Fico triste em ter que dizer aos candidatos ao concurso público que eles têm que conhecer as teorias da graxa sobre rodas, do estado vampiro, da vidraça quebrada etc.
Mais triste
eu fico quando verifico textos vazios, que afirmam não ser a contravenção
espécie de crime, mas de infração criminal. Aliás, preferem penal,[1]
confundindo a consequência com o objeto de estudo que é anterior, visto que o
que se pretende combater é o crime, anterior à pena. Daí ser melhor falar em
Direito Criminal, Vara Criminal, Justiça Criminal, Perícia Criminalística etc.
De qualquer modo, a minha preocupação é específica, refere-se ao empobrecimento
jurídico do brasileiro, em face dos concursos públicos.
Em sala de
aulas, certa feita, fui surpreendido por um aluno que me perguntou sobre o
porquê de ser a contravenção criminal um delito liliputiano. Sorri envergonhado
e respondi que não sabia responder, mas que responderia na aula seguinte.
Nascido em
Pedro Afonso, Estado de Goiás (hoje, Tocantins), não tinha acesso à televisão e
Jonathan Swift (escritor irlandês – 1667-1745) não foi objeto da bibliografia e
dos meus estudos da fase primária. O fato é que, alguns candidatos privilegiados
por conhecerem As Viagens de Gulliver, do referido escritor, foram beneficiados
por saberem que Liliput, ilha fictícia, era composta exclusivamente por um povo
anão.
Saber que a
contravenção é um nano crimine, um crime pequeno, que jamais irá crescer
(daí ser chamada crime anão), é jurídico. Tem bases doutrinárias clássicas.
No entanto, saber que se trata de um delito de Liliput envolve tão somente o
conhecimento da literatura infanto-juvenil, nada relativo ao Direito.
Com Ferri,
defendo que a contravenção merece ser tratada como delito administrativo, ao
contrário de criminal.[2]
E, com ele, afirmo:
Juridicamente, crimes e
contravenções são substancialmente de idêntica natureza enquanto são atos
contrários às leis penais, perigosos ou prejudiciais às condições de existência
social. Por isso, em vão alguns criminalistas lhes investigaram os caracteres
de substancial separação sob o ponto de vista jurídico.[3]
Aduzir que a
contravenção constitui crime vagabundo é apenas pretender desqualificar
a infração jurídico-criminal, dizendo merecer ser menoscabada. Não é
denominação jurídica, merecendo desprezo acadêmico.
[1] BELTRÃO,
Wellington. O que é contravenção penal? Canal do Estudante, 21.3.2022.
Disponível em: <https://canaldoestudante.com.br/o-que-e-contravencao-penal/>.
Acesso em: 5.9.2023, às 12h20.
[2] FERRI,
Enrico. Princípios de direito criminal. 2. ed. Campinas: Bookseller,
1999. p. 537.
[3] Ibidem.
p. 133.
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