, será necessário reservar este volume à propedêutica, na qual se estudará a teoria geral do DCrim, a partir da sua história, relações e fontes, até chegar às teorias da norma jurídico-criminal e do crime.

1.2 O CÓDIGO PENAL VIGENTE

O Código Penal (Decreto-lei n. 2.848, de 7.12.1940) é dividido em duas partes principais, uma geral e outra especial, o qual foi instituído em 1940, com início de vigência em 1941. A Parte Geral (PG) foi completamente modificada em 1984 (Lei n. 7.209, de 11.7.1984).

Na impossibilidade concreta de se criar um novo Código Penal, foram inseridas várias as modificações no texto da PE. Por outro lado, a PG não restou ilesa, ou seja, várias leis posteriores à Lei n. 7.209/1984 modificaram substancialmente o conteúdo desta.

A PG, como o próprio nome sugere, traz normas gerais aplicáveis aos crimes em espécie, dando a orientação sobre a aplicação da lei, definindo o crime, as condições de aplicação das sanções criminais, a iniciativa da ação e a punibilidade. A PE descreve os crimes em espécie, cominando a pena aplicável a cada um deles. Excepcionalmente, a PE e traz algumas disposições gerais que incidirão sobre determinados delitos. De qualquer modo, em relação às constantes da PG serão especiais, visto que se destinarão aos crimes que especialmente serão disciplinados por ela, em desprestígio das disposições da PG.

O estudo da PE exige a constante aplicação dos conhecimentos relativos à PG. É impossível dissociar as duas partes, visto que é a PG quem oferece as orientações para hermenêutica e aplicação da PE. Destarte, serão frequentes, nos comentários aos dispositivos da PE, as referências aos preceitos da PG. Por outro lado, apresentarei preceitos constantes da legislação criminal extravagante, mormente quando houver semelhança entre o preceito CP e o da lei especial que será mencionada.

1.3 COMO O ASSUNTO SERÁ TRATADO

A apresentação dos assuntos acompanhará a distribuição do CP, sendo que, por opção didática, serei razoavelmente fiel à sequência da lei, pois assim o leitor conhecerá mais facilmente cada um dos temas expostos. No entanto, os artigos serão reunidos em capítulos, podendo ocorrer algumas inversões nas sequências das disposições legais, tudo visando a facilitar a compreensão de cada norma expressa no CP.

Devo esclarecer que adotei uma postura que procura atender ao acadêmico e candidato a concurso público. Não obstante isso, esta obra pode trazer elucidações e contribuições rápidas, até mesmo para profissionais mais experientes, não sendo, portanto, uma obra destinada unicamente aos neófitos no estudo das teorias do crime e da pena.

Na esteira dessa linguagem didática, evitarei tornar a obra exageradamente extensa, expondo os assuntos de maneira que, segundo minha visão, são mais facilmente compreendidos. Dessa forma, procurarei facilitar a leitura deste livro.

O objetivo é apresentar seriamente o DCrim. O discurso não será o utilizado pelos meios de comunicação de massa nem o discurso corrente nos manuais tendentes exclusivamente aos concursos públicos. O objetivo é consolidar uma posição doutrinária, evitando uma prática despida da teoria que possa sustentá-la. Por isso, alerto desde já, há a possibilidade da prática decorrer de certas paixões populares e outros motivos metajurídicos, nem sempre os mais salutares para o desenvolvimento do conhecimento jurídico-criminal.

Pretender discutir profundamente todos os fatos relativos aos crimes e à criminalidade é impossível ao jurista. Sendo o conhecimento científico fragmentário, o jurista verificará suas limitações ao encontrar várias questões que dependerão do conhecimento de outras ciências. Refutarei, portanto, algumas previsões legais que têm a pretensão de reunir na figura do jurista todos os conhecimentos das diversas ciências que circundam o fenômeno criminal. Daí a impossibilidade teórica de se admitir certas determinações legais, v.g., relativas à “personalidade do agente”, conforme será exposto no presente livro.

1.4 MOTIVAÇÃO DO AUTOR

O que motiva o autor é a busca por uma estrutura razoável de aplicação do DCrim. Este é denominado “Direito de última instância”, dizendo-se que ele deve se afastar daqueles campos em que os outros ramos da ciência jurídica forem capazes de resolverem os conflitos por meio de suas próprias coercibilidades. Mais ainda, a solução de muitos problemas deve encontrar soluções pacíficas, não por meio de batalhas judiciais e sanções jurídicas, o que permite concluir pela total inviabilidade de se tentar ver no Direito Criminal a panaceia para todos os males da sociedade complexa.

A visão crítica, a concordância ou a discordância em relação às posições consolidadas na doutrina e nos tribunais permeará todo livro. No entanto, o farei de maneira fundamentada, haja vista que não é adequado concordar ou discordar com a afirmação de outrem sem a necessária racionalidade que possibilita o conhecimento científico.

Heidegger será citado neste curso por várias vezes. Ele acreditava:

A vida cotidiana faz do homem um ser preguiçoso e cansado de si próprio, que, acovardado diante das pressões sociais, acaba preferindo vegetar na banalidade e no anonimato, pensando e vivendo por meio de ideias e sentimentos acabados e inalteráveis, como ente exilado de si mesmo e do ser.[3]

O que se espera é ver um leitor atento, disposto a analisar cada posição que será apresentada neste curso e que se procure conhecer melhor cada uma das teorias e disposições legais que serão mencionadas. Assim, ele estará produzindo os efeitos desejados.

Weber enfrentou a questão relativa à neutralidade axiológica que se imagina necessária para exposição de conclusões sobre as experiências científicas realizadas, concluindo que é necessária a serenidade, mas, se necessário, deve-se “nadar contra a corrente”.[4]

Discordo daqueles que dizem ser melhor não enfrentar questões polêmicas, bastando a simples referência às construções já consolidadas. Como dizem os religiosos, se houvesse apenas uma pessoa a ser salva, Deus mandaria Seu Filho para sofrer tudo o que sofreu, pois o seu sacrifício não teria ocorrido em vão. Este é um livro pretende ser científico, razão de colher o exemplo bíblico apenas para demonstrar o quanto considero importante a imaginação capaz de analisar criticamente o sistema jurídico e, quiçá, desconstruir vários equívocos de tal sistema. Se encontrar um simpatizante às ideias nele contidas, tê-lo escrito já terá valido a pena.

Espera-se que cada leitor deste livro tenha a vontade de aprender um pouco mais do DCrim, sendo necessária, portanto, a dúvida. Desse modo, pede-se que, antes de iniciar o estudo deste livro, cada leitor se livre das convicções e supostas certezas tendentes a prejudicar a evolução intelectual. Este não é um curso que versa sobre conhecimentos que nos são dados. Ele visa a possibilitar a evolução científica do sistema jurídico-criminal.

Assim como a guerra, às vezes, é o instrumento para a construção de um ambiente de paz, é o conflito intelectual que possibilitará o surgimento de algo melhor que DCrim e permitirá a presença de algum conhecimento mais humana, eficaz e útil do que a pena. Quiçá alguém consiga criar um novo Direito, melhor que o DCrim consolidado, sendo que melhor será se este livro vier a contribuir de alguma maneira para tal evolução.

Concordo com Weber e entendo que as palavras de Nietzsche são aqui oportunas: “Eu sou alguém e, sobretudo, não confundais com os outros”.[5]

Essa visão permitirá a construção de uma análise crítica com a adoção de teses, em alguns momentos, destoantes das posições consolidadas sobre determinadas matérias, mas sem deixar de explicar as posições dominantes.

2

NOÇÕES PRELIMINARES

________________________________

2.1 PROPOSTA DE ESTUDO

Neste capítulo, procurarei definir o DCrim, situando-o dentro do sistema jurídico. Também, apresentarei uma síntese da sua evolução histórica, sempre visando a possibilitar a completa noção das razões pelas quais o Direito se encontra no atual estágio de desenvolvimento, bem como as lições que o inspiram. Esse estudo estará permeado de filosofia, uma vez que a história da filosofia e a do pensamento jurídico-criminal tendem a se aproximar desde a antiguidade.

O estudo preliminar do conceito do DCrim – incluindo nele os aspectos que possibilitam conhecer sua denominação e as regras de interpretação das normas criminais – é fundamental para o entendimento dos preceitos do CP, razão pela qual este capítulo se dedicará às matérias propedêuticas, às vezes, não expressas nas leis criminais.

Observe-se, no entanto, que a conceituação de uma ciência não é preocupação do cientista. Enquanto cientista do Direito, o jurista deve preocupar-se em delimitar e conceituar seu objeto de estudo, não a própria ciência, o conceito desta é preocupação da Filosofia, mais especificamente da jusfilosofia, que é a parte da Filosofia que se ocupa do Direito.

O objeto básico deste capítulo é situar o estudante do Direito acerca de aspectos históricos e filosóficos, bem como apresentar conceitos propedêuticos necessários, a fim de permitir a compreensão de estudos concernentes à norma, ao crime e à pena, que dependerão de tais noções.

2.2 O PORQUÊ DO ESTUDO FILOSÓFICO

Há uma parte da filosofia geral que se ocupa de assuntos jurídicos, a qual é denominada jusfilosofia. A sua análise é fundamental porque importantes pensadores já disseram que o Direito, antes de ser uma ciência é uma parte da filosofia.

O estudo do jusfilósofo tende à discussão em torno da justiça, procurando defini-la ou saber se ela é unicamente um fim do Direito, mas essa é uma árdua tarefa. Da mesma forma, a jusfilosofia procura explicar as bases que dão sustentação ao Direito, o que é também extremamente complicado. Na verdade, são muitas as metas e tarefas da jusfilosofia, a saber:

Ø proceder à crítica das práticas, das atitudes e atividades dos operadores do direito;

Ø avaliar e questionar a atividade legiferante, bem como oferecer suporte reflexivo ao legislador;

Ø proceder à avaliação do papel desempenhado pela ciência jurídica e o próprio comportamento do jurista ante ela;

Ø investigar as causas da desestruturação, do enfraquecimento ou da ruína de um sistema jurídico;

Ø depurar a linguagem jurídica, os conceitos filosóficos e científicos do Direito;

Ø investigar a eficácia dos institutos jurídicos, sua atuação social e seu compromisso com as questões sociais, seja no que tange a indivíduos, seja no que tange a grupos, seja no que tange a coletividades, seja no que tange a preocupações humanas universais;

Ø esclarecer e definir a teleologia do Direito, seu aspecto valorativo e suas relações com a sociedade e os anseios culturais;

Ø resgatar origens e valores fundantes dos processos e institutos jurídicos;

Ø por meio da crítica conceitual institucional, valorativa, política e procedimental, auxiliar o juiz no processo decisório.[6]

A fragmentariedade do conhecimento científico exige uma rápida incursão na filosofia, a fim de construir bases razoáveis para a perspectiva mais genérica e abstrata. Também, questões concernentes à legitimação do direito não é uma tarefa do cientista do Direito, mas do jusfilósofo.

Prepararei caminho para a compreensão da utilidade dos estudos jusfilóficos tendentes a explicar o que é efetivamente o cerne do Direito, seu fundamento de validade, como instrumento para tornar possível a coexistência social. É sabido que ubi societas ibi ius, sendo que ele só se justifica na medida em que tenha alguma utilidade social. No entanto, muitos problemas emergem, a partir da coercibilidade das normas jurídicas, visto que sempre restarão indagações sobre o que dá ao mais forte o direito de oprimir o mais fraco, ou ainda, nem sempre a vontade da maioria representará sabedoria, cabendo, então, discutir sobre o porquê de não fazer a vontade da minoria.

A busca incansável do homem por justiça reflete no Direito, provocando-lhe inúmeras transformações. Destarte, as considerações preliminares procuram apenas demonstrar que o enfoque do jusfilósofo é mais amplo que o do cientista do Direito, definindo, então, o objeto do presente curso.

Não se tratando de um livro de jusfilosofia, o assunto terá apresentação sucinta, mas pretendendo afastar a superficialidade exagerada. Em alguns pontos o enfoque será apenas informativo, como meras noções propedêuticas, suficientes ao estudo do objeto maior deste trabalho que é procurar dizer se depois de muitos séculos de história da humanidade conseguimos explicar coerentemente a existência de normas jurídicas e, fundamentalmente, sua coercibilidade. Assim, noções introdutórias, como as do presente topoi, não serão mais significativamente aprofundadas, pois procuram unicamente contribuir para o delineamento adequado da exposição que se seguirá.

2.2.1 Graus do conhecimento, conceito e autonomia do DCrim

O Direito é uma ciência. Seu conceito é razoavelmente complicado, exigindo o conhecimento dos graus deste. Paulo Nader apresenta três níveis de conhecimento: o vulgar, o científico e o filosófico. Delimitar os níveis dos conhecimentos que serão objetos do presente curso é importante para evitar confusões na interpretação das posições que constarão de todo texto.

O conhecimento vulgar é superficial, decorrendo da experiência, das assimilações assistemáticas e fragmentárias.[7] Ele contém uma série de imprecisões, visto que superficial.

O conhecimento científico “consiste na apreensão mental das coisas por suas causas ou razões, através de métodos especiais de investigação”.[8] Com efeito, a ciência é o processo pelo qual o homem se relaciona com a natureza, visando dominá-la. Este processo se configura na determinação segundo um método e na expressão em linguagem matemática de leis em que se podem ordenar os fenômenos naturais, do que resulta a possibilidade de, com rigor, classificá-los e controlá-los. No tocante às ciências humanas, a racionalidade não estará em critérios matemáticos, mas em discursos e métodos indutivos ou dedutivos, decorrentes da experiência social ou de cada indivíduo.

O conhecimento filosófico, por sua vez, é mais amplo, apresentando maior grau de abstração e generalidade. É por meio da Filosofia que se procura conjugar os vários conhecimentos parciais das diversas ciências isoladas.[9] Não obstante isso, não se deve entender que a Filosofia é a soma dos conhecimentos das diversas ciências, pois, se assim fosse, o filósofo teria que conhecer tudo de cada uma delas, o que seria humanamente impossível.

Aos três níveis do conhecimento, apresentados neste topoi, pode-se acrescer o conhecimento teológico, que é aquele que é obtido pela fé. Aliás, dessa espécie de conhecimento, conforme se exporá adiante, tratou Augusto Comte. É inegável que há um conhecimento que é dado pela fé, sendo plenamente cabível a posição de Eduardo Bittar e de Eduardo de Almeida, in verbis:

... Contudo, por se pensar que a fé é pura crença (ato de confiança e entrega em si), pensa-se, normalmente que está dissociada de qualquer preocupação racional. Ao contrário, a verdadeira e inabalável crença solidifica-se por instrumentos racionais, por expedientes comprobatórios, lógicos e lúcidos, distanciando-se, dessa forma, do fanatismo e da cegueira sectária.[10]

Em face da proximidade dos enfoques filosófico e científico, são os conhecimentos que nos interessam. Porém, Filosofia é uma palavra de origem grega que decorre de philos (amizade, amor) e sophia (ciência, sabedoria). Atribuem sua origem a Pitágoras que recusava o título de sábio, ou seja, preferia dizer que não era o senhor de todas as verdades, mas um fiel amigo do saber.[11] Destarte, pode-se concluir que conhecimento filosófico não pode estar vinculado a qualquer escopo prático ou utilitário, sendo, portanto, uma dedicação desinteressada ao conhecimento.

A Filosofia, nos dias atuais, é “o método de reflexão pelo qual o homem se empenha em interpretar a universalidade das coisas”.[12] O filósofo atua espontaneamente e instintivamente procurando captar a realidade como um todo e o profundo significado dos objetos. Essa atividade, segundo Miguel Reale, dá maior importância à teoria do ser, mas, na atualidade, põe em relevo a teoria do conhecimento.[13] Não obstante tal afirmação, não se pode olvidar que Martin Heiddegger, no século passado restaurou a importância da teoria do ser, dizendo que este é a essência do fundamento, a partir de sua constituição ontológica.[14] Corroborando, Habermas afirma que “Kant caiu no descrédito porque, valendo-se dos fundamentos transcendentais, criou uma nova disciplina: a teoria do conhecimento”.[15]

Esse estudo filosófico encontra setores de observação. Desse modo, a jusfilosofia é um capítulo da Filosofia Geral, sendo que aquela se destina ao conhecimento mais genérico do Direito, dizendo qual é o seu conceito, seus fundamentos e sua razão de ser.

A Filosofia do Direito se ocupa da teoria do conhecimento,[16] podendo ser concebida como “o estudo crítico-sistemático dos pressupostos lógicos, axiológicos e históricos da experiência jurídica”.[17]17 Se fôssemos nos prender à teoria pura do direito, de Kelsen, diríamos que a ciência do Direito se ocupa somente das normas, dizendo “o que ele é” e “como ele é”, não se preocupando sobre como ele “deve ser”, ou como “deve ser feito”. Kelsen, dizia que o cientista deve se preocupar com seu objeto de estudo, que é o sistema dinâmico de normas. O jurista deve buscar o conhecimento científico, fazer ciência e não política do Direito.[18] Isso que Kelsen denominou de política do Direito é objeto de estudo da filosofia do Direito.

Gustav Radbruch já dizia que o problema do conceito do Direito, só à primeira vista, parece pertencer ao Direito.[19] Assim, quando Kelsen conceituava o Direito, fazia Filosofia e não ciência do Direito. Nesse sentido, preleciona Miguel Reale: “A definição do Direito só pode ser obra da Filosofia do Direito. A nenhuma Ciência Jurídica particular é dado definir o Direito, pois é evidente que a espécie não pode abranger o gênero”.[20]

Este curso dirá qual é a concepção filosófica do Direito, tentando tratar de suas tarefas primordiais de seu caráter lógico, que cabe ao filósofo do Direito resolver, quais sejam: seu fundamento ou legitimidade; sua força coercitiva; e sua utilidade.

Incumbe ainda lembrar que a Filosofia do Direito é uma parte da Filosofia, que faz a contemplação valorativa do Direito.[21] Essa concepção não corresponde com o conceito de ciência jurídica, eis que esta se ocupa da ordem jurídica, ou seja, das normas jurídicas, sendo, assim, a ciência do direito positivo vigente, não do direito justo.

Afirmou-se que a Filosofia do Direito ocupa-se do “direito justo”, não interessando o ser, mas o dever-ser. Entretanto, tal proposta foi contestada, fazendo-se oportuna a lição de Radbruch:

A Filosofia de Kant já nos ensinou que era impossível extrair daquilo que é aquilo que deve ser, o valor, a legitimidade. Jamais alguma coisa será justa só porque é ou foi, ou mesmo só porque será. Daqui se conclui que são de rejeitar o positivismo, o historicismo e o evolucionismo; o primeiro porque infere o dever-ser do ser; o segundo, porque infere o dever-ser daquilo que já foi; e finalmente o terceiro, porque infere o dever-ser daquilo que será ou tende a ser.[22]

Deve-se destacar que os autores de Filosofia do Direito tendem ao Direito Criminal. Hoje, conforme sustenta Habermas, a tarefa da Filosofia não é exclusiva dos filósofos. Também, ele considera equivocada a limitação “a uma filosofia do direito especializada juridicamente, que tem seu ponto forte na discussão dos fundamentos do Direito Penal”.[23]

A jusfilosofia é importante para o conhecimento do DCrim, eis que, conforme exposto, preocupa-se com as razões para a existência de certas normas, bem como sobre a justiça (ou injustiça) delas decorrente. Neste curso, a importância da jusfilosofia é mais acentuada, tendo em vista os fundamentos da imputação objetiva decorrem exatamente das novas vertentes jusfilosóficas.

Defende-se, há muitos anos, o estudo da Filosofia, pelo criminalista. Basileu Garcia, por exemplo, dizia:

Não poderia o jus-penalista isolar-se na sua torre de marfim, cerrando os ouvidos aos debates filosóficos concernentes ao objeto de sua própria ciência. Ao contrário, ele deve manter-se alerta às discussões e conclusões que se apresentam, no terreno filosófico, a respeito dos temas penais. Mesmo porque as normas legais refletem, grande número de vezes, um princípio filosófico, o qual, por obra dos juristas, se encarnou em determinado preceito da lei positiva.[24]

Aliás, no mesmo sentido, Maggiore já dizia que a doutrina do Direito sem Filosofia assemelha-se a uma daquelas estátuas antigas, que tinham belos olhos, mas sem pupilas. Segundo referido autor, ela adentra no Direito, mesmo sem ser convidada.[25] Portanto, a jusfilosofia é inarredável de todo aquele que pretende estudar DCrim.

Ver o Direito como ciência importa dizer que o jurista é um cientista, alguém que tem determinado objeto de estudo. Em uma visão kelsiana, seu objeto é a norma, que traduz a ideia de regra, de medida etc. No entanto, o conceito de norma jurídica é zetético,[26] tornando-se necessário conhecer algo mais que leis escritas, eis que a zetética representa uma abertura constante para questionamento dos objetos em todas as direções.[27]

Poderíamos de maneira simplista e dizer que o DCrim é a ciência que estuda o conjunto de normas que instituem crimes e as medidas aplicáveis a quem os pratica. Daí se infere que o DCrim tem por objetos de estudo a norma e os fatos.

Não poderíamos, no entanto, dizer que ele é o conjunto de normas relativas aos crimes e às medidas aplicáveis a quem os pratica porque sendo ciência, seu fim é o estudo. Assim, não constitui conjunto de normas, mas o estudo desse conjunto. Aliás, convém, ressaltar que não são raras as proposições no sentido de ser o DCrim “um conjunto de normas” que definem crimes e medidas aplicáveis a quem os pratica. Todavia, não se pode confundir o conceito de uma ciência com o do seu objeto de estudo. No caso, o DCrim é a ciência e o conjunto de normas é seu objeto de estudo.

Ocorre que o DCrim, na maioria das vezes, protege objetos jurídicos provindos de outros ramos do Direito, fazendo que ele se relacione com os demais. Também, se relacionará com outras ciências, com a filosofia e com a teologia.

O Direito é, portanto, a ciência que estuda o conjunto de normas jurídicas, bem como as consequências decorrentes da violação de cada uma delas. Ocorre que, sendo o conhecimento científico fragmentário, não resta outra alternativa senão dar autonomia relativa a cada um dos ramos do Direito, a fim de tornar possível o conhecimento de todo o seu objeto.

Direito é ciência, sendo que a autonomia de cada um dos seus ramos é apenas relativa. Cada ramo do Direito é uma parte especializada da ciência. Por isso, gosto do conceito ofertado por Juarez Cirino: “O Direito Penal é o setor do ordenamento jurídico que define crimes, comina penas e prevê medidas de segurança aplicáveis aos autores das condutas incriminadas”.[28]

Diz-se que o Direito se assemelha a uma árvore, pois tem um tronco e vários galhos (ramos). Dessa forma, os vários ramos do Direito se interligam por meio desse tronco.[29] Em sentido oposto, existem vários autores que tratam da autonomia das ciências jurídicas, para os quais não mais existem ramos do Direito, mas ciências jurídicas autônomas.

É inegável, no entanto, mesmo admitida a autonomia, que os ramos do Direito são interdependentes. É no DCrim que a característica unitária do Direito melhor se reflete, visto que as violações às leis criminais representam, antes de ser uma violação propriamente criminal, o descumprimento de um dever anterior, normalmente contido em outro ramo do Direito.

O Direito, numa abordagem genérica – aqui tratado como uma ciência que se divide em ramos com autonomias meramente relativas – surgiu de uma necessidade do homem estabelecer normas para as suas relações. Daí a máxima ubi societas, ibi ius (onde está a sociedade, está o direito). Dessa noção podemos deduzir que o direito é uma ciência social, que existirá onde houver vida em sociedade, sem esta não haverá Direito.[30] Nesse sentido, João Maurício Adeodato ensina que pode até existir sociedade sem Direito, mas é impossível pensar em Direito sem sociedade.[31]

A vetusta origem do Direito Criminal transcende em antiguidade a origem dos demais ramos do Direito, pois, desde os primórdios, emergiu a necessidade de se coibir a prática dos fatos que mais profundamente atingissem as pessoas do grupo social e, consequentemente, o próprio grupo. Tais normas referiam-se às mais graves violações aos direitos individuais ou coletivos, visto que a solução de pequenos problemas não era disciplinada, cabendo aos particulares resolverem suas pendengas.[32]

Como ciência, tem necessariamente um objetivo, haja vista que não se justifica estudar certo objeto sem ter em vista determinado fim.[33] O conhecimento científico tem estado em crise porque se tem afirmado muitas coisas sobre ele, mormente sobre a sua insuficiência. Porém, falo como Bertrant Russell, afirmando: “A ciência, em nenhum momento, está inteiramente certa, mas é raro estar inteiramente errada e, normalmente, tem maior chance de estar certa do que as teorias não-científicas. Portanto, é racional aceitá-la hipoteticamente”.[34] No mesmo sentido, Carl Sagan afirma: "A ciência está longe de ser um instrumento perfeito de conhecimento. É apenas o melhor que temos".[35]

2.2.2 A localização de topoi e o problema das classificações

O cientista, mais do que qualquer outro estudioso, deverá localizar topoi, ou seja, um plano comum em que possa delimitar o seu objeto de estudo e se aprofundar até encontrar a sua essência, a sua natureza. Daí resulta a fragmentariedade do conhecimento jurídico e o excesso de classificações.

Um alerta que faço aos meus alunos: as classificações, em diversas oportunidades, carecem de critério. Ratifico que cada observador arbitra seu próprio critério, segundo sua ótica, o que torna, às vezes, pouco compreensíveis certas classificações. Mas, para se conhecer qualquer coisa na sua essência, mister é delimitar o objeto de estudo, razão pela qual as classificações são fundamentais. Ao deixar de delimitar o objeto do estudo, incorre-se, normalmente, em confusões que induzem os leitores a equívocos.[36]

Entende-se por neologismo (palavra formada por neo – novo – e logos – palavra), toda palavra ou vocábulo novo introduzido na linguagem, formado ou derivado de outras.[37] Ele é importante em linguagem técnica, a fim de permitir a comunicação clara, mas devem ser evitados os abusos, uma vez que o excesso poderá, ao contrário de auxiliar, tornar a linguagem confusa e pouco compreensível. Nesse sentido, Ferri expôs:

Depois destas noções elementares, julgo inútil estorvo referir as prolixas indagações e as diversas classificações... Estas divagações escolásticas e mais ou menos criptográficas sobre as normas penais e sobre os seus destinatários, grosseiramente copiadas das noções gerais do direito, não trazem nenhuma contribuição útil nem ao conhecimento científico nem à aplicação prática da justiça penal, pois esta, em vez de volatizar-se nas abstrações lógicas e distinções escolásticas, tem necessidade de ser estudada sobre o terreno da realidade humana.[38]

Tentaremos não nos prender a uma suposta realidade ditada pelo ser-em-si. Tentaremos ir um pouco adiante, mas sem perder de vista o Direito como ciência, a fim de estabelecermos um modelo com segurança mínima e necessária à estabilização social.

2.2 RELAÇÕES DO DCrim

A grande influência do Direito Internacional em determinado Estado é crescente, falando-se, hoje, em DCrim Internacional. Muitos crimes se relacionam com a proteção da ordem internacional, aproximando o DCrim do Direito Internacional. Outrossim, em muitos outros aspectos serão percebidas relações entre esses ramos do Direito, principalmente no que tange às imunidades e outros limites de aplicação da lei. Hoje, ante a ratificação do Brasil ao Estatuto de Roma, que instituiu o a Corte Internacional Criminal, é impossível deixar de tratar de aspectos relevantes do Direito Internacional, mais especificamente de sua parte que cuida da matéria criminal. Por isso, faremos alguma alusão à CIC em vários momentos deste livro.

O Direito Constitucional é muito importante, mas a Constituição Federal não traz em si todos os objetos jurídicos do Direito Interno. Ela traz rol exemplificativo dos direitos fundamentais, aos quais podem ser acrescidos outros (CF, art. 5º, § 2º). Não obstante isso, muitos aspectos relevantes, de natureza criminal, constam do seu rol, traçando limites e programas a serem respeitados pelo legislador infraconstitucional, bem como pelo aplicador da lei, o que evidencia a relação do DCrim com o Direito Constitucional).

O Direito Civil talvez seja o que tenha maior amplitude numa determinada ordem jurídica, uma vez que disciplina a maioria das relações das pessoas do Estado. Modificar um Código Civil, como ocorreu em 2002, em que o velho CC de 1916 foi revogado, cedendo lugar a um novo, altera toda uma ordem jurídica, intervindo diretamente na vida das pessoas. No entanto, como a mudança era extremamente necessária, havendo muitas leis que já consagravam a nova ideologia, o povo não se arrefeceu tanto com a nova lei. Porém, não se olvide, o DCrim trata da família, do casamento, da fraude contratual, do patrimônio etc., todos objetos do Direito Civil, o que faz com que se tenha plena certeza da relação de referidos ramos do Direito.

