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LEI CRIMINAL E
OUTRAS REGRAS GERAIS
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3.1 OBJETIVOS DESTE CAPÍTULO
O conceito de norma criminal não está adstrito às
leis escritas. Procurarei demonstrar que as normas criminais coercitivas só
podem ser aquelas objetivamente escritas. Não obstante, tentarei indicar os
diversos sistemas participantes da sociedade, que são importantes para uma
perfeita percepção da coercibilidade das normas criminais e, fundamentalmente,
de seus fins.
Apresentarei, inicialmente, o conceito de norma
jurídica, dizendo quais são seus elementos mínimos e as espécies concebidas
pela doutrina, ocasião em que procurarei demonstrar que a única norma jurídica
efetivamente existente é a incriminadora.
Tentaremos esclarecer como será a aplicação da
norma jurídico-criminal no tempo, no espaço e em relação às pessoas. Depois,
nos ocuparemos de algumas regras gerais, tais quais: (a) pena cumprida no
estrangeiro; (b) sentença estrangeira; (c) prazo jurídico criminal; (d)
legislação especial.
3.2 CONCEITO E ESPÉCIES DE NORMAS CRIMINAIS
3.2.1 Conceito e elementos mínimos
Norma é regra, decorrendo de régua, de medida.
Ela, ao lado dos fatos, está no centro da análise jurídica. De qualquer modo, a
norma não estará necessariamente em uma lei.
A sociedade vive repleta de normas, mas somente
algumas figuram no plano de existência jurídica, visto que muitas são sociais,
religiosas etc. Desse modo, nem todo fato que integra o plano de existência
factual pertence ao plano de existência jurídica, visto que este é muito mais
restrito. Mais ainda, nem todas normas jurídicas integram o campo do Direito
Criminal.
Poderia definir norma jurídica como o faz De
Plácido e Silva, in verbis:
Derivado do latim norma, oriundo do grego gnorimus
(esquadria, esquadro), dentro de seu sentido literal, é tomado na linguagem
jurídica como regra, modelo paradigma, forma ou tudo que se estabelece
em lei ou regulamento para servir a pauta ou padrão na maneira de agir.
Assim, a norma jurídica (praaeceptum jures)
instituída em lei, vem citar a orientação a ser tomada em todos os atos
jurídicos, impor os elementos de fundo ou de forma, que se tornam necessários,
para que os atos se executem legitimamente. É o preceito de direito.[1]
A análise da norma deve ser profunda, como a de
Tércio Sampaio, que lhe nega caráter dogmático, in verbis:
A questão sobre o que seja norma jurídica e se o
direito pode ser concebido como um conjunto de normas não é dogmática, mas
zetética. É uma questão aberta, típica da filosofia jurídica, que nos levaria a
indagações infinitas, sobre pressupostos. Sendo uma questão zetética, ela não
se fecha. As teorias filosóficas fornecem explicações sobre ela, mas o tema
continua renovadamente em aberto: a norma é um comando ou um simples diretivo?
Uma regra de organização? A sanção faz parte da sua constituição ou se trata de
um elemento aleatório que apenas aparece quando a norma é violada?.[2]
Fazer distinção simplista entre norma jurídica
e lei pode conduzir a equívocos irreparáveis. Com efeito, não se
pode concordar com Fernando Capez, que afirma ser a norma aquilo “que se extrai
do espírito dos membros da sociedade, isto é, do senso de justiça do povo”.[3]
Sua posição, nesse aspecto, embora sem fundamentação jusfilosófica, é
claramente jusnaturalista.
Pensar que um artigo de lei sempre encerra uma
norma é equivocado. Dentro de um sistema jurídico, que é dinâmico,
encontramos várias normas, que não corresponderão necessariamente à quantidade
de artigos contidos nas normas escritas. A norma criminal se caracteriza por
sua coercibilidade. Desse modo é adequada a proposição no sentido de que toda
norma criminal contém uma sanção, podendo ser construída a seguinte fórmula:
N = SFH + P
NP = Norma
SFH = Suposto Fato Hipotético (descrição em
abstrato da conduta proibida)
P = Preceito (sanção)
Fala-se em preceito primário e em preceito
secundário, decorrência das denominadas normas primárias e normas secundárias.
O primeiro seria o SFH, enquanto o segundo seria P. No entanto,
Hans Kelsen diverge dessa posição dizendo que P é o preceito primário e SFH
o secundário.[4]
Falamos de nossa posição, em favor da denominação Direito Criminal, em
desprestígio a Direito Penal, isso porque a pena é mero efeito do crime. Assim,
seria razoável entendermos que o preceito primário seria o facti specie (a
descrição da hipótese juridicamente relevante). Ocorre que, diante de tudo que
já foi exposto, é melhor entendermos a norma como um todo – um sistema dinâmico
complexo – abandonando referida classificação, que não é rigorosa.
Não há como se enrijecer uma compreensão que não
guarda razão de ser, uma vez que a descrição do fato injusto, assim como a
coercibilidade para que as pessoas se conduzam de forma a não praticarem
crimes, integram a norma, portanto, referidos aspectos merecem apreciação séria
e sistêmica do jurista, atribuindo-lhes a importância merecida.[5]
Punir por punir é irracional. Caso o juiz verifique a total
imprestabilidade da pena, isso diante de um fato concreto, deve deixar de impor
a pena. Na verdade, devemos deixar de lado a velha lógica binária aristotélica,
a qual enuncia: o crime tem como consequência a pena; logo,
concretizado o crime, haverá pena.
3.2.2 Classificação
As classificações apresentadas, acerca das normas
criminais, são, em regras falhas, até porque impossíveis, uma vez que somente
uma espécie contém os elementos mínimos enunciados, que é a incriminadora,
sendo que o estudo de outras espécies propostas visa apenas a preparar o leitor
para certas proposições que foram construídas e podem ser cobradas em exames
para ingresso em carreiras jurídicas.
Adotando a concepção exposta, no sentido de que
norma é a junção do facti species com o preceito, no Direito
Criminal só existem normas incriminadoras, ou seja, somente aquelas que
descrevem penas e cominam sanções, aplicáveis a quem praticar as condutas
hipoteticamente descritas. Não obstante isso, tem-se admitido outras espécies
de normas que não são incriminadoras (normas não incriminadoras). Estas
estão divididas em duas espécies, a saber: explicativas e permissivas.
Como a explicação de normas deve ser um trabalho
da doutrina e da jurisprudência, a lei não deve conter normas explicativas. Não
obstante isso, não é rara a existência de artigos de leis explicativos, v.g.,
art. 150, 4º e art. 327, ambos do CP.
A norma permissiva seria aquela que autoriza a
pessoa a praticar uma conduta descrita, a qual, inicialmente, é proibida, mas
que a existência da autorização na própria lei torna a conduta em permitida, v.g.,
art. 23 do CP. Porém, como a norma é tão somente aquela que contém os elementos
mínimos (SFH e P), pode-se afirmar que aquele preceito que exige complemento é
norma, enquanto que os adminículos que aderem à norma, complementando-os, são,
na verdade, fragmentos complementares da norma.
Enrique Gimbernat Ordeig explica que a PG/CP traz
normas incompletas, uma vez que ela será sempre conjugada à Parte Especial, a
fim de se extrair seu verdadeiro conceito.[6]
Concordamos com o exposto, mas acreditamos em mais, nenhuma norma está completa
e, pior, o artigo que não traz coerção (preceito) não constitui propriamente
uma norma, mas adminículo que se soma aquela. Desse modo, para evitar confusões
terminológicas, preferimos dizer que não há norma jurídica na Parte Geral do
CP, mas complementos das normas que são encontradas na Parte Especial.
Fala-se em norma permissiva justificante ou
excludente (afasta a ilicitude – antijuridicidade -, v.g., art. 23 do CP) e
norma permissiva exculpante (destina-se a eliminar a culpabilidade, v.g.,
art. 28 do CP).
Partindo da frágil distinção apresentada,
necessariamente, teríamos que construir outro tipo de norma permissiva, que
seria a de impunibilidade, tendo em vista que algumas normas não excluem
a ilicitude, nem a culpabilidade, mas apenas tornam impunível o fato, v.g.,
art. 312, § 3º do CP (reparação do dano antes do oferecimento da denúncia, no
crime de peculato).
Ferri já ensinava que “a disposição da norma da
lei penal tem, por isto, sempre um conteúdo inseparavelmente duplo: o preceito
e a sanção”.[7]
O que Ferri denominou de preceito, neste curso, é tratado como suposto fato
hipotético (facti specie), enquanto a sanção, referida por Ferri, neste
curso, é denominada preceito.
Só a norma incriminadora constitui efetiva norma,
haja vista que somente ela contém os elementos mínimos necessários para sua
configuração como norma jurídica, embora esta não esteja completa em um único
artigo (“matar alguém” – CP, art. 121 – só será crime se não houver uma
excludente de ilicitude ou culpabilidade, sendo, portanto, necessária a análise
da norma dentro do sistema jurídico, complementando-a. A norma incriminadora é:
A norma penal por excelência, visto que quando se
fala em norma penal pensa-se, imediatamente, naquela que proíbe ou impõe
condutas sob ameaça de sanção. São elas, por isso, consideradas normas
penais em sentido estrito.[8]
Ao admitir normas criminais permissivas
justificantes e exculpantes, deixa-se uma lacuna ao não se referir às normas
que não excluem a ilicitude, nem a culpabilidade, mas apenas tornam o fato
impunível – como no caso das imunidades. O art. 181 do CP prevê que é
impunível, por exemplo, o furto praticado por um filho contra o pai, ou seja,
mesmo que o fato seja típico, ilícito e culpável, não haverá pena. O fato pode
até ter relevância para outros ramos do Direito (Direito Civil, por exemplo,
haja vista que poderá ensejar ação de reparação de dano), mas não constituirá
fato relevante em matéria jurídico-criminal, haja vista que não havendo
punibilidade não haverá interesse em se estabelecer qualquer persecução penal
quanto a ele. Desse modo, em outras palavras, em termos estritamente criminais,
o artigo nupercitado é permissivo.
Um artigo que traga causa excludente da
ilicitude, exculpante ou de impunibilidade, é um fragmento que complementa uma
norma, não sendo, portanto, por si só, norma criminal. Aliás, nenhum artigo
encerra, por si mesmo uma norma pronta e acabada. Encontramos tão-somente
fragmentos de norma que se completam no sistema normativo, assunto que ficará
melhor esclarecido no tópico relativo à norma criminal em branco.
Aqui, é oportuna a referência a mais uma espécie
de norma mencionada em alguns manuais, que é norma penal incompleta ou
imperfeita.[9]
Na esteira do exposto, toda norma é imperfeita, mas, no sentido estrito da
classificação que emergiu, referida espécie de norma é aquela em que para se
saber a sanção cominada é necessário analisar outro preceito de lei. O suposto
fato hipotético é bem delimitado pela norma, mas a cominação é feita com
remessa a outra norma, v.g., Lei n. 2.889, de 1.10.1956:
Art. 1º Quem, com a intenção de destruir, no todo
ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal:
a) matar membros do grupo;
(...)
Será punido:
com as penas do art. 121, § 2º, do Código Penal,
no caso da letra “a”;
(...)
Pelo que se vê, para saber a pena do genocídio,
praticado na modalidade da letra “a”, mister é conhecer o art. 121 do CP, o que
permite classificar referida norma como imperfeita, isso nos moldes da
classificação proposta. Não obstante isso, adotando a referida classificação,
como teremos que verificar, em regra, circunstâncias agravantes ou atenuantes e
causas especiais e aumento ou de diminuição da pena, em sentido amplo, sempre
estaremos diante de normas imperfeitas – não se olvide, nenhuma norma se
encerra em si mesma.
