1. INTRODUÇÃO
Pretendi
escrever curso crítico de Direito Criminal. Escrevi grande parte e muitos
fatores, os mais variados possíveis, me desestimularam de o publicar. Seu
quarto capítulo versava sobre a teoria do crime, sobre a qual já escrevi e expus
em palestras pontuais alhures.
Teoria
é um conjunto de princípios, preceitos e regras de uma ciência. Neste texto, a
teoria será o estudo tendente ao conhecimento especulativo e racional do crime,
ou seja, será desenvolvida a pesquisa do crime, procurando responder
racionalmente às indagações que surgem no cotidiano do criminalista. Todavia,
procurarei ficar adstrito, especialmente, à tipicidade conglobante.
Já
se afirmou que o crime constitui todo fato humano proibido pela norma criminal,[1]
sendo seu ponto central de estudo, hoje, o funcionalismo.
Este representa uma nova corrente filosófica que preferimos classificar como sistêmica, uma vez que atenta aos
diversos sistemas que funcionam na sociedade complexa.
Empregarei
as palavras sistêmico(a) e sistemático(a) com sentidos completamente diversos,
eis que a primeira traduzirá o que já expus, ou seja, a observação dos diversos
sistemas que participam da sociedade complexa. De outro modo, a palavra sistemático significará método, tecnicismo, ou a organização
metodológica da estrutura do delito. O estudo sistêmico do direito criminal conduziu ao estudo também sistêmico do delito, trazendo uma nova
roupagem ao conceito analítico ou operacional do crime, eis que todo ele passou
a ser enfocado por Claus Roxin dentro de uma perspectiva de política criminal,
provocando a ruptura do estudo sistemático
do delito, que passou a ser um estudo global, sem a necessária metodologia.
Até
chegarmos à jusfilosofia funcionalista, passamos por vários períodos
filosóficos, o que não pode ser objeto de estudo neste texto senão perderemos
seu enfoque monográfico.
Para
o finalismo, na apreciação analítica do delito (segundo seus elementos) devemos
observar:
(a) tipo
objetivo (ação, causalidade e resultado) e o tipo subjetivo (dolo e elementos
subjetivos especiais).
Segundo
Luís Grego, para a imputação objetiva, é necessário, também, observar os tipos
objetivo e subjetivo, dos quais, no conceito analítico/operacional do crime somente
o tipo objetivo sofre alteração, passando a ser constituído por:
(b) ação,
causalidade, resultado, criação de um risco juridicamente desaprovado e
realização do risco.[2]
Entretanto,
não há como estudar separadamente a imputação objetiva. Ela decorre do
funcionalismo criminal, sendo que seu estudo isolado constituirá uma
fragmentariedade inadmissível, por tornar o estudo incompleto,
consequentemente, insuficiente.
Por
tal teoria, há uma tentativa de mudança dos conceitos outrora conhecidos, ou
melhor, há uma adaptação dos velhos conceitos, dos quais, congregados,
resultaria a imputação objetiva, como
medida complementar para a correta percepção dos fatos juridicamente
relevantes. Outros, mais extremistas, pregam o próprio fim do Direito Criminal.
Esperamos,
portanto, encontrar um leitor atento às limitações traçadas para a exposição do
tema, bem como às grandes divagações teóricas que ele oportuniza. Porém, não
podemos deixar invocar o respeito ao nosso “eu”. Daí, desde já, eu afirmar que
a teoria da tipicidade conglobante se apresenta desnecessária, uma vez que
sérias posturas práticas dispensam qualquer esforço intelectual para sua
defesa.
Já
se discutiu acerca da neutralidade científica. A vulgarização do conhecimento
científico tem levado à premente necessidade de se ensinar referido
conhecimento aos não-cientistas, transformando a própria ciência em mito.
Transmitir tais conhecimentos sem carregá-los de certa carga opinativa, o que
evidencia constituir mito a neutralidade científica.[3]
Desse modo, este texto estará repleto de opiniões pessoais, mas sem abandonar
as diversas posições que se apresentam sobre o assunto.
2. O CRIME: CONCEITOS
O
crime é um ente mediato, talvez o mais importante, que será conceituado neste texto,
do Direito Criminal. Ele não objeto de estudo imediato porque o objeto primeiro
de estudo é a norma que institui o crime e os reflexos decorrentes para quem os
comete.
