terça-feira, 9 de julho de 2024

O ser humano é insignificante?

Estou fazendo a resenha de um livro de Marcelo Gleiser, o qual é um astrônomo extremamente defensor do nosso mundo. Desde a apresentação do livro, o autor deixa claro que visa a demonstrar que devemos valorizar o Planeta Terra, protegê-lo, a fim de podermos ter maior tempo digno nele. Para melhor contextualizar, inicio este texto com o primeiro parágrafo da minha resenha inacabada – que pode ser alterada:

Antes de qualquer outro aspecto, devo agradecer ao amigo Marcelo Belga, o qual, desde os tempos que era meu aluno no curso de Direito, me agracia com a possibilidade de ler um autor culto, de extremo prestígio e de leitura fácil, que é o Marcelo Gleiser. Esta última leitura, de tão boa, merece ser resumida para tentar atrair alguns leitores mais ocupados. Falo de O despertar do universo consciente: um manifesto para o futuro da humanidade,[1] um excelente livro.

Estou valorizando o presente que me foi dado ao buscar cada obra citada pelo autor, tentar conhecer um pouco de cada um dos pensadores citados e, no presente momento, desejo apenas esclarecer um pouco, um resumo que, curiosamente, constará da resenha, em face do seguinte parágrafo do livro de Glaiser:

O iluminismo, o copercanismo foi ganhando um significado que ia além do rearranjo da ordem do sistema solar, para se tornar uma afirmação sobre a mediocridade do nosso planeta. Esse sentimento de pequenez e de insignificância cósmica é expresso no conto “Micrômegas”, escrito na metade do Século XVIII pelo brilhante satirista francês Voltaire. O conto relata a visita à Terra de dois gigantescos seres extraterrestres, um vindo de Saturno e o outro, o chamado Micrômegas, de um planeta em órbita em torno da estrela Sirius. Voltaire zomba da prepotência humana quando observada por outras inteligências muito superiores à nossa, habitando mundos muito maiores e mais interessantes do que a terra. Nosso planeta é insignificante e nós também.[2]

Obviamente, Glaiser não está dizendo que somos insignificantes. O que ele procura demonstrar sucintamente é o cerne do conto de François-Marie Arouet, mais conhecido pelo seu nome artístico, M. de Voltaire (1694-1778), no qual este zomba da pequenez do nosso mundo diante de outros mundos e da nossa própria pequenez ante outros seres inteligentes.[3] Então, fui pesquisar o livro e resolvi fazer a seguinte resenha do conto, a qual constará de uma nota de rodapé:

Capítulo 1Viagem de um habitante da estrela Sírio ao planeta Saturno: Micrômegas é um jovem gigante de um planeta da órbita de Sírio. Esse jovem só poderia ter origem em um planeta gigantescamente maior. As diferenças dos tamanhos dos territórios dos países são débeis imagens das diferenças que que a natureza colocou em todos os seres. Também, a idade é outro diferenciador, Micrômegas, só saiu da infância lá pelos seus 450 anos de idade.

Micrômegas escreveu livro, o qual foi considerado herético pelo mufti (conselheiro visionário que interpreta as leis). Assim, o livro foi condenado por jurisconsultos que não o leram, embora o processo tenha durado 220 anos, e ao autor foi ordenado a não aparecer no tribunal por 800 anos. Isso não afligiu Micrômegas porque no tribunal só havia intrigas e mesquinharias. Até compôs uma canção divertida contra o mufti, passando a viajar de planeta em planeta, visto que superior aos humanos, com suas rudimentares viagens na lama, conhecias as leis da gravidade e de repulsão, passando de um globo a outro. Em pouco tempo percorreu a via Láctea, que William Derham (1635-1735) se gabava de ter visto valendo-se de uma luneta.

Depois de muitas voltas, Micrômegas chegou a Saturno e, mesmo acostumado às mais diversificadas novidades, não pode evitar um sorriso de superioridade perante a pequenez do globo e de seus habitantes. Saturno, embora maior do que a terra, é pequeno perante o globo de Micrômegas. Também, a pequenez de Saturno, o fez rir intensamente. No entanto, o espírito justo do Siriano o fez entender que não poderia ser ridículo apenas por ser imensamente maior e mais inteligente. Então, Micrômegas uniu-se ao secretário da Academia de Saturno e familiarizou-se com o povo saturniano.

Capítulo 2Conversação do habitante sírio com o de Saturno: este capítulo traz uma conversa provocada pelo siriano, travada como o secretário da Academia. Inicialmente, Micrômegas chama a atenção para a diversidade da natureza, enquanto o saturniano, pretende falar de coisas pequenas, do seu globo. O viajante provoca a expansão, trazendo para a quantidade de sentidos existente, ao que o Acadêmico respondeu dizendo serem 72, restando espaço para paixões e aborrecimentos.

De outro lado, Micrômegas afirmou ter vida 700 vezes mais longa do que a dos saturnianos. Também, ter 1000 sentidos em seu mundo e que, mesmo sem saber exatamente, é advertido da  existência de seres mais perfeitos, tendo visto seres inferiores e superiores em suas viagens. Acredita poder chegar ao mundo que não falte nada, mas dele não se tem notícias.

Os dois conjecturaram sobre muitas coisas e reclamaram do pouco de tempo da vida, aduzindo ser isso uma lei universal da natureza. Daí, o saturniano reclamar da sua pequenez diante do universo. O siriano tratam de admiração recíproca, reconhecendo as diferenças e limitações, partindo para uma pequena viagem filosófica.