O DCrim se relaciona, em síntese, com todos os ramos do Direito, uma vez que trata de crimes contra a ordem administrativa, tributária, financeira, econômica, organização do trabalho etc. Outrossim, o DCrim não fica alheio às demais ciências, haja vista que ele se relaciona com a Matemática (na medida em que adota critérios exatos para dosimetria da pena e requisitos para certos benefícios), a Medicina (a Psiquiatria Forense é fundamental para o estabelecimento da culpabilidade de algumas pessoas, bem como os diversos ramos de referida ciência auxiliarão na constatação de ilícitos e respectivas gravidades, v.g., lesão corporal), a Psicologia (fundamental para análise de algumas perturbações mentais e suas influências sobre a pessoa envolvida no delito), a Física (importante na análise dos locais de crime) etc.

Finalmente, cumpre observar que Enrique Ordeig sustenta que a distinção entre o DCrim e os outros ramos da ciência do Direito está na consequência. Ocorrendo um suposto fato hipotético ilícito, as consequências poderão ser diversas nos outros ramos do Direito, mas no DCrim ela será a pena (eventualmente a medida de segurança).[39]

A proposta de Ordeig está parcialmente correta. O crime é composto por duas partes: uma objetiva e outra subjetiva. Como a pessoa que não pode entender o caráter ilícito do fato não preenche a parte subjetiva do delito, entendemos que sua conduta resta fora do DCrim, sendo a pena a única consequência possível em tal ramo do Direito (salvo nos casos de absolvição, nos quais não incidirá a coerção criminal).

Assim como o Estado intervém nas liberdades individuais para proteção da sociedade, retendo veículos automotores sem condições de segurança para transitarem na via pública, veda a autorização para que pessoa sem adequada coordenação motora possa ter habilitação para condução de veículo automotor etc., determina o tratamento de doentes mentais que evidenciam periculosidade potencial, manifestada pela concretização de conduta definida como crime.

2.4 DENOMINAÇÃO

Quatro denominações se destacam, a saber: a) Direito Criminal; b) Direito Repressivo; c) Direito Penal; d) Nova Defesa Social. Nova defesa social tem sido a preferida pelo legislador, desde o final do século XIX, mas não é a melhor para este ramo do Direito por duas razões: a) ele não comina somente pena como aplicáveis ao infrator da lei. Prevê, também, a aplicação de medida de segurança (o estudo da medida de segurança deveria ser objeto do Direito Sanitário, mas – nos tribunais – não evoluímos para considerarmos os arts. 96-99 do CP revogados pela Lei n. 10.216, de 6.4.2001); b) estuda as condutas proibidas, cominando penas aos que as praticarem. Pelo que se vê, a denominação Direito Penal exprime somente os efeitos da infração da norma, desprestigiando a conduta capaz de gerar a pena.

Denominá-lo de Direito Repressivo também é inadequado, pois o DCrim, no atual estágio da civilização é uma garantia individual de liberdade – um Direito cooperativo, não um Direito que intervém inoportunamente na regularidade da vida social – pois a pessoa só poderá ser acusada de um crime e sofrer uma sanção se estas estiverem previamente previstas na lei. Dessa forma, a melhor denominação, para a doutrina, é a primeira, DCrim, tendo em vista que parte da essência da matéria, que é o crime. Embora usemos com maior frequência a denominação que preferimos, devemos ratificar que é generalizada “a preferência pela designação Direito Penal, não só no Brasil como em outros países”.[40]

Nova Defesa Social é o DCrim contemporâneo e a tendência do futuro, isso segundo Mirabete (posição mantida pelo seu filho).[41] Digo, no entanto, que o Direito (todo ele) é um dos instrumentos de defesa social desenvolvidos pelo homem, sendo incabível falar unicamente no DCrim como tal, o que permite repudiar a denominação.

2.5 HISTÓRIA DO DCrim E SUA RELAÇÃO COM A FILOSOFIA

2.5.1 Generalidades

Desde a Grécia antiga que se busca dizer o que é justiça, bem como explicar a coercibilidade das normas. Passamos por diversas fases, sendo que não podemos chegar ao funcionalismo, sem um estudo prévio da história da jusfilosofia. Desse modo, a apresentação de um escorço histórico visa a conduzir o leitor à compreensão das posições jusfilosóficas hodiernas.

Demonstrarei a evolução das posições que procuraram explicar a legitimação do Direito. Destarte, o enfoque inicial é histórico, apenas procurando estabelecer o cerne de cada uma das grandes fases que antecederam o conhecimento multidisciplinar que predomina hodiernamente no meio jusfilosófico. Dessa forma, a longa fase do jusnaturalismo, que se caracteriza, no campo da busca da legitimação do Direito, pelo transcendentalismo, é apresentada muito rapidamente, preocupando-se, basicamente, em demonstrar a inarredável ideia de que toda coercibilidade do Direito está em algo superior ao homem.

A partir do positivismo, emergiram várias ideias sistêmicas, pelas quais a legitimação do Direito é dada normalmente por um conjunto de normas. Com efeito, Kelsen apresenta o Direito como sendo um sistema dinâmico de normas. De outro modo, Hegel procurou empreender maior dinamismo ao pensamento kantiano. Augusto Comte, por sua vez, embora positivista, propôs a observação do fato social. Este último, não empreendeu estudos de Sociologia Jurídica, mas não ficou completamente alheio ao seu objeto, o que vem a demonstrar que o Direito, com ele, começou a abrir espaço para discussões multisciplinares, que é o cerne da discussão hodierna em torno da validade e utilidade do DCrim.

A Sociologia Jurídica, que se desenvolveu nos últimos anos do século XIX, iniciou uma nova vertente filosófica, sendo que o conhecimento do Direito passou a um discurso multidisciplinar, que encontrou seu ápice em Habermas.

Ao longo deste estudo, demonstrarei o pensamento apresentado por Luhmanniano, que é aquele em que a norma emerge do próprio sistema jurídico, não de outros (sub)sistemas da sociedade. Assumo duvidar de que exista alguma proposta filosófica adequada à coercibilidade do DCrim, razão pela entendo que este livro deve ficar sem uma conclusão peremptória, visto que a única solução cabível neste momento é continuar perseguindo uma proposta razoável no que concerne a um DCrim efetivamente justo.

Este capítulo partirá de uma rápida e sucinta visão da evolução histórica do pensamento filosófico e jurídico, até chegar aos tempos atuais, interessando principalmente a evolução a partir de Augusto Comte, visto que é partir dele que os fatos sociais passaram a influenciar mais fortemente a Filosofia do Direito e todo Direito Criminal.

2.5.2 Ideias e instituições criminais

2.5.2.1 Significado de ideias e instituições criminais

Ideias são trabalhos mentais desenvolvidos para combater o mal, o pecado, a ofensa, o direito subjetivo etc. (mal este que hoje é denominado delito). A exteriorização de tais ideias leva à tradição, ao costume, às fases de combate aos males por meio de comportamentos padronizados, ou seja, instituições criminais.

O desenvolvimento da vida em sociedade trouxe a necessidade de imposição de normas. Daí, aquele que as infringisse poderia sofrer uma sanção, a qual tinha o aspecto de retribuição do mal praticado, era uma vingança praticada pelo particular, pelo grupo, em nome de Deus, visando aplacar a ira da Divindade, ou em nome do príncipe, para evitar que este punisse o grupo. Assim, a pena decorria de uma ideia que se desenvolvia para combater a violação das normas consuetudinárias existentes.[42] Tais ideias se padronizavam, passando a constituir instituições criminais.

2.5.2.2 Fase da vingança

Na antiguidade, a pena era um meio de se aplacar a ira de Deus, do homem ou do príncipe, sendo que este representava a vontade coletiva. Daí, falar-se, respectivamente, em vingança divina, privada e pública.

Não é possível dizer qual foi a primeira delas, dependendo obviamente do ponto de vista do cientista. Para um criacionista, a vingança divina foi a primeira, enquanto para o evolucionista a primeira fase foi a da vingança privada. Finalmente, para quem entende que o Direito surgiu por meio da força, em que os mais fortes oprimiam os mais fracos, a vingança pública seria a primeira. O fato é que as três fases da vingança coexistiram no tempo, não sendo possível determinar, com certeza, qual foi a primeira delas, até porque todas foram anteriores à escrita e as primeiras leis escritas já consagravam as três fases.

Na fase da vingança privada, o ilícito representava a violação de um direito privado que assegurava ao particular resolver (ou superar) sua ira. O próprio particular, ou seu grupo, aplicava a punição.

A vingança divina era exercida em nome de deus, castigava-se em nome dele, para aplacar sua ira, senão ele puniria todo povo por meio de pragas. Os registros históricos estão a indicar que o Direito não se estabeleceu com base na dominação do mais forte sobre o mais fraco, mas, na antiguidade, se fundamentou precipuamente na religião.[43]

Na fase da vingança pública, punia-se em nome da coletividade para que ela ficasse satisfeita. Os marxistas diriam que o Direito é instrumento de dominação. Assim, a primeira vingança seria a pública. Essa é a posição dos autores que se dizem alternativistas.[44]

A fase da vingança se caracterizava pela desproporcionalidade entre o mal praticado e a sanção que se aplicava ao infrator. Nem mesmo na bíblia, de onde retiramos a máxima no sentido de que “deus é amor”, encontraremos proporcionalidade. Assim, em nome de deus, do princípio ou do próprio ofendido, grupos inteiros eram dizimados, o que exigia providências para limitação do castigo.

2.5.2.3 Lei de talião e a pena de morte

Estabelecia a proporcionalidade exata entre a infração e a sanção, o que se verifica pelo brocardo “olho por olho, dente por dente”. A origem da palavra está no vocábulo talio, que significa mesma medida, assim o castigo devia ser imposto na mesma medida do mal praticado pelo agente.

Não se pode precisar exatamente o período em que surgiu a lei de talião, mas se pode afirmar que foi importante para trazer a idéia da necessária proporcionalidade entre o mal praticado e a retribuição a quem o praticou por meio. Segundo Álvaro Mayrink, a origem do talião nasceu provavelmente no período neolítico (da pedra polida).[45]

Acerca da lei de talião, boa é a síntese de César Dario Mariano:

Como o revide [da vingança privada] não guardava proporção com a ofensa, surgiam guerras entre os grupos, que podiam chegar ao aniquilamento. Surgiu, daí, a ideia do talião, como primeira conquista no âmbito do Direito Penal. Por meio do talião, delimitava-se o castigo, e a vingança teria uma ideia de proporcionalidade.[46]

Segundo a lei de talião, vindo Tício a matar o filho de Caio, este tem o direito de matar o filho daquele não ele. Tal perspectiva, segundo a visão hodierna que temos de justiça, é equivocada, mas temos que reconhecer, para o período em que surgiu, momento em que predominava a desproporcionalidade, representou grande avanço.

Tratarei da teoria da pena, deixando claro que existe uma corrente que agrupa várias teorias da pena, denominadas absolutas, que desencadeiam na ideia de que a pena é a retribuição do mal ao infrator da lei, uma vez que a infração constitui um mal. Referidas teorias, com motivações distintas, concluem que a maior expressão de justiça está na lei de talião, eis que respeitada a proporcionalidade.

A pena de morte encontra apoio, principalmente, entre pessoas menos cultas. Nem mesmo a lei de talião a justifica e a possibilidade de erro do Estado, sem a possibilidade de reparação de tal erro, dentre outros aspectos, está a recomendar a rejeição da sua previsão legal.

Não direi que a vida é bem jurídico (bem do Direito, objeto do Direito, objeto jurídico: aquilo que o Direito protege) absoluto porque não se concebem mais direitos absolutos, pois até mesmos os direitos fundamentais da Constituição Federal precisam ser ponderados.[47] Porém, a pena de morte, passível de aplicação, no Brasil, àqueles que praticarem crimes militares em tempo de guerra (ainda que o julgamento se dê em tempo de paz), não se justificará – à luz da lei de talião – nem mesmo para os delitos mais graves.

Imaginemos algumas hipóteses para imposição de pena de morte: 1) Tício matou Caio e ocultou o cadáver para assegurar a impunidade. Descobriu-se que Tício agiu por motivo pouco relevante porque foi ofendido durante discussão banal de trânsito. Ele desferiu um tiro contra a vítima, matando-a instantaneamente; 2) Mévio matou vinte crianças e retalhou os corpos das vítimas, preparando-os para o consumo. Após devorar metade da carne, foi localizado e descobriu-se que ele era um religioso fanático que pregava a purificação da espécie humana por meio do consumo de carne proveniente de pessoas puras; 4) Semprônio, planejando roubar um banco, nele adentrou e matou seis vigilantes. Foi preso dois anos depois, momento em que morava em suntuosa casa, adquirida com o produto do crime.

Segundo a lei de talião, em nenhum dos casos, haveria justiça porque Tício será morto mediante tortura mental, haja vista que suportará o processo e aguardará execução premeditada, maior, portanto, que o mal por ele praticado. Em outros casos, a pena seria desproporcional por ser menor que o mal praticado pelo infrator da lei.

Não haveria proporção na morte de Mévio porque ele poderia ser um doente e, assim, ao contrário de pena, mereceria tratamento. Também, caso fosse Mévio efetivamente o monstro que se imagina, ante tão cruel hipótese, sua pena deveria ocorrer por várias vezes, mas isso apenas nos reduziria ao período bárbaro, já experimentado e sem sucesso no combate à criminalidade.

No caso de Semprônio, estar o agente se usufruindo do produto do crime não torna as mortes das vítimas mais dolorosas, não havendo a menor condição de se afirmar que há proporcionalidade entre a conduta de Semprônio e a pena de morte que lhe foi imposta e executada.

Minha indagação, neste momento, reside no tocante à proporcionalidade. Não havendo proporcionalidade, não se pode falar em pena justa. Também, não me parece razoável a posição simplista exposta no sentido de que “foi pouco”. Ora, se é “pouco”, é desproporcional, portanto, a pena é injusta, ou seja, a pena de morte, ao contrário de justificar a lei de talião e as teorias absolutas, deixa-a desmascarada.

2.5.2.4 Composição

Para conter a desproporcionalidade da fase da vingança, emergiu a composição, que era a expiação da pena pelo pagamento em pecúnia, mercadorias, reses, etc. A origem da composição é tão remota quanto a da lei de talião, com o diferenciador de que a composição representou avanço significativamente maior. Considero inadequado deixar de mencionar tal fase, como fez César Roberto Bitencourt.[48]

A composição merece ser incentivada nos dias de hoje estendendo sua aplicação a vários delitos, mormente aos patrimoniais e praticados com fim de lucro em geral – v.g., peculato, corrupção etc. -, no entanto, só tem sido admitida com efeitos criminais relevantes nos crimes de menor potencial ofensivo (Leis n. 9.099/1995 e 10.259/2001), uma vez que a conciliação civil é causa extintiva da punibilidade em certos crimes (Lei n. 9.099/1995, art. 74, parágrafo único). Nos demais crimes, a composição pode até intervir na punibilidade dos crimes de ação de iniciativa exclusivamente privada e pública condicionada à representação, mas se a iniciativa da ação for pública incondicionada, ela apenas interferirá na dosimetria da pena, sendo levada em consideração no momento de se verificar as consequências do delito.

2.5.2.5 Códigos escritos

Os primeiros códigos escritos  foram: (a) de Hamurabi, instituído na Babilônia, aproximadamente 1.700 a.C.; (b) Lei das XII Tábuas, dos Romanos, instituída entre 453 a.C e 451 a.C.; (c) Bíblia, cujos cinco primeiros livros, a Torá – Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio – foram escritos em torno do ano 450 a.C. (mas retrata um perído que, literalmente, remonta 4.000 a.C. e 450 a.d.C.); e (d) de Manu, instituído na Índia em data incerta (entre 200 a.C. e 200 d.C) consagravam idéias das instituições criminais mencionadas, sem se preocupar em ser fiéis a qualquer delas.

Outros escritos com matéria criminal foram encontrados, possivelmente anteriores aos dois últimos. Álvaro Mayrink faz referência aos escritos assírios que se referem à composição, datados de aproximadamente séculos XV e XIV a.C.[49] Observe-se, no entanto, que os quatro mencionados são os que mais encontramos na literatura criminal pátria.

Prova de que as fases mencionadas (vingança privada, vingança divina, vingança pública, lei de talião e composição) antecederam as primeiras leis escritas, está no fato de os primeiros códigos antigos, sem exceção, terem consagrado, em maior ou menor escala, um pouco de todas elas.

Ao longo do tempo, as ideias criminais que se transformaram em efetivas instituições,[50] contribuíram para o desenvolvimento do DCrim, trazendo maior humanização à pena, bem como a laicização do Direito. Para melhor análise, observe-se o DCrim consolidado em algumas civilizações antigas.

2.5.2.6 Povos antigos

Por povos antigos, consideramos o período em que o homem já conhecia a escrita (4000 a.C. a 3.500 a.C.) e o estenderemos no tempo até a queda de Roma  (476 d.C), reforçando uma religião, o cristianismo, que começou a surgir no fim do Século I.

A. Gregos

Os gregos muito se desenvolveram na Filosofia, mas eles pouco contribuíram para a evolução do Direito.[51] Dividiram os crimes em públicos e privados, sendo que estes eram resolvidos segundo a vingança, enquanto que aqueles iam aos Conselhos de Cidadãos, mas poucos eram cidadãos. Na verdade, não conseguiram fazer uma adequada distinção entre crimes públicos e privados e não desenvolveram grandes técnicas para a análise de fatos tidos como graves violações à ordem grega. De qualquer forma, pelo avanço filosófico, trouxe uma contribuição importante, que é a laicização do Direito.

O grande problema dos gregos estava em sua cultura. Seu Direito, assim como o Romano, calcou suas bases na religião. No entanto, a xenofobia do grego foi significativamente mais acentuada que a do romano, por isso este povo evoluiu mais significativamente.

Por não ver a mulher, nem o estrangeiro, como pessoas, o grego gerou uma situação inaceitável. Apenas o homem era gente, portanto, só ele era suscetível de amor, o que generalizou o homossexualismo. Também, generalizou o tratamento de pessoas como se fossem coisas. Vejo como sectária a cultura grega, concluindo que é daí que decorre sua pequena evolução, embora reconhecendo sua importância na filosofia.

Os gregos contribuindo significativamente para a laicização do Direito, mas não conseguiram se afastar do transcendentalismo. Aristóteles, por exemplo, via a justiça como sendo metafísica, eis que, conforme expõe Paulo Cássio M. Fonseca, no tocante à justiça, sempre tentou conjugar os conceitos de beleza e bondade.[52] Não obstante isso, até mesmo em Aristóteles podemos encontrar as raízes da imputação objetiva (moderna teoria do crime) haja vista que ele ensinava:

O justo total é a observância do que é regra social de caráter vinculativo. O hábito humano de conformar ações ao conteúdo da lei é a própria realização da justiça nesta acepção do termo. Esse tipo de prática causa efeitos altruístas, de acordo com a virtude total.[53]

Os três maiores nomes da Filosofia grega antiga talvez tenham sido Sócrates (470 ou 469 a.C. a 399 a.C.), Platão (428 ou 427 a.C. a 348 ou 347 a.C), e Aristóteles (384 a.C. a 322 a.C.). O primeiro não deixou registros, tendo advindo todo conhecimento de seu pensamento por meio de Platão, que ovacionou aquele e diz-se que ele fez os melhores registros de sua história.[54]

Não estou convencido da existência de Sócrates, parecendo que foi “Platão quem criou o Sócrates de nossa imaginação, e até hoje é impossível determinar até que ponto essa imagem corresponde ao Sócrates histórico e até que ponto é produto do gênio criativo de Platão”.[55] Não se olvide, no entanto, que há um grande número de autores que tratam do registro físico de Sócrates, o qual teria atuado como soldado em 3 batalhas.[56]

O ponto central da discussão de Platão está em Sócrates. O idealismo platônico evidenciou especial preocupação com o papel que a retórica pode desempenhar na ética e na educação, o que tem merecido destaque na jusfilosofia moderna, sendo a base de todo DCrim, que tende às teorias do discurso.[57]

A preocupação com a linguagem não foi exclusiva de Platão. Aristóteles fez pesquisas sobre as palavras, procurando evitar equívocos que resultariam da designação de coisas diferentes através do mesmo nome (homônimo) ou da mesma coisa por meio de palavras diferentes (sinônimo).[58] E, a filosofia aristotélica foi além, uma vez que defendeu o consenso e o acordo baseadas primordialmente na persuasão e na convicção,[59] o que é compatível com as modernas teorias jusfilosóficas, desenvolvidas no sentido de que Direito é comunicação e esta só é possível na sociedade complexa.

O exposto está a evidenciar que os gregos contribuíram significativamente para a laicização do Direito, inclusive, trazendo bases teóricas para muitas doutrinas contemporâneas.

B. Hebreus

A história do povo hebreu está contada na Bíblia, o que demonstra a adoção da vingança divina como regra. Eles foram regidos pelo pentateuco, ou Torá (cinco primeiros livros da Bíblia – Gênesis, Êxodo, Levíticos, Números e Deuteronômio -, cuja autoria é atribuída a deus por intermédio de Moisés).

Embora o pentateuco seja rigoroso, os hebreus contribuíram para a humanização do DCrim, reduzindo significativamente os casos em que a pena seria a de morte. Aliás, a esse respeito, é oportuno o alerta de Thomas More, no sentido de que “a própria lei de Moisés, lei dura e vingativa, feita para escravos, gente obstinada e embrutecida, apenas punia o roubo com uma indenização e nunca uma morte”.[60]

Para os hebreus, a justiça podia ser encontrada na religião. O pentateuco, primeiros cinco livros da Bíblia, traduz o que pensavam os hebreus, ou seja, a justiça provém de Deus. Esse pensamento religioso dos hebreus é de extrema importância para o Direito, inclusive na atualidade. Kant, por exemplo, negou Deus em sua Crítica da razão pura, O aceitou em sua Crítica da razão prática e O encontrou na Crítica do Juízo.[61] É certo que Kant se dedicou à filosofia, não à teologia. Por isso sua concepção não é propriamente teológica, mas é certo que, embora não concebido propriamente um pensamento religioso tradicional, ele nos remete à investigação sobre Deus e à crítica (indagação) da metafísica.

C. Romanos

Os romanos se caracterizaram como militares e conquistadores. A origem lendária de Roma data de aproximadamente 753 a.C. Diz-se que eles evoluíram mais no DC, tendo pequeno destaque no DCrim. Na prática, perderam para os gregos na fundamentação filosófica da pena, mas ganharam em aplicação prática. O Direito era pragmático, dado por homens prudentes (daí a palavra jurisprudência) que, ante cada caso concretizados, emitiam leis particularizadas, aplicáveis aos casos especificados. Sem dúvida alguma, pelo seu longo período histórico, constituiu o povo que mais contribuiu para a evolução do DCrim, haja vista o enfoque prático de seu Direito.

Inicialmente, tanto em Roma como na Grécia, o Direito se baseou na religião. Era uma religião doméstica em que cada pater familia transmitia o seu poder ao filho primogênito, em face da sucessão mortis causa, a qual não podia ser transmitida a mais de uma família porque cada família só podia ter um deus. Essa realidade, com o tempo, se modificou em Roma e a plebe, que antes não podia estar perante qualquer sistema de justiça, ganhou espaço, inclusive, instituiu-se tribunos da plebe.[62]

Os romanos dividiam os crimes em públicos e privados, sendo os primeiros resolvidos pelo Estado, por meio de seus tribunos (até as plebes podiam escolher os tribunos das plebes), mas os segundos pelo próprio ofendido, só que este não podia exagerar na reprimenda, a ponto de cometer um crime público senão sofreria a intervenção estatal.

O que é interessante é perceber que, na verdade, gregos e romanos não se instituíram de forma muito diferente. A base de ambos estava na religião, mormente uma determinada religião doméstica, pela qual cada família tinha um deus para si. De qualquer modo, foi o menor rigor romano quem conduziu à maior evolução desse Direito, isso em relação ao grego.[63]

D. Germânicos

Os germânicos constituíam um povo de origem étnica diversificada, pouco existindo sobre ele antes das invasões do Século V a.D. Aliás, ele não registrou sua história arcaica por meio de escritos.[64] Seu direito era consuetudinário e baseado na vingança, mas consagrou outras instituições penais antigas. Os germânicos, com as ordálias (Juízos de Deus) utilizaram largamente as provas de ferro e fogo, os duelos e a tortura com ferro quente. A pessoa seria considerada inocente se não confessasse e não morresse, mas seria culpada se confessasse ou morresse.

Antes de Cristo não existia um povo denominado germânico. Os denominados bárbaros é que vieram a constituir o povo tudesco, mas isso já em nossa era. Assim, antes de cristo, não poderiam contribuir para a evolução do Direito, até porque não existiam. Outrossim, não conheciam a escrita, sendo, conforme o próprio nome (bárbaro) indica um povo rude e, portanto, de Direito rudimentar. Só mais tarde eles muito passaram contribuir expressivamente para o DCrim, eis que sistematizaram os Pandectas (conjunto de leis romanas, reunidas por determinação de Justiniano).[65]

2.5.2.6 Direito da Igreja

Em uma visão restrita, a expressão Direito Canônico se refere àquele que rege a Igreja Católica Apostólica Romana, é Formado pelo Corpus Iuris Canonici, constante do Decretum Gratiani (1.140), dos Pontífices Romanos (séc. XII), de Gregório IX (1.234), de Bonifácio VIII (1.298), de Clemente V (1.313) e de João Paulo II (25.1.1983).[66] Prefiro não falar unicamente do Direito que nos foi dado pelos canons da Igreja Católica, preferindo falar em Direito da Igreja como sendo todo aquele que adveio por influência do Cristianismo, consagrado como religião única em Roma por ato do Imperador Teodósio I (379 d.C.).

O direito da igreja, exprime um período de trevas, não trouxe muitos avanços ao DCrim, sem embargo das opiniões em sentido contrário. Com efeito, a igreja consagra, basicamente, a vingança divina, em que tudo constitui heresia. Foi um período de um machismo extremo em que se procurou diminuir as liberdades que as mulheres haviam conquistado e impossibilitar novos avanços do sexo feminino.[67] Ela não condenava à morte, tinha então um discurso falacioso, pois classificava o homem como herege e a consequência natural era a expiação no fogo. Mais tarde, com o iluminismo,[68] o enfraquecimento da igreja permitiu o surgimento de pensamentos humanitários, o que, efetivamente, trouxe evolução ao DCrim.

Na idade média,[69] outra não era a concepção,[70] tanto é que se ampliou a participação da igreja na sociedade, emergindo, inclusive, a “santa” inquisição,[71] que era comandada pelo poder religioso da época. A prisão como pena, a ser cumprida em uma penitenciária, surgiu nesse período, a qual tornou imperioso o surgimento da individualização da pena, talvez a maior contribuição dessa instituição para o DCrim.

O conhecimento filosófico pouco evoluiu na idade média, esta foi seguida do renascimento, repleto de nomes importantes para o desenvolvimento da Filosofia. Desse período, é importante destacar o método cartesiano, de René Descartes (1596-1650), visto que, mais tarde, influenciou Kant.

2.5.2.7 Período humanitário

O DCrim sempre se desenvolveu de forma seletiva, sendo que os escravos e os pobres sempre foram os que sofreram as penas mais graves. No entanto, na segunda metade do século XVIII, começaram a se desenvolver os sentimentos humanitários dos burgueses, sendo que um jovem marquês escreveu uma célebre obra, Dos delitos e das penas, criticando todo o sistema punitivo da época. O Marquês de Beccaria, de quem falávamos, um dos maiores nomes do período humanitário, trouxe os mais nobres ensinamentos sobre a humanidade da pena.

O período humanitário é marcado pela influência das profundas transformações havidas na Filosofia. Descartes entendia que era necessário se colocar em dúvida, a fim de obter o conhecimento. Assim, rechaçava todas as verdades que lhe eram transmitidas, sempre duvidando delas. Mas para que isso acontecesse, tinha se colocar diante de uma certeza, por ele conhecida.

Então, estabeleceu uma verdade para si mesmo – penso logo existo –, que se tornou o primeiro princípio da Filosofia que buscava.[72]  Rosseau, já na metade do Século XVIII, sofreu influência da postura metafísica dos seus antecessores, conforme se vê no Contrato Social, publicado em 1757, visto que deixou claro que as leis sábias e justas só poderiam ser redigidas por verdadeiros deuses.[73] No entanto, ele se afasta um pouco das ideias transcendentais, quando entende que se a vontade de Deus só nos chegar por homens escolhidos, a verdade se apresenta deturpada. Assim, é melhor que os homens procurem conhecer a justiça pelos seus próprios sentimentos, pela razão. Com efeito, na obra nupercitada, consta a proposta de uma religião civil, que é formada pela vontade humana, afastando-se das questões meramente sentimentais.[74]72 O momento era propício para a evolução do pensamento filosófico. Muito havia sido descoberto na Física e na Astronomia, criando ambiente propício para o surgimento de uma nova Filosofia, o positivismo.