Nos
dias atuais, em face do princípio da ofensividade, pelo qual a norma
criminal só deve descrever condutas graves e que atingem ou coloquem em risco
bens jurídicos sérios, a contravenção deveria pertencer ao campo do Direito
Administrativo, conforme já previa Ferri.[4]
Aliás, tal realidade já se dá no âmbito militar, eis que o CPM prevê a
desclassificação da lesão corporal levíssima para infração administrativas
(art. 209, § 6º) e o Regulamento Disciplinar para a Marinha especifica
“contravenções disciplinares” em seu título III (Decreto n. 88.545, de
26.7.1983, arts. 6º-7º).
Hoje,
o Direito Criminal é visto como sendo um instrumento para a criação de uma
sociabilidade terrorista.[5]
Com efeito, ele se apresenta como um meio para a violação de direitos humanos
fundamentais, sob o manto de uma pretensa segurança social, ameaçando a todos
de que a concretização de um suposto mal (a conduta tida como criminosa),
trará, certamente, miséria, tratamento desumano e dor. Tudo isso, com a tutela
do aparelho estatal. Daí Hulsmann propor uma mudança de linguagem, a fim de
tornar possível a abolição do sistema criminal repressivo.[6]
Porém, incumbe ressaltar que o autor não quer afastar toda medida coercitiva do
Estado, mas pretende que haja uma bilateralidade (concordância das duas
partes), no processo de aplicação da sanção, pois só assim a pena é legítima.[7]
Tal proposição, em relação à perspectiva habermasiana, é funcionalista, na
medida em que faz referência ao consenso, necessário, dos participantes da
sociedade complexa.
O
fato é que não existe acordo na doutrina sobre os diversos movimentos que
surgem. Luigi Ferrajoli, por exemplo, faz severa crítica ao abolicionismo,
afirmando:
Moralismo
utopista e nostalgia repressiva pelos modelos arcaicos e ‘tradicionais’ de
comunidades sem direito, constituem, por derradeiro, também os traços
característicos do atual abolicionismo criminal, pouco original em tradição
anárquica holística.[8]
O
que se deseja é demonstrar que – ante as teorias da pena, absolutas (a pena é a
retribuição do mal com outro mal), utilitárias (a pena é unicamente utilidade,
ou seja, uma prevenção) e mistas (a pena é retributiva, mas é utilitária) -,
migramos das teorias absolutas para as mistas, sendo que hoje pretendemos dar à
pena enfoque unicamente utilitário, mas sem grande fundamentação teórica acerca
da sua legitimação. Dessa postura, discordo.
Diz-se
que crime é a violação da lei criminal. Este é o seu conceito formal.[9] De
outro modo, o conceito material é mais complicado, uma vez que o crime é a
ofensa ao objeto jurídico tutelado, ou é, nas palavras de Regis Prado, a “lesão
ou perigo de lesão a um bem jurídico-criminal, de caráter individual, coletivo
ou difuso”.[10]
Por
afetar à liberdade, o dever ser só
pode ser imposto pelas normas jurídicas. Entre nós e em todos os Estados de
Direito, ante o princípio nullum crimem
nulla poena sine praevia lege, a norma criminal estará contida em uma lei
em sentido estrito. Assim, o costume, a jurisprudência, a doutrina, a medida
provisória (ato normativo transitório emitido pelo Poder Executivo que tem
força de lei), o decreto, ou qualquer ato normativo de natureza executiva ou
judiciária, não podem criar crime. Não obstante isso, podem complementar sua
descrição hipotética.
Conforme exposto, segundo o
conceito formal, crime é a violação da norma criminal. Porém, a simples prática
de um fato definido como crime na lei, por si só, não constitui crime, pois
muitos outros aspectos precisam ser analisados, uma vez que o agente pode ter
praticado a conduta amparado por uma excludente de ilicitude ou de
culpabilidade.
