quarta-feira, 8 de junho de 2011

Não é razoável desmerecer tudo e optar pela desgraça.

As pessoas tem uma tendência de desmerecer as coisas e os outros como se aquilo fosse razão para a felicidade. Outrossim, gostam de espetáculos que geram o terror, de assitirem trajédias etc. Porém, tudo isso não é razoável.
Parei um pouco a minha pesquisa de conclusão do curso de doutorado para escrever este pequeno texto porque a minha tese “Análise do funcionalismo e do garantismo na defesa de direitos fundamentais no processo criminal” me levou à incursão acerca do pensamento freudiano e alguns questionamentos sobre a miopia profunda (e até cegueira) proposital que temos aos fatos, ao conhecimento e até à felicidade, optando por ver o pior em tudo.
Tive um grande amigo no ano de 1985. Ele de família nobre e a minha caminhava para uma estabilidade econômica, mas longe do nível daquele grupo familiar. Hoje ele Promotor de Justiça, cargo equivalente ao que ocupo. Porém, o que me chamou a atenção foi que naquele ano fui com ele ao Clube de Sub-Oficiais e Sargentos da Aeronáutica de Brasília (CASSAB) e a mãe dele perguntou onde estávamos. Ao ouvir a resposta, o pai queria saber onde ficava o clube e a mãe informou que era um “clube mixuruca que ficava localizado...”
Senti-me diminuído na ocasião. Hoje, eu estava remando em frente ao CASSAB e percebi o quanto é linda a vista dali. Vê-se a Ponte JK, como abaixo:

Dali também se pode ver a QL 26, em uma linda imagem. Observe:
Vê-se um canal que tem como ponto de início as margens da QL 24 e da QL 12, seguindo até as QL 14 e 16. Veja o quão linda é a vista: 
Eu tinha passado pelo Barco Imagination que afundou no dia 22.5.2011 (uma trajédia que resultou em 9 mortes). E pensei sobre como ele era bonito antes do acidente (até pensei em fazer uma festa nele). Vejam a foto de como ele era:
No entanto, sei que a maioria das pessoas preferiu ver a imagem dele assim:
Disponível em: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2011/05/29/interna_cidadesdf,254398/barco-imagination-comeca-a-emergir-com-ajuda-de-baloes-de-ar-e-rebocador.shtml. Acesso em: 8.6.2011, às 11h50.
Ou as pessoas preferem vê-lo do jeito que o vi no dia 3.6.2011, quando saquei as fotografias abaixo (havia reportagem no local, fotografando e filmando o mesmo):