A norma social integra o sistema dinâmico de
normas pertencentes ao Direito. Na sociedade não se encontra norma jurídica em
sentido estrito porque a norma social não tem sanção jurídica para o fato que
regula, mas é indubitável que complementa o sentido da norma incriminadora
encontrada na Parte Especial do CP. Veja-se, por exemplo, o que dispunha o art.
131, § 4º do Código Comercial:
O uso e a prática geralmente observadas no
comércio nos casos da mesma natureza e, especialmente o costume do lugar onde o
contrato deva ter execução, prevalecerá a qualquer inteligência em contrário que
se pretenda dar às palavras.
O art. 130 do mesmo código deixava clara sua
opção pela interpretação segundo os usos e costumes, prestigiando-se em
desfavor de qualquer outra interpretação, inclusive a literal.[10]
Hoje, o CC dispõe: “Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados
conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. Destarte, não é
desarrazoado pensar em lei costumeira, sem qualquer preceito escrito a
respeito, eis que “podemos, assim, entender o que significa para o jurista,
captar a sociedade como ordem”.[11]
Adotando a classificação exposta nos manuais em
geral, posso elaborar a seguinte síntese:
- incriminadora, contém facti species e
sanção;
- explicativa, limita-se a esclarecer o conteúdo
de determinados artigos de lei, v.g.,
art. 327 do CP. É criticável porque explicar a lei é atividade da doutrina e da
jurisprudência, não da própria legislação;
- excludente, incide sobre a ilicitude,
excluindo-a, v.g., arts. 24 e 25 do
CP;
- exculpante, incide sobre a culpabilidade,
excluindo-a, v.g., art. 22 do CP;
- de impunibilidade (não consta dos manuais), é a
da imunidade absoluta, v.g., art. 181
do CP;
- incompleta ou imperfeita, não contém sanção,
remetendo a outra norma que a completará, v.g.,
art. 1º da Lei n. 2.889/1956.
A norma incompleta ou imperfeita não deixa
de ser uma norma em branco em sentido amplo, conforme apresentarei adiante,
visto que, em face do princípio da legalidade, a pena dependerá de outra lei
decorrente da mesma fonte legislativa.
Na Itália, Bobbio incorpora sua idéia positivista
de sistemas, em que o Direito se justifica pelo sistema jurídico, não mais pela
estrutura, mas pela função que desempenha. Em um ensaio, ele procura demonstrar
as bases para a diferenciação de normas primárias e normas
secundárias,[12]
classificação que tem encontrado resistências na atualidade.[13] A
posição de Bobbio, de alguma forma, retrata, ao seu modo, a grande preocupação
de Kelsen com o Direito como um sistema dinâmico de normas.[14]
3.4 HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO DA NORMA
CRIMINAL
3.4.1 Distinção entre hermenêutica e
interpretação
Interpretar significa procurar conhecer o sentido
da norma. A hermenêutica, por sua vez, “é a teoria científica da arte de
interpretar”.[15]
Ela surgiu há muito, mas seu auge se deu com a revolução francesa, tendo
em vista que a lei foi elevada a plano tão alto que passou a ser vista como a
única fonte do Direito,[16] o
que transferiu o problema da ciência do Direito para a interpretação da lei,
sendo que tudo se resolveria pela melhor interpretação.
Carlos Maximiliano entende que a interpretação é
uma arte que tem suas próprias técnicas, tendo ficado subordinada ao Direito,
aos postulados da Sociologia e da Hermenêutica, que por sua vez se aproveita
das conclusões da Filosofia do Direito. Com o auxílio delas fixa novos
processos de interpretação, enfeixa-os num sistema, e, assim, moderniza a arte,
rejuvenescendo-a, aperfeiçoando-a, de modo a que se conserve à altura do seu
século, como elemento de progresso, propulsor da cultura profissional, auxiliar
prestimosa dos pioneiros da civilização.
Na visão de Carlos Maximiliano, equivocam-se
aqueles que confundem as palavras, hermenêutica e interpretação,
eis que esta é a aplicação daquela.[17]
Porém, mister é reconhecer que se tornou comum tratar as duas expressões como
sinônimas.[18]
3.4.2 Escola da exegese
Já informei que os romanos percebiam a lei de
forma diferente. Esta surgia de casos concretos, ou seja, diante de cada caso
surgia uma solução concreta que se transformava em uma lei aplicável a ele. As
decisões se repetiam aos casos semelhantes, o que permitia a edição de uma summa,
que regularia os casos que se encaixassem a ela. No entanto, emergiram muitas summas,
algumas contraditórias em relação às outras. Desse modo, Justiniano I,
entendeu que era necessária uma consolidação das summas.
As summas foram consolidadas, recebendo o
nome de Digesto (do latim digerere,
significa “por em ordem”) ou Pandectas (do grego pandékokoma, significa “recolho tudo”), escrito em latim e grego,
razão das duas denominações. O Corpus
Iuris Civilis (Corpo de Direito Civil) também decorreu das legislações
existentes à época, tendo sido organizado de 529 a 534 d.C. Elas eram as fontes
únicas do Direito, isso segundo a Escola da Exegese. O digesto foi objeto de
análise dos germânicos, o que foi feito pelos pandectistas, o que trouxe grande
evolução ao pensamento de tal povo.
Antes da publicação do Digesto, Justiniano
escolheu três dos compiladores (Triboniano, Doroteu e Teófilo) para organizarem
um manual escolar que servisse de introdução ao Digesto. As Institutas foram
publicadas em 533 d.C. e, por serem mais simples que o Digesto, tiveram maior
difusão do que as compilações: o Corpus
Iuris Civilis e o Digesto.
Na França, com o Código Civil de Napoleão,
emergiu a Escola da Exegese. Ocorre que referido código tinha a pretensão de
plenitude geral, sendo que o intérprete só poderia aplicá-lo, negando-se a ele
qualquer possibilidade de exercer atividade criadora. A interpretação era,
portanto, gramatical, filológica, ficando o interprete vinculado à literalidade
da lei.
3.4.2 Escola histórico-evolutiva e direito livre
Friedrich Karl von Savigny (1779-1861), conforme
ensina Karl Larenz iniciou sua doutrina no Curso de Inverno de 1802-1803, sendo
que seu trabalho só veio a se completar em 1840, o que permite verificar que
foi um período suficiente para que ele modificasse alguns aspectos de seu pensamento.[19]
Em seus estudos, firmou entendimento de que os costumes devem funcionar praeter
lege (ao lado da lei), dando especial destaque ao momento da criação da
lei, ou seja, buscar-se-ia o sentido das palavras insertas no texto legal
segundo o momento da criação da lei, o que inaugurou, na Hermenêutica, a Escola
Histórica.
Emergiu o entendimento de que se os dados
históricos levarem a uma conclusão e fatos supervenientes admitirem outra
interpretação, o intérprete deverá optar pela segunda, uma vez que a lei pode
ser mais sábia que o legislador.[20]
Foi o francês Gabriel Saleilles quem deu os
contornos da teoria da interpretação histórico-evolutiva, que era uma análise
do sentido da lei no tempo de sua criação, seguindo-se a evolução até o momento
da interpretação. Porém, essa interpretação não admitia atividade criadora,
devendo o intérprete se situar no âmbito da lei.
François Gény, um francês, extremou a proposição
dos pandectistas germânicos, tendendo ao sistema teleológico, que aquele que
visa ao fim colimado pelo dispositivo, ou pelo Direito em geral, dando ensejo
ao surgimento do Direito Livre (Libre Recherche). O ponto máximo da
busca de uma interpretação do Direito de acordo com a justiça autorizou a
proposição de interpretação contra a lei. No entanto, esta perspectiva deve ser
controlada, a fim de evitar excessos para não permitir indesejáveis
interpretações, que podem trazer consequências desagradáveis.
3.4.3 Métodos de interpretação
A interpretação pode ser classificada em:
Ø quanto ao sujeito: autêntica, doutrinária e jurisprudencial
(judicial);
Ø quanto ao meio: gramatical (literal), lógica (histórica,
histórico-evolutiva e sistemática) e teleológica;
Ø quanto à extensão: restritiva, extensiva e declarativa.
A interpretação autêntica é aquela dada pelo
próprio legislador. Ela pode ser contextual (feita na própria lei) ou não
contextual (feita em outra lei ou na exposição de motivos). A exposição de
motivos, para a maioria dos autores,[21] é
interpretação doutrinária, eis que eles dizem ser o legislador doutrinador ao
elaborar a exposição de motivos (o texto que apresenta a lei, justificando o
seu conteúdo), fazendo operar apenas comentários sobre a lei. Entretanto, como
estamos falando da interpretação feita, tomando por referência o sujeito de
quem ela provém, o legislador estará fazendo interpretação autêntica, eis que é
dele que a norma emergiu.
Não se olvide que a exposição de motivos é
requisito para proposta da lei. É uma explicação da utilidade, da necessidade e
da adequação da lei ao que se propõe, atuando o legilsdor em sua atividade
típica de instituir leis. Ainda que a lei provenha do Poder Executivo ou
Judiciário, a atividade legislativa atípica terá amparo constitucional. Assim,
a exposição de motivos será interpretação de legislador.
Como a interpretação autentica toma por
referência quem interpreta, o que interessa é saber quem é o autor da
interpretação e não como é que o intérprete está agindo.
Diz-se que a interpretação autêntica será
contextual se constar da própria lei, vinculando os aplicadores à sua vontade.
Em se tratando de intérprete que seja o próprio legislador, mesmo que se trate
de construção que aparentemente doutrina, quanto à origem, tratar-se-á de
interpretação autêntica. A interpretação não contextual possibilita, portanto,
três hipóteses: a) constar de outra lei;[22]
b) estar na exposição de motivos; c) constar de livros e artigos em que o autor
da lei a interpreta.[23]
Lamento ter que evidenciar a preocupação com o
concurso público, mas o farei porque sei que ele é importantíssimo para
inúmeras pessoas. Daí ser necessário informar que, para concursos públicos,
predomina o entendimento de que a exposição de motivos traz interpretação
doutrinária. Para a maioria, quase unânime, o legislador que se posiciona como
cientista do Direito só poderá fazer interpretação doutrinária. Posiciono-me em
sentido contrário,
Doutrinador é o estudioso do assunto, com notável
saber jurídico, expondo suas posições em livros científicos. Por outro lado,
quem faz a interpretação judicial, consolidando-a até se transformar em
jurisprudência, é o integrante de tribunal. Esta é a que (mesmo que errada)
efetivamente vive, salvo se o (sub)sistema afetado passar desconsiderar o
tribunal de tal maneira a não levar suas questões a ele, que diverge da sua vontade,
caindo, portanto, o Tribunal em um vazio insustentável. Nesse sentido Zaffaroni
expõe ser o Poder Judiciário é um setor isolado, que se coloca em um mundo
quimérico, ilusório, de suposto poder.[24]
Destarte, melhor é ter um Direito dado por todos os setores da sociedade
complexa que por um único seguimento, o qual, infelizmente, caracteriza-se como
isolado em relação à evolução social.
Acerca da interpretação gramatical, devo informar
que ao determinar a reunião das leis romanas, cuja compilação foi chamada de digesto
ou pandectas, Justiniano pretendia que a atividade interpretativa se
reduzisse à exegese de textos legais, fazendo-se um exame filológico das
palavras, pretensão reproduzida coma criação do Código Civil Francês, o que
enseou a Escola da Exegese. Depois, percebendo-se a insuficiência do exame
gramatical, desenvolveu-se a Escola Histórica, que também se apresentou como
deficiente. Mais tarde sobreveio a Escola histórico-evolutiva.
