A minha especialização é jurídico-criminal. Mas, no exercício do meu cargo tenho que enfrentar outras demandas jurídicas, sendo recorrentes os mandados de segurança, especialmente de dependentes de militares, visando a transferência obrigatória para a Universidade de Brasília (UnB).
Grande parte dos pedidos buscam a tutela
judicial para a imoralidade, visto que – especialmente no governo 2018-2022 –
muitos Oficiais das Forças Armadas eram transferidos, parece, apenas para
favorecer o ingresso de algum dependente em Cursos de Medicina nas
Universidades Públicas Brasileiras, com enfoque especial na UnB.
Já enfrentei situação concreta, em que o Oficial
Superior da Força Aérea Brasileira foi transferido para cidade paraguaia limítrofe
o Brasil, seu filho conseguiu vaga de cortesia para ingressar em universidade
pública ali, podendo residir no Brasil, e após 2 anos regressou ex officio
para Brasília. Obviamente, por não haver congeneridade na forma de ingresso, o
pedido administrativo foi indeferido. Então, ele ingressou com mandado de
segurança.
Noutra situação, Oficial foi transferido para
a China. Ali, sua filha ingressou no curso de Pré-Medicina, mediante seleção
simplificada. 18 meses depois, retornou ex officio para Brasília. Novamente,
por não haver congeneridade na forma de ingresso e não haver matrícula no Curso
de Medicina, o pedido administrativo foi indeferido.
Nas 2 situações mencionadas, o juízo de origem
indeferiu os pedidos de liminares. No entanto, o TRF1 concedeu as antecipações dos efeitos das tutelas recursais requeridas, determinando as matrículas dos recorrentes.
Temos que ter cuidado para não favorecer
condutas imorais pela concretização de situação que imponha o reconhecimento da
teoria do fato consumado,[1]
isso a fim de que o processo não se torne instrumento para a consolidação de
posturas imorais.
No caso da dependente de militar que foi à China e impetrou mandado de segurança no ano de 2020, anteontem, recebi a informação de que a segurança foi denegada em sentença de mérito. Eis aí a situação, caso ela termine o curso, será aplicada a teoria do fato consumado. Assim, emerge a pergunta:
– poderíamos
determinar o desligamento da aluna do curso?
Ao meu entender, a resposta é positiva. Isso
porque o Superior Tribunal de Justiça entende:
EMENTA: AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE
DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DECISÃO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA
TUTELA. INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. DISCUSSÃO
ACERCA DA RELAÇÃO JURÍDICA TRAVADA ENTRE AS CORRÉS NA AÇÃO ORIGINÁRIA. QUESTÃO
DECIDIDA NA SENTENÇA PROLATADA ANTES DO
JULGAMENTO DAQUELE AGRAVO. ACÓRDÃO EMBARGADO DA
TERCEIRA TURMA QUE DECIDIU PELA PERDA DE OBJETO DO AGRAVO
DE INSTRUMENTO. MÉRITO DA CONTROVÉRSIA
DECIDIDO EM OUTRO RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO CONTRA ACÓRDÃO DA APELAÇÃO, O
QUAL DEFERIU EFEITO SUSPENSIVO, VEDANDO O LEVANTAMENTO DE VALORES DEPOSITADOS
EM JUÍZO E O REPASSE DE QUAISQUER PAGAMENTOS À FUNDAÇÃO ORA EMBARGANTE ATÉ O
TRÂNSITO EM JULGADO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESSEMELHANÇA DO CASO COM
AQUELOUTROS TRATADOS NOS PARADIGMAS. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL INEXISTENTE.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA LIMINARMENTE INDEFERIDOS. REITERAÇÃO DAS ALEGAÇÕES.
INSUBSISTÊNCIA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. Os embargos de divergência - recurso de fundamentação vinculada e de
cognição restrita - têm como fim precípuo uniformizar a jurisprudência do
Tribunal, não se prestam a mero rejulgamento da causa pela Corte Especial, como
fosse via recursal ordinária interna.
É requisito elementar de admissibilidade do recurso haver soluções jurídicas
diversas a partir da análise de casos fático-processuais semelhantes, o que
deve ser demonstrado com o cotejo analítico entre os julgados comparados, consoante
disposto no art. 1.043, § 4º, do Código de Processo Civil e do art. 266, caput,
do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.