Immanuel Kant (1.724 a 1.804) inaugurou uma grande transformação no pensamento filosófico, dedicando-se, também, aos estudos jusfilosóficos voltados à matéria criminal. Ele, por exemplo, analisou a pena de morte, instalando-se uma polêmica entre ele e Beccaria, uma vez que este refutava a possibilidade de aplicá-la, por violação ao contrato social, já que este teria que ser geral. De outro modo, Kant entendia que a confluência de todas as vontades para o contrato, formando uma única e geral, não era real. Para Kant, posição de Beccaria, “não passa de sofisma e falsa concepção do Direito”.[75]

Observe-se, no entanto, Beccaria e Kant concordavam no ponto em que afirmavam que as normas deveriam se inspirar no “princípio de que o homem deve ser sempre tratado como pessoa e nunca como coisa, isto é, sempre como fim e não como meio”.[76] É, assim, oportuno o estudo da Filosofia de Kant, até porque, mesmo que ele não se ocupasse especificamente do direito de punir, o Direito se dirige a homens, que só existirão enquanto pensantes, sendo a Filosofia importante caminho para a compreensão dos fins e da legitimação da ciência jurídica. Também, o que se espera hoje, com pouca chance de se alcançar, é a cultura judicial de que o homem é sujeito do DCrim não objeto deste.

Em geral, o acadêmico durante o curso de graduação não tem a noção do quanto é importante o estudo da Filosofia do Direito. Depois de graduado, o profissional poderá desenvolver suas atividades como um “operador do Direito”, ou seja, um técnico preso aos dogmas e às doutrinas trazidas por “autoridades” na matéria, ou poderá procurar conhecer um pouco mais da ciência do Direito, tornando-se, então, imperiosa a necessidade de se estudar Filosofia, mais especificamente, jusfilosofia. Ora, como se pôde ver, as fases ou instituições criminais consolidadas até o séc. XVIII da nossa era estavam impregnadas das visões filosóficas de cada período.

2.5.2.8 Período criminológico

No final do século XIX emergiram alguns pensadores, sendo que um médico legista, Cesare Lombroso (1835-1909), atribuiu a causa do crime a anomalias biológicas do agente, tendo instituído a biologia criminal. Dos seus estudos nasceu uma ciência, a Criminologia.

Enrico Ferri (1856-1929), outro grande nome da época, se insurgiu contra a ideia de que havia um delinquente natural (criminoso nato). Para Ferri, o homem é produto do meio, sendo que a anomalia do agente seria sociológica, não biológica.

Finalmente, emergiu Raffaele Garofalo (1851-1934), que atribuiu a causa do crime a uma anomalia moral do agente, a qual poderia decorrer de problemas antropológicos ou sociológicos, tendo defendido a pena de morte porque, segundo ele, algumas pessoas têm o caráter tão deturpado que não mais podem ser recuperadas. Dessa forma, a pena passou a ser um meio de defesa social e de cura do delinquente.

Essa visão reducionista do DCrim decorre da evolução de concepções positivistas da Filosofia. Afirmei que conhecer o pensamento de Kant é fundamental, isso porque só depois que ele conseguiu desenvolver um conhecimento fundado na razão, e conseguiu afastar as concepções de espaço e tempo de concepções transcendentais é que houve grande evolução na Filosofia.[77] Hegel (1770-1831), com seu subjetivismo foi um neokantiano, assim como foram praticamente todos os outros jusfilósofos da modernidade.

A influência do pensamento Kantiano, conforme ensina Cláudio de Cicco, na apresentação do livro Doutrina do Direito, foi decisiva para se adotar as máximas do Direito Romano no mundo moderno, com o surgimento das Escolas Histórica e das Pandectas no século XIX para rever e sistematizar o Direito Romano Clássico e Justiniano.[78]

Kant chama de Direito o conjunto de leis suscetível de uma legislação anterior.[79] Seu pensamento, baseado na crítica, é fenomelista, no sentido de reduzir o conhecimento científico àquilo que se pode apreender dos fenômenos. Não obstante, o conhecimento se dá pela crítica, sendo, dessa forma, parecido com René Descartes, visto que este se colocava em uma posição de dúvida e Kant procurava estabelecer uma postura crítica. Por oportuno, não é demais lembrar que a palavra crítica, para Kant, significava indagar, inquirir, perscrutar, ou seja, a busca pelo conhecimento.

A discussão, desde Kant gira em torno de dois mundos – o do ser e o do dever ser –, havendo séria discussão sobre o assunto. A partir de Kant, procura-se saber à qual deles pertence a Ciência do Direito. Ainda mais ferrenha é a discussão sobre a possibilidade de se incluir valores na concepção do Direito. De um lado, se diz que o Direito é uma ciência valorativa e de outro se nega a presença de valores no Direito. Essa discussão, que a priori parece não trazer significativos reflexos práticos, tem demonstrado, ao longo dos anos, o quanto é importante, mormente diante da oscilação dos pensamentos. Finalmente, convém lembrar que Kant procurou conciliar empiria e razão, mas de uma forma estática.

Embora tenha afirmado que conhecer o pensamento kantiano é fundamental, reconheço a grande dificuldade em apresentá-lo, visto que é extremamente complexo. Com efeito, Kelsen chega a afirmar peremptoriamente que a filosofia de Kant é essencialmente jusnaturalista,[80] sendo que a análise de suas afirmações nos leva à conclusão de que há relativa razão em sua afirmação, tendo em vista que o próprio Kant afirma que o ponto de vista meramente transcendental é o da natureza da razão pura.[81]

Não obstante a complexidade de seu pensamento, apresento uma ideia simplista a respeito do que ele traduz:

Immanuel Kant classificou os juízos em: a priori [anterior à experiência]; a posteriori [depende da experiência sensorial]; e sintético [o predicado não está contido no sujeito]. Valorizou o juízo sintético a priori por ser universal e necessário, além de ampliar o conhecimento. Defendeu a impossibilidade de conhecermos as coisas em si mesmas, mas apenas tal como as percebemos [o ser para nós]. Tentou formular a síntese entre sujeito e objeto: ao conhecermos a realidade, construímos mentalmente o mundo.[82]

Para Kant, o direito de punir situa-se dentre aqueles que nos é dado. A justiça se manifesta na lei de talião e, em casos em que seja impossível alcançar a proporcionalidade objetiva, deve-se buscar o equilíbrio entre a ofensa ao objeto jurídico objetivamente considerado e a honra que se busca resgatar, que é subjetiva.[83] Para não deturpar seu pensamento, transcrevo sua conclusão a respeito:

“O imperativo categórico da justiça criminal (a morte injusta de outro deve ser punida com a morte) conserva sua força; todavia o erro da própria legislação (por conseguinte da constituição civil), como bárbara e grosseira, é que os motivos da honra no povo (subjetivamente) não querem pôr-se de acordo com as regras que são (objetivamente) conformes a seu objeto; tanto que a justiça pública que parte do Estado se converte em injustiça, com relação à justiça que parte do povo”.[84]

Na Fundamentação da metafísica dos costumes, Kant, conforme ele próprio declarou, procurava fazer a transição da Crítica da razão pura para a Crítica da razão prática.

Na Crítica da razão pura procurou demonstrar que a realidade é não corresponde aos nossos sentidos, não podendo ser apreendidas por eles. Assim, a imortalidade e Deus não poderiam ser conhecidos porque estão além do nosso alcance e só são apreendidos pelos sentimentos humanos.

Na Fundamentação da metafísica dos costumes tentou construir teoricamente a fundamentação dos costumes. Concluiu que a boa-vontade (determinação) é imperiosa para a formação dos costumes, concluindo que a razão prática como sendo a liberdade. Essa liberdade permitiu a construção da Crítica da razão prática, em que procurou conhecer a Deus, mas calcava a liberdade na moral.

A influência de Kant é inegável, sendo que Hegel foi um neokantiano idealista, distinguindo-se de Kant porque “coloca o conhecimento em forma dinâmica, em uma síntese de processus ou de desenvolvimento”.[85]

Hegel construiu um idealismo racional. Dizia que tudo que é o que é racional é real e o que é real é racional, o que não corresponde a dizer que todo o real é racional, o que ele pretendia demonstrar era que a razão ordena o real, de modo que esse real se fizesse racional.[86] A realidade não existe sem idealização.

Cesare Bonesana (o Marquês de Beccaria) partiu do contrato social para justificar o direito de punir, mediante penas proporcionais, e para repudiar a pena de morte, uma vez que a vida não poderia ser objeto do contrato, eis que constitui bem jurídico indisponível. Contrapondo-se a essa posição, Hegel sustenta que o Estado, de um modo geral não é um contrato, sua essência substancial não é a proteção e a segurança da vida e da propriedade dos indivíduos isolados. O Estado é uma realidade superior que exige sejam a vida e a propriedade sacrificadas.[87] Ele constitui “a ideia moral exteriorizada na vontade humana e liberdade desta”.[88]

Hegel entendia que a pena dignifica o delinquente como ser racional porque este ao atuar entende o conceito de crime, ou, pelo menos, há racionalidade formal em sua conduta, manifestada pelo querer do indivíduo. Essa racionalidade torna imperiosa a fixação do conceito e da extensão da pena segundo a natureza do ato criminoso.[89]

Kant e Hegel, segundo Habermas, caíram no descrédito, expondo:

Os mestres-pensadores caíram no descrédito. Para Hegel isso é verdade há muito tempo, Popper desmascarou-o na década dos Quarenta como inimigo da sociedade aberta. O mesmo vale, uma vez mais, para Marx. Os últimos a abjurá-lo como um falso profeta na década dos Setenta foram os Novos Filósofos. Hoje, até mesmo Kant vê-se colhido por essa fatalidade. Se vejo as coisas corretamente, é a primeira vez que ele se vê tratado como mestre-pensador, isto é, como mago de um paradigma falso, de cujo domínio intelectual temos que nos desvencilhar. É possível que, aqui, a maioria esteja com o número daqueles para quem Kant ainda é Kant. Mas basta lançar um olhar por cima do muro para ver que a reputação de Kant está ficando mais pálida – e, passa, uma vez mais, para Nietzshe.[90]

É inegável a importância de Kant e Hegel. Essa importância é verificada nos livros de Habermas que a eles reservou espaço em suas obras.[91] Negar o positivismo importa em esquecer a importância da pretensão de se obter o conhecimento pela razão humana.

É certo que fazer com que o conhecimento filosófico tenda ao conhecimento científico, como o fez Auguste Comte, não é salutar, mas não se pode dizer que seu positivismo não tenha valor. Aliás, vincula-se, normalmente, a palavra positivismo a Auguste Comte porque ele trouxe essa perspectiva científica para a filosofia.

Auguste Comte (1798-1857) foi um dos maiores nomes do positivismo, preocupando-se com a demonstração do conhecimento. Ele se voltou à Sociologia, publicando, inclusive, um Tratado de Sociologia. Em síntese, pelo que se vê, o empirismo de Auguste Comte é diferente do idealismo de Hegel, bem como do criticismo kantiano, o que demonstra que não houve um único positivismo, mas vários.

Comte foi um fenomelista na medida em que sustentava que só poderia ser tido como científico o conhecimento que pudesse ser demonstrado, tendo sido um dos teorizadores do positivismo social.[92] Ele classificou o conhecimento em três classes, a saber: teológico (provém de Deus); metafísico (transcendental); e positivo (provém da razão humana).[93] O sistema comtiano pode ser, em apertadíssima síntese, assim exposto:

O sistema comtiano estruturou-se em torno de três temas básicos. Em primeiro lugar, uma filosofia da história com o objetivo de mostrar as razões pelas quais uma certa maneira de pensar (chamada por ele filosofia positiva ou pensamento positivo) deve imperar entre os homens. Em segundo lugar, uma fundamentação e classificação das ciências baseadas na filosofia positiva. Finalmente, uma sociologia que, determinando a estrutura e os processos de modificação da sociedade, permitisse a reforma prática das instituições. A esse sistema deve-se acrescentar a forma religiosa assumida pelo plano de renovação social, proposto por Comte nos seus últimos anos de vida.[94]

Comte representou, antes de assumir a forma religiosa de renovação social, efetivo representante da perspectiva reducionista da filosofia, mormente porque tendeu ao conhecimento apodíctico.[95] O grande problema do positivismo filosófico foi o trazer bases fragmentárias às pesquisas do fenômeno criminal.

Comte já apresentava uma Filosofia mais voltada àquilo que pode ser demonstrado, eis que preocupado com os fatos sociais. Sua concepção era positivista, pela qual a legitimação do Direito era dada pela razão, de forma empírica.

A análise juspositivista se acentuou com Kelsen, visto que toda a legitimação do Direito estava em uma norma fundamental, a qual não restou bem explicada por ele. No entanto, deve-se notar que o positivismo, por sua relevância, passou a ter muitos adeptos e, por consequência, se desenvolveu segundo concepções diversas, que constituíram verdadeiras correntes filosóficas.

2.5.3 Escolas Criminais

A gnosiologia é o estudo do conhecimento. O conhecimento desenvolvido segundo critérios seguros, sem dogmatizar os resultados da pesquisa, é algo razoavelmente recente. Por isso afirmamos que as escolas criminais também são recentes, visto que só consideramos as fases em que verificamos métodos científicos de estudos.

2.5.3.1 Escola Clássica

A história exposta se refere ao período anterior à Ciência do Direito Criminal. Esta só nasceu mais tarde, com o período humanitário. No entanto, foi com o período criminológico (o de Lombroso, Ferri e Garofalo) que nasceu a Escola Positiva do Direito Criminal. Os autores dessa Escola se referiram aos do período anterior, o humanitário, pejorativamente, dizendo que eles construíram a Escola Clássica, a qual não adotava critérios científicos.

A Escola Clássica não se autodenominou uma escola criminal, mas como os autores da época se valeram de critérios científicos, é inegável que a mesma se situou na fase científica do DCrim, sendo uma efetiva escola.

Diz-se que Paul Johann Anselm von Feuerbach (1775-1833) foi o fundador do DCrim moderno. No entanto, segundo Basileu Garcia, não se pode deixar de atribuir a Giovanni Carmignani (1768-847) o lançamento da pedra fundamental da Escola Clássica. Este é tido como o mais direto antecessor de Francesco Carrara (1805-1888), que foi a figura máxima da Escola Clássica.[96]

A Escola Clássica preconizava que o crime decorria de uma escolha do homem, que era detentor do livre arbítrio, podendo optar entre o certo e o errado. A pena, com caráter transcendental, era essencialmente retributiva e de cunho individualista.

Os maiores nomes dos pensadores da Escola Positiva são de pessoas do período criminológico. Assim, o crime era um fator que decorria de uma anomalia (biológica, social ou moral) e a pena era um tratamento dispensado ao delinquente, sem se olvidar da profilaxia social.

2.5.3.2 Escola Positiva

A Escola Criminal Positiva surgiu na Itália, de 1876 a 1880, pronunciando a Itália a pátria do DCrim.[97] O maior nome da Escola Positiva foi Enrico Ferri (1856-1929), sendo que a grande diferença da Escola Clássica para a Escola Positiva, segundo ele próprio:

... está portanto principalmente no Método: dedutivo, de lógica abstrata, para a escola clássica, - indutivo e de observação dos fatos para a escola positiva; aquela tendo por objeto o crime como entidade jurídica, esta ao contrário, o delinquente como pessoa, revelando-se mais ou menos socialmente perigosa pelo delito praticado.[98]

Nesse embate, destacava-se o fato dos clássicos dizerem irracionais os positivistas, haja vista que para estes o fator determinante do crime não era o livre arbítrio, mas fatores outros pessoais ou externos. Ora, diziam os clássicos, em sendo estranha ao infrator da norma a causa do crime, a ele não se podia atribuir responsabilidade pelo fato. Entretanto, Garofalo rebatia dizendo que o demérito (ou o mérito) da conduta humana não depende necessariamente da vontade, mas da vinculação às ações que dependem do caráter do homem, v.g., covardia e coragem não dependem da vontade do homem, mas indicam o mérito (ou demérito) da conduta porque vinculadas ao caráter.[99]

Comte ainda vivia quando nasceu Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900), que foi o precursor do existencialismo. Para os existencialistas, a reflexão filosófica restringe-se aos limites do próprio homem e exaure-se dentro de suas fronteiras. Ocorre que Nietzsche foi pessoa imoral (ele próprio fez afirmação nesse sentido[100]) e, ainda, sua posição foge do que se consolida em matéria criminal nos dias atuais.

Heidegger (1889-1976) demonstrou-nos a importância da linguagem, embora não tenha concluído sua obra Ser e Tempo.[101] Sua visão ontológica não pode ser olvidada. Mais ainda, não devemos cair em conceitos estéreis, o que é fundamental para o DCrim da atualidade. Também, é importante perceber que o próprio Heidegger se insurgiu contra o fato de tê-lo classificado como existencialista.

Para marcar a existência, a pessoa não precisa viver contra a moral, nem dependerá de crimes que importem em anomia. O que não se pode esperar é que a pessoa seja santa e se martirize por cada pequeno erro seu. Outrossim, não se pode criar uma moral tão repressora em que todas pequenas violações a ela sejam considerados crimes graves. É a sociedade, mediante prudente análise daquilo que pode lhe ser bom, quem deve estabelecer seus valores, mas isso deve ocorrer sem os maniqueísmos da religião e dos setores economicamente dominantes.

É necessário que se tenha uma linguagem clara, mormente em matéria criminal, o que torna essencial esclarecer que, para o presente curso, a moral constitui mero costume, sendo avalorativa. Ou a pessoa age de acordo com os costumes (conduta moral) ou contra eles (conduta imoral). Uma conduta só poderá ser amoral se não tiver qualquer relação com os costumes sociais.

Negar a importância de dada moralidade em um curso de DCrim conduzirá à impossibilidade de explicação de muitas normas jurídicas calcadas na experiência social, tendo em vista que o próprio CP cuida de crimes contra os costumes (PE, Título VI). Daí o fato de não adentrarmos profundamente no existencialismo.

Tal filosofia marca a transição do positivismo para o funcionalismo criminal. O problema é que, nem mesmo Kant conseguiu explicar a fundamentação da crítica dos costumes. Aliás, David Hume (1711-1776) já negava a existência de uma razão prática e a possibilidade de uma fundamentação racional da ética.[102] Ora, sendo o Direito uma ciência cultural, se considerado como derivado exclusivamente dos costumes sociais, não pode ser explicado racionalmente.

Ao lado do desenvolvimento do existencialismo, cresceram alguns positivistas. Hans Kelsen (1881-1973), por exemplo, propôs a teoria pura do Direito. Assim, este não poderia se contaminar pela inserção de considerações valorativas. Consequentemente, a justiça proposta por ele era avalorativa.[103] Para Kelsen, a justiça e a legitimação deste seriam anteriores a ele, o que não importa em esquecimento do assunto. Para ele, a justiça foi seu maior objeto de preocupação e, portanto, de estudos.

Kelsen propôs o Direito como um sistema dinâmico de normas.[104] Assim, uma norma só pode ser criada se encontrar suas bases em outra norma que lhe é superior.[105] Porém, seu estudo conduz a certo transcendentalismo, visto que ele escreveu:

Se perguntarmos por que a constituição é válida, talvez cheguemos a uma constituição mais velha. Por fim, alcançaremos alguma constituição que é historicamente a primeira e que foi estabelecida por um usurpador individual ou por algum tipo de assembleia. A validade dessa primeira constituição é a pressuposição última, o postulado final, do qual depende a validade de todas as normas de nossa ordem jurídica.[106]

Ora, se a norma fundamental é pressuposta, confundindo-se a legalidade com a validade, não interessa como ela foi instituída. Ela será válida por si mesma. Não obstante isso, Kelsen amenizou esse entendimento, dizendo que se um poder revolucionário instituir uma nova norma fundamental e se a nova ordem que tentar impor restar ineficaz, não haverá norma fundamental, tendo em vista que a revolução será interpretada “não como um ato criador de Direito, como ato lícito, não como o estabelecimento de uma constituição, mas como um ato ilícito, como crime de traição, e isso segundo a velha constituição monárquica e sua norma fundamental específica”.[107] Pelo que se vê o critério hipotético da norma fundamental de Kelsen está em uma certa eficácia mínima, nunca esclarecida adequadamente por ele.

No final da sua vida, Kelsen disse que não conseguiu alcançar um conceito geral de justiça. Em seu livro A ilusão da justiça, Kelsen se voltou à Filosofia grega antiga, manifestando opção jusnaturalista. Conforme ensina Mário G. Losano, ele declarou que a justiça é relativa, expondo:

Abri este ensaio com a pergunta “o que a justiça?”. Agora, chegando ao fim, percebo nitidamente que não respondi. Minha única desculpa é que, nesse aspecto, estou em ótima companhia: teria sido muita pretensão levar o leitor a crer que eu poderia ter êxito onde falharam os pensadores mais ilustres. Por conseguinte, não sei, nem posso dizer o que é justiça, a justiça absoluta que a humanidade está buscando. Devo contentar-me com uma justiça relativa e só posso dizer que é a justiça para mim. Uma vez que a ciência é minha profissão e, portanto, a coisa mais importante da minha vida, a justiça, para mim, é a ordenação social sob cuja proteção pode prosperar a busca da verdade. A minha justiça, portanto, é a justiça da liberdade, a justiça da democracia: em suma, a justiça da tolerância.[108]

Ressalte-se que Kelsen mudou seu pensamento e a sua teoria pura do direito, de 1933-1934, já não se revestia mais do mesmo sentido, visto que saiu da Áustria, meio cultural de língua alemã, passando a viver nos Estados Unidos da América, onde conviveu com um Direito banhado na experiência social, dando maior relevo à eficácia.[109]

Reduzir o Direito a normas, ou aos fatos, importa em reduzir muito seu âmbito de abrangência.[110] Daí Miguel Reale ter proposto uma teoria tridimensional, envolvendo fato, valor e norma.[111] No entanto, entendo que há razão parcial no jusfilósofo pátrio. Embora os valores devam ser excluídos, pode-se dizer que o Direito é norma e fatos, emergindo destes últimos.

Conforme exposto anteriormente, Kelsen alterou sua posição depois que morou por certo tempo nos Estados Unidos da América, passando a atribuir valor ao costume, in verbis:

Dessuetude é o efeito negativo do costume. Uma norma pode ser anulada pelo costume, ou seja, por um costume contrário à norma, assim como pode ser criada pelo costume... Deve-se admitir que qualquer norma jurídica, mesmo uma norma estatutária, pode perder sua validade por dessuetude.[112]

Nesse diapasão, uma observação deve ser feita, Kelsen não entende que os conceitos de validade e de eficácia se confundem, para ele são fenômenos diversos, expondo que “a norma anulada por dessuetude foi válida durante um espaço de tempo considerável sem ser eficaz. É apenas uma carência continuada de eficácia que põe fim a validade”.[113]

Não se olvide que muito antes da proposta Kelsiana, no sentido de que o Direito é um sistema dinâmico de normas e de que ele não pode prescindir dos costumes, outras construções se desenvolveram em torno da Sociologia e da Economia, passando a legitimar o sistema jurídico, ora de acordo com o sistema econômico, ora pelo sistema social. Aliás, conforme veremos a seguir, os Estados Unidos da América muito se desenvolveram em Sociologia, mantendo um forte vínculo entre tais sistemas.

2.5.3.3 Funcionalismo

O funcionalismo apresenta uma perspectiva sistêmica do DCrim aproximando-o da Política Criminal. As noções positivas do DCrim levaram aos conceitos estéreis dos elementos do crime, visto que a fragmentariedade do conhecimento científico exigiu a delimitação dos objetos de estudos, como, por exemplo, levou ao isolamento da relação de causalidade e à sua vazia conceituação. É com vista à construção de um DCrim mais atento às necessidades sociais e à sua análise complexa que se desenvolveu o funcionalismo.

Por transcender aos limites do homem, enquanto ser, Heidegger repudiou sua classificação como existencialista, mas jamais abandonou o enfoque ontológico, com marcante penetração no universo da linguagem.[114] É nesse ponto que a filosofia heideggeriana se aproxima deste curso de DCrim, haja vista que o enfoque moderno de delito tem maior preocupação prática e, mais ainda, é necessária a incursão no discurso para se entender aquilo que se propõe como norma jurídico-criminal e como delito.

Um dos nomes frequentemente citados na doutrina criminalista pátria é o de Claus Roxin, pessoa que buscou suas bases em Jürgen Habermas. Este, por sua vez, deu especial destaque a Nietzsche e Heidegger,[115] o que permite concluir que o mínimo de atenção às posições de referidos filósofos é necessária.

Surgiram algumas escolas ecléticas (Terceira Escola Alemã, Terceira Escola Italiana e Escola de Defesa social – França) que, obviamente, conjugaram os ensinamentos das duas escolas anteriores. Daí, a pena ser admitida como retribuição (castigo) e como utilidade (instrumento para reintegração social do criminoso e de defesa social). Não obstante a terza escola ter sido duramente criticada por Ferri, por entender que se operou “uma mistura de conclusões entre várias contraditórias, esquecendo-se que a divergência entre as duas grandes escolas não é tanto nas conclusões particulares e propostas como no método de indagação científica”.[116] De qualquer modo, conforme informa Álvaro Mayrink, também, “o positivismo criminológico está sepultado definitivamente”.[117]

Hoje, fala-se em Direito Criminal Mínimo, para o qual as condutas menos graves não devem estar inseridas nas leis criminais. Outros autores pugnam pela extinção da pena, com a criação de medidas substitutivas, essenciais para a defesa social (Escola da Nova Defesa Social). De outro modo, há quem propõe a criação de medidas curativas extras-criminais, crendo que o DCrim deve ser abolido (teorias abolicionistas). Essas posições hodiernas são compatíveis com a evolução jusfilosófica. De qualquer modo, como as teorias jusfilosóficas da atualidade são demasiadamente abertas, dão ensejo, também, ao oposto, como é o caso do Direito Penal do Inimigo.

A crença é algo humano, foi o homem quem a inventou, mas percebe-se que ela é vista como sendo sobrenatural. Fustel de Coulanges deixou claro que não há a mínima razão na pretensão de transformar a crença em transcendental,[118] até porque nasceu no homem. É por isso que se deve tomar cuidado com a criatura, a fim de não se tornar escravo da própria criação.

Todas as perspectivas filosóficas calcadas na teoria do conhecimento esbarraram no existencialismo, que teve como expoente o – já citado – Martin Heidegger, centrado na pessoa humana. O existencialismo entende que o Direito reúne conceito que envelhecem nas mãos dos juristas, constituindo-se em odiosa justiça porque abstrata e impessoal. Este pensamento é razoável porque, baseando-se o existencialismo no homem, serve para aproximar o Direito de seu fim último que é o próprio homem enquanto ser social.[119]

Pretendendo superar o problema decorrente do reducionismo das correntes filosóficas positivistas que se consolidaram, o funcionalismo emergiu visando a levar em consideração todos os setores da sociedade complexa, o que faz emergir os novos rumos do DCrim.

Houve um positivismo sociológico, chegando-se, mais tarde, a uma fase em que o Direito passou a se confundir com a própria Sociologia. A legitimação do Direito passou a ser vista, então, na sociedade. Leon Duguit, por exemplo, propõe uma sociedade ditada unicamente pelas normas sociais.

Foi esse sociologismo criminal, duramente criticado por Kelsen, porque ele entendia que o pensamento de León Duguit, publicado em 1901, é jusnaturalista, tendo em vista que fundamentado no espírito social, este seria superior, metafísico, que daria sustentação à sociedade,[120] aliado aos outros enfoques de que tratamos, quem deu ensejo ao surgimento da Filosofia de sistemas que será estudada adiante.

Além da concepção transcendental, houve correntes sistêmicas diferentes que procuraram explicar a legitimação do Direito, quais sejam: normativa política, econômica e sociológica.

Inicialmente devemos recordar a postura metafísica, para a qual a legitimação do Direito se localiza em fontes supra-humanas. Outrossim, é importante lembrar que a legitimação transcendental do Direito pode se dar por duas concepções. Por uma, é um poder Divino que dá as bases para a coercibilidade do Direito, bem como para a existência de normas asseguratórias de direitos naturais. Pela segunda, a legitimação do Direito não está em Deus, mas em uma outra força superior, metafísica. Em tais perspectivas, podemos verificar certa análise sistêmica, mas segundo as leis da natureza, que tudo regem.

O povo grego, embora sua formação antiga também estivesse calcada na religião,[121] contribuiu para a laicização do Direito, mas não conseguiu se afastar completamente dos ideais metafísicos, que foram as bases de todo pensamento jusnaturalista que perdurou até Kant, isso já foi dito. Pretende-se afastar tais posturas jusnaturalistas na análise da imputação objetiva (moderna teoria do delito, com reflexos na teoria da pena), tendo em vista que esta se vincula aos diversos sistemas (setores) da sociedade complexa, como base da atual concepção funcionalista, ou seja, restam abandonadas as construções elaboradas no sentido de que todo universo é regulado por leis matemáticas da natureza, ocupando agora lugar de destaque a análise multidisciplinar dos fatos.

A afirmação de Kelsen, em sua Teoria geral do Direito e do Estado, no sentido de que a norma fundamental encontrará fundamento de validade em outra que lhe anterior, não preenche todas as lacunas deixadas em torno da dúvida sobre a fonte legitimadora da própria norma fundamental. Hoje suas lições cedem lugar para a análise multidisciplinar das normas jurídicas, cerne do funcionalismo. Com isso, sobrevêm novas teorias jurídicas, v.g., imputação objetiva.