Pela interpretação gramatical, faz-se um exame
filológico da lei, procura-se o sentido das palavras pelo seu aspecto literal.
Faz-se interpretação histórica por meio da busca do conhecimento do sentido da
lei ao tempo de sua elaboração. Será histórico-evolutiva se o intérprete
procurar conhecer o sentido da lei no tempo em que foi elaborada, bem como nos
dias atuais, considerando as transformações culturais havidas.
Para a Escola Histórico-Evolutivo o intérprete
não cria prescrições, nem posterga as existentes. Ele deduz a nova regra para
um caso concreto, do conjunto das disposições vigentes, consentâneas com o
progresso geral. Deve o intérprete buscar a vontade do legislador, procurando
saber o que ele quis quando elaborou a norma, mas deve, também, procurar
saber o que ele quereria, se ele vivesse no tempo atual, enfrentasse
determinado caso concreto hodierno, ou se compenetrasse das necessidades
contemporâneas de garantias, não suspeitadas pelos antepassados.[25]
Finalmente, é importante observar que o intérprete sempre se situava no âmbito
da lei, não se admitindo interpretação criadora, à margem da lei ou a
despeito dela. É essa a interpretação histórico-evolutiva que até hoje se
conserva.
Relembro que se percebeu que as leis não
conseguem regular todos fatos possíveis em uma sociedade complexa. Daí ter se
desenvolvido o movimento do libre recherche (da livre pesquisa). Tal
movimento foi se radicalizando de tal maneira que se chegou à conclusão de que
o que deve prevalecer é o direito justo, “quer na falta de previsão legal (praeter
legem) quer contra a própria lei (contra legem)”.[26]
Em matéria criminal, posturas que permitem o arbítrio do intérprete necessitam
de veemente rejeição.
Na interpretação sistemática, o intérprete
procura conhecer a lei segundo o ordenamento jurídico, levando em consideração
todo sistema normativo, pois nenhuma lei está isolada no mundo jurídico.
Teleologia é o estudo da vontade. Assim, pela
interpretação teleológica procura-se conhecer a vontade, que pode ser a do
legislador (interpretação subjetiva), ou a da norma (interpretação objetiva).
Nos tempos modernos, prefere-se a interpretação objetiva.
Diz-se restritiva a interpretação em que o intérprete
considera que a lei fala mais que gostaria de dizer, sendo necessário
restringir-lhe o sentido, v.g., o art. 63 do CP fala na prática de “novo
crime” para caracterizar a reincidência. Assim, mesmo sendo a contravenção
espécie de crime, para efeitos de reincidência não é admitida, ou seja, para
que se considere criminoso reincidente, é necessário que tenha sido condenado
anteriormente por crime (se a condenação anterior resultar de contravenção
penal, será tecnicamente primário).
A interpretação declarativa, por sua vez,
corresponde à procura do efetivo sentido da lei, segundo o que ela declara, não
a ampliando, nem a reduzindo. E, finalmente, a interpretação extensiva procura
alcançar todo o sentido da lei, visto que ela diz menos que gostaria de dizer, v.g.,
entende-se como casamento que gera a extinção da punibilidade nos crimes contra
os costumes toda constituição legítima de família, incluindo-se aí a união
estável.
Guerra Filho chega ao extremo de defender a tese
de que “o Judiciário deve assumir, na atualidade, a posição mais destacada,
entre os demais Poderes estatais, na produção normativa”.[27]
Ocorre que não se pode ser cândido o suficiente para acreditar em homens bons o
suficiente para não deturparem o sentido de leis, o que afasta qualquer
possibilidade de se admitir um sistema fora de controle legal, visto que a
proposta do autor permite pensar em um Judiciário plenamente livre de controle.
De todo o exposto, o arguto estudioso do Direito
pode desenvolver diferentes teses com bases em único preceito normativo. Daí a
grande beleza do Direito, que permite a todos aqueles que pensam em efetivamente
existir. Com efeito, só existimos enquanto pensantes, o que nos leva a sempre
exercitarmos a arte de interpretar para podermos marcar nossa existência no
mundo jurídico. Porém, isso só será possível se conhecemos o mínimo sentido da
palavra hermenêutica.
Ocorre, no entanto, que Paulo Queiroz me entregou
um artigo de sua autoria em 15.10.2004, o qual evidencia praticamente um
desabafo muito bem articulado, no sentido de que ele “nos primeiros anos de
faculdade, [aprendeu] que interpretar é dar ao texto legal seu correto significado,
ideia que pressupõe a existência de um sentido prévio à interpretação, sentido
a ser descoberto por meio de métodos de interpretação...”.[28]
Ele, embora seja Procurador Regional da República conseguiu vislumbrar, talvez
antes de mim, a formação equivocada da jurisprudência, uma vez que afirmou:
Só agora, porém, tanto tempo depois de formado, é
que me dou conta disso claramente, tal é a força do discurso jurídico dito
dominante, que me fez acreditar, acriticamente, em tantas tolices ou metáforas
hoje vazias de sentido, como aquela “o juiz é a boca que pronuncia as palavras
da lei”.
Conclui, então, que hoje, como ontem, o decisivo
não é a lei, mas o homem, e, pois, a formação que se lhe dá![29]
Cheguei à mesma conclusão que ele. O direito,
enquanto discurso, se presta a atender sentimentos pessoais, só restando ao
jurisdicionado a esperança de que o julgador de seu litígio seja pessoa que
tenha boa história familiar e cultural em sua formação. Daí minha resistência
às teorias do discurso, pois, ratifico, elas são tendentes ao casuísmo e,
portanto, à insegurança.
3.5 LEI CRIMINAL NO TEMPO
3.5.1 Princípios da legalidade e da reserva legal
O art. 1º do CP encerra, na verdade, vários
princípios. Porém, para não criar confusão terminológica, tratar-se-á aqui
unicamente do princípio da legalidade, que traduz que só há crime, ou pena, se
houver lei. Esta deve ser vista em sentido estrito, não sendo fonte criadora de
crimes a medida provisória, o decreto, a resolução etc. Nesse sentido dispõe o
CP: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia
cominação legal”.
O princípio da legalidade se dirige a todas as pessoas
sujeitas à lei, traduzindo que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei, enquanto o princípio da reserva legal se
dirige ao legislador, traduzindo que ele deve criar leis adequadas, atendendo a
previsão da Constituição Federal.[30]
O princípio da legalidade foi alçado ao nível de
garantia individual fundamental (CF, art. 5º, inciso XXXIX) e com total razão,
tendo em vista que não se pode conceber um Estado de Direito em que as pessoas
sejam acusadas de delito não previstos em lei. Afinal, não podemos nos olvidar,
antes de ser um Direito tutelar de garantias sociais, o DCrim visa proteger os
fundamentais direitos individuais da liberdade, da dignidade da pessoa humana,
da integridade física etc.
Não é pacífica na doutrina a posição acerca da
origem do princípio da legalidade (ou princípio da reserva legal). José
Frederico Marques via as raízes do princípio da legalidade nas normas no
Direito medieval, mormente nas magníficas instituições do Direito ibérico.[31]
Não obstante isso, é dominante o entendimento de que a origem do princípio da
legalidade está no Estatuto da Terra, da Inglaterra, datado de 1.215, visto que
sua cláusula 39 dispunha que nenhum homem podia ser preso ou privado de seus
bens a não ser pelo julgamento legal de seus pares ou pela lei da terra.
Para Antolisei a origem do princípio do princípio
da legalidade está no mencionado Estatuto da Terra,[32]
mas não se pode olvidar que Asúa sustentou que as declarações espanholas
superam em antigüidade o sentido democrático do estatuto inglês.[33]
De qualquer modo, é mais razoável a posição de Heleno Fragoso, no sentido de “o
mais seguro antecedente do princípio da reserva legal é a Magna Charta,
imposta pelos barões ingleses ao rei João Sem Terra”,[34]
(o Estatuto da Terra), visto que é de tal diploma legal que se extrai a
primeira expressão escrita do referido princípio.
O princípio da legalidade constou de todas as Constituições
brasileiras, desde a de 1824, bem como de todos os códigos. Com efeito, o Código
Criminal de 1830 tratava do princípio da legalidade, o que foi mantido em todos
os códigos penais posteriores.
3.5.2 O garantismo e o direito criminal
funcionalista
O garantismo tem vista os vários sistemas
integrantes do sistema social complexo, mas, em relação ao funcionalismo, de
forma diversa. Enquanto o garantismo coloca em discussão o funcionamento dos
diversos sistemas estatais, o funcionalismo tem em vista a comunicação em/entre
tais sistemas.
Procurando explicar o sistema teológico-racional
(funcional) do DCrim, mister é a referência a Günter Jakobs, que é um dos
grandes nomes da atualidade, acerca do funcionalismo criminal, sendo
referência para a maioria dos autores. Sobre tal doutrina, Roxin diz que suas
bases estão Niklas Luhmann.[35]
Não se olvide, no entanto, que, embora não fazendo Roxin referência expressa a
Habermas, podemos verificar em sua postura funcional, sistêmica, certas
semelhanças com o pensamento deste, outro grande nome da Filosofia contemporânea,
conforme exposto.
A visão sistêmica valorativa de Roxin diverge da
posição de Luhmann, eis que este não admite a inserção de valores na formação
do Direito, que é autopoiético, ou seja, é dado pelo procedimento. De outro
modo, conforme exposto, Habermas entende que todos os sistemas se comunicam,
sendo o Direito comunicação, que é apreendido segundo os valores dos
interlocutores.
Damásio E. de Jesus chama a atenção para a maior
divulgação da teoria da imputação objetiva na Alemanha e na Espanha.[36]
De outro modo, na Itália há um grande pensador, Luigi Ferrajoli, que desenvolve
um pensamento filosófico que converge para a imputação objetiva, mas com
perspectivas e denominações diversas. O autor brasileiro sustenta que a
imputação objetiva dá “maior relevância ao princípio constitucional da
ofensividade”,[37]
princípio este muito bem desenvolvido por Luigi Ferrajoli, daí tratarmos
adiante do garantismo, que é uma construção teórica do autor
nupercitado.
3.5.3 Bases do garantismo
Luigi Ferrajoli, assim como os autores que tratam
do funcionalismo, tem especial preocupação com os diversos setores da sociedade
complexa.[38]
O mundo jurídico vive hoje cercado de problemas que configuram uma crise. Em
verdade, pode-se até dizer que há contínua crise jurídica.[39]
Uma primeira crise é a mudança de paradigma de observação do fenômeno jurídico,
haja vista que não mais se admite a ideia de Direito baseada unicamente em
parâmetros estatais.[40]
Considerando apenas os parâmetros estatais,
especificamente no plano interno, percebe-se uma incapacidade cada vez mais
patente de o chamado Estado de Bem-Estar suprir os problemas gerados a partir
da inaplicabilidade efetiva de preceitos esboçados como direitos fundamentais.
Aliás, sobre o assunto já discorremos neste livro, quando conjugamos o
pensamento de vários autores, demonstrando a complexidade da sociedade moderna,
o que induziu à crise do Direito.[41]
Apesar de tais constatações, a teoria do Direito
não consegue dar respostas satisfatórias a esse quadro de mudanças estruturais.
De um lado, o positivismo, em sua vertente tradicional formalista, não atende
aos anseios de produção jurídica extra-estatal, o que é um fato em sociedades
eminentemente periféricas. De outro, o sociologismo exacerbado, que não
consegue soluções para os problemas colocados, em virtude de se tentar
privilegiar o social em detrimento do estatal, incorrendo no mesmo formalismo
anteriormente criticado.