2. "A falta de similitude fático-jurídica entre o acórdão embargado
e o apresentado como paradigma obsta a admissão do recurso de embargos de
divergência, pois tem-se por não cumpridos os arts. 1.043, § 4º, do CPC e 266,
§ 4º, do RI/STJ" (AgInt nos EDcl nos EAREsp 1337814/RS, Rel. Ministro
BENEDITO GONÇALVES, CORTE ESPECIAL, julgado em 22/03/2022, DJe 24/03/2022).
3. Nos presentes autos, sem arranhar o entendimento sufragado nos
paradigmas, o acórdão embargado, ao dar provimento ao recurso especial da
PETROBRAS, decidiu pela perda de objeto do agravo de
instrumento exatamente em razão da
superveniência de sentença de mérito na origem, anterior à prolação do acórdão
recorrido. Assim, o entendimento esposado pelo acórdão embargado, dada as
peculiaridades do caso, ao contrário de divergir da jurisprudência citada, ratifica
a tese de prevalência da decisão de mérito sobre
a tomada em caráter cautelar.
4. Agravo interno desprovido.[2] (grifei)
Com Araken de Assis, não digo que sempre
o recurso de agravo de instrumento estará prejudicado, visto que tal recurso
poderá ser julgado na mesma sessão de julgamento da apelação (CPC, art. 946,
parágrafo único),[3]
no entanto, a prevalência da sentença de mérito autorizará ao tribunal, ao
julgar o agravo considerá-lo prejudicado, visto que, em casos que não se
sustenta qualquer preliminar de incompetência ou outro vício que poderá anular
a sentença, efetivamente, a sentença de mérito prejudicará o agravo. O mesmo se
dará se o juízo a quo decidir em sentença reconhecendo preliminar
arguida em sede de agravo de instrumento.
Para não cansar o leitor concluo o presente
artigo sem me estender e desejando que prevaleça a moralidade e a isonomia em
tais casos, evitando-se a aplicação da teoria do fato consumado.
[1]
BRASIL. STJ. 2ª Turma. REsp 709.934/RJ (2004/0175944-8). Min. Humberto Martins.
Julgamento, em 21.6.2007. Disponível em: <chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=200401759448&dt_publicacao=29/06/2007>.
Acesso em: 17.12.2023, às 10h30:
EMENTA: ADMINISTRATIVO.
DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. MATÉRIA AFETA AO STF. MILITAR. TRANSFERÊNCIA EX
OFFICIO. ENSINO SUPERIOR. MATRÍCULA DE DEPENDENTE. CONGENERIDADE. DECURSO
DE 6 ANOS DA CONCESSÃO DA SEGURANÇA. APLICAÇÃO DA TEORIA DO FATO CONSUMADO.
1. A apreciação de suposta ofensa a
preceitos constitucionais não é possível na via especial, nem à guisa de
prequestionamento; porquanto matéria reservada, pela Carta Magna, ao
Supremo Tribunal Federal.
2. É assegurado o direito à
transferência obrigatória de servidor militar estudante e de seus dependentes
quando ele tenha sido removido ex officio e no interesse da
Administração Pública, desde que a instituição de ensino seja congênere à de
origem; ou seja, de pública para pública ou de privada para privada, caso dos
autos.
3. Entretanto, na hipótese dos autos,
verifica-se que, entre a sentença que concedeu a segurança tornando possível a
matrícula da ora recorrida na UFRJ e a presente data, decorreram
aproximadamente seis anos.
4. Impõe-se, no caso, a aplicação
da Teoria do Fato Consumado, segundo a qual as situações jurídicas consolidadas
pelo decurso do tempo, amparadas por decisão judicial, não devem ser
desconstituídas, em razão do princípio da segurança jurídica e da estabilidade
das relações sociais.
Recurso especial conhecido em parte e
improvido. (grifei)
[2]
BRASIL. STJ. AgInt nos Eresp 1971910/RJ e AgInt nos EDREsp 2019/0159243-6.
Corte Especial. Min. Laurita Vaz. Julgamento, em 22.8.2023. Disponível em: <chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201901592436&dt_publicacao=30/08/2023>.
Acesso em: 15.11.2023, às 14h50.
[3]
ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. São Paulo; Revista dos Tribunais,
2016. p. 658.
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