Sustenta-se que a Constituição, segundo Carl Schmitt (1888-1985), “encontra seu fundamento de validade, extrai seu ser, de uma decisão política que a antecede. Não da norma jurídica”.[122] Aliás, não podemos nos olvidar da famosa discussão travada entre Hans Kelsen e Carl Schmitt, em 1929, sendo que este não admitia o controle da constitucionalidade das normas por parte do Poder Judiciário, visto que seu controle é eminentemente político, devendo, portanto, ser feita por órgãos políticos, não jurídicos. Essa discussão demonstrou muito claramente a opção de Carl Schmitt pela fonte de produção do Direito como sendo o poder político.

Aqui, convém destacar que Claus Roxin, apontado como um dos maiores teóricos do funcionalismo criminal no início do Séc. XXI procura demonstrar que a relevância dos fatos para o Direito Criminal decorre de política criminal, que não é dada por governantes ou poderes constituídos, mas pelos diversos setores do sistema social,[123] ou seja, o sistema político de Carl Schmitt distancia-se daquele que dá bases à teoria da imputação objetiva.

Um dos estudos mais interessantes na atualidade é o do garantismo criminal, consolidado segundo as tradições políticas de certo povo. Porém, esse garantismo não se confunde com a proposta de Carl Schmitt, tendo em vista que este não exigia consolidação pela tradição, mas apenas a legitimação política do momento da produção legislativa.

É muito comum se ouvir a expressão de que o Direito é feito pela classe dominante, em prol dela mesma. Assim, o ele se apresenta como meio de dominação. Esta se dá em função do poder econômico, ou seja, mantêm-se no poder somente aqueles economicamente fortes. No entanto, inicialmente, ao aviso de Parsons, é importante destacar que o fator econômico não é o único que contribui para o desenvolvimento social.[124]

De qualquer modo, é importante destacar o sistema econômico. Superada a fase jusnaturalista – em que as palavras dos soberanos se confundiam, na maioria das vezes, com a própria noção da palavra de Deus -, com o advento da burguesia, nasceu o ideal capitalista, que deu maior destaque ao poder econômico, com a valorização da livre iniciativa e do fim de lucro.

Poderia aqui ficar citando o pensamento sociológico que vai de Pareto a Parsons para provar que este último influenciou Luhmann e Habermas, pois foi professor de ambos e a sua doutrina está marcadamente presente nos funcionalismos sistêmicos de ambos. Todavia, não me delongarei muito porque o interessante é notar que o funcionalismo luhmanniano é extremamente aberto e avalorativo. Este preocupa porque dá bases àquilo que Ghünther Jakobs veio a chamar de Direito Penal do Inimigo. Por outro lado, a filosofia calcada em uma suposta ação comunicação, a qual só poderia possível em uma democracia ideal, de Jürgen Habermas, também é claudicante, mormente em face da sua extrema abstração.

Nos anos 2001-2002 pessoas economicamente influentes foram vítimas de crimes, o que trouxe à tona novamente toda discussão em torno da utilidade do sistema criminal. Porém, não se pode estabelecer uma política criminal segura unicamente porque um prefeito de uma importante cidade e um Promotor de Justiça de outra foram mortos.[125] Aliás, fatos recentes provam que leis criminais mais severas, como as que foram instituídas nos anos 1990-2009, não resolvem o problema da criminalidade.

Resta evidente que temos sofrido as consequências do desenvolvimento da crise social, o que é fácil de se perceber pela ousadia dos delinquentes. Estes chegaram ao ponto de atacar a tiros de pistola e metralhadora, no mês de junho do ano de 2002, por mero exibicionismo, a prefeitura do município do Rio de Janeiro. Também, a cidade de São Paulo viveu uma verdadeira guerra em Mai/2006, dizendo-se que a articulação da mesma estava no Partido do Comando da Capital (PCC), notória facção criminosa e de ideais políticos que nasceu nos presídios de São Paulo. Iniciamos o ano de 2017 com várias mortes em presídios e não se pensa seriamente na solução, mas em construir mais prisões. Nesse passo, a criminalidade só avança à galope. Desse modo, não podemos pretender resolver o problema da criminalidade nos valendo unicamente de leis criminais.

Uma análise sistêmica, nos termos propostos pelos jusfilósofos que deram as bases teóricas ao funcionalismo, deve considerar todos os setores de uma sociedade, não apenas o econômico ou o jurídico. Muitos outros fatores (educacionais, políticos, religiosos etc.) devem ser considerados, visto que o simples alarde causado pela ocorrência de alguns fatos graves não é parâmetro seguro para a visão sistêmica.

Durkheim trabalhou o conceito de anomia, mormente em sua obra, O Suicídio. Também, propôs um funcionalismo em que o crime é essencial à evolução social. Mais tarde, até Ralf Dahrendorf, partidário de ideia contrária – portanto defensora do rigor próprio dos movimentos de lei e ordem veio a conceituar anomia, mas emprestando solução diversa daquela ofertada por Durkheim.[126]

Todo funcionalismo hodierno encontra suas bases em Durkheim, para quem o crime é normal. Para ele, para que não houvesse crimes seria necessário um nivelamento das consciências individuais, que não é possível nem desejável.[127]126 A visão funcionalista de Durkheim é, então, aquela que não vê o delinquente como um ser radicalmente antissocial, como uma espécie de elemento parasitário, de corpo estranho e inadmissível introduzido no seio da sociedade, mas, principalmente, como um agente regulador da vida social.[128]

O ambiente doméstico de Weber lhe trouxe uma característica híbrida. Ele oscilava entre a autodisciplina protestante de sua mãe e a política de seu pai. O estilo de Max Weber era eminentemente crítico, “sempre escreve contra alguém ou alguma coisa de seu tempo”.[129] Essa postura é notadamente interessante, uma vez que neste curso procurar-se-á, assim como fez Weber, evitar palavras duras, sendo que, assim como ele não resistiu e criticou o governo alemão no período da primeira grande guerra, perdendo um pouco o seu cavalheirismo.

Neste curso algumas críticas mais duras serão necessárias, isso para evitar deixar o leitor em uma situação em que a opção será clara. O discurso que aqui se utilizará não será dúbio e repleto de facetas, mas tendentes a ver as normas criminais de forma crítica, tratando das suas utilidades e/ou inocuidades.

Parsons classificava a sociedade como sistema, mas entendia que existem subsistemas, que lhe são distintos, tais quais o Direito, a Economia e a Política, havendo um intercâmbio em relação às demais partes da sociedade de inputs e outputs. Assim, devem existir mecanismos jurídicos, essenciais, para adaptar o sistema às mudanças na estrutura da sociedade.

O fundamento da ideia de poder no sistema social. Por outro lado, o sistema jurídico é um sistema fechado e a sua legitimação se dá pelo procedimento, ou seja, por si mesmo, mas mediante a comunicação. Nesse sentido, preleciona Juarez Tavares:

“Uma vez que a análise do sistema jurídico é independente do sistema social, aquele deve ser visto como um sistema fechado e dinâmico, no qual as noções de justo e de injusto se produzem e reproduzem, primeiramente, por força da realidade jurídica, formada da acumulação de informações acerca dos fatos perturbadores (input), depois, pela necessidade de decisão fundamentada através da dogmática jurídica, como forma de garantir a estabilidade do processo e, finalmente, pela necessidade interpretativa que nasce da doutrina de base derivada da norma”.[130]

Esse sistema precedeu o auto-organizativo (autopoiético). É um sistema muito parecido com o sistema cibernético, desenvolvido na Europa e depois estudado por Canotilho. Este entende que “o paradigma dos sistemas autopoiéticos (auto-organizativos) não é facilmente inteligível se o não relacionarmos com a geração sistêmica que o precedeu: o sistemismo artificialista cibernético”.[131] Sobre tal sistema, Canotilho expôs:

As máquinas de inputs/outputs são o símbolo de um sistemismo preocupado com o processo de conversão de demandas políticas exógenas que entravam no interior de uma caixa negra da política e do político, cujo mecanismo interior permanecia na penumbra, só dando sinal através das respostas tornadas possíveis pelos circuitos de informação e de retroacção. Os sistemas de „feed-backs‟, ou, como em termos tendencialmente caricaturais, também se designaram – os „sistemas retroactas‟ –, não ousavam entrar no interior mesmo do próprio sistema. Contentavam-se com as influências recíprocas sistema/ambiente.[132]

Essa teoria geral de sistemas como paradigma que permite ver a realidade social com a caixa negra (quando não se conhece o conteúdo, mas para o especialista que conhece o conteúdo é uma caixa translúcida) em interconexão com o entorno por meio dos inputs (complexas entradas) e os outputs (complexas saídas). Dentro da caixa do sistema se encontram entidades (subsistemas, como o subsistema Direito). Este sistema social, por sua vez, forma parte de um sistema maior, o macrosistema. O sistema existe em um status espacial e uma dimensão temporal, rodeado por um entorno.[133]

O sistema fechado, como o sistema jurídico de Kelsen, não tem conexão com o ambiente (entorno). Também, é teórico, correspondendo à teoria de Newton da Máquina, daí sua conotação mecanicista: a causa e o efeito estão relacionados por uma conjuntura (período curto de tempo). Aqui, é importante perceber que a lógica sistêmica estuda as caixas como processos de longo prazo, não como fatos. O fato tem validade conjuntural, mas o sistema prefere uma visão teleológica, ou seja, de longo prazo. Desse modo, a teoria de sistemas complementa a lógica ortodoxa, mas não a substitui.[134]

Tais posturas sistêmicas influenciaram significativamente Luhmann, que, na década do ano 1960, trabalhava com sistema reflexivo, entendendo que é necessário que os sistemas sejam diferentes e, assim, que o sistema jurídico esteja fora do sistema social, para que seja possível a reflexividade. O Direito, segundo Luhmann, não pode ser valorativo. No entanto, seu fundamento de validade não pode emergir unicamente da norma, como pensava Kelsen. Para ele, no período mencionado, havia certa reflexividade entre os sistemas social e jurídico, sendo que “a instauração de mecanismos reflexivos torna necessário um certo isolamento contra a interferência de processos diferentes”.[135] Mais adiante arremata: “Nessa medida, a reflexividade correlaciona-se com a diferenciação funcional: por causa da diferenciação ela torna-se necessária, mas é a diferenciação que a possibilita”.[136]

Para Luhmann, o sistema jurídico-criminal teria um discurso diferente dos demais sistemas pertencentes à sociedade complexa, sendo que sua própria linguagem e os institutos jurídico-criminais (crime e pena), decorreriam da interação dos diversos sistemas da sociedade global [que é repleta de pequenos (sub)sistemas].

A grande mudança no pensamento de Luhmann se deve aos estudos de Humberto Maturana e Francisco Varela, que desenvolveram a chamada teoria autopoiética para dar solução a tal mistério. Para eles, a autopoiese no espaço físico constitui a condição última necessária e suficiente da própria vida. Somente no início da década de 1980 que a ideia dos sistemas autopoiéticos da biologia chegou às ciências sociais. Os grandes precursores da teoria da autopoiese são Humberto Maturana e seu aluno Francisco Varela.

Humberto Maturana concluiu doutorado em Harvard, em 1958, retornando ao Chile em 1960, onde passou a lecionar na Universidade do Chile. Afirma que uma pergunta de um aluno sobre como ele poderia ter certeza sobre a origem da vida o levou a meditar sobre o assunto. Nessas reflexões pôde concluir que o vivo é “somente o resultado de uma dinâmica não-proposital”. Concluiu ainda que “tudo que acontece em e com os seres vivos tem lugar neles como se operassem como estes autorreferidos, e que minha tarefa era falar deles, descrevendo a Francisco Varela iniciou doutorado na Universidade de Harvard em 1967 e retornou para o Chile em 1970. Ele se transformou em pesquisador independente e passou a discutir com Humberto Maturana. Dessas pesquisas resultou o livro.[137]

Humberto Maturana precisava de uma palavra para enunciar a organização do vivo de forma melhor que a expressão “organização circular” utilizada por ele desde 1965. Surgiu, então, a palavra autopoiese. Inicialmente, pensou que poderia utilizar a palavra autopoiese exclusivamente para se referir aos seres vivos, mas logo percebeu que ela poderia se referir a muitos domínios diferentes e a muitas classes de sistemas nos quais a autopoiesis é incidental e não definitória como no caso dos seres vivos.[138]

Tais pesquisadores chilenos, em meados da década de 1970, desenvolveram uma concepção biológica tentando explicar o fenômeno da vida, o mistério da força vital. Explicou-se que o fenômeno da vida se dá através da autonomia e de relações dadas entre os diversos elementos de um sistema, no caso específico, biológico. O corpo sistêmico em que essas relações são desenvolvidas é dotada de uma organização formada da estrutura de seus elementos. E esse sistema é fechado, realizado em um meio próprio (espécie de ambiente), donde se realiza o processo de (re)produção de seus elementos, mantendo-se toda a organização, mesmo que a estrutura não seja a mesma.[139] Esse fechamento do sistema ao meio e produção de seus próprios elementos constituintes é visto, pelos chilenos, como uma autoprodução (autós - por si próprio; poiesis - criação, produção).[140]

Luhmann dizia que direito é comunicação e que esta só é possível na sociedade. O Direito, na sua visão, passou a ser um sistema fechado, autopoiético, que se encontrava em si mesmo. Propunha, que o “Direito é normativamente fechado” e “cognitivamente aberto”, ou seja, para sua auto(re)produção é necessária a comunicação entre os sistemas diferentes.[141] Com efeito, ele dá especial destaque à comunicação, dizendo que ela só é possível na sociedade, ensinando:

Os meios de comunicação simbolicamente generalizados possuem, no que também são comparáveis à linguagem, uma referência sistêmica: a sociedade. Eles se referem a problemas de relevância para a totalidade da sociedade, regulam constelações possíveis a todo momento e em toda parte da sociedade.[142]

Luhmann reconheceu que a sociedade é composta por sistemas, sendo que o todo está repleto de conflitos potenciais,[143] mas todos os meios de comunicação, na medida que se diferenciam, nada mais são que instituições da sociedade global.[144] Qualquer sistema é um microcosmo autônomo (econômico, religioso, político, jurídico etc.), mas a diferença existente entre os sistemas não é de conteúdo, mas de perspectivas.[145]

Dessa nova concepção funcionalista, é possível ver o sistema jurídico como parte do social, pois ficou superado seu entendimento de outrora, no sentido de que “a estrutura encadeada dessa forma é sensível a interferências, necessitando por isso certo isolamento do mecanismo”.[146] No entanto, mantém-se o entendimento de que a diferenciação e autonomização funcional do direito legislado são alcançadas e mantidas por longas cadeias decisórias.[147]

Luhmann é, na visão de Tércio Sampaio, um dos mais interessantes autores da Sociologia Jurídica da década de 1980.[148] Mesmo com a morte de Luhmann, seu pensamento tem forte influência no meio jurídico-criminal, o que é feito por intermédio de Günther Jakobs.

As visões apresentadas, bem como a de Habermas, tem em vista a comunicação dentro da sociedade, oferecendo as bases teóricas para a imputação objetiva, tendendo ao exame global do injusto, considerando não apenas os critérios metodológicos do positivismo, mas os diversos sistemas que influenciam na análise valorativa dos fatos.

Nenhum subsistema interfere diretamente no outro, mas suas interferências ocorrerão enquanto observadas do meio do sistema social. É nesse sistema, de primeiro grau, que se pode pensar em “interferência subsistêmica”, não de forma direta, mas de forma eficaz; apontando uma possível solução para a ideia lógica de que o direito necessita de um fim social, justo e humanista. Pode-se pensar, então, em ideais democráticos (auto)produzidos no subsistema político em conjunto com uma visão autopoiética do direito. Essa visão é, segundo a proposta de Luhmann, importante para resguardar, por meio do procedimento, os direitos das minorias, ou seja, elas não serão exterminadas ou alijadas do sistema social apenas porque a maioria pretende estabelecer sua ditadura.

Essa postura conduz o intérprete a considerar os fatos de forma diversa, não se concebendo como jurídicas as pressões transitórias de um único sistema, visto que as informações só se transformarão em jurídicas após o procedimento. Antes dele, elas não poderão influenciar nas decisões, visto que é ele quem dá segurança e permanência duradoura às normas jurídicas. Corolário seria, segundo tal concepção, a apreciação mais segura e garantista das normas criminais.

O acoplamento estrutural viabiliza a abertura cognitiva do sistema jurídico, mantendo-o permeável, sensível às influências de novas perspectivas religiosas ou morais, por exemplo, e, também, influenciando-as, como ocorreu no Brasil em relação à proteção à concubina e aos vínculos homossexuais. Mas essa permeabilidade precisa efetivar-se segundo critérios e procedimentos controlados pelas próprias regras intra-sistêmicas do sistema jurídico, tornando necessária a internalização das novas perspectivas morais, para ficar no exemplo, através de vias dogmáticas como a edição de novas leis ou concretizações jurisprudenciais, configurando o fechamento normativo.[149]

149

Alopoiético, na visão de Maturana e Varela, é o sistema que não se autoproduz, sendo controlado ou guiado por outro sistema. Ele exemplifica os sistemas autopoiéticos por meio dos carros que são criados e controlados por terceiros. Em um sistema autopoiético isso não ocorre, visto que a produção o desenvolvimento se dá dentro do próprio sistema.[150] Com efeito, alo significa “de outro”, enquanto poiese, “produção”.

Deve-se observar que a posição de Luhmann não corresponde exatamente à autopoiese proposta pelos criadores da teoria. Eles entendem que a teoria só é aplicável aos seres vivos, sendo possível autopoiese nos diversos sistemas culturais, mas ela será diferente da autopoiese dos seres vivos. Nesse sentido, observe-se o que sustenta Humberto Maturana:

Ou, ainda de outra maneira, percebi que o ser vivo não é um conjunto de moléculas, mas uma dinâmica molecular, Um processo que acontece como unidade separada e singular como resultado de operar, das diferentes classes de moléculas que a compõem, em um interjogo de interações e relações de proximidades que o especificam e realizam como uma rede fechada de câmbios e sínteses moleculares que produzem as mesmas classes de moléculas que a constituem, configurando uma dinâmica que ao mesmo tempo especifica em cada instante seus limites e extensão. É a esta rede de produções de componentes, que resulta fechada em si mesma, porque os componentes que produz a constituem ao gerar as próprias dinâmicas de produções que a produziu e ao determinar sua extensão como um ente circunscrito, através do qual existe um contínuo fluxo de elementos que se fazem e deixam de ser componentes segundo participam ou deixam de participar nessa rede, o que neste livro denominamos autopoiese. E, finalmente, o que dizemos neste livro é que um ser vivo é de fato um sistema autopoiético molecular, e que a condição molecular é parte de sua definição, porque determina o domínio de vinculação em que existe como Unidade composta. Sistemas autopoíeticos não-moleculares, isto é, que existem como unidades compostas em um âmbito ou domínio não-molecular, porque possuem outro tipo de componentes, são sistemas autopoiéticos de outra classe, que compartilham com os seres vivos o que têm a ver com a autopoiese, que, porém, que ao existirem em outro domínio possuem outras características que os torna completamente diferentes. Assim, por exemplo, é possível que uma cultura seja um sistema autopoiético que existe em um espaço de conversações, porém é uma cultura, não um ser vivo. Tenho insistido nisto, não por um simples afã repetitivo, mas porque acredito que o mais difícil de compreender e aceitar, no que se refere aos seres vivos, é: a) que o ser vivo é, como ente, uma dinâmica molecular, não um conjunto de moléculas; b) que o viver é a realização, sem interrupção, dessa dinâmica em uma configuração de relações que se conserva em contínuo fluxo molecular; e c) que enquanto o viver é e existe como uma dinâmica molecular, não é que o ser vivo utilize essa dinâmica para ser, produzir-se ou regenerar-se a si mesmo, mas é que é essa dinâmica o que de fato o constitui como ente vivo na autonomia de seu viver”.[151]

Não obstante o prestígio de Luhmann, deve-se concordar com Luigi Ferrajoli (nascido em 6.8.1940), eis que “não importa se otimista ou pessimista, que o mundo não pode ser de outro modo... É assim que o cientificismo sociológico se converte em uma nova filosofia da história e uma nova metafísica determinista”.[152]

Em oposição ao que se expôs, poder-se-ia afirmar que Luhmann partiu de uma posição da biologia para explicar de forma discursiva e abstrata a auto-organização dos (sub)sistemas sociais. Depois, ele utilizou o argumento de que seus opositores utilizaram conceitos vagos para rechaçar as objeções que foram feitas à sua teoria da autopoiesis, expondo: “Meu problema é que o conceito foi utilizado algumas vezes de maneira imprecisa, o que levou a ser subestimado. Ele tem uma função específica; não se pode sob qualquer circunstância „abater‟ a autopoiesis”.[153]

Ao exame acurado da teoria sociológica de Luhmann, todavia, percebe-se que assiste razão a Luigi Ferrajoli, tendo em vista que se o sistema se auto(re)organiza como as células que se auto(re)produzem para solução de alguma alopoiese no sistema, chega-se à conclusão que a organização da sociedade se dá por ela mesma, cuja explicação é, antes de tudo, decorrente de um causalismo que remonta o determinismo metafísico.

A proposta de Luhmann pretende resolver o problema da fundamentação da “norma hipotética fundamental” de Kelsen, exposta em sua teoria pura do direito,[154] mas entendemos que não consegue. A legitimação do Direito, para ambos, é problema anterior, não afeto ao estudo da ciência em si.

Luhmann não classificou hierarquicamente os elementos do sistema jurídico, como o fez Kelsen, já que as relações que se dão entre as normas não seriam relações imperativas ou hierárquicas. Para a autopoiese, essas relações são circulares e fechadas, fazendo-se desse ciclo uma auto(re)produção dos elementos devido à sua organização, autonomia e auto-referencialidade. Essa posição pode até conter alguma plausividade do ponto de vista filosófico, que é mais abstrato e genérico que o científico, mas seria desconstruir toda ontologia necessária à subsistência de Estados, entender que, internamente, as normas não podem ser hierarquizadas. O caráter pragmático do conhecimento científico não pode ser olvidado, razão pela qual as construções teóricas estéreis devem ser repudiadas.

A visão do Direito como autopoiético procura resolver o problema de se conseguir manter uma teoria da justiça como anterior ao Direito, por apresentá-lo não apenas no sistema jurídico, mas principalmente no sistema social. Tal posição não encontra maiores obstáculos porque a (auto)produção do (sub)sistema jurídico, enquanto parte do sistema social geral e maior, também é uma produção desse próprio sistema social,[155] conduzindo à conclusão de que os fatos criminais, feitas com fulcro no funcionalismo, não abandonam a observação dos diversos sistemas da sociedade global.

2.5.3.4 Formação multidisciplinar do direito e o funcionalismo criminal: teorias do discurso

Assim como a imputação objetiva se apresenta segundo diferentes vertentes, do mesmo modo encontramos diferentes funcionalismos criminais, sendo que Claus Roxin, um dos mais expressivos nomes acerca da imputação objetiva, se apresenta seguidor do funcionalismo de Habermas, que têm perspectiva diversa da de Luhmann.

É complexo o pensamento habermasiano, consideração unânime em quem faz referência ao autor, fator que se caracteriza pela sua interdisciplinariedade, da qual resulta uma imbricação de conceitos e teorias.[156] Desse modo, pelo que se pode apreender das suas obras, sua posição é diferente da apresentada por Luhmann, mas com pontos muito próximos, eis que ambos valorizam significativamente a comunicação na sociedade complexa, sendo a posição de Habermas mais ampla, eis que insere conhecimentos da Psicologia em sua Filosofia, enquanto que Luhmann entende que o (sub)sistema científico da Psicologia se comunica com o (sub)sistema jurídico, mas este não se deixa contaminar por aquele, como o faz Habermas.

O cerne da Filosofia habermasiana está em Talcott Parsons (1902-1979), sociólogo estadunidense que desenvolveu a teoria de ação a partir de sistemas sociais, em sua obra mais expressiva, editada pela primeira vez na década de 1930.[157] Por isso, Habermas, em uma das suas mais expressivas obras, Teoria da Ação Comunicativa, reproduz basicamente a bibliografia da obra de Parsons,[158] eis que aquele foi aluno deste.

Habermas estende a sua bibliografia – isso em relação a Parsons – se socorrendo de filósofos germânicos da linguagem. Porém, discurso, nada mais que discurso, é o que vamos encontrar ao longo da história do Direito Criminal. Michel Foucault nos ensinou que a modificação da pena ao longo dos tempos se deu apenas por força do discurso.[159] Isso foi percebido por Habermas, que, referindo-se a Foucault, sustentou que “o discurso associa primeiro as condições técnicas, econômicas, sociais e políticas à rede funcional de práticas, que servem, em seguida, à sua reprodução”.[160]

Michel Foucault, em Vigiar e Punir, nos mostrou como a pena atroz foi largamente utilizada, sendo que a execução tinha caráter teatral. A respeito de referida obra ele declarou:

Em Vigiar e punir o que eu quis demonstrar foi que a partir dos séculos XVII e XVIII, houve verdadeiramente um desbloqueio tecnológico da produtividade do poder. As monarquias da Época Clássica não só desenvolveram grandes aparelhos de Estado – exército, polícia, administração local – mas instauraram o que se poderia chamar uma nova "economia" do poder, isto é, procedimentos que permitem fazer circular os efeitos de poder de forma ao mesmo tempo contínua, ininterrupta, adaptada e "individualizada" em todo corpo social. Estas novas técnicas são ao mesmo tempo mais eficazes e muito menos dispendiosas (menos caras economicamente, menos aleatórias ou de resistências) do que as técnicas até então usadas e que repousavam sobre uma mistura de tolerâncias mais ou menos forçadas (desde o privilégio reconhecido até a criminalidade endêmica) e de cara ostentação (intervenções espetaculares e descontínuas do poder cuja forma mais violenta era o castigo "exemplar", pelo fato de ser excepcional).[161]

A análise do referido livro e do texto transcrito leva à conclusão de que efetivamente há razão em se sustentar que a forma de manifestação do poder se modifica por meios de discursos, ora manifestados por trágicas execuções teatrais de penas cruéis e ora evidenciados por supostas tolerâncias, tudo para se fazer crer em uma falácia denominada pena.

A preocupação com o DCrim como produto da linguagem, isso a partir da descrição do fato considerado como criminoso, já foi objeto da análise de Chaves Camargo, que verificou a crise do Direito, especialmente, do Direito Criminal.[162]161 Nesse ponto, chamo a atenção para a lição de Juarez Tavares que trata de duas correntes das teorias do discurso, uma tendendo ao consenso (Habermas) e outra que vê “uma diferença entre discurso teórico ou argumentativo e o discurso prático ou discurso de aplicação” (Robert Alexy).[163]

A prática dos tribunais brasileiros, na primeira década do Século XXI, evidenciam a preferência pela tópica, inaugurada na era contemporânea por Karl Larenz (1903-1993), o funcionalismo é exageradamente aberto e tenho proposto a sua conciliação com o garantismo de Luigi Ferrajoli, a fim de estabelecer maior segurança ao sistema jurídico-criminal.

É interessante notar que até o reacionário Niestzsche sofreu influência da cultura grega antiga (embora tendo reagido a toda Filosofia que o antecedeu), tendo estudado os filósofos gregos[164] e, fundamentalmente, sua formação acadêmica foi em filologia, o que demonstra, mais uma vez, a importância da linguagem em todo avanço do conhecimento filosófico, o que tem influenciado fortemente o sistema jurídico-criminal.

Nietzsche tem valor nas obras de Habermas e foi extremamente importante para a filosofia de Heidegger. Tudo demonstrando que há uma abertura cognitiva que modifica todo sistema jurídico-criminal, havendo uma tendência de ultrapassar o positivismo para uma tópica a ser assimilada em perspectiva funcionalista.

As leis criminais são elaboradas em meio a um discurso calcado em aleivosias que tendem a apresentar o DCrim como a panaceia de todos os males. São necessários subterfúgios judiciais para “salvar” leis mal escritas, de conteúdos vagos e obscuros. Assim, de pequenos textos legais decorrem vários livros e teses, tendentes a explicá-los. Porém, parece que o rigor jurídico-criminal tende a incrementar a criminalidade, conforme se pode constatar no Brasil, isso em relação a muitos crimes que tiveram tratamentos mais severos a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069, de 12.7.1990) e da Lei dos Crimes Hediondos (Lei n. 8.072, de 25.7.1990), eis que a incidência dos crimes constantes delas aumentou diante de tais rigores.[165]

Todo Direito sofreu influência de pensamentos estranhos ao que se pode chamar de jurídico em sentido estrito. Depois que houve certa laicização do Direito, isso graças ao desenvolvimento dos estudos filosóficos, toda teoria se desenvolveu segundo o jusnaturalismo. Mais tarde sobreveio o positivismo, na busca de uma razão lógica que legitimasse a existência das normas jurídicas. Finalmente surgiu a intervenção dos pensamentos sociológicos, que muito contribuíram para o desenvolvimento da Filosofia sistêmica, desenvolvida segundo a racionalização dirigida aos fins e a racionalização social. Todavia, entendo, que a racionalização lógica dos fenômenos, segundo modelos seguros não pode ceder lugar à tópica, mormente em face da insegurança desta.