Os parâmetros adotados pelo direito dogmático não
mais se adequam a uma possível essência jurídica. A própria noção de direito
dogmático resta prejudicada em função do distanciamento com o social. O
direito, como fenômeno complexo que é, não pode se restringir unicamente ao
Estado como única forma legítima de produção do fenômeno jurídico. O chamado
“monopólio da produção e aplicação do direito pelo Estado” é cada vez mais uma
pretensão.[42]
A partir da realidade social complexa, pode-se
dizer que as teorizações têm naufragado num vazio ontológico, sem de dar conta
disso, pois, ainda assim, buscam fixar pontos inexoráveis de partida. Todavia,
existe uma tentativa de explicação teórica do social e do jurídico sem se
prender unicamente aos parâmetros dogmáticos, de um lado, e eminentemente
extra-dogmáticos, de outro. A teoria garantista se desenvolve carregada de posições
críticas e busca uma essência no social baseada em um caráter eminentemente
procedimental, sem se prender às tradicionais formas de observação do fenômeno.
A abordagem central de Luigi Ferrajoli parte do
pressuposto de que o garantismo surge exatamente pelo descompasso existente
entre a normatização estatal e as práticas que deveriam estar fundamentadas
nelas. No aspecto penal, destaca o autor que as atuações administrativas e
policiais andam em desarmonia com os preceitos estabelecidos nas normas jurídicas
estatais.[43]
Então, a ideia do garantismo é, de um modo geral, a busca de uma melhor
adequação dos acontecimentos do mundo empírico às prescrições normativas
oficiais. Todavia, seu conceito é mais complexo.
O garantismo seria o nexo entre a normatividade
e a efetividade. Estas são diversas, sendo que Luigi Ferrajori tem
como ponto-de-partida a distinção entre ser e dever-ser, que
ocorre tanto no plano externo, ou ético-político, como também no plano interno,
ou jurídico. Assim, há uma necessidade de uma justificação externa do modelo
garantista.
Claro que o garantismo teria influência não
apenas no campo jurídico, mas também na esfera política, minimizando a
violência e ampliando a liberdade, a partir de um arcabouço de normas jurídicas
que dá poder ao Estado de punir em troca da garantia dos direitos dos cidadãos.
Ou seja, o sistema seria mais garantista quando conseguisse minimizar a
distância existente entre o texto da norma e a sua aplicação ao mundo empírico,
o que é uma preocupação comum a muitas teorias do direito.
Luigi Ferrajoli estabelece as bases conceituais e
metodológicas do que foi chamado de garantismo criminal. Todavia, percebe que
os pressupostos estabelecidos na seara penal podem servir de subsídios para uma
teoria geral do garantismo, que se aplique, pois, a todo o direito e a seus
respectivos ramos (administrativo, civil etc.). A partir de tal conclusão, ele
busca estabelecer, nos dois últimos capítulos do referido livro, uma teoria do
garantismo a partir das acepções do respectivo termo.
Inicialmente, a palavra garantismo, no
contexto da obra em comento, seria um “modelo normativo de direito”. Tal modelo
normativo se estrutura a partir do princípio da legalidade, que é a base do
Estado de Direito.[44]
Tal forma normativa de direito é verificada em três aspectos distintos, mas
relacionados. Sob o prisma epistemológico, pressupõe um sistema de poder que
possa reduzir o grau de violência e soerguer a ideia de liberdade – não apenas
no âmbito criminal -, mas em todo o direito.[45]
No aspecto jurídico, procura criar um sistema de
proteção aos direitos dos cidadãos que seria imposto ao Estado. Ou seja, o
próprio Estado, que pela dogmática tradicional tem o poder pleno de criar o
direito e todo o direito, sofre uma limitação garantista ao seu poder. Assim,
mesmo com seu ius imperii, o Estado deve respeitar um elenco sistêmico
de garantias que devem por ele ser efetivados. Este é o primeiro passo para a
configuração de um verdadeiro Estado Constitucional de Direito.
Além de ser um modelo normativo de direito
entendido nos planos político, jurídico e epistemológico, o garantismo também
pressupõe uma teria que explique os problemas da validade e da efetividade.
Sua teoria consiste em buscar aproximar tais elementos, muito embora parta do
pressuposto de que são diferentes, visto que pode existir validade sem
efetividade e, em um grau inferior de garantismo, efetividade sem validade.
Para ilustrar um exemplo deste último caso, pode-se verificar que certas
práticas adotadas por policiais não são dotadas de validade, como no caso de
uma confissão obtida por meios não permitidos pelo Estado, como a tortura.
Então, observando-se o sistema jurídico de modo tradicional, não-garantista,
verifica-se que os graus de garantismo podem variar conforme o compasso (ou o
descompasso) que vai existir entre a normatividade e a efetividade do direito.
O garantismo não pode ser medido apenas por um
referencial. Dessa forma, Ferrajoli fala em graus de garantismo, pois ele seria
maior se observássemos apenas as normas estatais vigentes sobre os direitos
sociais em um país. Todavia, se o ponto de observação for o de sua
aplicabilidade, o grau de garantismo diminui. Percebe-se, então, que o grau de
garantismo depende do ponto de partida de observação do analisador.
Ocorre, todavia, que tal determinação
apriorística da distinção entre normatividade e efetividade não tem por escopo
determinar certezas absolutas e/ou dados inquestionáveis, tais como a unidade e
a coerência de um ordenamento jurídico estatal, trabalhados assim de modo
tradicional. O autor quer o questionamento, a dúvida, a capacidade de poder
perquirir, mesmo a partir do referencial estatal, acerca da validade das leis e
de suas possibilidades de aplicação ao mundo empírico. Reconhecendo os
problemas de sua própria teoria da validade e da vigência, afirma o autor serem
tipos ideais de legitimação de suas próprias bases. Todavia, mesmo sendo reconhecidamente
tipos ideais, há que se determinar a sua visão de validade e vigência como a
possibilidade de verificação de um garantismo no direito.
O garantismo é uma forma de direito que se
preocupa com aspectos formais e substanciais que devem sempre existir para que
ele seja válido. Essa junção de aspectos formais e substanciais teria a função
de resgatar a possibilidade de se garantir, efetivamente, aos sujeitos de
direito, todos os direitos fundamentais existentes. É como se a categoria dos
direitos fundamentais fosse um dado ontológico para que se pudesse aferir a
existência ou não de um direito; em outras palavras, se uma norma é ou não
válida.
O terceiro entendimento ou acepção que o termo garantismo
pode estabelecer é o de uma busca de justificativa externa dos parâmetros garantistas
adotados internamente pelos Estados. Assim, Ferrajoli determina que a
legitimidade dos comandos e práticas garantistas são de cunho ético-político;
externos, portanto, ao sistema interno, propriamente jurídico no pensamento do
autor (ou, como afirma em seu livro, a distinção entre o ser e dever-ser no direito,
de cunho político, em relação ao mundo do ser e dever-ser do direito,
próprios do âmbito interno de observação). Tais elementos políticos são as
bases fundamentais para o surgimento dos comandos jurídicos do Estado. Seriam,
pois, bases metajurídicas, algo como uma metafísica jurídica.
Como se vê, há uma tentativa de, dentro do
normativismo, ampliar o leque de possibilidades para a garantia efetiva de
direitos, fazendo da norma estatal um ponto de partida (logo, uma ontologia)
para a observação de sua compatibilização, ou não, à realidade social.
O garantismo traz uma nova forma de observação do
fenômeno jurídico, ao afirmar a existência de aspectos formais e substanciais
no mundo jurídico, sendo o aspecto substancial algo novo e que deve ser
observado na formação das constituições e respectivos ordenamentos jurídicos.
De outro modo, o aspecto formal do direito está no procedimento prévio
existente, que funciona como pressuposto de legitimidade do surgimento de uma
nova norma estatal. Ou seja, uma norma só será válida e legítima se for
composta de acordo com os procedimentos formais traçados previamente pelo
ordenamento jurídico. Até então, a idéia de validade colocada por Ferrajoli
traz muita similitude com a teoria pura do direito.
Para Kelsen a validade de uma norma está em uma
outra norma, que lhe é anterior no tempo e superior hierarquicamente, que
traçaria as diretrizes formais para que tal norma seja válida. Logo, para
Kelsen, existe um mecanismo de derivação entre as normas jurídicas, dentro de
uma idéia de hierarquia entre as espécies normativas. A isso, Ferrajoli
acrescenta um novo elemento. Para ele, uma norma será válida não apenas pelo
seu enquadramento formal às normas do ordenamento jurídico que lhe são
anteriores e configuram um pressuposto para a sua verificação. A tal
procedimento de validade, eminentemente formalista, acrescenta um dado que
constitui exatamente o elemento substancial do universo jurídico.
A validade traz em si, também, elementos de
conteúdo, materiais, como fundamento da norma. Esses elementos seriam os
direitos fundamentais. Essa idéia resgata uma perspectiva de inserir valores
materialmente estabelecidos no seio do ordenamento jurídico, fazendo um resgate
da ética material dos valores de Max Scheler (1874-1928).[46]
Ferrajoli afirma que o conceito de validade em
Kelsen é equivocado, pois uma norma seria inválida se não estivesse de acordo
com os direitos fundamentais elencados na Constituição. Assim, caso uma norma
ingressasse no ordenamento jurídico a partir do esquema formal de Kelsen e não
estivesse de acordo com as normas que consagram os direitos fundamentais, tal
norma seria inválida, em função de não estar de acordo com a racionalidade
material, pressuposto indispensável de validade das normas jurídicas. Em
decorrência, afirma Ferrajoli que o conceito de validade em Kelsen se confunde,
equivocadamente, com o de vigência.[47]
Aliás, a Filosofia de Kelsen, no que concerne ao conceito de validade,
não é clara, eis ela, também, é confundida com legalidade.
Ferrajoli é partidário da opinião de que a teoria
pura do direito só pretende que a nova norma estatal tenha sido criada pelas
autoridades competentes e de acordo com o procedimento prévio e formal de
elaboração normativa, sem se preocupar com questões de conteúdo das normas
elaboradas. Aqui, é possível verificar a convergência das doutrinas de
Ferrajoli e Roxin, visto que ambos pugnam pelo afastamento de conceitos
exageradamente abstratos, com prestígio do enfoque ético-político, que dá
conteúdo material à norma.
Há certa proximidade do garantismo até mesmo com
as bases funcionalistas, visto que aquele traduz que uma norma vigente, não
dotada do caráter da validade (eminentemente material), estaria expurgada do
ordenamento jurídico, revogada – no sentido amplo do termo – em função de sua
incompatibilidade, não com as diretrizes formais de seu surgimento, mas com a
materialidade dos direitos fundamentais que se formariam através de um processo
histórico, que continua em seu dever, conquistado através da experiência, não
dotados de uma ontologia, em virtude de serem os direitos fundamentais construídos
através dos tempos.[48]
Os direitos fundamentais, no garantismo, são
dados por princípios de secularização cultural que os formam. Tal postura é
objeto da crítica de Alexandre da Maia, que entende ser a tentativa de
Ferrajoli, no sentido de dar um conteúdo ao universo jurídico, teoria que
esbarra no formalismo, exatamente pelo vazio que existe no que caracterizaria
efetivamente os direitos fundamentais. Logo, em verdade, há apenas uma mera
tentativa de se impor conteúdos, sem na verdade precisá-los.[49]
3.5.4 Congruência das teorias: funcionalismo e
garantismo
Inicialmente, devemos esclarecer que ler e
entender o trabalho de Luigi Ferrajoli exige alguma atenção, não podendo ser um
trabalho ágil, ligeiro, visto que até mesmo a quantidade de páginas de seu
trabalho, 1.003 para sermos exatos, demonstra a a complexidade e a exatidão de
seu pensamento.[50]
Não podemos, portanto, dedicar apenas pouco mais de duas páginas para estudar
construção tão ampla. É por isso que dedicamos um pouco mais de espaço para
tratar do garantismo, reconhecendo que, mesmo com nossa a postura, não
apresentaremos senão algumas noções da teoria.