Na moderna concepção do
Direito, devemos considerar a lei em sentido estrito apenas como princípio de
proibição, tendo em vista que toda norma precisa ser interpretada e a proibição
contida no tipo não se esgota nele, fazendo-se necessário o exame do sistema
global (sociedade). Isso se deve ao fato de que o sentido de uma norma só pode
ser apreendido se ela for observada em consonância com os diversos sistemas da
sociedade complexa, que se comunicam.
Por
outro lado, toda pessoa humana, ao nascer, traz consigo determinados direitos,
os quais são denominados direitos subjetivos (v.g., vida, liberdade, integridade física). Com o tempo, ao longo
da vida, outros direitos subjetivos vão se acrescendo àqueles, sendo que muitos
deles serão protegidos pelo Direito. Daí falar-se em objeto jurídico, ou
bem jurídico, que nada mais é que o direito subjetivo tutelado por
determinada norma jurídica.
O princípio da ofensividade tem relação mais próxima com a
necessidade de o aplicador da lei verificar se o bem jurídico foi afetado, pois
ele se traduz em uma idéia de um Direito Criminal “do bem jurídico”.[11]
Nesse sentido caminha a doutrina de Roxin, que sustenta “que o legislador não
possui competência para, em absoluto, castigar pela sua imoralidade condutas
não lesivas a bens jurídicos”.[12]
O conceito
analítico ou operacional de crime é feito segundo a sua composição. Assim,
examina-se seus requisitos, ou elementos, para se dizer o que é crime.
Há certa discussão
sobre a natureza das partes conceituais que intregram o crime. Para Damásio,
não seriam propriamente elementos, mas requisitos, isto é, sendo o crime uma
unidade que não pode ser fracionada, melhor seria falar em requisitos, uma vez
que faltando qualquer deles, não haverá a figura delituosa.[13]
Essa discussão é vazia de conteúdo, haja vista que lexicologicamente requisito significa condição necessária para se atingir determinado fim,[14]
e elemento é tudo que entra na composição de alguma coisa.[15]
Maggiori diz que a
questão terminológica não é de muita importância, sendo que a palavra, ou o
conceito, não é a substância. Assim, denomina as partes essenciais do crime de elementos, caracteres, ou aspectos.
Não obstante, reconhece que o crime resulta de um todo unitário e monolítico,
ainda que ele seja considerado de um ou de outro ângulo visual.[16]
Essa é, sem dúvida, a melhor posição.
Depois, a partir da
construção clássica, o crime era compreendido por um critério bipartido,
representado por um elemento objetivo (ação ou omissão) e outro subjetivo
(culpabilidade), o que foi denominado por Ferri de “anatomia jurídica do
crime”.[17]
Somente em 1906 é que se desenvolveu o critério tripartido, pelo qual crime é a conduta humana típica,
antijurídica e culpável. Este é “o conceito mais aceito pela grande maioria
dos penalistas”.[18]
No presente texto,
interessa o fato típico, dividido em: (a) conduta; (b) relação de
causalidade; (c) resultado; (d) tipicidade.
Esse último elemento
do fato típico, a tipicidade, é o que nos interessa, tendo
relação com a ilicitude (denominação mais técnica que a corrente antijuridicidade).
Sendo sucinto, a tipicidade é a adequação do fato concretizado ao tipo
(este é a descrição do crime na lei).
3. TIPICIDADE
Diz-se que fato
típico é a conduta humana que se adequa ao tipo, produzindo um resultado
(normativo ou naturalístico) proibido pela lei criminal. Dessa forma, são
elementos do fato típico: conduta; resultado; relação de causalidade; e
tipicidade. Seu estudo passou por diversas transformações, na medida em que
evoluímos do causalismo para o finalismo, deste para a doutrina social e,
finalmente, para a imputação objetiva. Talvez, dentre os elementos do fato
tíupico, a tipicidade é o que mais sofreu mutações nos últimos anos.
Nesta seção não nos
delongaremos, esclarecendo que tipicidade é a adequação da conduta
concretizada ao tipo (teoria finalista).
Não obstante, a teoria social inseriu
um elemento na tipicidade, qual seja, a reprovabilidade social. Daí, para que
haja tipicidade, não basta que a conduta concretizada se adeque à descrição
contida na lei criminal. É necessário, ainda, que a conduta seja socialmente
reprovável. A lei será apenas um indício da ocorrência de crime, tendo em vista
que a ela deve ser acrescentado um elemento normativo,[19]
que é a adequação social. O que é socialmente adequado não pode ser crime.