Os adeptos ao Sociologismo Jurídico, dentre os quais podemos mencionar Léon Duguit (1859-1928), entendem “a ciência jurídica como pura observação dos fatos sociais normativos”.[166] No mesmo sentido, Eugin Ehrlich: “Também nos dias de hoje, como em qualquer outra época, o centro de gravidade do desenvolvimento do direito não se encontra na legislação, nem na ciência jurídica, nem na jurisprudência, mas na própria sociedade”.[167]

No entanto, a utopia de ter uma ordem exclusivamente ditada pela sociedade organizada parece muito distante e, enquanto não chega este mundo quimérico, a revolução do proletariado terá que conviver com um normativismo político-estatal forte, necessário para materializar os interesses da própria sociedade, ou, quem sabe, do Estado. Nesse sentido, oportuna é a lição de Campilongo, que ensina que o “fatualismo” representa um grosseiro reducionismo da experiência jurídica.[168]

O exposto não exclui a importância mútua do Direito e da sociedade. Aliás, conforme ensina Adeodato, é o Direito um dos fatores fundamentais para transformação de um mero agrupamento de seres humanos em uma sociedade, ou seja, no sentido que o termo expressa, traduz uma forma de comunicação social que organiza minimamente os contornos indispensáveis à constituição de uma sociedade, daí ubi societas ibi jus.[169] Nesse sentido, já publiquei um artigo em que discorri sobre um julgamento tribal paquistanês, criticando a tentativa de abandonar o modelo normativo formal e reduzir o Direito aos fatos.[170]

Ao meu sentir, o Direito tem por objeto de estudo normas e fatos, os quais devem ser analisados inicialmente segundo o método dedutivo, mas com abertura para empregar silogismos (inferências mediatas) próprios do método indutivo. Esse conceito é aplicável ao DCrim, pois este é uma parte da ciência do Direito.

De outro modo, muito embora vários autores afirmem a possibilidade de sociedade sem direito, como dito, não parece haver ninguém que defenda a existência de direito em isolamento; para aqueles que veem algum sentido na palavra Direito, certamente a sociabilidade humana, levando ao agrupamento dos seres humanos em comunidades, parece ser uma conditio sine qua non para o aparecimento de relações jurídicas, pois direito é interação. Portanto, mesmo havendo a defesa da existência de sociedade sem direito, posição marcadamente minoritária entre os juristas, não se afirma a possibilidade de Direito sem sociedade.[171]

Habermas entende que há uma crise de legitimação do Direito, dizendo que a teoria funcionalista proposta por Luhmann é insuficiente, expondo na conclusão de seu livro, “A crise de legitimação no capitalismo tardio”, que a estabilização de um sistema social pode conduzir à ofensa da dignidade humana.[172] De fato, é preocupante, visto que o pensamento de Luhmann traduz uma seletividade sistêmica que se dá no interior do próprio sistema, independentemente de qualquer outra contribuição.[173]

Sendo, na visão de Luhmann, o (sub)sistema jurídico fechado, sofre influências mediatas do meio social porque com ele se comunica, mas poderá ocorrer de outros (sub)sistemas virem a manter o sistema inalterado além do tempo desejado, visto que às vezes o procedimento poderá ser lento. Desse modo, é oportuno o aviso de Adeodato, no sentido de que as novas perspectivas só encontrarão lugar em democracias ideais,[174] as quais não existem e, talvez, jamais existirão.

O funcionalismo criminal, antes de tudo, é um estudo filosófico. Este intervém diretamente no estudo da teoria do crime, viabilizando o nascimento da denominada imputação objetiva, que ao nosso sentir, ante seu cunho sistêmico, retira a segurança jurídica necessária à análise dos casos criminais, mormente quando há clamor público.

Uma sociedade só estará potencialmente apta a dogmatizar seu Direito se houver uma relativa emancipação do sistema jurídico em relação às demais ordens normativas e aos demais subsistemas sociais, tais como a técnica, a religião, a moral, a etiqueta e os usos sociais, a magia, a posse de bens e riquezas, a amizade. Tal faceta de sociedades modernas tem sido descrita como um tipo especial de autonomia do sistema jurídico ou autopoiese (autopoiesis).[175]

Uma sociedade será tanto mais moderna quanto mais diferenciada funcionalmente, eis que a reflexibilidade só será possível se existirem diferenças entre os sistemas. Corolário é que, quanto mais complexa a sociedade, mais apta estará a dogmatizar seu direito.[176]

É importante ainda notar que “para os que crêem, narcisicamente, na onipotência da ciência jurídica, vale o aviso: há espaços no mundo ocupados prioritariamente por outras ciências”,[177] sendo oportuno perceber que os estudos sistêmicos constituem a regra do momento.

Utilizando as palavras de Paulo Queiroz, posso dizer:

O funcionalismo que, com marcada preocupação pragmática, e como reação à excessiva abstração do finalismo, em especial ao seu ontologismo (estruturas lógico-reais ou materiais da ação, isto é, prévias do direito) pretende orientar a dogmática penal segundo as funções político-criminais cometidas ao direito penal, funcionalizando-a.[178]

O funcionalismo faz a aproximação entre o Direito Criminal, enquanto ciência, da política criminal e, com isso, permitir sua aplicação de forma coerente e atenta aos diversos (sub)sistemas da sociedade global, a fim de evitar sua estigmatização, esta fomentada por conceitos e estudos estéreis, uma vez alheios à sociedade, à qual se destina.

2.5.4 DCrim no Brasil

2.5.4.1 Das Ordenações do Reino ao Código Penal vigente

Não existe um DCrim genuinamente brasileiro. Os silvícolas que aqui viviam ainda aplicavam a pena com base na vingança. Ao chegar, os colonizadores desprezaram os usos e costumes dos silvícolas, impondo suas próprias regras. Ao que consta, os portugueses visitaram o Brasil antes do ano 1500, mas eles só vieram a se instalar aqui depois da expedição de Pedro Álvares Cabral.[179]

No início de nossa história, vigoravam no Brasil as Ordenações do Reino. De 1500 a 1521, vigoraram as Ordenações Afonsinas, ou seja, não foram aplicadas aos delitos aqui concretizados. Depois, vieram as Ordenações Manuelinas, que vigoraram de 1521 a 1603; e, finalmente, as Ordenações Filipinas emergiram em 1603 e perduraram por muitos anos.[180] Em matéria criminal, as ordenações foram substituídas pelo Código Criminal do Império (1830).

Em 1890, com a república, sentiu-se a necessidade de se criar um novo código, o qual foi denominado de Código Penal. Desde o CP de 1890, não mais mudamos a denominação. O referido código continha uma série de impropriedades, o que fez que fossem elaboradas muitas leis criminais, emergindo um aparente conflito entre elas e a necessidade de se elaborar uma consolidação das leis criminais de então, o que se deu em 1932. Tal consolidação não vigorou muitos anos, visto que, ante o denominado Estado Novo, com a Constituição outorgada de 1937, foi publicado o CP vigente (Decreto-lei n. 2.848, de 7.12.1940).

O Código Penal vigente sofreu grandes alterações, desde a sua publicação, ocorrida em 31.12.1940, visto que seus 120 primeiros artigos (toda Parte Geral-PG) tem redação dada pela Lei n. 7.209, de 11.7.1984, sendo que sua Parte Especial (PE) também sofreu alterações. Aliás, a própria PG já foi significativamente modificada por leis posteriores à de n. 7.209/1984.

Foram feitas diversas tentativas de criar um novo CP, mas, ainda, sem sucesso. Com as Constituições outorgadas em 1967 e 1969 (esta última foi denominada de Emenda à Constituição Federal n. 1), dependiamos de um novo CP, tendo sido editado o Decreto-Lei n. 1.004, de 21.10.1969. Ele entraria em vigor em 1.1.1970 (art. 407). Porém, a Lei n. 5.573, de 1.12.1969, previu o dia 1.8.1970. A vacatio legis foi ampliada pela Lei n. 5.597, de 31.7.1970, definindo o dia 1.1.1972 para entrada em vigor. A Lei n. 5.749, de 1.12.1971, novamente ampliou o prazo de vacância do CP, designando o dia 1.1.1973 para a sua entrada em vigor. Não obstante, a Lei n. 5857, de 7.12.1972, designou o dia 1.1.1974 para a entrada em vigor. Mantendo esta última data, a Lei n. 6.016, de 31.12.1973, renumerou o art. 407 para o 402 e alterou substancialmente o CP, que existia, mas não entrava em vigor.

Havia uma pretensão de criar um novo Código de Processo Penal (o que está em vigor adveio do Decreto-lei n. 3.689, de 3.10.1941). Então, foi editada a Lei n. 6.063, de 27.6.1974, que dispôs: “Art. 1º O Código Penal instituído pelo Decreto-lei n. 1.004, de 21 de outubro de 1969, com as alterações posteriores, bem como os artigos 3º, e 5º da Lei n. 6.016, de 31 de dezembro de 1973, entrarão em vigor juntamente com o novo Código de Processo Penal”.

Parece brincadeira, mas o CP, existente à época, passou a ter data indeterminada para entrar em vigor. 8 anos, 11 meses e 20 dias depois da primeira publicação, o CP/1969 foi revogado, sem nunca ter entrado em vigor, isso pela Lei n. 6.578, de 11.10.1978. Isso se deu porque os militares já estavam se preparando para a transição, visto que decidiram que abandonariam o poder, ou seja, o devolveria aos civis. Assim, certamente, seria estabelecida uma nova ordem jurídica.

Miguel Reale Júnior sintetiza a história legislativa criminal, a partir das formulações legislativas de Alcântara Machado e de Virgílio de Sá Pereira, voltadas à punição para fins preventivos e ao tecnicismo criminal. Ele passa pelo anteprojeto elaborado por Nelson Hungria, em 1963, com pequenas alterações, em relação ao Código Penal de 1940, chegando ao Código Penal de 1969, ainda baseado no critério de periculosidade. Ao passar pelas Lis n. 6.016/1973 e 6.416/1977, ele acentua a manutenção do critério da periculosidade, o qual é considerado precário pelo doutrinador.[181]

O Presidente da República João Baptista Figueiredo (1918-1999) governou de 15.3.1979 a 15.3.1985, cumprindo sua promessa do discurso de posse, no sentido de devolver o governo do Brasil aos civis. Assim, em 5.10.1988, foi promulgada a Constituição Federal vigente, o que tornou imprescindível um novo CP e um novo CPP.

Tem-se tentado, mas está complicado. Na parte processual, foram criados vários projetos de lei. Veja-se:

Tentativas restaram frustradas ao longo do tempo para elaboração de um novo CPP. Entretanto, com o intuito de modernizar a legislação processual penal, o então Ministro da Justiça, José Carlos Dias, constituiu, por meio da Portaria n. 61/2000, uma comissão para o trabalho de reforma... Referida Comissão apresentou, em dezembro de 2000, sete anteprojetos que, por sua vez, originaram os Projetos de Lei n. 4.203/2001 (júri), 4.204/2001 (interrogatório), 4.205/2001 (provas), 4.206/2001 (recursos e ações de impugnação), 4.207/2001 (procedimentos), 4.208/2001 (prisão e medidas cautelares) e 4.209/2001, investigação criminal).[182]

Os Projetos de Lei n. 4.206/2001 e 4.209/2001 não se transformaram em leis, mas os demais sim, o que deu nova cara ao CPP, mas ainda existem complicadores. Há o Projeto de Lei n. 8.045/2010 em tramitação,[183] mas não creio que ele venha a ser aprovado.

Em 1998, uma comissão de alto nível elaborou um anteprojeto que alterava a Parte Especial do Código Penal, apresentado em 1999, mas retirado pelo então Ministro da Justiça José Carlos Dias (Jul/1999 – Abr/2000).

Significativas alterações foram feitas no CP, tendo sido aumentadas muitas penas, em 1990, introduzindo-se a delação premiada para a extorsão mediante sequestro (Lei n. 8.072); em 1996, foram alterados os crimes contra o patrimônio (Lei n. 9.426); em 1998, as penas restritivas de direito (especialmente os arts. 43-44, em face da Lei n. 9.714), bem como os crimes contra a saúde pública (Lei n. 9.677); em 2003, as penas dos crimes contra a administração pública (Lei n. 10.763); em 2005, os crimes contra a liberdade sexual (Lei n. 11.106); em 2009, os crimes contra os costumes se transformaram em crimes contra a dignidade sexual, com significativas alterações (Lei n. 12.015); dentre outras.

Em 2012, por intermédio do Projeto de Lei do Senado n. 236, apresentou-se um novo Código Penal, com 542 artigos.[184] As diversas emendas havidas levaram á Emenda n. 1, consolidada em 2015.-, com 530 artigos.[185]

2.5.4.2 Lei das Contravenções Penais e distinção entre crime e contravenção

O Decreto-Lei n. 3.688, de 3.10.1941, constitui a Lei das Contravenções Penais. O Código Penal trata de crimes e a Lei das Contravenções Penais trata das contravenções. No entanto, não há qualquer distinção ontológica ou doutrinária entre crime e contravenção, embora nossa legislação tenha optado por uma distinção bipartida. O CP francês de 1810 adotou a classificação tripartida, pela qual os crimes são julgados pelo júri, os delitos pelos tribunais correcionais e as contravenções pelos tribunais de polícia.[186]

A lei brasileira distingue crime de contravenção, ex vi do DL n. 3.914, de 9.12.1941 (Lei de introdução ao CP e à LCP):

Art. 1º Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

Pelo que se vê a “infração penal” (denominação imprópria, uma vez que se é gênero de crime, deveria ser denominada infração criminal), se divide em crime e contravenção segundo a pena cominada. No entanto, essa é uma distinção vazia de conteúdo, tendo em vista que ontologicamente não distinção prática entre reclusão, detenção e prisão simples, já tendo, inclusive, sido proposta a redução das três espécies a uma única, que é a prisão (Projeto de Lei n. 3.473/2000[187]). Esta que é gênero, atualmente, daquelas, passaria a ser a única espécie de pena privativa de liberdade. O projeto de lei foi elaborado por uma comissão de alto nível, composta por grandes criminalistas,[188] mas parou no Congresso Nacional porque foi tido como benevolente demais.

A distinção feita pelo DL n. 3.914/1941, expondo que o crime será apenado com detenção ou reclusão, enquanto a contravenção será apenada com prisão simples, ratifico, é inócua porque, na prática. Embora a legislação criminal procure apresentar distinções, na prática, toda distinção estará no regime de cumprimento da pena (fechado, semiaberto ou aberto).

O CP é aplicável à LCP naquilo em que ela não dispuser de maneira diversa (LCP, art. 1º). A LCP por ser mais antiga, eis que a PG/CP foi modificada integralmente em 1984, contém algumas disposições dissonantes da doutrina moderna, apresentando aparente contradição com o CP, mas esse entendimento é equivocado. Não é razoável pensar, por exemplo, que a conduta jurídico-penal relevante para caracterização da contravenção prescinde de dolo ou negligência (LCP, art. 3º), pois as contravenções constituem nani crimini (crimes anões) e como tais estão sujeitas à teoria do crime, fazendo-se mister atualizar in bonam partem os dispositivos ultrapassados da LCP.Entendemos que o transcrito art. 3º da LCP decorre do momento da edição da norma e que não se pode falar, hoje, em delito sem negligência (nullum crimen sine culpa). Destarte, a contravenção, tem os mesmos elementos do crime.

No contexto de equívocos legislativos, considero completamente equivocada a afirmação de César Dario, construída no sentido de a Lei n. 8.0872, de 25.7.1990, decorreu de uma extrema liberalidade da Lei n. 7.209/1984.[189] Para mim, a lei decorreu de um retrocesso no pensamento jurídico-criminal pátrio, conforme expus anteriormente e voltarei a tratar neste livro. Erradas são as novas leis que, calcadas nos movimentos de lei e ordem, procuram solucionar o problema da criminalidade por meio do agravamento das sanções criminais.

De qualquer modo, abandonar a velha distinção entre crime, delito e contravenção (classificação tripartida das infrações criminais), bem como a classificação bipartida (as infrações se dividem em crimes ou delitos e contravenções), não traz qualquer inconveniente, eis que as espécies integram o mesmo gênero e a gravidade da sanção, por suas espécies, não apresenta critério seguro, o que esvazia qualquer argumento em favor da distinção.

Basileu Garcia já nos alertava para a falta de coerência na tripartição das infrações penais, dizendo que na França os crimes são julgados pelo Júri, os delitos pelos tribunais correcionais e as contravenções pelos tribunais de polícia, dizendo que “contraditoriamente, os delitos, apesar de menos graves, são apreciados com maior rigor, sem as incertezas comuns na Justiça popular. Daí o uso, pela magistratura, do expediente oficioso da correcionalização, ou seja, a desclassificação de crimes.[190] Isso demonstra duas coisas: a) pensar que o DCrim deve ser repressor é um fenômeno presente na magistratura mundial; b) por ser carente de técnica, a distinção se transforma em frágil, sem qualquer razão para subsistir. Nesse sentido, expunha Ferri:

Juridicamente, crime e contravenções são substancialmente de idêntica natureza enquanto são atos contrários às leis penais, perigosos ou prejudiciais às condições de existência social. Por isso, em vão alguns criminalistas lhes investigaram caracteres de substancial separação sob o ponto de vista jurídico.[191]

Nos dias atuais, em face do princípio da ofensividade, pelo qual a norma criminal só deve descrever condutas graves e que atingem ou coloquem em risco bens jurídicos sérios, a contravenção deveria pertencer ao campo do Direito Administrativo, conforme já previa Ferri.186 Aliás, tal realidade já se dá no âmbito militar, eis que o CPM prevê a desclassificação da lesão corporal levíssima para infração administrativas (art. 209, § 6º) e o Regulamento Disciplinar para a Marinha especifica “contravenções disciplinares” em seu título III (Dec. nº 88.545, de 26.7.1983, arts. 6º/7º).

2.6 SANÇÃO CRIMINAL E OUTRAS SANÇÕES

A autonomia relativa dos ramos do Direito autoriza impor, em decorrência do mesmo fato, cumulativamente, pena, sanção civil e sanção administrativa. Desse modo, aquele que praticar um delito, além da pena, decorrente de condenação, deverá reparar civilmente o dano e poderá ser punido administrativamente.

A reparação do dano tem natureza civil, enquanto a perda do cargo tem natureza administrativa e a pena decorre do DCrim, mas todas as sanções podem decorrer de um único crime. Não haverá bis in idem em tal hipótese, assim como a pessoa absolvida criminalmente, em decorrência de insuficiência de provas, pode ser sancionada administrativamente ou condenada à reparação do dano.

A decisão que não comportar recurso por decorreu do prazo para a interposição deste (transitada em julgado), produzirá a coisa julgada formal (o fato não poderá ser novamente discutido no mesmo processo) e desta poderá decorrer a coisa julgada material (produzirá efeitos erga omnis, ou seja, o fato não poderá ser discutido no processo ou fora dele).

Em face da especialidade de cada ramo do Direito, a decisão de um Juiz Criminal pode fazer coisa julgada perante a Administração (por exemplo, o Juiz criminal vir a absolver por estar provado que o acusado não é o autor do delito). Porém, em princípio, as decisões poderão ser diferentes.

Um serventuário do TJDFT saiu com uma prostituta infantil e foi preso após ela o masturbar. Ele, em sua defesa, dizia que não houve crime porque, em se tratando de prostituta infantil, não havia objeto jurídico (liberdade sexual) a tutelar. Eu era o presidente da Comissão Permanente de Processo Disciplinar e propus a punição do serventuário porque, mesmo que fosse a esposa dele, o fato atingiu gravemente a Administração. Ele estava em um carro preto, com logotipo do TJDFT e placa oficial, em um estacionamento do parque da cidade, satisfazendo a libido em horário de trabalho. Assim, não interessava se o fato se referia a uma vítima ou não, mas a uma conduta administrativamente inaceitável. A autonomia relativa dos ramos do Direito permitia a imposição de sanção administrativa, independentemente de ser o fato crime.

É sabido que, ante a autonomia relativa dos ramos do Direito, a punição pode ser imposta mais de uma vez, uma vez que a responsabilização pelo fato deve ser civil, criminal e administrativa. Assim, o servidor público que pratica crime contra a Administração, provocando dano ao erário, deve ser condenado a reparar o dano, à perda do cargo, e à pena.

Sou partidário da tese que propõe serem as contravenções delitos administrativos, devendo ocupar apenas o campo administrativo, com sanções próprias do DAdm, v.g., multa, restrição de direitos etc. Essa proposta não é inovadora, sendo que a própria legislação pátria menciona a “contravenção disciplinar”. Mais ainda, o Dec. n. 88.545, de 26.7.1983 (Regulamento Disciplinar para a Marinha), estabelece em seu art. 9º: “No concurso de crime militar e contravenção disciplinar, ambos de idêntica natureza, será aplicada somente a penalidade relativa ao crime”.

A condenação criminal, nem sempre levará à punição administrativa. Porém, impedir a imposição de sanção administrativa (de DAdm), em face da pena (de DCrim), importa em dizer que um exclui o outro, ou seja, diante do transcrito art. 9º, em se tratando de crime, responsabiliza-se criminalmente, afastando a hipótese de cumulação de sanções, o que é incoerente.

A minha proposta decorre do atual estágio de civilização em que nos encontramos, o que justifica a extinção das contravenções, devendo as mesmas serem consideradas delitos estritamente administrativos. Com efeito, a prisão é uma das sanções administrativas mais severas que se pode impor ao militar, mas o licenciamento e a exclusão das fileiras da corporação são mais severas.

Como o militar é norteado pela disciplina e a hierarquia, não é razoável que uma das sanções administrativas mais graves possa ser absorvida pela pena do crime, quando o servidor civil teria cumulação das sanções (criminal e civil), o que constitui absurdo. Outrossim, nada mais justifica a participação do Poder Judiciário para solucionar fatos definidos como contravenção.

2.7 FONTES DO DIREITO CRIMINAL

2.7.1 Fontes materiais

Fala-se em fonte material (ou de produção) do Direito Criminal, que seria unicamente o Estado. No caso, seria a União, tendo em vista que compete privativamente a ela legislar sobre Direito Criminal (CF, art. 22, inciso I). Não obstante isso, a própria Constituição Federal cria a possibilidade de ser produzida norma criminal por Unidade da Federativa – Estados-Membros e Distrito Federal –, desde que autorizada por lei complementar (CF, art. 22, parágrafo único). Note-se que até o presente momento, nenhuma lei complementar autorizou qualquer unidade federativa a legislar sobre o DCrim.

Ressalte-se que a CF em seu art. 22, parágrafo único, só faz referência aos Estados. Não obstante isso, a própria CF dispõe: “Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios” (art. 32, § 1º), não sendo desarrazoada a sua inclusão dentre as fontes de produção de DCrim.

É equivocada a inserção do município do rol de entes federativos, não obstante o contido no art. 1º da CF.[192] Aliás, são tantas as limitações às autonomias das unidades federativas, a ponto de permitir afirmar ser o Brasil um Estado unitário ou, pelo menos, não ser federação propriamente dita.

O exposto autoriza concluir que é justificável a vedação ao município da competência legislativa em matéria criminal. Ele não produz DCrim. Também, é fácil perceber a mitigação do poder legiferante, em matéria criminal, dos Estados-Membros e do Distrito Federal, haja vista que só poderá legislar mediante autorização expressa, contida em lei complementar, e apenas acerca de assuntos específicos.

A autorização dada por lei complementar deverá se restringir a alguma matéria específica, que pode ser, por exemplo, regulação de trânsito, tributária, ou de execução criminal, sendo mais fácil perceber a aplicação prática do art. 22, parágrafo único, da CF, no tocante às matérias em que a competência legislativa seja concorrente (tanto a União quanto a unidade federativa podem legislar sobre a matéria).

A interpretação sistemática da Constituição Federal induz ao sentimento de que a autorização, em princípio, não pode versar sobre matérias em que a competência legislativa seja privativa da união, v.g., instituir crimes sobre Direito de Família, eis que este se situa dentro do Direito Civil, e este só pode ser legislado pela União (CF, art. 22, inc. I). Não obstante se for deferido ao Estado legislar sobre Direito de Família, nada obsta a autorização para que ele legisle sobre Direito Criminal relativo à mesma matéria. Caso o crime não venha a afetar a natureza civil dos institutos do Direito de Família, a autorização para legislar criminalmente sobre tal matéria independerá de autorização para legislar sobre a matéria anterior ao Direito Criminal.

Afirma-se que o Estado “é a única fonte de produção do Direito Penal. Contudo, para que possa exteriorizar sua vontade, deve valer-se de algum instrumento, o qual, in casu, é a lei”.[193] No entando, referida posição constitui reducionismo grosseiro, portanto, inadmissível.

Hoje, diante da teoria de sistemas trazida para o Direito pela jusfilosofia de Luhmann, bem como da Filosofia da ação comunicativa de Habermas, chegamos ao Direito Criminal funcionalista, para o qual as normas sociais são relevantes. Ademais, há um princípio da adequação social, cuja proposta atual é a de inseri-lo na descrição do crime, como um elemento normativo. Dessa forma, admitindo a novel concepção, a sociedade é fonte de DCrim, sendo importante no momento de elaboração das leis criminais, tanto para tipificação de algumas condutas outrora tidas como lícitas, como para exclusão de algumas condutas que o desuetudo (costume de não usar a lei) já as retirou do âmbito do DCrim.

Diante do princípio da legalidade, a sociedade, por si só, não pode ser considerada fonte de Direito Criminal, tendo em vista que ela não pode criar crimes sem a intervenção do Poder Legislativo. Também, em princípio, o desuetudo não revoga a norma, pois uma lei só pode ser revogada por outra. Não obstante isso, é inegável que a sociedade, no momento legislativo, influencia na produção da norma. Finalmente, é inegável que a sociedade, no atual estágio do DCrim, ao menos indiretamente, é sua fonte material.

É comum verificarmos em manuais de DCrim a afirmação de que o Estado produz a norma atendendo ao espírito social ou à consciência do povo em dado momento do seu desenvolvimento histórico.[194] Ocorre que não há nada mais jusnaturalista e transcendental que pretender encontrar o espírito ou a consciência de um povo.

Erasmo de Roterdam já nos alertava para o fato de que o núcleo social, a família, está repleto de mentiras e traições e assim os casais são felizes. Caso dissessem a verdade em todo tempo, teriam mais conflitos e seriam mais frequentes as separações.[195] Ora, como dentro dos lares grassam a mentira e a hipocrisia, sendo impossível conhecer verdadeiramente os maridos e as mulheres, será mais difícil encontrar o espírito da sociedade.

É a sociedade complexa quem constitui fonte material do DCrim, isso ao lado dos entes federativos. Explicarei que no contexto moderno, em que a sociedade é complexa, o Direito é comunicação e esta só é possível no meio social. A sociedade, portanto, é fonte material do Direito Criminal, não seu espírito ou a consciência do povo.

2.7.2 Fontes formais

2.7.2.1 Imediatas

Diz-se que a única fonte direta, imediata, do Direito Criminal é a lei. Adotando tal postura, ela seria a “única fonte de cognição ou de conhecimento” do DCrim.[196] A lei deve ser vista em sentido estrito, ou seja, aquela emitida pelo Poder Legislativo, mediante processo legislativo regular.Assim, não são fontes do DCrim: o decreto, a portaria e a medida provisória (embora esta tenha força de lei, não é lei).

A medida provisória, tecnicamente, não pode ser fonte de DCrim, nem mesmo quando é descriminalizadora, ou despenalizadora. Não obstante a vedação constitucional, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido que a medida provisória que beneficia o réu, extinguindo crime ou pena, ou ainda, criando obstáculos à punição, a partir do momento que é convertida em lei, pode ser aplicada, pois a conversão supriria o vício de origem, até porque a lei penal que beneficia o réu é aplicável retroativamente.

É equivocado pensar que a medida provisória pode ser fonte de DCrim porque a matéria criminal deve ser regulada por quem tem efetivo poder legiferante, ou seja, o Poder Legislativo. Sendo o DCrim um ramo mais sério, em face dos seus objetos jurídicos e das sanções que comina, suas normas devem ser melhor discutidas, o que é incompatível a medida provisória.

Devemos lembrar que a própria CF expõe expressamente que os direitos e garantias fundamentais nela previstos não excluem outros decorrentes de tratados e convenções de direito internacional (art. 5o, parágrafo 2º). A inserção de uma norma de direito internacional no âmbito interno é feita por meio de decreto legislativo, ato do Congresso Nacional, que tem competência privativa para tratar da matéria (CF, art. 49, inciso I). O tratado aprovado por decreto legislativo e ratificado pelo Presidente da República não se confunde com a lei, mas pode ser fonte de DCrim, mormente no que concerne à aplicação da lei no espaço e com relação às pessoas, o que será estudado no próximo capítulo deste curso.