O garantismo é, em primeiro lugar, um modelo
normativo de direito, na medida de modelo de “estrita legalidade”, portanto,
assegurador de direitos individuais. Em segundo lugar, é uma teoria que se
prende à validade efetiva, com uma praxe operativa da norma. E, por
último, o garantismo é uma filosofia política que requer do Direito e do Estado
o ônus de justificar sua base externa, que provém de bens e interesses, de
cujas tutelas as normas visam.[51]
Neste último ponto, o garantismo se identifica com a origem do funcionalismo,
visto que Durkheim já dizia que o Direito não deveria ser interventor,
repressor, mas cooperativo.[52]
Tratamos, apenas pontualmente, acerca da posição
de Kant neste livro, procurando demonstrar que, para ele, a norma exprime o dever
ser. De outro modo. Ferrajoli explica que o dever ser não pode ser isolado
da prática, dando-lhe conteúdo material.[53]
Nesse sentido, tende à “justiça do caso concreto”, invocada por Roxin.
De outro modo, a proteção da liberdade pessoal,
para Ferrajoli, é uma variável dependente de uma série de garantias contra o
exercício do poder de punir. É, na verdade, uma barreira, um obstáculo
contraposto (contra o poder), no qual litigam executivo e cidadão.[54]
Corolário é a proposição, no campo legislativo, de oportuna política, assim
considerada:
Ø legislador só deve qualificar como crime o
comportamento materialmente lesivo;
Ø legislador deve formular as leis penais – em
particular, aquelas disposições (ou partes de disposições) descrevem as figuras
dos crimes – com linguagem rigorosa e factual. É rigorosa a
linguagem em que todos os termos empregados são definidos. É factual uma
linguagem que emprega somente termos referenciais, não valorativos.[55]
O fundo filosófico do garantismo de Ferrajoli
está na distinção entre Direito e moral, ensinando:
Ø os comportamentos juridicamente relevantes não
podem ter observação unicamente com relação às normas, mas o julgamento de
justo, ou injusto, deve resultar de critérios valorativos (ou de justificação)
extrajurídicos;
Ø Ferrajoli se contrapõe ao que denomina de formalismo,
ou convencionalismo jurídico, em virtude do qual um comportamento é ilícito
se vedado pelo Direito. Para ele, do ponto de vista jurídico, é irrelevante se
uma conduta é relevante para a (ou para uma) moral. Uma conduta não é, somente
por isso, ilícita, e vice-versa.
Ø a separação de Direito e moral envolve a idéia de
que a lei criminal deve proibir unicamente ações que são “externas” (não
interiores) e danosas aos terceiros (não privadas).
Neste curso a distinção entre Direito e moral é
diversa da feita por Ferrajoli, não obstante serem vetustas as teorias que,
procurando distinguir o Direito da moral. Já se procurou dizer que o Direito é
interior e a moral exterior,[56]
mas as teorias da interioridade e exterioridade do conteúdo das normas morais e
jurídicas não têm lugar neste curso porque aqui definiu-se ser a moral externa,
dada pelos costumes, sendo a Ética a ciência que se ocupa da moral, o que
esvazia a distinção que se pretende fazer, no sentido de ser a norma moral
interna e a norma jurídica externa.
Do ponto de vista teórico-geral, o livro de
Ferrajoli é constituído, em grande parte, de quatro predicados que convergem
para a norma:
justiça: uma norma é justa quando
responde a qualquer critério valorativo ético-político (portanto
extrajurídico);
Ø vigência: a norma é vigente quando imune
de vícios formais (deve emanar, ou ser promulgada, do sujeito ou órgão
competente, de acordo com o procedimento prescrito);
Ø validade: só ocorre se a norma é imune
de vícios materiais, ou seja, ela não está em contradição a alguma norma
hierarquicamente superior;
Ø eficácia: ocorre quando a norma é
observada pelos seus destinatários (ou aplicada pelos órgãos de aplicação).[57]
Porém, a ponto central de Ferrajoli está na
apreciação da meta da ciência jurídica, que não está no conhecer, mas na
valoração e crítica do Direito vigente, no sentido de denunciar:
Ø a inobservância ou a equivocada aplicação da
norma válida (normas ineficazes, ainda que válidas);
Ø a observância e aplicação de normas inválidas
(normas eficazes, ainda que inválidas);
Ø e, sobretudo, a invalidade de normas vigentes
(normas vigentes, ainda que inválidas).[58]
As análises expostas são, segundo Ferrajoli,
tarefas valorativas porque os juízos de validade/invalidade não são juízos de
fato, mas particulares tipos de juízos de valor. De um lado, deve-se constatar
que uma norma responde aos critérios de validade (ou de identificação) de um
certo sistema jurídico; de outro, deve-se observar se tais critérios podem ser
aprovados. É nesse ponto que as duas teorias estudadas se convergem, eis que
para a moderna concepção do DCrim não basta que a conduta se enquadre na norma
criminal para que seja considerada relevante, mas somente as que
valorativamente puderem ser assim consideradas, incluindo-se na análise
critérios extrajurídicos.
Do ponto de vista prático, Ferrajoli fez uma
analise funcionalista das normas, ao menos no que se refere à correlação entre
o direito material e o direito processual, a fim de evitar juízos arbitrários.[59]
Nesse ponto, ele demonstra a utilidade do formalismo jurídico, traduzindo uma
clara ideia de validade e vigor das normas materiais e processuais de natureza
criminal.[60]
A doutrina de Ferrajoli não restou imune à filosofia do discurso, pela
qual direito é comunicação, nem se apartou integralmente das perspectivas
sociológicas, no que concerne aos institutos criminais.[61]
Seu livro está impregnado da filosofia do discurso, bem como não abandonou o
funcionalismo, mormente no que tange à justificação da pena e às soluções de
aparentes conflitos normativos.[62]
O garantismo apresenta especial preocupação com a
delimitação do poder punitivo estatal, reformulando o programa do DCrim mínimo,[63]
dando especial atenção à punibilidade, a partir da crítica dos critérios
quantitativos e qualitativos estruturados para assegurar o poder punitivo do
Estado.[64]
É importante perceber que Ferrajoli faz
referência ao “Estado autopoiético”, no entanto, não o admite. Sua concepção,
que foi denominada de liberal, se aproxima da filosofia habermasiana quando põe
fim à ideia de existência de um Estado de direito fundado na concepção de que a
pena é um mal necessário, representando, assim, o liberalismo de Ferrajoli, uma
luta antiautoritária,[65]
ou seja, uma luta tendente ao consenso.
O que foi exposto evidencia a convergência das
teorias para a classificação do DCrim como sendo subsidiário, não se
justificando a imposição de penas por fatos que não tenham atingido determinado
bem jurídico, protegido por lei específica. Outrossim, devem ser analisados
aspectos extrajurídicos, a fim de delinear a censurabilidade dos fatos, bem
como para se dizer a medida da pena a ser imposta.
3.4.3 Criação, extinção e repristinação da norma
criminal
Criar uma lei é fácil, basta ter vontade. O mesmo
se pode dizer da sua extinção, ou seja, basta que uma nova lei discipline a
matéria de forma diversa da lei anterior, sendo incompatíveis seus textos, ou
que expressamente declare revogada a lei anterior. Finalmente, repristinar a
lei significa restaurar a lei revogada.
Kelsen propunha o Direito como um sistema
fechado, adstrito ao sistema normativo. Para ele, uma norma válida seria aquela
que encontrasse fundamento de validade em outra que lhe é superior. Aplicando
tal proposta ao nosso modelo normativo, veremos o seguinte:
Ø Constituição Federal – é nossa “lei” maior, portanto, nenhuma norma
interna pode contrariá-la. Sua finalidade é, como se pode extrair da própria
denominação, dizer a estrutura do Estado, sua forma de governo, seus Poderes e
enunciar direitos e garantias fundamentais, não descrevendo ilícitos penais,
nem cominando penas;a emenda à Constituição tem o mesmo status desta,
uma vez que passa a integrar o texto constitucional. Toda lei promulgada e
publicada é presumidamente válida, mas algum vício pode retirar-lhe a validade.
Como poder constituinte reformador, que se manifesta por meio de emendas
constitucionais encontra limitações materiais e circunstanciais, bem como a
edição de uma emenda à Constituição exige o preenchimento de certos requisitos
nas fases instrutória, constitutiva e complementar, pode ocorrer de ser
declarada inconstitucional.[66]
De qualquer forma, a emenda à Constituição, como passa a integrar a própria CF
não visa à descrição de condutas criminosas e à cominação de penas;
Ø lei complementar – é instituída para regular matérias expressamente
previstas na Constituição, a qual depende de maioria qualificada para sua
aprovação, visto que se entende que tais normas dependem de maior durabilidade.
Aliás, as matérias mereceriam estar na própria Constituição, mas só não constam
dela porque não se pode engessar tão significativamente o tratamento delas.
Entendemos que a lei complementar está no mesmo
nível da lei ordinária, mas aquela não se destina a descrever crimes e a
cominar penas. Ela é uma lei em sentido estrito, que passa por todas fases do
processo legiferante (instrutória, constitutiva e complementar), portanto,
eventualmente, pode até vir a estabelecer crimes e penas, mas isso constituirá
uma exceção nada salutar.
Ø lei ordinária é aquela que deve disciplinar o Direito Criminal material.
Ela passa pelas fases: a) instrutória, que se caracteriza pela
iniciativa prevista no art. 61 da CF; b) constitutiva, manifestada pelas
deliberações parlamentar e executiva; c) complementar, na qual se dá a
promulgação e a publicação.
A lei complementar, conforme apresentado,
passa pelas mesmas fases da lei ordinária, mas é esta quem está sujeita a
modificações mais facilmente, visto que trata de matérias que não influem
diretamente na estrutura do Estado e, embora atingindo direito fundamental
(liberdade), em face das constantes transformações da sociedade complexa,
necessita de maior flexibilidade, ou seja, não pode ter critérios muito rígidos
para alteração.
Ø atos normativos inferiores – v.g., medida provisória, decreto,
portaria etc. -, mas nenhum deles tem potencial para instituir crimes ou penas.
Todos os atos normativos mencionados podem ser
federais, estaduais e municipais,[67]
sendo cabíveis ao campo criminal todas as colocações expostas, independentemente
do âmbito de aplicação da norma, salvo no que concerne à lei ordinária, visto
que o Município não pode instituir crimes.
A medida provisória não poderá inovar em matéria
criminal (CF, art. 62, § 1º, inc. I, alínea “b”). A Constituição Federal não
ressalva, portanto, a medida provisória não poderá sequer criar abolitio criminis. No entanto, o STF
entendeu que a medida provisória que fosse mais benéfica à pessoa sujeita à
incidência da norma criminal, após convertida em lei, será válida. Em sentido
contrário, caso a medida provisória institua rigor jurídico-criminal, ainda que
venha a ser convertida em lei, será inválida. Nesse sentido:
Da mesma forma, a Emenda Constitucional n.
