Foram convocadas pessoas para
apoiarem Bolsonaro, hoje (25.2.2024), em face das investigações policiais que o
remetem aos atos golpistas de 8.1.2023. É fato notório que ele, em seu
discurso, minimizou a “minuta do golpe” e pediu a concessão de anistia
para os condenados pelos atos antidemocráticos da referida data do
ano passado – nas palavras da Ministra Aposentada Rosa Weber, dia da infâmia.
Tal pedido é notório, portanto, prescinde de provas.
O ex-Presidente Jair Bolsonaro
não é Bacharel em Direito, mas os cursos de formação de Oficiais das
corporações militares têm Direito Criminal em seus currículos e ele foi
parlamentar por diversas legislaturas, portanto, deveria saber que os
benefícios que exigem condenação para serem concedidos são a graça e o indulto,
espécies de perdão do príncipe (indulgentia principis).
Nos dias 13 e 14.9.2023 foram
levados a julgamento três acusados pelos crimes do dia 8.1.2023, tendo sido
apreciada primeiro a Ação Criminal n. 1.060. Durante esse julgamento,
repetidamente, o Ministro Gilmar Mendes chamou a atenção para a gravidade dos
fatos, objetos de mandado constitucional de criminalização.
No tocante aos psicotrópicos
ilícitos, sou antiproibicionista. Porém, não me canso de alertar que não posso
defender a descriminalização do tráfico ilícito de psicotrópico porque a
Constituição Federal determina que ele seja crime, ela contém mandado
constitucional de criminalização.
Veja-se os mandados
constitucionais de criminalização aos quais me refiro:
Art. 5º Todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
(...)
XLIII -
a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou
anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e
drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles
respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se
omitirem;
XLIV
- constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos
armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional
e o Estado Democrático;
Na Constituição Federal existem
outros mandados constitucionais de criminalização, os quais traduzem a
importância atribuída a tais crimes pela ordem constitucional. Aqui,
interessa-nos a ação de grupos armados contra a ordem Constitucional e o Estado
Democrático.
Durante o período de austeridade
militar (de 1964 a 1985), foi instituída a Lei n. 7.170, de 14.12.1983 (Lei de
Segurança Nacional). Tal lei era carente de técnica, tendo sido objeto de
muitas críticas doutrinárias. Recentemente, ela foi revogada expressamente pela
Lei n. 14.197, de 1.9.2021 (art. 4º). A nova lei inseriu o Título XII na Parte
Especial do Código Penal (Dos crimes conta o Estado Democrático de Direito) e,
dentre eles, inseriu o Capítulo II (Dos crimes contra as instituições
democráticas), com dois artigos, que trazem os crimes de Abolição violenta do
Estado Democrático de Direito[1] e de
Golpe de Estado.[2]
Assim, tais crimes são inafiançáveis.
A anistia, diversamente da
graça e do indulto (estes se dirigem a condenados), se dirige a
fatos, produzindo os mesmos efeitos da abolitio criminis, retirando os
efeitos criminais da condenação e, caso a lei concessiva da anistia faça a
previsão, poderá gerar efeitos civis em favor dos anistiados. De qualquer modo,
conforme consta do art. 5º, inciso XLIV, da CF (transcrito), a anistia é
incompatível com os crimes dos artigos 359-L e 359-M do Código Penal.
Questionado por um amigo sobre a
literalidade do art. 5º inciso XLIV, que só proíbe a fiança e a prescrição, respondi
que, embora sendo garantista, entendendo que todos os direitos e garantias individuais
fundamentais são ponderáveis. Por isso, entendo que o STF poderá equiparar as
condutas do inciso LIV ao do inciso anterior, até porque mais graves do que alguns
crimes hediondos e assemelhados. Por outro lado, a anistia deve se dirigir a
fatos, não a um grupo determinado de pessoas.
A anistia da Lei n. 6.683, de
28.8.1979, é constitucional porque beneficia agentes dos governos militares de
então e opositores a ele, prevendo, inclusive, a reparação de danos civis aos
oprimidos. No caso de 8.1.2023, a anistia seria parcial, atendendo somente ao
interesse dos golpistas de então e, portanto, carente de legitimidade.
[1] Código
Penal:
Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave
ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o
exercício dos poderes constitucionais:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além
da pena correspondente à violência.
[2] Código Penal:
Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça,
o governo legitimamente constituído:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena
correspondente à violência.
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