Welzel
chamou de adequação social, o que, hoje, é visto como sendo princípio da confiança. Vejamos os
exemplos: imagine-se a punição de Tício, que trafegando dentro do limite de
velocidade de segurança, continua na mesma velocidade em uma via de trânsito
rápido e venha a colidir com algum veículo que desavisadamente adentra na via
sem observar a sinalização de respeito à preferência de Tício. Do mesmo modo,
imagine-se a punição de Ticiana, mulher recatada, que pagou para que furassem,
nos primeiros dias, as orelhas de sua filha. Em nenhum dos dois casos seria
racional pensar na punição, tendo em vista que no primeiro havia o resguardo da
lei e no segundo da adequação social, repercutindo diretamente na confiança das
pessoas. Destarte, a adequação social
e a confiança, embora existam pessoas
que falem em diferenças ontológicas ou cognitivas, verificamos que tendem ao
mesmo sentido.
4. TIPICIDADE CONGLOBANTE
Ainda
no campo da tipicidade, não pode deixar de ser comentada a doutrina de
Zaffaroni e Pierangeli que criam a teoria da tipicidade conglobante. Partindo da noção de que não pode
constituir fato típico obedecer a lei, os autores distinguem tipicidade penal de tipicidade legal e de tipicidade
conglobante. De acordo com sua teoria, tipicidade penal é gênero, que
comporta duas espécies cumulativas: tipicidade
legal e tipicidade conglobante.
Veja-se:
...Sintetizando, tipicidade legal e
tipicidade penal não são a mesma coisa; a tipicidade penal pressupõe a legal,
mas não a esgota; a tipicidade penal requer, além da tipicidade legal, a
antinormatividade.[20]
A
tipicidade legal é aquela traduzida
pela adequação do fato concretizado à lei, enquanto que tipicidade conglobante é a contrariedade ao direito. Dessa forma,
se um oficial de justiça, cumprindo determinação contida em um mandado de busca
e apreensão, invade uma casa e subtrai dali um forno microondas, não haverá tipicidade conglobante porque ele estará
cumprindo a lei. Na verdade, ante tal instituto, ficou esvaziada a excludente
de ilicitude do estrito cumprimento do dever legal (art. 23, inciso III, do CP),
uma vez que todo aquele que cumpre seu dever legal, estará fazendo exatamente o
que lei manda.[21]
Diante
da nova teoria, é necessário distinguir autorização para praticar o ato
(excludente de ilicitude), de obrigação legal de o executar (excludente da
tipicidade penal). Assim, se alguém mata em legítima defesa, não estará
obrigado a fazê-lo, portanto, atuará com excludente de ilicitude. De outro
modo, como tipicidade penal (TP) é junção da tipicidade legal (TL) com a
tipicidade conglobante (TC), a ausência de qualquer delas excluirá, não a
ilicitude, mas a própria tipicidade, como é o caso do Oficial de Justiça que
pratica ato com tipicidade legal (art. 155 do CP), ao subtrair um carro da casa
de um devedor inadimplente, mas cumprindo mandado judicial. Destarte,
ratificamos, no caso, faltará tipicidade conglobante. Consequentemente, não
haverá tipicidade penal.
O
princípio da adequação social, desde
que foi concebido, se apresenta como um corretivo à tipicidade legal. No
entanto, Zaffaroni diz que esta é uma solução asséptica que desemboca em um
formalismo estéril. Para ele a tipicidade conglobante “não é – como a teoria da
adequação social da conduta” – uma concepção corretiva proveniente da ética
social material, e sim uma concepção normativa”.[22]
Porém, o autor não esclarece duas possibilidades que podem emergir da adequação
social:
Ø a
adequação social obriga a pessoa a se conduzir de determinada maneira, mesmo
que se afete a tipicidade legal, que constituirá hipótese de atipicidade penal,
por faltar tipicidade conglobante;
Ø a
adequação social autoriza a pessoa a se conduzir de determinada maneira, mas
não a compele a atuar afetando a tipicidade legal. Nesse caso, haverá
tipicidade penal, eis que estará presente a tipicidade conglobante. Desse modo,
eventual inocorrência de crime deverá ser tratada no campo da ilicitude ou da
culpabilidade, em face de alguma excludente.