32/2001 tornou inviável a edição de medida provisória em qualquer assunto de
direito penal. Antes da EC n. 32/2001, predominava a interpretação de que a
criação de tipos penais estava impossibilitada, em função do princípio da
legalidade e do princípio da segurança jurídica em tema de restrição à
liberdade física, incompatível com lei sob condição resolutiva. O STF admitia,
entretanto, que se dispusesse sobre matéria penal, por meio de medida
provisória, em benefício do acusado, como em caso de criação de hipótese de
extinção da punibilidade. Hoje, o art. 62, § 1º, I, b, da CF veda a edição de medida provisória sobre toda matéria
relativa a “direito penal, processual penal e processual civil”.[68]
Por isso espero que não se cometa mais o equívoco
contido no art. 8º da MP n. 10, de 21.10.1988, que criminalizou a pesca com
explosivos e substâncias tóxicas, convertida na Lei n. 7.679, de 23.11.1988,
que manteve a redação originária da medida provisória, a qual só foi revogada
pela Lei n. 11.959, de 29.6.2009. Mas, a parte criminal já tinha sido revogada
tacitamente pelo art. 35 da Lei n. 9.605, de 12.2.1998.
Existem competências legislativas que são
privativas da União. Assim, os Estados e os Municípios não podem se imiscuir em
tais matérias. Desse modo, como a CF estabeleceu que compete privativamente à
União legislar sobre DCrim, ficam afastadas as demais entidades federativas.[69]
Ocorre que constitucionalistas no sentido de
que a norma está errada, visto que ele não é entidade federada.
Ø o Estado-membro poderá instituir crimes e penas
se houver autorização da União, esta que será manifestada em lei complementar
(CF, art. 22, parágrafo único).[70]
A lei criminal é a lei em sentido estrito. Embora
a medida provisória tenha o mesmo nível da lei, enquanto vigente, ela não pode
instituir crimes e cominar penas. Conforme ensina Alberto Silva Franco, citando
Bettiol, para regulação de matéria criminal se exige a manifestação do Poder
instituído com a faculdade legislativa, ou seja, o Poder Legislativo.353 Como a
medida provisória, antes de sua conversão em lei, não tem a participação do
referido poder, constituiria violação ao Estado democrático de direito admitir
a criação de crimes e a cominação de penas por meio de tal diploma legal.
Consequentemente, em face da reserva legal instituída pela CF (art. 5º, inciso
XXXIX), somente a lei em sentido estrito, que obedecerá ao processo legislativo
mencionado, descreverá crimes e cominará penas.
O problema se instala no caso de matéria criminal
regulada por medida provisória, de maneira a abrandar o tratamento a ser
dispensado àquele que praticou fato jurídico-criminal. Entendemos que a medida
provisória não pode regular matéria criminal, nem mesmo quando é mais benéfica
à pessoa sujeita à norma criminal. Nesse sentido, há proibição expressa na CF
(art. 62, § 1º, inciso I, alínea “b”). Porém, como o STF tem sido
exageradamente contido na apreciação dos excessos da Presidência da República,
a regulação de maneira mais branda de matéria criminal por medida provisória, é
admitida por referido tribunal.[71]
A matéria criminal, por sua própria natureza, não
pode ser regulada açodadamente. Daí exigir-se o procedimento regular da lei em
sentido estrito, não o célere procedimento para conversão da medida provisória
em lei. Porém, assim como se tem admitido a regulação de matéria processual por
medida provisória, o que é proibido pelo art. 62, § 1º, inciso I, alínea “b”,
da CF, admite-se a regulação de matéria criminal por medida provisória, desde
que a inovação trazida por esta seja mais benéfica, não obstante a vedação
contida em referido preceito.
O Decreto Lei n. 4.657, de 4.9.1942, foi
equivocadamente denominado pelo legislador de “Lei de Introdução ao Código
Civil Brasileiro”. É certo que a maioria das relações que se dão entre as
pessoas interessam mais a elas mesmas, portanto, a lei que mais se relaciona
com o cotidiano de todos é o Código Civil. Daí, sempre que há substituição de
um Código Civil por outro, é conveniente a edição de uma lei de introdução a
ele. No entanto, tal lei não visará unicamente ao referido código, mas a todo
ordenamento jurídico do País. Desse modo, a melhor denominação para a “Lei de
Introdução ao Código Civil” seria “lei geral de aplicação das normas
jurídicas”, isso porque tal lei se aplica a todo ordenamento jurídico do
Estado. Hoje se denomina Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro, isso por força da Lei n.
12.376, de 30.12.2010.
Uma lei, decorrido o processo legislativo, passa
a ser existente, ou seja, ela pertence ao mundo jurídico a partir de sua
publicação. No entanto, conforme estabelece o Decreto-Lei n. 4.657/1942, ela,
como regra geral, deve ficar sem entrar em vigor, no território nacional, a fim
de que seus destinatários tomem conhecimento dela, por um período de quarenta e
cinco dias (art. 1º, caput). No exterior, a lei brasileira só produzirá
efeito depois de três meses de oficialmente publicada (art. 1º, § 1º). Esse período
de maturação, que perdura entre a data da publicação e a da vigência (data
em que a lei entra em vigor, ou seja, passa a produzir efeitos), é denominado vacatio
legis.
A modificação de uma lei (correção) durante o
período de vacatio provoca o reinício do prazo de vacância, a contar da
nova publicação (Decreto-Lei n. 4.657/1942, art. 1º, § 3º). Porém, se uma lei
estiver em vigor e surgir outra, mesmo que seja para corrigir eventual falha da
anterior, constituirá nova lei (Decreto-Lei n. 4.657/1942, art. 1º, § 4º).
Uma lei, como regra, terá prazo de vigência
indeterminado, ou seja, permanecerá em vigor até que outra a revogue – que é o
ato pelo qual uma lei é retirada no todo ou em parte de determinado ordenamento
jurídico. Tal revogação pode ser expressa – quando a lei nova se refira
expressamente à retirada de vigor da lei anterior, v.g., art. 4º da Lei
n. 9.455/1997 – ou tácita – quando a lei nova regula a matéria da lei
anterior de forma diversa, ou seja, a nova lei é incompatível com a antiga.
Havendo revogação expressa ou tácita, caso a lei
revogadora venha a ser revogada por lei nova, lei anterior não se restaura,
salvo se a nova expressamente determinar (Decreto-Lei n. 4.657/1942, art. 2º, §
3º).
Repristinar significa restaurar expressamente lei revogada. Essa é a
única forma que existe para se restaurar lei retirada do ordenamento jurídico,
visto que, conforme prelecionava Carlos Maximiliano, “na dúvida não se admite a
ressurreição da lei abolida pela ultimamente revogada. Exige-se a prova do
propósito restaurador, a declaração expressa, a legge repristinatoria,
dos italianos”.[72]
A revogação expressa não apresenta maiores
problemas, mas a revogação tácita sim, precisando, portanto, ser melhor
detalhada. Inicialmente, é importante destacar o fato de que a lei não deve
conter palavras vãs, portanto, por não existir qualquer utilidade na
tradicional expressão contida no último artigo de praticamente toda lei
nacional, doravante o legislador deveria não mais inseri-la. Aqui, faz-se
referência à expressão: “revogam-se as disposições em contrário”. Ora, se a lei
nova é incompatível com a lei anterior, esta resta tacitamente revogada por
aquela, sendo desnecessária a expressão. Nesse sentido, prelecionava Carlos
Maximiliano:
... revogam-se as disposições em contrário: uso
inútil; superfetação, desperdício de palavras, desnecessário acréscimo! Do
simples fato se promulgar lei nova em contrário, resulta ficar a antiga
revogada. Para que perderem tempo as Câmaras em votar mais um artigo, se o
objetivo do mesmo se acha assegurado pelos anteriores? Nos textos oficiais se
não inserem palavras supérfluas.[73]
Uma lei, em relação a outra, pode ser considerada
especial ou geral. A edição de uma lei geral, em princípio, não revoga nem
modifica a lei especial e vice-versa. No entanto, conforme consta da lição de
Carlos Maximiliano, pode a lei geral revogar tacitamente a especial, o que se
dá quando aquela modifica inteiramente a matéria disciplinada por esta.[74]
De outro, o surgimento de uma lei especial provocará a revogação parcial
(derrogação) da lei geral, ou seja, ao menos no que se refere à matéria
específica da lei especial a lei geral não terá mais vigência, ocorrendo,
portanto, diminuição do seu alcance.
O art. 2º, § 2º da Lei de Inbtrodução às Normas
do Direito Brasileiro dispõe que “a lei nova que estabeleça disposições gerais
ou especiais a par das já existentes, não revoga, nem modifica a lei anterior”,
mas tal preceito, conforme exposto, merece pequeno reparo, visto que a lei
especial derroga a lei geral, ao menos no que se refere à matéria por ela
disciplinada. De outro modo, às vezes é fácil de se perceber a vontade da lei
geral no sentido de revogar a lei especial, total ou parcialmente, ocasião em
que o preceito nupercitado não terá aplicação.
Estudaremos a norma penal em branco no próximo
item. Ela, conforme veremos, é aquela que depende de complementação de outra
norma. Assim, pode surgir alguma dúvida no tocante à revogação da norma
criminal em branco em face da revogação da norma que a complementa. Por
questões didáticas trataremos do assunto no final do próximo item.
3.4.4 Tipo (elementos e espécies) e norma
criminal em branco
O tipo é o suposto fato hipotético (facti
species), ou seja, é a descrição fato que – se concretizado – constitui
crime. Verifica-se que alguns artigos da lei criminal, ao contrário de
descreverem condutas proibidas autorizam a prática de condutas inicialmente
delituosas, eles foram denominados normas permissivas, ou, com base na teoria
dos elementos negativos do tipo (essa teoria traduz que “matar alguém” só é
crime se não estiver presente alguma elemento implícito do tipo, como a
excludente de ilicitude, visto que esta constitui elemento negativo do tipo)
tratou-se de tipos permissivos. Porém, considero inútil a classificação
das normas quanto ao conteúdo (em incriminadora, permissiva e explicativa).
Ao expor as espécies de normas criminais, quanto
ao conteúdo, manifestei-me contrário à existência de normas não incriminadoras,
visto que os elementos mínimos de uma norma são: suposto fato hipotético e
preceito.
Ora, como as denominadas normas permissivas, bem
como as explicativas, não contêm preceito (cominação de uma sanção), são meras
complementações às normas efetivas, quais sejam as incriminadoras. Por
oportuno, não se olvide que Kelsen considerava o suposto fato hipotético como
preceito secundário, visto que primário seria aquele preceito que dá força,
coercibilidade, ao direito, ou seja, a cominação de sanção. Para não deturpamos
o pensamento do mestre, transcrevemos parte de sua lição:
... pressupõe que a norma jurídica seja dividida
em duas normas separadas, dois enunciados de “dever ser”: um no sentido de
certo indivíduo “deve” observar certa conduta e outro no sentido de que outro
indivíduo deve executar uma sanção no caso de a primeira ser violada. Um
exemplo: não se deve roubar; se alguém roubar, será punido. Caso se admita que
a primeira norma, que proíbe o roubo, é válida apenas se a segunda norma
vincular uma sanção ao roubo, então, numa exposição jurídica rigorosa, a
primeira norma é, com certeza, supérflua. A primeira norma, se é que ela
existe, está contida na segunda, a única norma jurídica genuína.[75]
Deve-se preferir a visão científica do tipo somente
como a descrição do delito, negando, portanto, a existência de supostos tipos
permissivos. Só existe tipo incriminador (não obstante criarem-se teses em
sentido contrário), que contém os seguintes elementos:
Ø núcleo –
é o verbo que exprime a ação ou omissão proibida. O núcleo pode ser simples, ou
seja, previsto por um único verbo, ou composto, que é aquele tipo que exige
mais de uma conduta típica. O núcleo composto se subdivide em duas espécies
alternativo (nos quais a lei insere mais de uma conduta, mas basta uma delas, v.g.,
CP, art. 122), ou complexos (nos quais não basta a realização de uma conduta
para a caracterização do delito, v.g., a revogada Lei n. 9.437/1997). O
núcleo composto alternativo contém a partícula alternativa “ou” entre os verbos,
enquanto que o núcleo composto complexo contém a partícula aditiva “e”;
Ø elementos descritivos – apresentam circunstâncias e dados objetivos do
suposto fato hipotético.