Disse anteriormente que a sociedade é fonte material, isso diante das novas concepções filosóficas, com importantes reflexos no Direito Criminal. Dessa forma, se a admitirmos como fonte de produção, o costume emergirá como fonte formal imediata, uma vez que será por meio dele que se poderá alcançar o inteiro conteúdo da norma. Com efeito, se a adequação social é elemento normativo do tipo, ela o complementa, integrando-o, o que transforma o costume fonte formal imediata de DCrim.

Rogério Greco, tratando da discussão acerca da força revogadora de leis atribuída aos costumes, expõe:

Em que pesem algumas posições contrárias, o pensamento que prevalece, tanto na doutrina quanto em nossos tribunais, é no sentido da impossibilidade de se atribuir essa força aos costumes. Isso porque o art. 2º, caput, da Lei de Introdução ao Código Civil, de forma clara e precisa, preconiza: “Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue”.[197]

Desde Savigny que se discute a importância do costume, sendo que se optou por tê-lo ao lado da lei (praeter lege), complementando o seu sentido.[198] Em regra, o costume foi aceito como meio complementar de interpretação, mas, ratificamos, diante da força que ele tem no DCrim moderno, não é equivocada a sua inclusão dentre as fontes formais imediatas. Ocorre, no entanto, que a posição de Rogério Greco é a mais adequada aos concursos públicos e aos tribunais brasileiros.

2.7.2.2 Mediatas

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Dec.-Lei n. 4.657, de 4.9.1942) estabelece: “Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”.

Quanto ao costume, já o dissemos, na área criminal, toda norma deve ser analisada com um complemento, que é a adequação social da conduta. Uma conduta socialmente adequada não pode ser crime, v.g., a mãe que fura a orelha da filha recém-nascida não pratica o crime de lesão corporal, visto que sua conduta é socialmente adequada. Dessa forma, sendo a adequação social parte integrante da norma, será fonte imediata (direta) do DCrim, não apenas fonte mediata (indireta). Observe-se, no entanto, que a Lei de Introdução ao Código Civil é de 1942, tendo ocorrido muitas mudanças desde aquele ano, o que permite interpretação diversa da norma transcrita, nesse ponto. Aliás, por oportuno, é conveniente lembrar que até o CC daquela época foi revogado, cedendo lugar ao de 2002.

Muitos autores afirmam que o costume emerge como fonte mediata do DCrim, mormente os autores especializados em matérias dirigidas aos concursos públicos, que, na sua maioria, não deveriam ser chamados de doutrinadores, mas de compiladores das idéias dominantes. De qualquer forma, o costume também se apresenta como fonte mediata de DCrim, eis que influencia fortemente na interpretação das normas escritas, ou seja, serve de elemento para interpretação do contido na lei.

Não podemos deixar de ver o Direito como um sistema integrante do sistema global, que é o social. O Direito só existe no meio social, e, para que uma norma integre o mundo do Direito precisa passar por uma fase de maturação. Com efeito, há uma intensa comunicação no sistema social que, após filtradas, integram o sistema jurídico. Dessa forma, não basta a criação de uma lei para a existência de uma norma jurídica, é necessário que haja uma maturação para sua aceitação, caso contrário, a norma será ineficaz. Desse modo, é inegável a importância do costume para o Direito.

Analogia é a aplicação de uma lei a caso que ela não prevê, mas semelhante ao previsto. Em 22.12.1919 foram editados os princípios básicos do direito soviético, que admitiu a analogia e a periculosidade social da ação e do seu autor, o que o caracterizou até 1958.[199] Em nosso país, a analogia só é admitida em favor do réu (in bonam partem).

Hodiernamente, em matéria criminal, a analogia in malam partem (em prejuízo do réu) não é admitida, mas ela é admitida in bonam partem (em benefício do réu).[200] Com efeito, diante do princípio da legalidade, a pessoa só pode ser acusada de crime previamente previsto em lei, não se admitindo a analogia.

A título de exemplo, examinemos o art. 235 do CP, que estabelece o crime de bigamia: “Contrair alguém, sendo casado, novo casamento”. Do preceito pode-se extrair: 1º) só o casamento (ato civil solene) pode caracterizar o delito; 2º) embora a família possa ser constituída pela união estável, não haverá bigamia se, tendo união estável, a pessoa vier a casar.

De modo diverso, para beneficiar o agente, tem-se admitido a analogia in bonam partem. Um exemplo corrente que se pode apresentar é o relativo ao prazo prescricional, que se admite a detração do prazo da prisão provisória para efeitos de cálculo da prescrição da pretensão executória, assunto que constará do próximo volume deste curso e do qual tratei alhures.

No próximo capítulo tratarei da interpretação. Ali seria o local adequado para tratar da analogia intra lege, mas, por opção didática, o farei aqui, haja vista que, embora se tratando de interpretação, muitos a confundem com a analogia que é forma de integração da norma (forma de preencher lacunas da lei). A interpretação analógica sequer constitui interpretação extensiva, visto que a lei criminal ao estabelecê-la, cria parâmetros que, ao contrário de estenderem o sentido da norma, o restringe. O CP, no art. 121, § 2º, inciso IV, por exemplo, esclarece que qualifica o crime de homicídio seu cometimento “à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido”.

O “outro recurso” mencionado no inciso parece estender o sentido do dispositivo, eis que, além das hipóteses previstas, admite outras. Ao contrário, o dispositivo restringe o alcance da lei, tendo em vista que não é qualquer meio que dificulta ou torna impossível a defesa do ofendido que constituirá qualificadora, mas somente aqueles que se equivalerem à traição e à emboscada, v.g., surpresa.

Por princípios gerais do Direito são compreendidos aqueles critérios norteadores da coexistência social que se estabeleceram ao longo dos tempos. Os princípios gerais do direito têm valor integrador (preenchedor de lacunas) da norma. É certo que eles não possibilitam reconhecer como criminosa a conduta que não está prevista na lei, mas podem ser aplicados em favor do réu como efetivas fontes de Direito.

A palavra princípio exprime origem, início ou começo. Todavia, em Direito a palavra princípio tem sido empregada no sentido de critério norteador ou orientador para a aplicação do Direito. Princípio geral do Direito seria, portanto, aquele critério norteador do DCrim. Desse modo são exemplos de princípios gerais do Direito norteadores do DCrim: (a) princípio de equidade: busca de se minimizar o rigor da lei, dando-lhe interpretação mais humana; (b) princípio de isonomia: as pessoas devem ser tratadas igualmente perante as normas, segundo as suas igualdades. Se diferentes, devem ser tratadas desigualmente.

Outras fontes são apresentadas, quais sejam: a doutrina e a jurisprudência. Todavia elas não são fontes, mas formas de interpretação das normas. Não podem criar normas incriminadoras ou possibilitar a restrição de direitos, embora a prática seja diversa. Com efeito, muitas vezes, verificamos a doutrina e a jurisprudência criando normas incriminadoras, inclusive contra lege.

É comum no foro ser invocado o argumento de autoridade, ou seja, a tese de algum jurista importante, sendo oportuna a lição de Carlos Maximiliano:

“Sempre se usou nas lides judiciárias, com excessiva frequência, bombardear o adversário com as letras de arestos e nomes de autores, como se foram argumentos.

O Direito é ciência de raciocínio; curvando-se ante a razão, não perante o prestígio profissional de quem quer que seja. O dever do jurisconsulto é submeter a exame os conceitos de qualquer autoridade, tanto a dos grandes nomes que ilustram a ciência, como a das altas corporações judiciárias. Estas e aqueles mudam frequentemente de parecer, e alguns têm a nobre coragem de o confessar; logo seria insânia acompanhá-los sem inquirir dos fundamentos dos seus assertos, como se eles foram infalíveis. Nullius addictus jurare in verba magistri: ninguém está obrigado a jurar nas palavras de mestre algum.[201]

Doutrinador é aquele de notório saber jurídico. Não obstante isso, ele pode estar equivocado e induzir Juízes a adotar sua posição. Daí ser possível concluir que a doutrina não deveria ser fonte do Direito.

A jurisprudência é o costume dos tribunais. Expressa a interpretação judicial consolidada. Assim, uma decisão isolada, bem como o precedente temerário não constitui jurisprudência, mas mero precedente de tribunal.

A jurisprudência, depois de alguma prática no foro em geral, ao nosso sentir é contrária ao seu sentido literal, eis que significa “direito de prudência”, ou mais, “direito de homens prudentes”. Com efeito, ela tem se apresentado “pouco prudente”, mas é a expressão da norma viva, ou seja da norma interpretada, sendo ela a que efetivamente vale.

A jurisprudência não poderia ser fonte criadora de gravames ao réu, mas tem sido efetiva fonte (ao menos na prática) de Direito Criminal. Com efeito, o STF declarou a constitucionalidade da Lei n. 11.340, de 7.8.2006 (Lei Maria da Penha) e estabeleceu a iniciativa pública incondicionada, isso contra a literalidade da norma.[202]

2.8 POSIÇÃO ENCICLOPÉDICA

Aqui o objetivo será demonstrar a posição do Direito Criminal na enciclopédia jurídica. Então, diremos que o ramo que estamos cuidando é de Direito Público interno, eis que não nos ocuparemos das normas aplicáveis pela Corte Internacional Criminal (CIC), ou seja, não trataremos de Direito Internacional Público.

Existem divergências em torno de algumas classificações, razão pela qual optamos pela que é dominante. Só a título de exemplo das divergências, o Direito do Trabalho, será por nós classificado dentro do Direito Privado, mas pequena parte da doutrina o considera integrante do Direito Público (porque regido por normas que não podem ser alteradas e porque o Estado tem interesse no pleno emprego), outra o considera privado (porque os particulares podem contratar livremente, desde que atendam às normas de ordem pública) e, finalmente, outra corrente o considera em uma zona intermediária, entre o público e o privado (porque seria um direito social, regulado pelo Estado, mas com normas de direito privado).[203]

O CP trata de legislação especial (art. 12), que seria toda lei criminal não incluída nele. Assim, a lei da tortura (Lei n. 9.455/1997) é uma lei especial, tendo em vista que referido crime não consta do CP. Entendemos não ser necessária a distinção entre legislação criminal especial (é aquela aplicada pela justiça especializada ou especial) e legislação criminal extravagante (aquela não contida no CP). No entanto, a parca cultura dos concursos públicos valoriza a distinção.

O CP faz referência expressa à lei especial como sendo aquela que não está contida nele (art. 12), permitindo concluir que não há, para ele, distinção entre lei extravagante e lei especial. Porém, devo alertar para o risco de algum examinador, em concurso público, cobrar essa inócua distinção.

É Direito público aquele que atinge mais profundidade a sociedade, enquanto é privado aquele que interessa mais aos particulares. Daí distinguir-se o Direito Público do Direito Privado, segundo o interesse preponderante.

Há uma corrente doutrinária que informa que todo Direito Internacional é público, embora se fale em Direito Internacional privado. A denominação não transforma referido ramo do Direito em efetivamente privado, eis que prevalecerá, ainda o interesse de Estados soberanos. Com efeito, tal ramo do Direito trata das relações entre pessoas em seus interesses privados, mas em relações que envolvem fronteiras distintas, v.g., aquisição de nacionalidade estrangeira, contratos comerciais à distância etc., merecendo especial atenção dos Estados para equilibrar a situação de seus respectivos povos.[204]

O Direito Criminal externo, conforme exposto é público. Outrossim, o Direito Criminal interno é público porque o ius puniendi (direito de punir) é exclusivo do Estado, decorrendo do ius imperii (direito de exercer a soberania), o que demonstra seu maior interesse na matéria. Neste livro, nossa preocupação será com o DCrim interno, embora a construção teórica do delito que aqui será apresentada serve de base para se entender o que há em matéria criminal internacional.

2.9 OUTRAS CLASSIFICAÇÕES

As classificações que se seguem são apenas algumas, talvez as que mais são encontradas nos manuais de DCrim, visando a permitir ao leitor ler outras obras e entendê-las sem maiores problemas. São elas:

Ø DCrim adjetivo e DCrim substantivo – classificação que toma por base a espécie de norma que é estudada, se material (definição de crimes e penas) ou formal (diz como se aplica a lei material) tendo perdido sentido, visto que o primeiro se refere à forma de aplicação do DCrim substantivo, que é o material, o relativo às normas que descrevem crimes e penas. O DCrim adjetivo ganhou autonomia, sendo o Direito Processual (Criminal).[205]

Ø DCrim objetivo e DCrim subjetivo – esta é uma classificação também ruim, mas largamente utilizada nos manuais, tendo em vista que se refere ao Direito Criminal que impõe condutas (norma agendi) e ao que permite a punição de quem viola a norma agendi. O primeiro, tendo sido concebido, também, como o Direito Criminal escrito (objetivo) e o direito de punir (subjetivo), decorreria daquele. É ruim porque nem todo DCrim subjetivo decorre do DCrim objetivo. Às vezes, o direito de punir depende de outras regras, conforme já dissemos anteriormente e melhor explicaremos nos dois capítulos que se seguirão.

Aliás, sendo o conceito de norma jurídica é zetético, o DCrim objetivo não pode ser considerado como aquele que ser refere unicamente à letra da lei, haja vista que a norma viva é aquela que é interpretada. Na interpretação, muitos aspectos estranhos à literalidade da norma estarão inseridos, permitindo dizer que não é correto chamar de DCrim objetivo aquele representado unicamente pela norma escrita. Outrossim, não há correspondência entre direito objetivo e direito subjetivo, tendo em vista que o poder subjetivo de punir (ius puniendi) não decorrerá de uma única norma escrita, mas de um conjunto. É um sistema dinâmico de normas que atribuirá o ius puniendi estatal, não correspondendo portanto, em proporção igualitária, o direito objetivo com o direito subjetivo.

Ø DCrim comum e DCrim especial – classificação que leva em consideração o órgão judicante do delito, portanto, é comum o que é julgado pela Justiça comum. É especial, o que é julgado pela Justiça especializada. É necessário, para a compreensão da presente classificação, conhecermos a estrutura do Poder Judiciário no Brasil. Mas, em apertada síntese, posso afirmar que o Direito Criminal Militar e o Eleitoral são os denominados especiais.

A classificação não tem muito rigor técnico, obedecendo a critérios puramente processuais, ou seja, define-se segundo a competência. Confusão comum se dá em relação à Justiça Federal, vista pelos leigos como Justiça especial. Assim, o crime julgado por um Juiz Federal pertenceria ao denominado DCrim especial, o que é equivocado, haja vista que a Justiça Federal é comum.

Reafirmando algumas classificações, alerto para a necessidade de evitar a confusão entre conceitos distintos, a saber: a) legislação criminal extravagante e especial – a extravagante é a comum que está fora do CP, enquanto a especial se refere ao Direito Criminal especial (militar e eleitoral); b) Direito Criminal especial – é o julgado pela Justiça Criminal especializada (militar ou eleitoral); c) crime especial – tal denominação não é utilizada correntemente nos manuais de DCrim. Não obstante, fala-se em crime comum, que é aquele que pode ser praticado por qualquer pessoa. De outro modo, existem os crimes próprios e os crimes de mão própria, os primeiros só podem ser praticados por determinadas pessoas (v.g., mãe, pai, médico etc.) e os segundos serão praticados por cada pessoa pessoalmente (v.g., falso testemunho), sendo, portanto, correto dizer que todo crime que não é comum é especial, ou seja, é crime especial o crime próprio.

O crime de mão própria não é crime especial porque embora exija a presença física do autor, pode ser praticado por qualquer pessoa. Dessa forma, é crime comum.

2.10 CARACTERES DO DCrim

São características do DCrim:

Ø sancionador – tem por objeto jurídico aquilo que é protegido por outro ramo do Direito, ou seja, seu objeto jurídico é, antes de ser tutelado por ele, um objeto jurídico de outro ramo do Direito. No entanto, essa predominância (ser sancionador), não exclui sua eventual característica de ser um ramo do Direito com caráter constitutivo, ou seja, que tem objeto jurídico próprio.

O DCrim é sancionador, por exemplo, quando tutela a família, objeto jurídico originariamente do Direito Civil. De outro modo, é constitutivo quando tutela a vida, a liberdade e a integridade física, bens jurídicos que não provêm de outro ramo do Direito.

Toda pessoa humana, ao nascer, traz consigo determinados direitos, os quais são denominados direitos subjetivos (v.g., vida, liberdade, integridade física). Com o tempo, ao longo da vida, outros direitos subjetivos vão se acrescendo àqueles, sendo que muitos deles serão protegidos pelo Direito. Daí falar-se em objeto jurídico, ou bem jurídico, que nada mais é que o direito subjetivo tutelado por determinada norma jurídica.

Nem todos os fatos, embora existindo determinadas normas que as regulem, são juridicamente relevantes, v.g., regras de boa educação. As regras sociais, por si só, não chegam a pertencer ao mundo jurídico. Dessa forma, uma norma social se apresenta insuficiente para que um fato possa ser juridicamente relevante. Aqui, bem jurídico é aquele tutelado pela lei criminal. Normalmente, esses bens já são tutelados em outros ramos do Direito, daí dizer-se que o Direito Criminal é predominantemente sancionador, ou seja, apenas comina sanções para bens jurídicos tutelados por outros ramos do Direito. Não obstante, mormente entre os crimes contra a pessoa, encontraremos bens jurídicos que são tutelados originariamente pelo Direito Criminal (a vida, a liberdade e a honra). Assim, afirma-se, com razão, que o DCrim é essencialmente sancionador, mas é também constitutivo, mesmo que excepcionalmente.[206]

Ø futuro – como regra geral, rege o futuro, ou seja, a partir da sua vigência, deixando de lado o passado;

Ø geral – dirige-se a todos que se encontrarem na mesma situação. Isso não impede a criação de normas que atinja especificamente determinadas classes de pessoas, pois o que é proibido é a criação de normas que discriminem pessoas na mesma situação;

Ø coercitivo – o DCrim impõe condutas, ameaçando o infrator de suas normas por meio da cominação de penas;

Ø subsidiário – só deve intervir onde os outros ramos do Direito se mostrarem impotentes para a tutela dos seus objetos jurídicos. Aliás, não será rara a referência nesse livro ao princípio da intervenção mínima ou da subsidiariedade, pelo qual o DCrim não deve intervir em demasia na vida do indivíduo.

O DCrim deve ser considerado a ultima ratio, isto é a última cartada do sistema legislativo, quando se entende que outra solução não pode haver senão a criação de lei criminal, impondo sanção ao infrator. Caso o bem jurídico possa ser protegido de outro modo, deve-se abrir mão dessa opção legislativa.[207]

Um alerta importante deve ser feito: o fato de se procurar evitar a aplicação do DCrim não importa dizer que ele é menos importante que os outros ramos do Direito. É, na verdade, um Direito de última instância. Nesse sentido, esclarecedor é o exemplo de Enrique G. Ordeig, no sentido de que os médicos, em regra, procuram solucionar os problemas de saúde por meio de tratamentos menos gravosos que a cirurgia, mas se eles não derem certo será feita intervenção cirúrgica. Ela é alternativa última, mas não pode ser considerada menos importante que os outros tratamentos. O mesmo se dará com o DCrim.[208]

2.11 DCrim, PENALOGIA, POLÍTICA CRIMINAL, VITIMOLOGIA E CRIMINOLOGIA

2.11.1 Objeto de estudo de cada ciência

O DCrim tem por objeto de estudo normas jurídicas que tratam do crime e das penas. O delito, sob o ponto de vista jurídico-criminal, é estudado segundo a perspectiva normativa, cujos conceitos serão: formal, material e analítico.

O estudo da pena em si, não é feito pelo DCrim. É a Penalogia quem aborda o estabelecimento ou a fixação das penas.[209] Ocorre que não se trata de um estudo isolado. Tal estudo deita suas raízes na Política Criminal, que representa atividade do Estado e uma atividade científica. A primeira atividade referida estabelece os fins do Estado para neutralizar os comportamentos desviados do fenômeno delitivo e determina os meios para a consecução desses fins.

A Política Criminal, enquanto atividade científica, estuda todo complexo que conduz à determinação dos fins que devam ser alcançados, como empregar o DCrim e em que medida a Política Criminal deve atender aos princípios limitadores da intervenção.[210]

Há muito que a Criminologia é vista como ciência auxiliar. Desde Lombroso que ela é concebida a partir do DCrim, haja vista que estudo a causa do crime, verificando-o como fenômeno antropológico, sociológico ou científico, mas sempre a partir da violação da norma criminal, ou seja, seu objeto de estudo decorria de “um ato do poder político”.[211] Zaffaroni reconhece que se tem indagado, inclusive, o seu aspecto científico, havendo quem tenha afirmado que não se trata de ciência, mas considera irrelevante determinar com clareza tal aspecto por a discussão teria, segundo ele caráter especulativo e sem relevância prática.[212]

Em uma visão conservadora, a Criminologia é a ciência que estuda o “homem criminoso e a criminalidade”.[213] Tem-se argumentado que esse conceito se encontra superado, mas o argumento não nos convence. Na verdade, o que se pode demonstrar é uma mudança de perspectiva do objeto de estudo, não se podendo conceber uma ciência que não tenha objeto de estudo.

Tal ciência tem sua autonomia científica reconhecida, sendo que me proponho a criticá-la, não sob o aspecto pejorativo, mas indagando sobre sua cientificidade e colocando em relevo as principais dúvidas que devem preocupar àquele que se preocupa com o fenômeno criminal.

Já acreditei que o problema da criminalidade poderia ser minimizado por meio da atuação preventiva da polícia. Hoje, concluo que é imaturidade acreditar que o fenômeno criminal tem qualquer relação com o aparelho policial isoladamente considerado.

Tenho verificado que os cientistas estão descontentes com a fragmentariedade do conhecimento científico, tendendo às teorias filosóficas sistêmicas. A análise do crime e da criminalidade não tem restado isenta a isso. Ela sofre as inúmeras influências das perspectivas sistêmicas, com especial preocupação com a filosofia do discurso.

Estou voltado ao academicismo criminológico desde o período em que ingressei na academia de polícia, em fevereiro de 1.987, mas meu pensamento modificou muito, sendo que estou me tornando um pessimista ante o meu objeto de estudo. Hoje, creio na possibilidade de construir um mundo melhor por meio da educação, da esperança, da fé em um mundo moral em que a tradição tenha se estabelecido de forma humana.

Este estudo é aquele em que poderei apresentar todas as minhas utopias, desejando acreditar em um homem interesseiro, mas com hábitos limitados por uma moralidade viabilizadora de um mundo melhor. Sei que em um país como o nosso, influenciado por uma realidade econômica globalizada, há uma dificuldade enorme para se acreditar em sonhos utópicos, mas é necessário acreditar na possibilidade de ver maior preocupação com os direitos fundamentais da pessoa humana, com o respeito à dignidade e todos os outros bens jurídicos essenciais à coexistência harmônica dos homens. É com esse enfoque que o estudo se desenvolveu.

A proximidade da criminologia com outras ciências é grande, a ponto de se poder afirmar ser impossível iniciar um estudo sem demonstrar a proximidade de certos conhecimentos científicos, a ponto de eu vir a defender a idéia da manutenção da criminologia como ciência auxiliar, cuja construção teórica só é possível por meio da observação de vários seguimentos do conhecimento (várias ciências). Afirmo que, assim como a estatística, a criminologia é importante, mas extremamente falha.

Não consigo afastar um estudo teórico de sua construção histórica. Ele deve ser feito com todo o cuidado que o estudo exige, uma vez que a história a ser apresentada deve estar correlacionada com o objeto da pesquisa. Também, deve-se perceber que a perspectiva é a da análise do fenômeno criminológico, muito próxima dos fins da pena e do Direito Criminal.

Não adoto algumas correntes criminológicas que considero reducionistas – não gosto de falar em escolas da criminologia porque reservo a palavra “escola” para determinada corrente científica, sendo que não reconheço a cientificidade da criminologia -, criando ambiente para tratar das diversas correntes da criminologia crítica, todas funcionalistas, que se localizam em um campo do conhecimento tão amplo, que prefiro dizer integrarem a filosofia.

2.11.2 Conceituando a criminologia

Conceituar a criminologia é mais fácil do que a definir, haja vista que podemos apresentar aspectos gerais da mesma, mas é difícil estabelecer, inclusive a sua cientificidade.

É fácil perceber que os cientistas das mais diversas áreas procuram explicar o fenômeno criminal tratando-o sob as perspectivas de suas ciências. O médico psiquiatra o observa sob a perspectiva antropológica, enquanto o jurista tem especial preocupação sob o aspecto normativo etc. Isso torna adequado afirmar que “qualquer observação conceitual sobre a criminologia esbarra nas diferentes perspectivas existentes nas ciências humanas”.[214]

Na minha visão, os Criminólogos estão concebendo a criminologia como a parte do conhecimento que se ocupa do fenômeno criminal, investigando-o a partir de seu autor, da vítima, do ambiente em que ele se concretiza, bem como do aparelho repressivo.

Embora se fale em sua cientificidade, prefiro dizer que não constitui propriamente uma ciência, até porque seu objeto de estudo é muito amplo, invadindo o campo de suas ciências. Pretender conjugar todos os conhecimentos parciais das várias ciências que se ocupam do crime, do criminoso e da vítima, tornando a criminologia de fusão, é uma proposta possível, defendida pela criminologia integrada, mas de difícil implementação, de autonomia ainda discutível, uma vez que tende a transformar o criminólogo em relator das diversas conclusões decorrentes das várias ciências. De qualquer modo, João Faria Júnior defende a cientificidade da criminologia, dizendo que ela “não é, de modo algum, uma simples mistura síntese ou constelação [de outras ciências], mas ciência autônoma porque, não obstante valendo-se dos conhecimentos e meios de pesquisas dessas disciplinas, ela tem finalidade, objeto e método próprios”.[215]

2.11.3 Autonomia da criminologia

O povo tende a se mobilizar em prol de uma idéia porque manipulado, sendo essa uma das críticas que leva à defesa da democracia e da oligarquia, em detrimento da monarquia. A política criminal de um país não pode ser feita sem uma análise séria do fenômeno criminal.

Um povo mobilizado por argumentos falaciosos tende às soluções meramente aparentes, sendo necessário o comedimento na apreciação de umas informações que emergem acerca da criminalidade e do criminoso. Nesse sentido, veja-se o que expus sobre a evolução da legislação criminal acerca do “sequestro relâmpago” no Brasil e o incremento da criminalidade a partir do rigor jurídico-criminal.[216]

Como a pretensão do criminólogo é ampla, sua cientificidade é discutível. Estudar o preceito transcrito é ocupação do jurista, o que não será feito no momento. De outro modo, analisar a criminalidade a partir do delinquente, estarei fazendo análise médica, psicológica etc., o que constituirá Psiquiatria Criminal, Psicologia Forense etc. e não criminologia.

A perspectiva sociológica da criminalidade induz à Sociologia Criminal e às Ciências da Educação, esvaziando a criminologia. Reunir todos os conhecimentos voltados ao estudo do fenômeno criminal na pessoa do criminólogo levará ao estudo de outras ciências, transformando o criminólogo em filósofo, uma vez que não se preocupará em conhecer a essência do objeto de estudo, mas uma generalidade de conhecimentos parciais que permitem a formação de uma adequada política criminal.

O criminólogo, hoje, não se contenta em tratar do crime pelo estudo da criminalidade e seu autor. Ele pretende ir além e estudar a vítima – mas há quem defenda a existência de uma ciência autônoma para tratar desta, a Vitimologia.[217] Também, coloca em discussão do aparelho punitivo estatal, desnaturando a pesquisa científica.

O conhecimento teológico é aquele dado pela fé. Esta é uma coisa humana: o homem a inventou e depende dela para se perpetuar. Por medo ou por qualquer outro motivo, ela não é questionada, esquecemos que a “crença é obra do nosso espírito, mas não encontramos neste liberdade para modificá-la a seu gosto. A crença é de nossa criação, mas a ignoramos. É humana, e a julgamos sobrenatural”.[218]

Nós precisamos confiar sempre em alguma coisa, sendo que toda política criminal se estabelece com base na crença que o caminho escolhido é o melhor. A criminologia é, portanto, um instrumento para a adequada fixação de determinada política criminal, propiciando uma fé nos caminhos escolhidos para uma sociedade mais pacífica.

Teologia (ciência dos deuses) significa estudo da divindade (seus atributos e suas relações com os homens), bem como os estudos das escrituras concebidas como sagradas. É, sem dúvida, um estudo permeado pela fé. É inegável, ao longo dos tempos, a interferência das crenças no fenômeno criminal. Ocorre que certas sociedades vêem certos crimes graves como instrumento para a formação de uma sociedade mais justa e crimes contra a humanidade são concebidos como desejos de Deus. Por isso, espera-se a crença a ser estabelecida pela criminologia, manifestada pela Política Criminal decorrente, deve ser lúcida e calcada em critérios científicos.

Uma análise filosófica do fenômeno criminal, envolvendo todos subsistemas correlatos a ele, é conveniente. Porém, não é sob o manto de estar percebendo o todo, em face dos maléficos efeitos do delito, que podemos estar construindo uma sociedade retrógrada e repetir práticas já experimentadas, sem sucesso, aqui e alhures.