A
posição de Zaffaroni e Pierangeli, acerca da tipicidade da conglobante, ao
nosso ver é confusa, não merecendo acolhimento. Com Paulo Queiroz, afirmo: “Apesar
da autoridade daqueles que a defendem, temos que tal teoria, um tanto confusa e
desnecessária, não procede”.[23]
Zaffaroni
e Pierangeli inserem o consentimento do ofendido dentre as causas de
excludentes de tipicidade conglobante, bem como as intervenções cirúrgicas, as
práticas perigosas fomentadas e as lesões desportivas. Ao ampliar as hipóteses
de atipicidade conglobante os autores acabam destruindo a distinção que ele
mesmos dizem ser necessária, no sentido de que fazer o que a lei autoriza (excludente de ilicitude) não pode ter o
mesmo sentido de fazer o que a lei manda
(atipicidade conglobante). Desse modo, é melhor nos mantermos fiéis à teoria
social (mas com alguns cuidados para evitarmos, por exemplo, incorrermos em
linchamentos) do que falarmos em uma tal tipicidade conglobante.
A
teoria da tipicidade conglobante fascinou alguns “operadores do Direito” porque
assim poder-se-ia deixar de levar aos tribunais certos casos que evidentemente
não constituíam crimes. Suposta vantagem parte da equivocada premissa de que a
comprovação do fato típico obriga a instauração do processo, ou seja, o
Ministério Público deve denunciar e o Juiz deve receber a denúncia, sendo que
quaisquer discussões em torno de excludentes de ilicitude e de culpabilidade
devem ser reservadas ao curso do processo. Aqui é oportuna a sábia lição de
Afrânio Silva Jardim:
Aqui nos parece residir o equívoco maior,
pois a divisão da infração penal em elementos ou requisitos tem uma finalidade
meramente metodológica na ciência penal. O crime é um todo indivisível e o
Estado somente poderá, processualmente, ver acolhida a sua pretensão punitiva
se provar que o réu praticou uma conduta típica, ilícita e culpável, vale
dizer, este ‘todo indivisível’. Qualquer presunção, neste particular, somente
pode ser reconhecida se estiver determinada na lei, o que não ocorre no direito
dos povos cultos.[24]
O
exposto me autoriza dizer inócua a teoria desenvolvida por Zaffaroni e
Pierangeli. Mais ainda, por incluir o fazer o que a lei autoriza, como
excludente da tipicidade conglobante, ele tornou sua teoria confusa, ou
melhor, a destruiu.
O
STJ confunde institutos jurídicos distintos ao tratar o furto famélico (princípio
da insignificância), com reparação do dano superveniente (devolução dos
bens), à ausência de tipicidade conglobante.[25]
Noutro processo, a insignificância da quantidade de psicotrópicos, não foi
reconhecida sob o argumento de que não se aplica a inexistência de tipicidade
conglobante ao caso.[26]
Ainda
no STJ, um importador de sementes para plantio e produção de medicamento, por
não dispor de recursos para comprar canabidiol, impetrou habeas corpus
preventivo. Tendo a ordem sido denegada e o recurso improvido, impetrou novo habeas
corpus substitutivo do REsp, o qual não foi conhecido e a ordem concedida
de ofício por faltar tipicidade conglobante.[27]
5.
CONFIRMANDO A NOSSA HIPÓTESE
Desde
o título deste texto, optamos pela hipótese de que a teoria da tipicidade
conglobante é desnecessária. Ao final, entendemos estar a confirmando e, mais
ainda, ser a teoria algo mal compreendida e mal aplicada na jurisprudência
pátria, especialmente do STJ.
Não
é necessária uma nova teoria para deixar de denunciar aquele que age em
respeito ao comando legal, visto que uma pessoa só deve ser processada
criminalmente por crime (com todos os seus elementos), não apenas pelos
elementos objetivos do fato. Quando for evidente o estrito cumprimento do dever
legal ou o exercício regular do direito do Médico (evidenciado por estado de
necessidade ou qualquer outro motivo), obviamente, não deverá haver denúncia ou
ela deverá ser rejeitada.