Denomina-se tipo normal somente aquele que
contém unicamente os elementos acima expostos. Ocorre que tal visão é
equivocada, visto que todo tipo exige a análise do elemento subjetivo (dolo ou
negligência subjetiva) ou normativo (negligência em sentido estrito), o que nos
autoriza a dizer que todo tipo é anormal. Não obstante, reconhecemos que
se têm entendido que o tipo anormal é aquele que contém algum dos elementos
abaixo:
Ø subjetivo –
é o dolo específico. Esta expressão é criticada pelos finalistas porque
ela traduz a existência de um certo dolo genérico, mas como todo aquele que se
conduz tem uma finalidade, todo dolo seria específico, portanto, a denominação
conteria manifesto o equívoco.
O partidário da teoria finalista da ação denomina
de especial fim de agir contido no tipo, aquilo que a doutrina anterior
chamou de dolo específico. Mas, com o devido respeito aos partidários de
posição contrária, o especial fim de agir não deixa de ser dolo específico, em
relação a um determinado dolo referencial. Os crimes do art. 148 e 159 do CP se
distinguem exatamente pelo dolo, ou seja, o do art. 148 é genérico (restringir
a liberdade da vítima) e o do art. 157 (privar a vítima da liberdade para
obtenção de vantagem patrimonial).
O dolo dirigido à vantagem patrimonial é
específico em relação à privação da liberdade, não sendo inoportuno falar em
dolo específico. Ora, se a expressão só contribui para o esclarecimento do que
se pretende dizer, não existe razão para afastá-la. De qualquer modo, em regra,
em todo fato jurídico-criminal o dolo, que é elemento subjetivo do tipo, será
apreciado. Restando ele afastado, será analisada a negligência.
Ø normativos – são elementos que exigem análise de outras normas (sociais
ou jurídicas) para complementação, v.g., ato obsceno (CP, art. 233), warrant
(CP, art. 178) etc. O delito negligente é excepcional, ou seja, só existirá
se presente referência expressa a ele no artigo que descreve a conduta proibida
(CP, art. 18, parágrafo único). Assim, se o fato não decorreu por dolo, havendo
previsão da incriminação da negligência, passa-se a verificar se houve
negligência em sentido amplo (imprópria ou subjetiva), ou em sentido estrito
(própria ou objetiva).
Enquanto elemento do tipo, a negligência será
sempre normativa, visto que a norma não distingue tais espécies. De qualquer
modo, o julgador, ao analisar a censurabilidade do fato deverá analisá-la,
distinguindo a negligência própria (normativa) da imprópria (subjetiva),
a fim de fazer a correta dosimetria da pena.
O conhecimento dos elementos do tipo é
fundamental, visto que o CP faz referência a eles em dois momentos em que a
análise doutrinária é razoavelmente complicada (arts. 20 e 30), o que será
estudado no momento oportuno. Aqui, é importante perceber que o art. 30 do CP
se refere às circunstâncias e condições de caráter pessoal, que podem ter cunho
objetivo ou subjetivo, v.g., a violenta emoção (CP, art. 121, § 1º) tem
caráter eminentemente subjetivo, enquanto ser funcionário público (CP, art.
312) é objetivo. Mas, o que interessará concretamente das condições e
circunstâncias será verificar se pessoais e não é se elas são (ou não)
objetivas.
Considero excessiva a concepção apresentada em
muitos manuais acerca da classificação quanto à completude da norma, o que
obrigaria a falar em tipo fechado (norma fechada), tipo aberto (norma aberta),
norma em branco em sentido estrito e norma em branco em sentido amplo. Apenas
tratarei do assunto porque os alunos poderão ser indagados sobre ele
futuramente.
Denomina-se norma criminal em branco aquela
que exige complementação, que será feita por outra norma. Nelson Hungria assim
expõe as normas criminais em branco:
Hás certas leis penais que dependem, para sua
exequibilidade, do complemento de outras normas jurídicas in fieri ou da
futura expedição de certos administrativos (regulamentos, portarias, editais).
É o que se chama "leis penais em branco", "cegas" ou "abertas".[76]
Anibal Bruno deixa evidente sua opção por
considerar a norma em branco apenas aquela que será complementada por outra
disposição legal, já existente ou futura.[77] A
norma incriminadora, certamente, exige complementação, portanto, classificamos
toda norma incriminadora como norma criminal em branco em sentido amplo.
De outro modo, algumas normas por, cristalinamente, exigirem complementação,
são, neste curso, denominadas normas criminais em branco em sentido estrito.
Não obstante isso, reconhece-se que é dominante o seguinte entendimento:
Ø norma criminal em branco em sentido estrito (heterogênea ou própria) é aquela que
exige complementação de norma de outra fonte legislativa (a lei será complementada
por decreto, portaria, resolução etc., v.g., o art. 33 da Lei nº
11.343/2006 é complementado por portaria da Anvisa – Agência Nacional de
Vigilância Sanitária, Agência Reguladora vinculada ao Ministério da Saúde
(antes era a Dimed, do referido Ministério);
Ø norma criminal em sentido amplo (homogênea ou imprópria) é aquela que
exige complementação de norma que provém da mesma fonte legislativa, v.g.,
o art. 178 do CP será complementado por outra lei a fim de que se possa
conhecer o que significa “conhecimento de depósito” ou “warrant”, que
são espécies de título de crédito.
Os manuais fazem a distinção entre norma
aberta (tipo aberto) que é aquela que contém elementos normativos,
exigindo complementação, e norma fechada (tipo fechado). Esta não
exige complementação, descrevendo toda conduta típica, de maneira a exigir
interpretação restritiva. A distinção não satisfaz porque seria exemplo de
crime de tipo aberto o do crime negligente, uma vez que é impossível descrever
todas as hipóteses de negligência. Também, defende-se que o crime contra a
ordem econômica deva ter tipos abertos, uma vez que não se pode criar delitos
econômicos com tipos fechados porque a necessidade de acompanhar a mutabilidade
célere da economia só poderá ser atingida se a lei permitir certa margem
interpretativa ao julgador. O tipo do art. 121, caput, do CP, por
exemplo, seria um tipo fechado, uma vez que se esgota em si mesmo. Data
venia, matar alguém, por si só, não constituirá crime. Assim, o tipo do
art. 121, caput, do CP, exige complementação, o que torna vazia e inútil
a distinção que se faz, até porque todo tipo, ante o caso concreto, precisará
ser interpretado.
Álvaro Mayrink ensina que foi Binding quem criou
as expressões norma penal em branco e lei aberta, significando a
norma penal específica, fragmentária, e de complementação heterogênea, ou seja,
o tipo nela inscrito será complementado por norma inferior.[78]
Esse conceito restritivo não pode manter seu lugar no mundo jurídico.
Neste curso, afastarei a distinção entre norma
aberta e lei em branco (tipo aberto), ampliando o conceito
desta última para alcançar todas as hipóteses em que a norma exige
complementação. Desse modo, posso sustentar que toda norma incriminadora
constitui norma criminal em branco, eis que não existe norma que não seja
complementada por outra, v.g., “matar alguém” (CP, art. 121, caput)
é o suposto fato hipotético do homicídio, ou seja, a descrição na lei do fato
hipoteticamente proibido.
Caso alguém realize uma conduta que se adequa ao
tipo, ocorrerá o que se denomina de realização do tipo. Então,
conclui-se que o delito se concretizou. Nada mais equivocado, Tício matar Caio,
por si só, não constitui crime. É necessário verificar se o fato não foi
praticado com alguma excludente de ilicitude ou de culpabilidade, pois se esta
se fizer presente não haverá crime.
No atual estágio do DCrim, alguns aspectos devem
ser verificados na análise dos fatos: (a) se a conduta delituosa foi praticada
negligentemente ou dolosamente; (b) possibilidade de estarem presentes
excludentes do delito, incluindo-se aí a adequação social, visto que a conduta
socialmente adequada não pode constituir crime. Ademais, as normas da PG/CP
complementam as da PE/CP, não havendo, portanto, norma que não exija complementação.
Ademais, se diante de cada fato, possível delito, devemos observar a adequação
social, chegamos à conclusão de que toda norma penal incriminadora constitui
norma criminal em branco.
Ante o exposto, ratifica-se, considera-se neste
curso norma criminal em branco em sentido amplo toda norma penal
incriminadora, enquanto que a norma criminal em branco em sentido estrito é
aquela que remete o intérprete, necessariamente, a outras normas, escritas e de
nível inferior, para sua complementação. Essa posição visa, mais uma vez, a
evitar confusões terminológicas, frequentemente localizadas nos livros que
tratam da norma criminal.
Imagine-se que uma pessoa venha a ser acusada da
prática do crime de falsificação de warrant, mas tal espécie de título
de crédito venha a ser abolida do nosso ordenamento jurídico. No caso, haverá
derrogação do art. 178 do CP? Hoje, portar para uso próprio determinadas drogas
constitui crime, mas, imagine-se que a portaria da Anvisa exclua alguma delas
do rol das substâncias entorpecentes proibidas, restando saber se a norma
criminal estará revogada pela referida portaria. E se a pessoa violar tabela de
preço, haverá o crime do art. 2º, inciso VI da Lei n. 1.521/1951, mesmo que o
preço praticado seja, no momento do recebimento da denúncia, inferior ao novo
preço da tabela?
Como regra, a revogação da norma complementar não
revoga a norma criminal que era por aquela complementada. No entanto, a
revogação de uma norma em caráter definitivo, certamente, produz a revogação da
norma complementada. Assim, na hipótese do art. 178 é possível se vislumbrar
sua revogação. Do mesmo modo, é possível verificar a revogação do art. 33 da
Lei nº 11.343/2006, ao menos em relação à droga excluída da relação da Anvisa.
No entanto, a modificação da tabela de preço não provoca a revogação da norma
criminal, em face da temporariedade da tabela de preços.
Recapitulando, posso apresentar as seguintes
posições:
Ø a visão restritiva da norma em branco só admite
vê-la como sendo aquela que é complementada por outra de nível inferior, ou seja,
a heterogênea ou própria;
Ø desenvolveu-se, na doutrina, o conceito de norma
em branco em sentido amplo, que é aquela complementada por outra do mesmo nível
(homogênea ou imprópria);
Ø os livros que melhor detalharam os estudos de
Direito Criminal, elaborados por Nelson Hungria e Álvaro Mayrink, não
distinguiram a norma em branco da norma aberta. Todavia, manuais dizem ser
impossível confundir as duas espécies de normas porque a norma em branco exige
complementação de outra norma, enquanto a norma aberta exige um juízo de valor
do julgador para sua complementação;
Ø prefiro denominar norma em branco em sentido
estrito toda norma incriminadora que exige complementação por outra escrita de
nível inferior, enquanto norma em branco em sentido amplo são todas normas
incriminadoras, visto que todas exigem complementação do intérprete.