Hoje ele se encontra destruído, próximo da margem do lago. É uma verdadeira poluição visual. Observem-se as imagens:
Volto aos problemas que tem me incomodado na minha pesquisa e ao título do presente texto porque vejo que as pessoas preferem desqualificar e não ver o que há de bom no cotidiano. Talvez por isso, existam muitos problemas desnecessários ou despropositados na humanidade.
Penso acerca do pensamento de Freud, citado por Habermas e, segundo Bruno Bettelheim, mal assimilado nos países que o conhecem por intermédio das traduções feitas para a língua inglesa. Aliás, o Bettelheim não consegue entender como Freud, homem que falava fluentemente inglês, mesmo tendo analisado as traduções, as autorizou com tantos erros crassos.[1]
Vejo a opção pela desgraça como algo estranho, até mesmo em relação a Freud, muitas pessoas preferem o classificar como louco e outros preferem ver a base do seu pensamento na “lenda de Édipo”, quando a base está na investigação da alma, o só seria possível a partir da experiência de Amor e Psique, que é uma história parecida com a de Édipo, mas que não resulta em trajédia.[2]
Preocupo-me com o fato da filosofia habermasiana ter forte influência de Talcott Parsons, de onde pode vir uma má interpretação do pensamento freudiano e uma equivocada proposição de um consenso funcional pressuposto.
Talvez muitas pessoas não consigam entender Freud porque a linguagem para ele era de suprema importância, mas ele “partia do princípio de que seus leitores seriam pessoas cultas, acostumadas desde a escola à literatura dos clássicos, como ele próprio o fora”[3] (não se olvide de que Freud foi profundo admirador de Goethe).
O fato é que a investigação de Freud era profunda e ele buscava conhecer a psyque humana, estabelecendo para si a máxima “Conhece-te a ti mesmo”. Teve coragem de dizer muitas coisas que se passavam com ele, transferindo para a sua teoria inclusive assuntos relativos à bissexualidade. Porém, conforme ele próprio afirmou existem ações do “eu” (ego) que são inconscientes e, também, o “eu” tem o hábito de transformar em ação a vontade do “isso” (id), como fosse sua própria.[4]
Há poucos dias, um colega de trabalho e amigo, quando afirmei que Freud foi usuário de Cocaína e Nietzsche de heroína e, mesmo assim, discorremos academicamente sobre eles, disse que as minhas referências são ruins (dois loucos) e que era para eu "criar juízo". Porém, pergunto-me sobre o porquê das pessoas terem sempre ideias pré-concebidas, deixarem-se guiar por preconceitos e a frustração sem uma crítica (questionamento, investigação etc.) mais aprofundada.
Será que preferimos ver a desgraça porque temos a necessidade de um referencial para a nossa felicidade? Não pode ser assim. Também, parece-me equivocado pretender, com base em Mead e Durkheim (que tratam de uma integração social baseada no sagrado), esconder-se atrás de um consenso pressuposto (Habermas). Melhor seria se assumíssimos que somos pessoas, sujeitas a desejos e vontades que, às vezes, não são totalmente explicáveis, mas que é necessário um freio moral mínimo que nos conduza a uma estabilidade que nos permita dizer que somos felizes.
Ainda que o sentimento de prazer seja tépido, não é correto pensar que estamos fadados à infelicidade. Não é porque gostamos da literatura freudiana que devemos assimilar o mesmo ceticismo e a mesma frustração que ele incorporou nos últimos anos da sua vida.
A nossa cultura e a nossa personalidade são resultantes de muitas causas. Devemos parar de encontrar uma culpa ou um culpado para tudo, bem como deixar de nos orientar por uma lógica binária aristotélica, mas não podemos incorrer no equívoco de aceitar todo novo pensamento que aparecer como correto, apenas por ser novo ou por decorrer de suposta autoridade no assunto. Somente pensando de forma complexa, como pessoas capazes de assimilar novos conceitos e novas razões para felicidade, nos desarraigaremos desse desejo maluco de ver apenas desgraças, tragédias etc.


[1] BETELHEIM, Bruno. Freud e a alma humana. 14. ed. São Paulo: Cultrix, 2.008. passim.
[2] Ibidem. p. 27.
[3] Ibidem. p. 23.
[4] FREUD, Sigmund. O ego e o id. Rio de Janeiro: Imago, 1.997. p. 26.


3 comentários:

Anônimo disse...

Ola Sidio. Para os covardes talvez seja mais fácil destacar a desgraça alheia, desmerecer “tudo”, do que procurar a própria felicidade. Talvez não sendo assim, estariam encarando diuturnamente sua mediocridade. Erica Lopes

Ernesto disse...

http://www.facebook.com/Prof.Ernesto

Dr. Sídio,
meus cumprimentos.
Cheguei a postar no meu "FaceBook", afirmando ser uma análise muito boa dos parâmetros aferidores de felicidade ou "cuspir no prato em que comeu"...
De fato, é como eu vejo sua nostálgica e realista visão, um pouco melancólica, sobre a pequenez dos raciocínios que não têm visão panorâmica ou complexa das coisas e dos acontecimentos.
Mais uma vez, aceite minhas congratulações, meu nobre amigo.
Ernesto dos Santos

Anônimo disse...

pessimismo, desdem, niilismo, nao dar valor ao outro a si mesmo. sobre esses temas, sidio, tenho escrito, ha alguns anos, alguns textos. algum deles pode talvez lhe interessar:

http://inquilinosdoalem.blogspot.com/search/label/Otimismo%20e%20pessimismo

http://inquilinosdoalem.blogspot.com/search/label/Felicidade

um abraço

facioli