A
atipicidade por insignificância não é estar fazendo o que a lei manda, mas
agindo nos limites autorizados pela lei. Com isso, a ampliação do conceito de
normatividade por estar fazendo o que a lei autoriza, não se coaduna com a
doutrina de Zaffaroni e Pierangeli.
[1] MAGGIORI,
Giuseppe. Principî di diritto penale – parte generale. 2. ed. Bolonha: Nicola Zanichelli, 1937. v. 1.
p. 251; ANTOLISEI, Francesco. Manuale di diritto penale: parte geral. 2.
ed. Milão: Giufrè, 1949. p. 149.
[2] GRECO, Luís. A
teoria da imputação objetiva: uma introdução. ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no
direito penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 9.
[3] JAPIASSU, Hilton. O mito da neutralidade científica. Rio
de Janeiro: Imago, 1.975. passim.
[4] Ibidem. p. 135.
[5] SOLAZZI, José Luís.
A “politização da normalidade”: um diagnóstico do sistema penal de suspeição.
PASSETI, Edson, SILVA, Roberto Baptista Dias da (org.). Conversações abolicionistas. São Paulo: IBCCrim, 1997. p. 65.
[6] HULSMAN, Louk e CELIS, Jacqueline
Bernat. Penas perdidas: o sistema penal em questão. 2.
ed. Niterói: Luam. 1997. p. 210.
[7] Ibidem. p. 86-88.
[8] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2.002. p. 202.
[9] MIRABETE, Júlio
Fabbrini. Manual de direito penal.
16. ed. São Paulo: Atlas, 2000. v. 1, p. 95.
[10] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal. 4. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2.004. v. 1, p. 237.
[11] GOMES, Luiz Flávio. Norma e bem jurídico no direito penal.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 15.
[12] ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal.
3. ed. Lisboa: Vega, 1998. p. 29.
[13] JESUS, Damásio
Evangelista de. Direito penal. 20.
ed. São Paulo: Saraiva, 1997. vol. 1, p. 155.
[14] FERREIRA, Aurélio
Buarque de Holanda. Novo dicionário da
língua portuguesa. 1. ed. 4. tir. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975. p.
1.233.
[15] Ibidem. p. 506.
[16] MAGGIORE, Giuseppe. Principî de diritto penale. Bolonha:
Nicola, 1937. vol. 1, p. 192.
[17] FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal. 2. ed.
Campinas: Bookseller, 1999. p. 358.
[18] LEAL, João José. Direito penal geral. São Paulo: Atlas,
1999. p. 167.
[19] Não se olvide que
elemento normativo do tipo é aquele que exige o conhecimento de outra norma
jurídica, que pode ser alcançada em outras leis ou na sociedade.
[20] QUEIROZ,
Paulo. Direito penal: parte geral. 13. ed. Salvador: JusPODIVM, 2018. p.
200.
[21] ZAFFARONI, Raul
Eugenio; PIERANGELI, José Henrique. Manual
de direito penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p.
551-552.
[22] Ibidem. p. 566.
[23]
QUEIROZ,
Paulo. Op. cit. p. 200.
[24] JARDIM, Afrânio
Silva. Direito processual penal. 11.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2.003. p. 207.
[25]
STJ. 6ª Turma. AgrReg no REsp 2137893/SP (2022/0165448-6). Min. Jesuíno
Rissato. Julgamento, em 22.6.2023. Disponível em: <chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202201654486&dt_publicacao=30/06/2023>.
Acesso em: 13.1.2024, às 19h50.
[26] STJ.
5ª Turma. AgRg no HC 757302/SP (2022/0222383-0). Juiz do TRF1 convocado João
Batista Moreira. Disponível em: <chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202202223830&dt_publicacao=24/04/2023>.
Acesso em: 13.1.2024, às 20h.
[27] STJ.
5ª Turma. HC 779289/DF (2022/0335886-0). Min. Reynaldo Soares da Fonseca.
Julgamento, em 22.11.2022. Disponível em: <chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202203358860&dt_publicacao=28/11/2022>.
Acesso em: 13.1.2024, às 20h10.
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