Capítulo 3 – Viagem dos dois habitantes de Sírio e de Saturno: enquanto os dois conversavam, a amante do saturniano apareceu. Embora pequena, era linda. Ela reclamou de ter ficado 1500 enfrentando a resistência do Acadêmico e apenas 100 anos em seus braços, quando ele partiu a viajar com o siriano. O saturniano a consolou e os dois partiram, passando pelos anéis de Saturno e seus satélites. Ali fizeram grandes descobertas, que seriam publicadas, censuradas pelos inquisidores. Aos seus manuscritos, Voltaire teve acesso.

Os viajantes continuaram chegando a Marte, onde constataram duas luas, não avistadas pelos astrônomos. Mas, os inquisitores escreverão contra as suas existências. Por ser muito pequeno, eles seguiram em frente. Depois de muito viajar, chegaram à terra, onde resolveram desembarcar, uma vez que tinham se arrependido de não parar em Marte e não desejavam repetir isso, chegando a terra em 5.7.1737.

Capítulo 4 – Do que lhes sucede sobre a face da terra: o gigante caminhando ao lado do saturniano exigia deste muito esforço. Mas, como a terra é pequena, deram a volta ao mundo em 36 horas. Eles viram o mediterrâneo, quase imperceptível eles. O oceano se apresenta como um pequeno chargo, que molhou as canelas do anão e os calcanhares do gigante. Em face da nossa pequenez, sequer conseguiram perceber a nossa existência.

O siriano e o saturniano começaram a discutir sobre a existência de pessoas, sendo que as irregularidades do mundo fazem o Acadêmico concluir que ninguém de bom senso moraria na terra. Acidentalmente, fizeram de diamantes microscópios e encontraram uma baleia e, intrigados, começaram a questionarem como um átomo como aquele poderia se mover. Será que há inteligência em um ser tão pequeno?

Então, encontraram um navio com filósofos que retornavam de um congresso havido no Norte.

Capítulo 5 – Experiências e raciocínios dos dois viajantes: em meio às surpresas, eles perceberam que estavam diante de seres muito pequenos, quase invisíveis aos seus microscópios, que se moviam.

Capítulo 6 – Do que lhes acontece com os homens: Micrômegas percebeu que os átomos conversavam. Eles tiveram dificuldade para acreditar que seres tão insignificantes pudessem pensar ou ter algo equivalente à alma. Decidiram, portanto, investigar os insetos para depois arrazoar. Criaram equipamentos para amplificar os sons e perceberam, atônitos, algo que parecia absurdo, inquietando-se para conversar com os átomos.

Macrômegas falou com os humanos e estes não conseguiram entender. Então, o anão o fez, fazendo diversos questionamentos para saber como seres tão insignificantes, à beira do aniquilamento, poderiam viver em mundo que parecia ser das baleias. Ofendido, um sábio do grupo, questionou do Saturniano se ele pensava que “só porque tem 1000 toesas de estatura...”, no que foi interrompido pelo espanto de ter acertado. O físico se propôs a medir, também, Macrômegas, o que o fez. Assim, constada a inteligência, os humanos falaram da possibilidade de vida inteligente em seres ainda menores e, aos poucos, a conversa passou a ser interessante.

Capítulo 7 – Conversação com os homens: os átomos inteligentes, tendem ao puro espírito, visto que quase não têm matéria. Assim, devem ter mais emoções e felicidades. A isso, a maioria acenou positivamente. Ocorre que um mais franco, confessou que há um grande número de loucos, em que uns 100.000 de chapéu matam outros 100.000 de turbante e vice-versa.

O siriano perguntou qual seria a razão dessas terríveis querelas entre tão mesquinhos animais. A isso, o filósofo esclareceu que a briga não é por terra, mas sobre a quem pertencerá: ao Sultão ou ao César. Então, o siriano se indignou e pensou em esmagar pisando nesse formigueiro de ridículos assassinos.

O filósofo disse que os merecedores de punição são os bárbaros sedentários que, dos seus gabinetes, ordenam o massacre de milhões de pessoas e, em seguida, o agradecem a Deus. A discussão se aprofundou, até que um “animalículos de capelo” aduziu que todo universo foi feito unicamente para o homem. Isso provocou muito riso nos viajantes.[4]

Nélson Jahr Garcia (1947-2002), na apresentação do livro, informa que “‘Micrômegas’ foi escrito por influência de ‘As aventuras de Gulliver’, de Swift, que Voltaire leu em Londres. Revela também traços de a ‘Pluralidade dos mundos’, das palestras de Fontenelle e da mecânica de Newton, que Voltaire estudara com cuidado”.[5]

Eu iniciava as minhas aulas de Direito Penal I e de Introdução ao Estudo ao Direito apresentando um vídeo, no qual, Mario Sérgio Cortella apresenta essa visão de sermos insignificantes.[6] Por influência de Marcelo Glaiser, hoje estou repensando isso. Todavia, com Voltaire, afirmo que o universo (ou multiverso) não pode ter sido criado por um Deus sábio com o fim exclusivo de que nós, os humanos, aqui viéssemos ocupar. Isso não corresponde a dizer que somos insignificantes.



[1] GLEISER, Marcelo. O despertar do universo: um manifesto para o futuro da humanidade. Rio de Janeiro: Record, 2024.

[2] Ibidem. p. 70.

[3] GLEISER, Marcelo. O despertar... Op. cit. p. 70.

[4] VOLTAIRE. Micrômegas. Ridendo Castigat Mores. Disponível em: <https://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/micromegasN.pdf>. Acesso em: 9.7.2024, às 1h40.

[5] GARCIA, Nélson Jahr. Apresentação. VOLTAIRE. Op. cit.

[6] CORTELLA, Mário Sérgio. Sabe com quem você está falando? Youtube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=to_H4AbOp04>. Acesso em: 9.7.2024, às 17h04.