Já ouvi várias asneiras inadmissíveis acerca da criminalidade. No Dia dos Professores, 15.12.2004, a imprensa veiculou uma declaração pública do Presidente da República de então, no sentido de que a falta de estudo e a pobreza não geram criminalidade. A declaração foi desastrosa porque, além de fomentar o desleixo e o descaso para com os estudos, evidencia que a sabedoria popular tende ao pior, ao contrário de trazer a evolução social.

Está provado que certas espécies de crime ocorrem com maior frequência em determinados meios, por exemplo: a) o delito patrimonial não ocorre em alta escala na Índia porque ali a sociedade acredita na estrutura social formada por castas imutáveis; b) os crimes patrimoniais violentos são raros nos meios sociais mais cultos, pois seus integrantes podem obter maiores vantagens sem precisar da violência; c) a pobreza leva ao desespero e este ao delito.

Nem todo homem inculto praticará crimes violentos contra pessoas, bem como nem todo capitalista ambicionará ascensão social ilícita. Finalmente, nem todo pobre se desesperará. O óbvio é que o ex-Presidente da República estava errado em suas conclusões, visto que não conseguia perceber as relações de certos fatores com a criminalidade. Porém, seu nível intelectual não permitia conclusões diversas daquela estapafúrdia aqui criticada, eis que se vangloriava de ser um ex-metalúrgico, sem tentar crescer intelectualmente.

2.11.4 Método de estudo da criminologia

A preocupação com o criminoso e o fenômeno criminal se confunde com o início da história da humanidade, sendo que, na antiguidade, a perspectiva era religiosa. Todo delito constituía pecado, sendo que seu combate se dava pela punição do pecador. Essa concepção, ao lado de outras perspectivas retributivas (imposição um castigo como retribuição do mal a quem praticou mal correspondente) permaneceu até o momento em que se desenvolveu o positivismo, um estágio da humanidade de muitas descobertas acerca das leis físicas.

Conhecimento positivo significa ser ele científico, sendo que o positivismo filosófico foi assim denominado, devido à perspectiva reducionista (fragmentária) dos filósofos do período. Foi nele que foi inaugurada a criminologia, momento em que emergiu a Escola Positiva do Direito Criminal, isso nos anos 1876-1880.

O período científico do Direito Criminal se aproxima daquele em que ocorreu o nascimento do positivismo filosófico. No entanto, a primeira escola criminal foi considerada clássica pelos criadores da Escola Positiva do Direito Criminal, os quais inauguraram a criminologia, quais sejam: Lombroso, com sua antropologia criminal; Ferri, que desenvolveu a sociologia criminal; e Garófalo, instituidor da criminologia científica. Ferri, acerca das Escolas Criminais, afirmou que o método da Clássica era o dedutivo, enquanto que o da Positiva era o indutivo.[219]

O método da criminologia, por sua vez, é o empírico, mas como ocorre com todas ciências humanas, “a investigação criminológica não obedece a um único princípio nem se atém a métodos que possam ser enclausurados em uma única perspectiva”.[220] Dizer que a abordagem da criminologia é empírica “significa que seu objeto (delito, delinqüente, vítima e controle social) se insere no mundo real, do verificável, do mensurável, e não no mundo axiológico (como o saber normativo)”.[221] Concordo com o exposto, no sentido de que a investigação criminológica é empírica. Porém, ela leva à conclusão de que o jurista se vale apenas da norma como objeto de estudo, tanto é que o Shecaira chega a afirmar que na “criminologia, ao contrário do que ocorre com o Direito, ter-se-ão a interdisciplinariedade e a visão indutiva da realidade”.[222]

2.11.5 Criminologia clássica (ou positiva?)

O período denominado de criminologia clássica corresponde ao do nascimento da Escola Positiva do Direito Criminal, bem como da Filosofia Positivista. Por isso, não gosto de dizer se trata de um período clássico, anterior à sua perspectiva científica. Ao meu sentir, a investigação era científica, racional, e, portanto, científica. Desse modo, considero pejorativa, excludente e inadmissível a denominação Criminologia Clássica.

A antropologia criminal foi inaugurada pelo austríaco Johan Franz Gall, no início do século XIX. Ainda no início desse século, outros estudiosos tiveram especial preocupação com as causas biológicas dos delitos, o que inspirou o médico legista italiano Cesare Lombroso, o qual, após examinar, segundo ele, 617 crânios de criminosos que morreram nos presídios em que trabalhou, lançou seu célebre livro, O Homem Delinquente, em 1.876.[223]

O livro de Lombroso apresenta, inicialmente, os “crimes” entre os animais. Ele diz que os animais se matam, furtam, adulteram e praticam muitos atos que, transportando para o mundo humano, constituem crimes, constatando que o vício provoca certa tendência ao crime e afirmando que os “animais mais inteligentes mostram maior tendência que os outros para o vício e tornam-se como os homens, mais propensos aos atos criminosos”.[224]

É interessante notar que Lombroso procura demonstrar que a pena produz efeitos diferentes nos animais irracionais, sendo curiosa a reação do cavalo à punição. Ele informa que mesmo com os cavalos mais malvados, a doçura faz mais que a severidade.[225]

Demonstrados os “crimes” praticados entre os animais irracionais, até mesmo entre os insetos, Lombroso passa a dizer que, desde a antigüidade, os crimes contra a vida são aceitos em certos meios, quais sejam: aborto,[226] homicídio de velhos, mulheres e crianças (inclui-se, portanto, o infanticídio).[227]

É importante notar que assiste razão a Lombroso ao afirmar que o homicídio e o canibalismo inspirados pela vingança constituem o embrião do direito social de repressão.[228] Aqui, não posso deixar de chamar a atenção, verifico certa semelhança entre o homem atual e o homem primitivo, uma vez que no Brasil e no estrangeiro ainda se defende a pena de morte. Porém, deve-se destacar que referida pena encontra maior apoio nos meios sociais menos cultos.

Ainda no cap. 2 da 1ª parte, Lombroso passa a tratar do roubo e do furto, demonstrando que o roubo foi bem aceito em várias civilizações (considerado profissão no Egito), incentivado entre os germanos e glorificado entre os gregos.[229] Também, demonstrou que o rol de crimes aumentou à medida que cresceram os poderes dos déspotas.[230] Isso evidencia o acerto, mesmo que parcial, daqueles que afirmam ser o sistema punitivo estatal fruto da pretensão de domínio.

Do ponto de vista criminológico, considero extremamente adequada a proposição de Lombroso acerca dos crimes contra os costumes. Ele relata uma coisa evidente mais tarde: o homem é preguiçoso e não aceita modificações abrutas nos costumes consolidados.

Lombroso percebeu aquilo que insisto em tentar esclarecer sobre a estranha pretensão de estabelecer penas duras. Elas não levam a nada.[231]

Os crimes contra os costumes representam, então, aquilo que não deveriam significar, ou seja, mera dominação. Uma tentativa de padronização cultural vazia de conteúdo lógico. É porque não se pode tentar inovar, que os crimes se estabelecem como meio de dominação, eis que o “costume antigo é a principal lei que se ergue da tradição revelada; em consequência, quem quer que deseje o bem de sua alma deve sempre se conformar a ele”.[232]

Como a violação a direito subjetivo individual não era concebido como crime, em sentido técnico, a pena representava, na sua origem, tão-somente vingança. Então, Lombroso, a partir da vingança, passa a apresentar as fases da pena, quais sejam: vingança privada; vingança divina; vingança pública; duelos e ordálias (juízos de Deus); a multa, que tem suas bases na fase da composição; penas rudimentares, como foi a antropofagia jurídica, aplicada na ilha de Bow – Polinésia.[233]

Especial preocupação ficou evidente, isso com respeito à loucura moral. Lombroso denomina o louco moral de delinquente nato, que seria a pessoa privada do senso moral.[234] A loucura moral, na visão de Lombroso, se manifesta pela cólera, eis que ela constitui “sentimento inato ao homem: deve-se orientar o sentimento, mas não se pode esperar fazê-lo desaparecer”.[235]

A vingança contou com relatos que levam a reações agressivas.[236] O mesmo pode ser dito do ciúme.[237] Também, desmascara a máxima: “criança não mente”.[238] Essa especial preocupação fica manifesta porque demonstra que falta senso moral à criança.[239] Ele continua tratando da criança, demonstrando reações reprováveis sérias, dizendo que as tendências ao crime têm começo na primeira infância e, pior, assim como os criminosos, as crianças não têm qualquer previsão. Suas condutas só têm em vista o hoje, sem qualquer preocupação com o amanhã.[240] Isso me leva a pensar no quanto é semelhante a vingança pública dos dias de hoje com aquelas do tempo de Lombroso.

A seção 3 do mesmo cap. 3 apresenta a “estatística antropométrica”, sendo que os tradutores do texto escreveram:

A identificação de indivíduos através de dados antropométricos costumava ser uma operação aleatória da polícia em tempos passados. Os passaportes de assinalamento, os indícios para a captura de criminosos fugitivos eram irrisórios. Observava-se a estatura, a corpulência a idade, a cor dos olhos, cabelos, barba e as disposições fisionômicas, tudo através de adjetivação imprecisa: alto baixo, magro, gordo, velho, moço etc. O escritor Camilo Castelo Branco riu-se desse vezo, definindo um dos seus personagens como tendo feições regulares como as de um passaporte. Lacasagne cita um mandado de prisão expedido pela polícia de Budapeste contra o chamado Weltner, ou Papa de 36 anos, estatura média, certa corpulência, rosto oval, tez colorida, cabelos castanhos escuros, nariz regular, olhos e pestanas sombrios, bigodes médios, caídos. Sinal particular: semelhança pronunciada com Milão, ex-rei da Sérvia. Quanta gente podia ir à cadeia?[241]

A crítica transcrita, ao meu sentir, é adequada. Com efeito Lombroso fez um grande esforço para encontrar características comuns, analisando 79 crianças internadas em uma casa de correição. Ao final ele conclui encontramos “somente sete 8,9% que nada tinham de anormal em sua constituição”. Ocorre que ele considerou anormal: com orelhas de abano, mandíbula proeminente; fronte coberta; olhos pequenos e vidrados; olhar oblíquo; estrabismo; cabelos muito espessos; fisionomia senil; ferimentos na cabeça; boca deformada; queixo recuado; olhar sombrio; defeito cardíaco; dentes superpostos etc.[242]

Na tentativa de demonstrar o atavismo, Lombroso se volta à análise da ascendência dos observados. Nesse ponto devo concordar com ele, uma vez que ele considera “refinada hipocrisia, encoberta pela máscara da virtude”, não constatar os marcos trazidos pela anomalia moral dos ascendentes.[243]

Lombroso se preocupa com os “castigos e meios preventivos do crime entre as crianças”. Ele diz que eles podem influenciar perante aqueles que são naturalmente bons, mas são ineficazes perante criminosos natos.[244] Não posso concordar com Lombroso, haja vista a radicalidade de sua posição. Não podemos reduzir o fenômeno criminal à antropologia, pois muitos fatores concorrem para o delito.

Lombroso tem razão ao dizer que, nem sempre, as penas duras, os castigos, trazem bons resultados e, curiosamente, as casas de correção produzem resultados diversos dos desejados.[245]

Durkheim nos ensinou que o suicídio anômico decorre de muitas causas, a maioria vinculada aos problemas familiares. Uma pessoa adaptada sem regras, sem limites, se frustrará ao ser lançada à responsabilidade e aos limites trazidos pela sociedade, podendo decorrer daí o suicídio.[246] Tal estudo deixa evidente a necessidade de impormos limites aos nossos filhos, educando-os para uma vida em que terão a se submeter às mais variadas regras.

A maioria dos autores diz que Lombroso analisou 383 crânios. Ele informa ter analisado 617. A segunda parte do livro de Lombroso está baseada na análise de 383 crânios, o que não significa que ele só tenha examinado tal quantidade. De qualquer modo, Lombroso chegou à conclusão de que a pesquisa não atendeu suas expectativas, uma vez que ele mediu diâmetros do cérebro, mas as anomalias não eram constantes.[247]

A pesquisa feita por Lombroso parece ter alcançado um resultado marcante, uma vez que os criminosos não apresentam traços comuns. De qualquer modo, ele se prendeu à fosseta occipital, que seria hipertrofiada entre os criminosos e os loucos.[248] Outra conclusão foi a de que os criminosos apresentam maiores problemas hepáticos e no cérebro, isso em decorrência do alcoolismo.[249]

O apanhado de resultados de pesquisas feitas por outras pessoas em 5.907 criminosos, pouco permitiu concluir. Talvez, o único traço marcante seja o de ter o criminoso crânio menor que o homem normal. A estatura, média de 1,64 m entre os soldados italianos, era a mesma do criminoso. Os presos mais violentos eram os fisicamente mais avantajados.[250]

A imagem do criminoso, ao meu sentir, é normal. São tantas as fisionomias apresentadas por Lombroso que pouco se pode concluir, mas ele faz algumas conclusões absurdas, quais sejam: a) os criminosos em geral têm aparência barbarativa e assustadora; b) quem pratica crimes contra os costumes, senão cretino, tem fisionomia delicada, parecendo mulher; c) o homicida habitual tem o olhar vidrado, frio, imóvel, maxilares robustos, orelhas longas, frequentemente a barba é escassa e dentes caninos desenvolvidos, nistagmo (tremor nas pálpebras e movimentos oscilatórios do globo ocular em relação a um de seus eixos) e contrações do lado do rosto, mostrando os dentes caninos como sinal de ameaça, além de orelhas de abano. Em todos o atavismo é marcante.[251] As conclusões de Lombroso são passíveis de críticas que ele mesmo aceitou como “justas objeções”.[252]

A análise de fotografias não autoriza conclusões muito fecundas, mas Lombroso considera importantes algumas coincidências verificadas, dizendo que os criminosos não atávicos apresentam distúrbios que provam ser eles doentes crônicos.[253]

Enrico Ferri foi, inicialmente, discípulo de Lombroso. Porém, dele discordou, não tendo aceitado a pena de morte a ser imposta ao criminoso-nato. Aliás, sua classificação antropológica inspirou Lombroso, uma vez que este não fez nenhuma classificação formal, quem a fez foi Ferri, que assim expôs:

As categorias antropológicas de delinquentes são as seguintes: I. Delinquente nato ou inativo ou por tendência congênita; II. Delinquente louco; III. Delinquente habitual; IV. Delinquente ocasional; V. Delinquente passional.[254]

No prefácio da segunda edição do livro de Lombroso, ele informou que propunha a pena de detenção perpétua a ser imposta ao criminoso nato. Outrossim, informou a importância dos estudos de Ferri para o desenvolvimento da antropologia criminal, mormente por meio da publicação de sua obra O Homicida.

A repulsão ao delito, não uma particular simpatia a ele, determina o modo pessoal de reagir aos estímulos dos ambientes nas relações pessoais, o que é denominado pelo autor de “senso social”.[255]

O delinquente louco é levado ao crime não somente pela doença mental, mas também pela atrofia do senso moral, senão todos doentes deveriam cometer crimes, quando, na verdade, a maioria se abstém.[256]

Inicialmente, Ferri Confundiu o delinquente habitual com o nato, em face de ambos terem em comum a obstinada recidiva. Tal espécie de delinquente tem grave periculosidade e a fraca readaptabilidade social. No Projeto de Código Penal italiano apresentado por Ferri, em seu Tít. II, Cap. IV, distinguia as seguintes espécies de delinquentes habituais: a) por tendência congênita aos crimes de sangue e de violência ou contra a propriedade; b) aquele que comete crime contra o patrimônio, normalmente pouco grave, por uma congênita repugnância ao trabalho metódico; c) o delinquente por hábito adquirido, que é aquele que – de infância abandonada – é preso por pequenos períodos enquanto criança e vai piorando ao longo dos anos; d) o delinquente profissional. Para Ferri, as espécies das alíneas “a” e “d” apresentam maior grau de periculosidade e de incorrigibilidade.[257]

Delinqüente ocasional é aquele de menor periculosidade e maior readaptabilidade social, uma vez que comete crimes, não tanto por atrofia moral, mas por irreflexão, por imprevidência e fraqueza de vontade. De outro modo, representa a grande maioria, chegando à metade do total dos criminosos.[258]

Ferri procura demonstrar que o delinqüente passional é, antes de tudo, aquele movido por uma paixão social. Ele informa que o delinqüente nato que assassina por alguma paixão não se transforma em passional. Para assim caracterizado, é necessário que tenha estrutura para não praticar crimes, só os cometendo diante de aberrações extraordinárias.[259]

2.11.6 Vertentes hodiernas

2.11.6.1 Contextualizando a criminologia e dentre os movimentos que tendem ao combate da criminalidade

A criminologia partiu para uma análise tão ampla, colocando em discussão todo sistema punitivo estatal. Passou a se confundir com a própria Filosofia. Por isso, defendo a ideia que os pensadores hodiernos da criminologia sepultaram-na. Aliás, o que faço, também, não é uma investigação propriamente do Direito Criminal, eis que não consigo me prender aos conceitos estéreis do pensamento positivo. Essa tendência vem trazendo uma postura diferente em todas as áreas, emergindo a necessidade de restar atento ao pensamento complexo.

No século XX, ao lado dos Movimentos de Lei e Ordem, cresceram outros movimentos criminológicos, dentre os quais a Novíssima Criminologia (que entende ser a criminalidade, basicamente, resultado da omissão estatal) e a Nova Defesa Social (que entende ser o sistema punitivo estatal, mormente o prisional, fomentador da criminalidade, razão pela qual a pena deve ser reduzida a casos extremos).

Enquanto os movimentos e lei e ordem tendem ao extremo, em face do excesso de rigor, a novíssima criminologia segue rumo a outro extremo, eis que o criminoso dificilmente será atingido, uma vez que os verdadeiros responsáveis pela criminalidade são aqueles que devem suportar a pena (seriam atingidos, antes dos criminosos: os pais por não educarem adequadamente os filhos; o Estado porque o sistema punitivo e a carência de implementação de políticas sociais e educacionais adequadas fomentam a criminalidade).

A Criminologia Clínica considera o homem, não as instituições, a medida de todas as coisas. Porém, ao longo do século XX passou-se a construir a tese de que o conhecimento científico só pode ser auspicioso se o homem e a sociedade forem considerados em um contexto, daí falar-se em Criminologia de Passagem ao Ato.[260] Porém, ratificamos o que, citando Roberto Lyra e João Marcelo de Araújo Júnior, expusemos alhures, no sentido de que a Nova defesa Social é adequada para a tentativa de superação de antigas estruturas e tradições obsoletas.[261]

2.11.3.2 As denominadas escolas criminológicas

Já refutei a tendência de considerar “escola” alguma corrente da criminologia. No entanto, os criminólogos apontam a ecologia criminal como sendo a escola de Chicago. Como Chicago foi uma cidade que cresceu desordenadamente e com grande pluralidade de pessoas, forneceu ambiente propício ao desenvolvimento da tese ecológica do fenômeno criminal.

A teoria ecológica é funcionalista, uma vez que percebe a mobilidade da cidade, sendo que nenhuma organização ecológica pode estar estagnada. Ela está em constante processo de mudança, cujo ritmo depende do progresso cultural.[262] A teoria parte da ideia da desorganização social e busca fundamentação em Freud para dizer que os indivíduos de uma massa tendem a incorporar uma determinada “alma coletiva”.[263]

Outra importante concepção da teoria ecológica é a relativa às áreas de delinquência obedientes à gradient tendency. O cerne da teoria está na proposta de que a cidade é construída por círculos concêntricos, formando anéis a partir do centro. O centro (loop) se caracteriza pela desorganização, sendo rodeado pela zona de transição (2º anel) que concentra o comércio e o liga às zonas residenciais (3º anel) dotadas de pessoas de menor poder aquisitivo, moradoras – em grande parte – em cortiços, e dispostas a fugirem para locais mais adequados. Os habitantes dessa 3ª zona têm que conviver com guetos e pensões baratas, mas o fazem por terem que ocupar lugar de fácil acesso aos primeiros anéis.

A quarta zona é ocupada por blocos residenciais ocupados pela classe média, onde há apenas uma família por residência. Finalmente, a quinta zona, ocupada pelos extratos mais altos da sociedade, que se dispõem a se deslocar por aproximadamente 60 minutos para chegar ao trabalho.

Nas primeiras zonas, onde existem maiores conflitos e desorganização social, não há condição de se estabelecer a solidariedade e promoção de valores tradicionais da comunidade. Assim, os valores da urbe tendem a estabelecer comportamentos padrões, considerando delitos comportamentos que não podem ser controlados pela tradição ou valores morais.

A perspectiva funcionalista da “escola de Chicago” conduz às perspectivas funcionalistas da atualidade. Ela propõe a formação de uma política criminal menos interventora.

Já se propôs como “escola” criminológica denominada “escola da etiquetagem”. Uma teoria frágil que rotula as pessoas, marcando-as com a pecha de marginais. Aliás, a fim de minimizar os efeitos de seu radicalismo, utiliza a palavra deviance, um eufemismo para dizer que a pessoa é autora de conduta desviante.[264]

A teoria da anomia, cujos estudos foram iniciados por Durkheim e desenvolvidos pelo sociólogo estadunidense Robert Merton, propõe a formação de uma política criminal calcada na ideia de um Direito cooperativo, ao contrário de repressor.

A teoria do labelling approach surgiu nos Estados Unidos da América no início da década de 1960. Por essa teoria, o delinquente que pratica uma conduta delituosa (criminalidade primária) tem uma resposta ritualizada e estigmatizada que o distancia da sociedade e diminui as oportunidades, surgindo uma subcultura do delinquente com reflexo na autoimagem, que o rotula como criminoso e propicia a carreira no crime, sendo a causa da delinquência secundária (fruto do aparelho repressor estatal).

2.11.3.3 Criminologia crítica e abolicionismo, minimalismo e maximização do DCrim

É fácil perceber que, assim como o DCrim vem sofrendo inúmeras transformações, realidade que vem se tornando a regra nas diversas áreas do conhecimento, também está sendo modificada, com grande celeridade, a Criminologia. É nesse cenário que se encontra o desenvolvimento da Criminologia Crítica, que apresenta várias vertentes, conforme sintetiza Edmundo de Oliveira.[265]

Alguns autores propõem a extinção do DCrim,[266] o que encontra fulcro na insuficiência do sistema criminal,[267] isso porque, hoje, o DCrim é visto como sendo um instrumento para a criação de uma sociabilidade terrorista.[268] Com efeito, ele se apresenta como um meio para a violação de direitos humanos fundamentais, sob o manto de uma pretensa segurança social, ameaçando a todos de que a concretização de um suposto mal (a conduta tida como criminosa), trará, certamente, miséria, tratamento desumano e dor. Tudo isso, com a tutela do aparelho estatal.

Em face do caos estabelecido pelo sistema punitivo estatal, Hulsmann propõe a mudança de linguagem, a fim de tornar possível a abolição do sistema criminal repressivo.[269] Porém, incumbe ressaltar que o autor não quer afastar toda medida coercitiva do Estado, mas pretende que haja uma bilateralidade (concordância das duas partes), no processo de aplicação da sanção, pois só assim a pena é legítima.[270] Tal proposição, em relação à perspectiva habermasiana, é funcionalista, na medida em que faz referência ao consenso, necessário, dos participantes da sociedade complexa.

Deve-se concordar com Luigi Ferrajoli, que critica duramente o atual abolicionismo criminal, por constituir um moralismo utópico e nostalgia regressiva por modelos arcaicos e “tradicionais” comunidades sem Direito, sendo, portanto, pouco original em relação à tradição anárquica e holística.[271]

Sobre o minimalismo, devo aqui chamar a atenção para uma distinção que merece ser feita, conforme chama a atenção Paulo de Souza Queiroz, que é a existência de um minimalismo comedido ponderado, favorável à intervenção criminal mínima, como o de Luigi Ferrajoli, e outro radical, tendente ao abolicionismo, como o proposto por Alessandro Baratta.[272]

Estudando a proposta de Alessandro Baratta conclui-se que ele tende a uma visão sistêmica compatível com parte da Filosofia moderna e, principalmente, ao colocar todo sistema de defesa criminal estatal em discussão, permitindo a constatação que sua análise é do aparato criminal (ou de defesa criminal) estatal. Ele defende a ideia de que a criminologia crítica, por fazer a análise crítica do sistema punitivo estatal e, também, por propor a reconstrução dos problemas sociais, é tão importante (ou mais importante) que a medidas que estão sendo empregadas imediatamente.[273] Aliás, antes de tudo, deve-se observar e colocar em discussão o próprio sistema social.

Alessandro Baratta propõe a “passagem do paradigma etiológico para o paradigma da reação social”.[274] Ele estuda ciências, uma vez que analisa todo mecanismo de controle social exercido pelo Estado, constituindo estudo mais genérico, portanto filosófico, sendo, aqui, oportuna a afirmação de Busato e Huapaya:

Mas o próprio Baratta diz então que a criminologia morreu, vítima de sua própria crítica, pois adotar os postulados da Criminologia Crítica significa reconhecer que o Direito Penal não serve senão como um instrumento de desigualdade social, e, como tal, deve ser abandonado.[275]

Neste curso, mesmo sabendo que outrem pode entender a posição ultrapassada, por rigor terminológico, não se estenderá tanto o objeto de estudo da criminologia, que é não vista como ciência, mas como o instrumento de estudo do delinquente e a criminalidade no contexto da sociedade complexa. As conclusões de tal estudo informam a Política Criminal, que visará alcançar meios de repressão e cooperação criminais e extracriminais, a serem utilizados pelo legislador no momento de criar leis tendentes a solucionar conflitos sérios dos grupos e pessoas integrantes da sociedade. As informações da criminologia e da Política Criminal, enquanto estudos distintos, serão fundamentais no momento de se criar leis criminais e, depois, nos momentos de suas aplicações e execuções.

Os movimentos de lei e ordem constituem corrente que tende à maximização do DCrim. Entretanto, aumentar penas e instituir novos crimes já foi a saída encontrada aqui e alhures. No entanto, elas se mostraram insuficientes e produziram efeitos completamente contrários aos quais se propunham.

A criminologia, quando conquistar sua natureza científica, será uma ciência de fusão. O criminólogo deve reunir conhecimentos de diferentes ciências. É do conhecimento especializado de vários segmentos do conhecimento científico que emerge a criminologia. Daí ser adequada a proposta da criminologia integrada, que sugere o empreendimento de esforços “no sentido de reunir numa mesma mesa os clínicos, os sociólogos, os psicólogos, os psiquiatras, os assistentes sociais etc., que se dedicam à Criminologia e que produzam um trabalho sério, responsável e cabalmente uniforme, carreando, para tanto, os melhores argumentos que cada um possa produzir”.[276] É desse esforço conjunto que poderá emergir um curso de graduação em criminologia, bem como o adequado conhecimento das causas do crime, isso por meio do exame do criminoso e da criminalidade no contexto da sociedade complexa a que pertence.


[1] HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. 12. ed. (Parte I) e 10. ed. (Parte II). Petrópolis: Vozes, 2.002. passim.

[2] Idem. Que é isto – a filosofia? STEIN, Ernildo. Os pensadores: Heidegger. São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 24.

[3] Conf. CHAUÍ, Marilena de Souza. Vida e obra. HEIDEGGER, Martin. Os pensadores: Heidegger. São Paulo: Nova Cultural, 1.995. p. 8.

[4] WEBER, Max. Ensaios sobre as teorias das ciências sociais. São Paulo: Moraes, 1.991. p. 75-132.

[5] NIETZSCHE, Friedrich. Ecce Homo. São Paulo: Martin Claret, 2.003. p. 31.

[6] BITTAR, Eduardo C. B, ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. São Paulo: Atlas, 2001. p. 44-45.

[7] NADER, Paulo. Filosofia do direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 4-5.

[8] Ibidem. p. 5.

[9] Ibidem. p. 6.

[10] BITTAR, Eduardo Carlos Bianca; ALMEIDA, Guilherme Asis de. Curso de filosofia do direito. São Paulo: Atlas, 2001. p. 27.

[11] REALE, Miguel. Lições preliminares do direito. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 14.

[12] NADER, Paulo. Filosofia do direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 9.

[13] REALE, Miguel. Filosofia do direito. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1978. v. 1, p. 45-49.

[14] HEIDEGGER, Martin. A essência do fundamento. Lisboa: Edições 70, 1988. passim.

[15] HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989. p. 18.

[16] ADEODATO, João Maurício. Filosofia do direito: Uma crítica à verdade na ética e na ciência. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 15.

[17] REALE, Miguel. Filosofia do direito. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1978. v. 2, p. 285.

[18] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 1.

[19] RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. 6. ed. Coimbra: Armenio Amado, 1979. p. 86.

[20] REALE, Miguel. Lições preliminares do direito. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 15.

[21] RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. 6. ed. Coimbra: Armênio Amado, 1979. p. 47.

[22] Ibidem.

[23] HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. v. 1, p. 9. Pode-se imaginar que há alguma inverdade contida na afirmação, visto que grandes filósofos não se dedicaram ao estudo dos institutos do DCrim, v.g., Savigny, Ihering e, no Brasil, Miguel Reale e Tércio Sampaio. Desse modo, parece que seria mais adequado afirmar: os autores de DCrim tendem à Filosofia. Concordamos com essa proposição, mas ela não anula a primeira, daí termos mantido a nossa afirmação. Com efeito, o livro – citado nesta obra – “A moderna teoria do fato punível” é uma tese de pós-doutorado em Filosofia do Direito. Daí a nossa concordância com Habermas, no sentido de que os jusfilósofos tendem aos institutos do DCrim.

[24] GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. São Paulo: Max Limonad, 1956. v. 1, t. 1, p. 11.

[25] MAGGIORI, Giuseppe. Principî di diritto penale – parte generale. 2. ed. Bolonha: Nicola Zanichelli, 1937. vol. 1. p. 48/49.

[26] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 102.

[27] A palavra Zetética é assim explicada por Aurélio Buarque de Holanda Ferreira: “[Do grego zetetiké (subtende-se techne) a arte de procurar] 1. Método de investigação, ou conjunto de preceitos, para a resolução de um problema filosófico ou matemático. 2. Filosofia. A doutrina de Pirro em sua posição metodológica inicial, que consiste no incentivo à busca incessante de novos conhecimentos.” (in Novo dicionário Aurélio. 4. tir. Rio de Janeiro: Nova Fonteira, 1975. p. 1501).

[28] SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: parte geral. Curitiba: ICPC; Lumen Juris, 2006. p. 3.

[29] SOUZA, Daniel Coelho de. Introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 286.

[30] REALE, Miguel. Lições preliminares do direito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 2.

[31] ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. São Paulo: Saraiva, 2.002. p. 287.

[32] COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. v. 1, t. 1, p. 95-114.

[33] WEBER, Max. Ensaios sobre a teoria das ciências sociais. São Paulo: Moraes, 1991. p. 1-74.

[34] RUSSELL, Bertrand. Meu desenvolvimento filosófico. Rio de Janeiro: Zahar, 1.980. p. 12.

[35] SAGAN, Carl. O mundo assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma vela no escuro. São Paulo: Companhia de Letras, 1.996. p. 38.

[36] Paulo José da Costa Júnior, tratando das características do Direito Criminal, afirma: “O Direito Penal se inclui entre os ramos do direito público. Sua atuação independe da vontade do ofendido, constituindo função e dever do Estado. Pública igualmente a imposição e aplicação de sanção, que não pode ser confiada a quem sofreu a ofensa, mas ao magistrado estatal. Sendo público o direito penal, porque os valores que tutela interessam toda a coletividade, é indisponível. O ofendido não poderá dele dispor, desistindo da ação penal proposta, ou perdoando o autor do delito” (Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1991. p.3). No texto, há efetiva mistura de topois concretamente distintos, uma vez dizer que o Direito Criminal é público, refere-se a uma espécie relativa à divisão da Ciência Jurídica e à autonomia relativa de seus ramos. De outro modo, a atuação do magistrado é afeta ao Direito Processual, por meio da ação, que será estudada no final deste volume. Também, a possibilidade de disposição da ação é matéria que precisa ser estudada no momento próprio.

[37] SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2.002. p. 554.

[38] FERRI, Enrico. Princípios do direito criminal. 2. ed. Campinas: Bookseller, l.998. p. 141.

[39] ORDEIG, Enrique Gimbernat. Conceito e método da ciência do direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 20.

[40] GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1956. v. 1, t. 1, p. 7.

[41] MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato Nascimento. Manual de direito penal. 29 ed. São Paulo: Atlas, 2013. v. 1, p. 22.

[42] No início, as normas eram dadas segundo os costumes (consuetudinárias). Denominadas normas éticas, porque a ética é a “ciência dos costumes”.

[43] COULANGES, Fustel de. Acidade antiga. 4. ed. 2. tir. São Paulo: Martins Fontes, 2.000. p. 36.

[44] O Direito Alternativo ganhou grande espaço no Brasil, mormente em sua Região Sul. Talvez seja por isso que João José Leal, jurista catarinense, chegou a afirmar que é equivocado pensar na vingança privada como sendo a primeira, eis que a vingança pública a teria precedido, já que o Direito se manifesta como instrumento de dominação (in Direito penal geral. São Paulo: Atlas, 1.998. p.59).

[45] COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. v. 1. t. 1, p. 101.

[46] SILVA, César Dario Mariano da. Manual de direito penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2.006. v. 1, p. 2.

[47] SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2.010. p. 254.

[48] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1, p. 35-38.

[49] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1, p. 103.

[50] A palavra instituição decorre do latim institutio, que significa: “I – Sentido próprio: 1) Disposição, plano, arranjo. II – Sentido figurado: 2) Instrução, ensino, educação, formação. Por extensão: 3) Método, sistema, doutrina, escola, seita”. Observe-se que de referida palavra decorre institutum, que significa: “I – Sentido próprio: 1) Plano estabelecido, fim, objeto, desígnio. II – Daí: 2) Hábito, modo de viver, maneira de proceder. No plural: 3) Princípios estabelecidos, instituições, usos, costumes. 4) Idéias pré-estabelecidas, ensinamentos, disciplina” (conf. AMENDOLA, João. Dicionário italiano-português. 2. ed. São Paulo: Hemus, 1.976. p. 491).

[51] GILISSEN, John. Introdução histórica ao Direito. 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001. p. 73.

[52] FONSECA, Paulo Cássio M. Fonseca. Apresentação. ARISTÓTELES. A ética. Bauru: Edipro, 1995. p. 15.

[53] Cf. BITTAR, Eduardo C. B; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. São Paulo: Atlas, 2001. p. 91.

[54] PESSANHA, José Américo Motta. Sócrates. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, Os pensadores, 1987: em um único livro, reuniu-se trechos das seguintes obras de Platão: Defesa de Sócrates; Xenofonte; Ditos e feitos memoráveis de Sócrates; Apologia de Sócrates; Aristófanes; e As nuvens. Todas elas versam sobre Sócrates.

[55] STONE, I. F. O julgamento de Sócrates. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 21.

[56] MUÑOZ, Alberto Afonso. O paradigma platônico. In MACEDOR JR., Ronaldo Porto (Coord.). Curso de filosofia jurídica. São Paulo: Atlas, 2008. p. 92.

[57] TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2.000. p. 79-86.

[58] GRÁFICA CÍRCULO. Aristóteles. São Paulo: Nova Cultural, Os pensadores, 1.996. p. 14.

[59] MORRAL, John B. Aristóteles. Brasília: UnB, 2.000. p. 8.

[60] MORE, Thomas. A utopia. São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 33.

[61] THOMAS, Henry. Perfil biográfico. In KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. São Paulo: Martin Claret, 2.003. p. 137.

[62] COULANGES, Fustel de. Acidade antiga. 4. ed. 2. tir. São Paulo: Martins Fontes, 2.000. passim.

[63] Ibidem.

[64] GILISSEN, John. Introdução histórica ao Direito. 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001. p. 162/163.

[65] É interessante notar que Franz von Liszt sustenta que os atrasados foram os romanos, prestigiando, sem razão, o Direito germânico (LISZT, Franz von. Tratado de direito penal. Campinas: Russel, 2.003. p. 84-91). Note-se, no entanto, que ele é germânico e que, na esteira do que se expõe neste curso, o ser humano age principalmente por interesse, o que evidencia o porquê da sua postura.

[66] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1, p. 43.

[67] KRAMER, Heinrich; SPRINGER, J. O martelo das Feiticeiras. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1.991.

[68] Movimento do Século XVIII, marcado pela centralidade da ciência e da racionalidade. Na filosofia, há uma crítica à redução do conhecimento ao científico, mas marcou o Século das Luzes, com grandes descobertas, desde seu momento originário (anos 1650-1700), com Baruch Spinoza (1632-1677), John Locke (1632-1704), Pierre Bayle (1647-1706) e Isaac Neewton (1643-1727).

[69] Os grandes nomes da Filosofia do Direito da Igreja são: Santo Agostinho (Aurélio Agostinho), que viveu de 354-430; e São Tomás de Aquino, que viveu de 1225-1272. Este último viveu quando nascia o renascimento. Não se olvide, no entanto, que predomina o entendimento de que o período da renascença se deu do fim do Século XIV ao fim do Século XVI.

[70] A Filosofia do Direito, na idade média, foi dominada pelo pensamento religioso dos cristãos, só se afastando dele no início do século XVII, quando “Hugo Grócio proclamou a existência de um Direito Natural independente de Deus” (NADER, Paulo. Op. cit. p. 118).

[71] Os tribunais inquisidores perduraram do início do Século XII ao início do Século XVIII.

[72] DESCARTES, René. O discurso do método. 2. ed. 2. tir. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 38.

[73] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. São Paulo: Martins Claret, 2000. p. 50.

[74] Ibidem. p. 117-125.

[75] KANT, Immanuel. Doutrina do direito. 2. ed. São Paulo: Ícone, 1993. p. 181.

[76] MONDOLFO, Rodolfo. Cesare Beccaria y sua obra. Buenos Aires: Depalma, 1956. p. 46-47; apud CAMPA. Ricardo. Prefacio. BONESANA, Cesare (Marquês de Beccaria). Dos delitos e das penas. São Paulo: Marins Fontes, 1991. p. 20-23.

[77] RUSSEL, Bertrand. História da filosofia ocidental. São Paulo: Editora Nacional, 1967. p. 255-261.

[78] CICCO, Cláudio. Apresentação. KANT, Emmanuel. Doutrina do direito. 2. ed. São Paulo: Ícone, 1993. p. 11.

[79] KANT, Emmanuel. Doutrina do direito. 2. ed. São Paulo: Ícone, 1993. p. 44.

[80] KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p.

[81] KANT, Immanuel. Doutrina do direito. 2. ed. São Paulo: Ícone, 1993. p. 596.

[82] COTRIM, Gilberto. Elementos da Filosofia – ser, saber e fazer. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 174.

[83] KANT, Immanuel. Doutrina do direito. 2. ed. São Paulo: Ícone, 1993. p. 175-183.

[84] Ibisdem. p. 183.

[85] REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 1978. vol. 1, p. 112.

[86] BITTAR, Eduardo Carlos Bianca, ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. São Paulo: Atlas, 2001. p. 276.

[87] HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da filosofia do direito. Lisboa: Guimarães, 1990. p. 104.

[88] Idem. Filosofia da história. 2. ed. Brasília: UnB, 1.999. p. 45.

[89] HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios... Op. cit. p. 104.

[90] HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989. p. 17.

[91] HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2000. passim; Idem. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989. passim.

[92] NADER, Paulo. Filosofia do direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 174.

[93] Ibidem

[94] GIANOTTI, José Arthur. Vida e obra. São Paulo: Nova Cultural, Os pensadores: Auguste Comte, 1.996. p. 8.

[95] Diz-se que apodictico é o conhecimento que é demonstrável ou evidente. Essa não foi a única posição positivista, mas é o critério de positivismo mais seguro que se pode conhecer.

[96] GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1956. v. 1, t. 1, p. 76.

[97] FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal: o criminoso e o crime. 2. ed. Campinas: Bookseller, 1999. p. 62.

[98] Ibidem. P. 63.

[99] GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1956. v. 1, t. 1, p. 81.

[100] NIETZSCHE, Friedrich. Ecce homo. São Paulo: Martin Claret, 2.003. p. 93.

[101] Edição nacional de referida obra foi publicada: HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo: Partes I. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 2002; Idem. Ser e tempo: Partes II. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

[102] MESQUITA, André Campos. Apresentação. In HUME, David. Investigação sobre o entendimento humano. São Paulo: Escala, 2003. p. 11.

[103] KELSEN, Hans. O problema da justiça. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996. passim.

[104] Idem. Teoria geral do direito e do estado. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 165.

[105] Ibidem. p. 173.

[106] Ibidem. p. 168.

[107] Ibidem. P. 173.

[108] LOSANO, Mario G. Apresentação. In KELSEN, Hans. O problema da justiça. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. XXXI.

[109] Ibidem. p. 61.

[110] REALE, Miguel. Filosofia do direito. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1978. v. 2, p. 406-490.

[111] Ibidem. p. 493-614.

[112] KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 174-175.

[113] Ibidem. p. 175.

[114] CHAUÍ, Marilena de Souza. Vida e obra. São Paulo: Nova Cultural, Os pensadores: Heidegger, 1996. p. 10.

[115] Observe-se a propriedade do que se afirma em: HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2000. passim.

[116] FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal: o criminoso e o crime. 2. ed. Campinas: Bookseller, 1999. p. 78.

[117] COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. v. 1, t. 1, p. 187.

[118] COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. 4. ed. 2. tir. São Paulo: Martins Fontes: 2.000. passim.

[119] NADER, Paulo. Filosofia... op. cit. p. 236.

[120] KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 160.

[121] COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. 4. ed. 2. tir. São Paulo: Martins Fontes: 2.000. passim.

[122] TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. p. 20.

[123] ROXIN, Claus. Política criminal e sistema jurídico-penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. passim.

[124] PARSONS, Talcott. Sociedades: perspectivas evolutivas e comparativas. São Paulo: Pioneira, 1969. p. 175.

[125] Os 2 fatos, em face da notoriedade, prescindem de provas. Com efeito, nos referimos ao Prefeito de Campinas–SP (sobre esse crime não desvendado, vide: http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2011/09/10/dez-anos-apos-assassinato-familia-de-toninho-do-pt-vai-a-oea-denunciar-omissao-do-estado.htm), e ao Promotor de Justiça de Minas Gerais que foi assassinado no interior do seu carro na cidade de Belo Horizonte, capital do Estado (vide: http://www.mp.mg.gov.br/portal/public/noticia/ index/id/ 31826).

[126] DAHRENDORF, Ralf. A lei e a ordem. Brasília: Trancredo Neves, 1987. p. 31.

[127] DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1.999. p. XII.

[128] DURKHEIM, Émile Apud BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999, p. 61.

[129] COHN, Gabriel. Apresentação. FERNANDES, Florestan. Max Weber. 7. ed. São Paulo: Ática, 2.003. p. 12.

[130] TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 65.

[131] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2000. p. 1331. É importante destacar que, conforme informa Canotilho, o sistema cibernético não é criação sua. No entanto, o assunto, embora sucintamente, foi muito bem exposto por ele.

[132] Ibidem.

[133] BOZA, Roxana Sánchez, COIN, M.Sc. Otto Calvo. Derecho cooperativo (Trabajo basado en Ernesto Grün – 1998. Una visión sistémicay cibernética do derecho). Disponível em: www.iij.ucr.ac.cr. Acesso em: 8.7.02, 13h.

[134] BOZA, Roxana Sánchez, COIN; CALVO, Otto. Derecho cooperativo (Trabajo basado en Ernesto Grün – 1998. Una visión sistémica y cibernética do derecho). Disponível em: <http://baidc.revistas.deusto.es/article/view/909/1040>. Acesso em: 21.4.2017, 12h30.

[135] LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985. p. 17.

[136] Ibidem. p. 18.

[137] ROMESÍN, Humberto Maturana. Prefácio à segunda edição. ROMESÍN, Humberto Maturana. GARCIA, Francisco J. Varela. De máquinas e seres vivos. 3. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

[138] Ibidem. p. 17-21.

[139] GUERRA FILHO, Willis S. O direito como sistema autopoiético. São Paulo: Revista Brasileira de Filosofia, 1991, n. 163. p. 185-196.

[140] Ibidem. p. 185.

[141] Cf. CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e democracia. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 75.

[142] LUHMANN, Niklas. Poder. Brasília: Universidade de Brasília, 1985. p. 75.

[143] Ibidem. p. 6.

[144] Ibidem. p. 75.

[145] LOMONACO, Amedeo. Le due teorie sociologiche di Parsons e Luhmann. Disponível em: www.globalizzazine2000.it. Acesso em: 9.7.02, 12h.

[146] LUHMANN, Niklas. Poder. Brasília: Universidade de Brasília, 1985. p. 75.

[147] Ibidem. p. 18-19.

[148] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Prefácio. LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Brasília: UnB, 1980, p. 1 (Observe-se que a tradução provém de um original impresso em 1969 e a afirmação citada é de 1980 e acresça-se a informação de que Luhmann morreu em 6.11.1998).

[149] LUHMANN, Niklas. The unity of the legal sistem. In TEUBNER, Gunther (ed.) Autopoeisis law: a new approach to law and society. Berlin-New York: Walter de Gruyter, 1988. p. 12-35. Apud ADEODATO, João Maurício: Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 306.

[150] ROMESÍN, Humberto Maturana. Prefácio à segunda edição. ROMESÍN, Humberto Maturana. GARCIA, Francisco J. Varela. De máquinas e seres vivos. 3. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. p. 60-67.

[151] ROMESÍN, Humberto Maturana. Prefácio à segunda edição. ROMESÍN, Humberto Maturana. GARCIA, Francisco J. Varela. De máquinas e seres vivos. 3. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. p. 17.

[152] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 719.

[153] GUIBENTIF, Pierre. Entrevista com Niklas Luhmann. In ARNAUD, André-Jean; LOPES JR., Dalmir (org.). Niklas Luhmann: do sistema social à Sociologia Jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 281.

[154] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 3. ed. 3. tir. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 221-245.

[155] TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 68.

[156] Nesse sentido: ENCARNAÇÃO, João Bosco da. Filosofia do direito em Habermas: a hermenêutica. 3. ed. Lorena: Stiliano, 1999, p. 6.

[157] PARSONS, Talcott. The structure of social action. 2. ed. Nova York: Free Press of Glencoe, 1961.

[158] HABERMAS, Jürgen. Teoria de la acción comunicativa. Madrid: Trotta, 2010. t. I e II.

[159] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir:. nascimento da prisão. 25. ed. Petrópolis: Vozes, 1987. passim.

[160] HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 375.

[161] FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 18. ed. São Paulo: Graal, 2003. p. 8.

[162] CARMARGO, Antônio Luiz Chaves. Tipo penal e linguagem. Rio de Janeiro: Forense, 1982.

[163] TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2.000. p. 79.

[164] Exemplo do que se diz é o fato de Nietzsche ter se voltado aos “destemidos olhos de Édipo” (NIETZSCHE, Friedrich. Para além do bem e do mal: prelúdio a uma filosofia do futuro. São Paulo: Martin Claret, 2.003. p. 151).

[165] JÚNIOR, Sidio Rosa de Mesquita. Cresce o número de sequestros relâmpagos e não há solução legislativa razoável. Juiz de Fora: Universo Jurídico, ano XI, 14.2.2012. Disponível em: <http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/8102/cresce_o_numero_de_ sequestros_relampagos_e_nao_ha_solucao_legislativa_razoavel>. Acesso em: 23.2.2012, às 12h.

[166] MENDES, Antônio Celso. Direito: ciência – ideologia – política. Curitiba: HDV, 1984, p. 84.

[167] EHRLICH, Eugin Apud CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e democracia. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 14.

[168] CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e democracia. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 16.

[169] ADEODATO, João Maurício: Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 287.

[170] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. O fatualismo constitui reducionismo grosseiro da experiência jurídica. Teresina: Jus Navigandi, ano 14, n. 2125, 26.4.2009. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/12685>. Acesso em: 22.2.2012, às 14h.

[171] ADEODATO, João Maurício: Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 287.

[172] HABERMAS, Jürgen. A crise de legitimação no capitalismo tardio. 3. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1999. p. 179.

[173] Cf. CAMPILONGO, Celso Fernandes. O direito na sociedade complexa. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 193.

[174] ADEODATO, João Maurício: Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 303-306.

[175] Ibidem. p. 304.

[176] ADEODATO, João Maurício: Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 306.

[177] BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2.002. p. 76.

[178] QUEIROZ, Paulo. Direito penal: parte geral. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2.006. p. 137.

[179] Diz-se que, já em 1325, circulavam lendas e mapas em Portugal sobre terra assinalada no além-mar como Hy-Brazil. Viagens sigilosas dos Portugueses foram feitas em 1493 e 1498, respectivamente, por João Coelho da Porta Cruz e Duarte Pacheco. Outrossim, os espanhóis e primos Vicente Yáñez Pinzon e Diego de Lepe, chegaram ao Brasil, respectivamente, em Jan/1500 e Mar/1500. De qualquer modo, a história oficial de que o Brasil seria de Portugal, estaria confirmada pelo Tratado de Tordesilhas, assinado em 7.6.1494. E, prevalece a ilusória e acidental descoberta de Pedro Álvares Cabral, de 22.4.1500, o qual iria às Índias (a palavra “índio” decorreria do fato de Colombo, quando chegou nas américas, em 12.10.1492, ter acreditado que estava nas Índias).

[180] As Ordenações Manuelinas e Filipinas tomaram por base as Ordenações Afonsinas. Elas tratavam das matérias cíveis e criminais (o Livro V era o criminal), sendo que a sua parte cível perdurou até 1917, ano em que o Código Civil de 1916, entrou em vigor.

[181] REALE JÚNIOR, Miguel. Periculosidade e culpabilidade no sistema de penas. REALE JÚNIOR, Miguel; MOURA, Maria Thereza de Assis (Coord.). Coleção 80 anos do código penal: vol. 1: parte geral. São Paulo: Thomson Reuters. 2020. p. 33.43.

[182] MENDONÇA, Andrey Borges. Nova reforma do código de processo penal: comentada artigo por artigo. São Paulo: Método, 2.008. p. X.

[183] BRASIL. Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/ fichadetramitacao?idProposicao=490263>. Acesso em: 5.3.2017, às 11h30.

[184] BRASIL. Senado Federal. Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/106404>. Acesso em: 5.3.2017, às 15h48.

[185] BRASIL. Senado Federal. Disponível em: <http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/106404>. Aceso em: 5.3.2017, às 16h56.

[186] GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1956. v. 1, t. 1, p. 198.

[187] Publicado no Diário da Câmara dos Deputados, em 24.8.2000. p. 44.962. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/dc_20.asp?selCodColecaoCsv=D&Datain=24/08/ 2000&txpagina=44962&altura=650&largura=800>. Acesso em: 23.2.2012, às 12h28.

[188] Exemplificando o elevado nível de conhecimento jurídico dos componentes da comissão, seu presidente foi Alberto Silva Franco.

[189] SILVA, Cesár Dario Mariano da. Manual de direito penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 14.

[190] FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal. 2. ed. Campinas: Bookseller, 1999. p. 133.

[191] Ibidem. p. 133.

 

[192] SILVA, José Afonso da. Curso de direito criminal positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 476-477.

[193] GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2003. p. 15.

[194] MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato Nascimento. Manual de direito penal. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2010. v. 1, p. 29; JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: Parte Geral. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. v. 1, p. 11. Observe-se que os dois autores fazem referência a Aníbal Bruno, criminalista que se notabilizou no Brasil nos meados do século XX.

[195] ROTTERDAM, Erasmo de. Elogio da loucura. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 32.

[196] GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2003. p. 15.

[197] GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2003. p. 16.

[198] PERELMAN, Chaim. Lógica jurídica: nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 70-71.

[199] REALE JÚNIOR, Miguel. Teoria do delito. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.000. p. 28-29.

[200] Segundo João José Leal, a Dinamarca é um dos poucos países ocidentais que admite a analogia in malam partem (Direito penal geral. São Paulo: Atlas, 1998. p. 116/117).

[201] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 272.

[202] STF. Pleno. ADC 4424. Rel. Marco Aurélio. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=199853>. Acesso em 10.2.2011, às 7h30.

[203] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 8. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 50-52.

[204] NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 32. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 355-356.

[205] É importante destacar que a Constituição Federal não faz a distinção entre Direito Processual Criminal e Direito Processual Civil (art. 22, inciso I), mas mais adiante os distingue (art. 62, § 1º, alínea “b”).

[206] ZAFFARONI, Eugenio Raúl, PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 102.

[207] NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 34.

[208] ORDEIG, Enrique Gimbernat. Conceito e método da ciência do direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 25.

[209] FERNANDES, Newton; FERNANDES, Valter. Criminologia integrada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1.995. p. 531.

[210] BUSATO, Paulo César; HAUPAYA, Sandro Montes. Introdução ao direito penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2.003. p. 17-19.

[211] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1.997. p. 159.

[212] Ibidem. p. 158.

[213] FARIAS JÚNIOR, João. Manual de criminologia. 2. ed. Curitiba: Juruá, 1.993. p. 21.

[214] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.004. p. 32.

[215] FARIA JÚNIOR, João. Manual de criminologia. 2. ed. Curitiba: Juruá, 1.993. p. 22.

[216] JÚNIOR, Sidio Rosa de Mesquita. Cresce o Número de Sequestros Relâmpagos e não há Solução Legislativa Razoável. Juiz de Fora: Universo Jurídico, ano XI, 14.2.2012. Disponivel em: <http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/8102/cresce_o_numero_de_sequestros_relampagos_e_nao_ha_solucao_legislativa_razoavel>. Acesso em: 23.2.2012, às 10h.

[217] OLIVEIRA, Edmundo. Vitimologia e direito penal. Rio de Janeiro: Forense, 1.999 (O autor não chega a dizer que há autonomia da Vitimologia. Porém, ele cria a distinção entre vitimólogos e penalistas, fazendo crer que a Vitimologia e o Direito Criminal são ciências autônomas).

[218] COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2.000. p. 139.

[219] FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal: o criminoso e o crime. 2. ed. Campinas: Bookseller, 1999. p. 63.

[220] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.004. p. 62.

[221] Ibidem. p. 63.

[222] Ibidem. p. 62.

[223] LOMBROSO, Cesare. O homem delinquente. Porto Alegre: Ricardo Lenz, 2.001. p. 30.

[224] Ibidem. p. 63.

[225] Ibidem. p. 73.

[226] Ibidem. p. 79-80.

[227] Ibidem. p. 83-84.

[228] Ibidem. p. 99.

[229] Ibidem. p. 30.

[230] Ibidem. p. 103.

[231] Ibidem. p. 105.

[232] Ibidem. p. 106.

[233] Ibidem. p. 109-123.

[234] Ibidem. p. 125.

[235] Ibidem. p. 126.

[236] Ibidem. p. 127.

[237] Ibidem. p. 127-128

[238] Ibidem. p. 128-129.

[239] Ibidem. p. 130-131.

[240] Ibidem. p. 131-136.

[241] Ibidem. p. 138.

[242] Ibidem. p. 147-149.

[243] Ibidem. p. 153.

[244] Ibidem. p. 157-158.

[245] Ibidem. p. 158.

[246] DURKHEIM, Émile. O suicídio: estudo de sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2.000. p. 303-353.

[247] LOMBROSO, Cesare. O homem... op. cit. p. 159-177.

[248] Ibidem. p. 179-211.

[249] Ibidem. p. 213-221.

[250] Ibidem. p. 223-246.

[251] Ibidem. p. 247-274.

[252] Ibidem. p. 266.

[253] Ibidem. p. 281-289.

[254] FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal: o criminoso e o crime. 2. ed. Campinas: Bookseller, 1999. p. 255.

[255] Ibidem. p. 256.

[256] Ibidem. p. 257.

[257] Ibidem. p. 258-259.

[258] Ibidem. p. 259-260.

[259] Ibidem. p. 260-262.

[260] ALBERGARIA, Jason. Criminologia. Rio de Janeiro: Aide, 1988.

[261] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Prescrição penal. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 218.

[262] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 156.

[263] Ibidem. p. 159.

[264] FERNANDES, Newton; FERNANDES, Valter. Criminologia integrada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 332-333.

[265] OLIVEIRA, Edmundo. As vertentes da criminologia crítica. www.google.com.br, 11.5.2004, 12h15.

[266] PASSETI, Edson et al. Conversações abolucionistas. São Paulo: IBCCrim, 1997 (toda a obra está beseada em uma palestra em que vários juristas discorreram sobre a inutilidade do Direito Criminal).

[267] HULSMAN, Louk e CELIS, Jacqueline Bernat. Penas perdidas. 2. ed. Niterói: Luam. 1997: em toda a obra Hulsman procura demonstrar que a pena é meramente simbólica, sem grandes reflexos utilitários. Aliás, ao contrário, ela é um mal desnecessário.

[268] SOLAZZI, José Luís. A “politização da normalidade”: um diagnóstico do sistema penal de suspeição. PASSETI, Edson, SILVA, Roberto Baptista Dias da (org.). Conversações abolicionistas. São Paulo: IBCCrim, 1997. p. 65.

[269] HULSMAN, Louk. Temas e conceitos numa abordagem abolucionista da justiça criminal. Idem. p. 210.

[270] HULSMAN, Louk, CELIS, Jackeline Bernat. Penas perdidas – o sistema penal em questão. 2. ed. Niterói: Luam, 1997. p. 86-88.

[271] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 202.

[272] QUEIROZ, Paulo de Souza. Funções do direito penal: legitimação “versus” deslegitimação do sistema penal. Rio de Janeiro: Del Rey, 2001. p. 90.

[273] BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999. p. 216.

[274] Ibidem. 217.

[275] BUSATO, Paulo César; HAUPAYA, Sandro Montes. Introdução ao direito penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 15.

[276] FERNANDES, Newton; FERNANDES, Valter. Criminologia integrada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1.995. p. 602.


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