O assunto relativo à revogação da norma criminal,
em face da norma complementar restará completamente explicado um pouco adiante,
quando trataremos da retroatividade benéfica da norma.
3.5.5 Princípio da anterioridade
Pelo que se pode extrair do art. 1o do CP, a lei
deve ser anterior à ocorrência do fato. Com efeito, conforme exposto, ninguém
pode ser acusado de crime não previsto, portanto, a lei deve ser anterior.
Este princípio, assim como o anterior, assenta
suas raízes no Estatuto da Terra de 1215. Embora José Frederico Marques indique
outra origem para os princípios da legalidade e da anterioridade,362 é razoável
manter a atribuição da origem ao referido diploma legal britânico que dispunha
expressamente que nenhum homem poderia ser preso, ou privado de sua
propriedade, a não ser pelo julgamento de seus pares, “ou pela lei da terra”.
3.5.6 Princípio da irretroatividade
Pelo que se pode extrair do art. 1o do CP,
somente só há crime se lei criminal for existente na data do fato. Desse modo, a
lei criminal é irretroativa, ao menos no que concerne à criação de crimes. Esse
preceito ganhou conotação constitucional, visto que a CF dispõe que “a lei
penal não retroagirá” (art. 5o, inciso XL). Em face do preceito constitucional
– “a lei criminal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu” – podemos
concluir inversamente: a lei criminal retroagirá quando for mais benéfica ao
réu.
São espécies de leis novas irretroativas:
Ø incriminadora – aquela que institui novos
crimes e comina penas, v.g., a Lei nº 9.455/1997, criou o crime de tortura, não
existente até a criação da referida lei;
Ø lex
gravior ou novatio legis in peius (lei mais grave ou lei nova lei em
prejuízo) – a nova lei aumenta o rigor para quem cometer o delito já existente,
v.g., Lei nº 8.072/1990 (esta lei é hedionda porque pior que os crimes que
enumera. Ela aumentou as penas os rigores a serem impostos àqueles que forem
acusados dos crimes por ela enumerados).
3.4.7 Retroatividade benéfica da lei criminal
A lei nova mais benéfica pode constituir:
Ø abolitio criminis (abolição de crime) – lei nova que extingue o
crime, v.g., a Lei nº 9.521/1997, extinguiu a contravenção do art. 27 do
Decreto-Lei nº 3.688/1941;
Ø ex mitior ou
novatio legis in mellius (lei melhor ou lei nova melhor) – é a lei que
não extingue o crime, mas atenua a pena ou o tratamento para quem incorrer em
determinado delito, v.g., a Lei nº 9.268/1996 vedou a conversão da pena
de multa em privativa de liberdade, outrora autorizada. Assim, quem estava
preso, em face da conversão, foi posto imediatamente, em liberdade.
A CF, em seu art. 5o, inc. XL, assegura a
retroatividade benéfica da norma criminal. Podemos afirmar: a lei criminal é
irretroativa, mas, excepcionalmente, retroagirá, o que se dará somente quando
favorecer aquele que praticou conduta descrita como crime. Nesse sentido,
dispõe o CP:
Lei penal no tempo
Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que
lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e
os efeitos penais da sentença condenatória.
Parágrafo único - A lei posterior, que de
qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que
decididos por sentença condenatória transitada em julgado.
A abolitio criminis beneficia aquele que
não foi condenado e o condenado, mas é importante perceber que a extinção da
punibilidade, em face da abolitio criminis, não extingue todos os
efeitos da condenação. Conforme o art. 2º preceitua, só são afetados os efeitos
criminais (reincidência, inclusão do nome no rol dos culpados, dever de cumprir
a pena etc.), restando mantidos os efeitos civis (perda do instrumento do delito,
perda do cargo público, dever de indenizar etc.).
A lei posterior que “de qualquer modo favorecer o
agente” deve ser aplicada em favor dele(CP, art. 2º, parágrafo único, e LEP,
art. 66, inciso I). Dessa forma, cabível é a conjugação de normas. Sobre o
assunto, escrevemos alhures.[79]
Aqui convém unicamente destacar que existem duas teorias a respeito:
Ø da ponderação unitária – não admite a conjugação de leis, eis que norma
é um todo unitário, que não pode ser quebrado. Essa teoria foi adotada pelo CPM
(art. 2º, § 2º).
Ø da ponderação diferenciada – entende que a lei é dotada de partes com
autonomia relativa, podendo haver a conjugação das partes autônomas.
Dominantemente, em nosso meio, os autores pugnam
pela admissão da conjugação de normas. Não obstante, o STF não tem admitido a
conjugação de normas, embora existindo, de outros tribunais, precedentes que a
admitem.[80]
Entendemos que melhor é admitir a conjugação de normas, a fim de beneficiar a
pessoa, visto que se a Constituição Federal não cria restrição à aplicação da
lei mais favorável, não pode estabelecer o aplicador da lei. Outrossim, nenhum
artigo encerra norma jurídica acabada, visto que os textos legais se
complementam, sendo que o simples fato de estarem dois ou mais fragmentos de
norma em um mesmo artigo não é suficiente para impedir a retroatividade
benéfica da lei.
Diz-se que conjugar artigo, a fim de extrair a
norma mais favorável constitui violação à competência privativa do Poder
Legislativo, eis que assim agindo o julgador estará criando uma terceira lei,
que será o resultado da conjugação das partes de duas leis (anterior e
posterior). Entretanto, entendemos que o julgador deve analisar as partes da
norma, verificando se elas constituem fragmentos autônomos, sendo que a
conjugação de tais partes constituirá trabalho de hermenêutica, que está afeto
à atividade do julgador.
Aqui é oportuno o retorno ao estudo da norma
criminal em branco em sentido estrito. O órgão público competente para expedir
a relação de substâncias entorpecentes consideradas ilícitas é a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária. Estando a substância na lista é “ilícita”,
mas se não estiver ou se for retirada da lista deixa de ser ilícita. A
resolução da Anvisa complementará a Lei n. 11.343/2006.
Em 7.12.2000 a Anvisa publicou a Resolução n.
104, de 06.12.2000, e retirou o cloreto de etila (lança-perfume) da Lista F2
(substâncias entorpecentes ou psicotrópicas), colocando-o na Lista D2 (insumos
químicos precursores, que não são proibidos, senão apenas controlados pelo
Ministério da Justiça). Com isso, eliminou o caráter ilícito do cloreto de
etila. Tal situação perdurou por uma semana. Em 15.12.2000 voltou a proibição.
Então, Luiz Fávio Gomes publicou artigo expondo:
No período de 7.12.2000 a 14.12.2000 houve a
descriminalização do produto, isto é, abolitio criminis, que apaga todos
os efeitos penais do delito e tem eficácia retroativa, alcançando todos os
fatos precedentes. A republicação da Resolução 104 alterou completamente o
texto anterior. Logo, é uma verdadeira lei nova. Sendo mais severa, vale
tão-somente para fatos ocorridos a partir dela. A republicação evidentemente
não tem eficácia retroativa porque é prejudicial aos réus. Nossa conclusão:
todos os fatos envolvendo lança-perfume ocorridos no nosso país até 14.12.2000
estão completamente fora de qualquer conseqüência jurídico-penal relacionada
com a Lei de Tóxicos. Pode eventualmente a conduta configurar contrabando, caso
se comprove a importação do produto. Mas droga ilícita não pode ser considerada
(até 14.12.00).[81]
O STJ, entretanto, refutou esse entendimento
salientando ter ocorrido erro material na primeira publicação da Resolução 104,
falta de urgência etc..[82]
Concordamos com Luiz Flávio Gomes, que expõe:
Múltiplas razões jurídicas revelam o desacerto
dessa decisão. Parte-se da premissa de que houve erro material na primeira
publicação da Resolução (que se deu em 07.12.2000). Ora, a nova publicação de
um texto para corrigir erro material de lei anterior (e a resolução 104 tem
força de lei, aliás, lei penal, porque cuidou de complemento de norma penal em
branco) está disciplinada na LICC, art. 1º, § 3º e 4º, que dizem o seguinte:
„Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada
a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr
da nova publicação‟; „As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei
nova‟.
A Resolução 104 foi publicada pela primeira vez
em 07.12.2000; entrou em vigor na mesma data da sua publicação; foi republicada
em 15.12.2000; a correção não se publicou antes da sua vigência; ao contrário,
depois dela; logo, é lei nova; lei penal nova mais severa, como ensinamos aos
estudantes de direito, desde o primeiro ano, não retroage.
Um acórdão do TJSP (HC 339.463-3), apesar disso,
chegou a dizer equivocadamente que a republicação referida tem efeito
retroativo. Essa afirmação conflita integralmente com o texto constitucional
(art. 5º, inciso XL), que diz que a lei penal nova só retroagirá se beneficiar
o agente. Se a correção publicada em 15.12.00 é lei nova, só poderia retroagir
se fosse benéfica. Total descompasso existe entre o acórdão e a Constituição
brasileira. Aliás, o acórdão citado está em desacordo também com toda doutrina
penal a respeito desse ponto, que não é nova: vem de 1764 (quando Beccaria
escreveu seu Dei delitti e delle pene).[83]
O ato do Diretor-Presidente da Anvisa teria sido ad
referendum da Diretoria Colegiada, baseado na urgência, mas tal espécie
normativa produz efeitos imediatos, embora não referendada pelo colegiado. O
fato de não ter sido a norma referendada, não quer dizer que ela não tenha
existido e produzido efeitos jurídicos.
Foi um ato administrativo válido, tendo em vista
que o Presidente da Anvisa praticou ato que não lhe é defeso por lei. O fato de
o colegiado não ter referendado a Portaria n. 104/2000, não quer dizer que ela
tenha sido ilegal. Apenas se decidiu, em face de critérios de conveniência e
oportunidade, não a referendar, o que é plenamente normal.
Não houve, em princípio, vício de consentimento
(simulação, coação, erro ou dolo) capaz de viciar o ato. O Presidente da
Anvisa, pessoa absolutamente capaz, no uso das faculdades que a lei lhe dá,
publicou uma norma ad referendum. Portanto, não há como dizer que vício
de procedimento a torna seja inválida.
A resolução foi publicada e passou a vigorar em
07.12.2000. A modificação posterior do entendimento não produz efeitos no
penal, eis que a Constituição Federal estabelece, sem restrições, que a lei
penal retroagirá para beneficiar (art. 5º, inciso XL). Não obstante isso, não
se pode concordar com as conclusões de Luiz Flávio Gomes, com todo respeito que
sua intelectualidade é merecedora. Concorda-se que “não há nenhuma comprovação
empírica sobre a existência de urgência”, o que permite concluir que se trata
de uma norma válida, mas criada para uma situação excepcional. Desse modo,
tratando-se de texto normativo em branco, cuja norma complementar só deixou de
viger por certo período considerado – ao menos deveria ser assim – excepcional,
somente a esse período é aplicável, ou seja, só estão isentos de
responsabilidade jurídico-criminal aqueles que eventualmente foram acusados de
fatos ocorridos de 7.12.2000 a 14.12.2000.
Imagine-se que em uma situação de calamidade, uma
seca extensa, determinada norma autorize a caça em um local que esteve com a
fauna em extinção, mas devido ao combate à caça predatória conseguiu
restruturar seu meio ambiente. Referida norma extraordinária não retroagirá.
Ela terá nascido para referida circunstância, não para beneficiar aqueles que
não pretendiam deixar a situação voltar ao normal, ou seja, a lei anterior,
mais severa, perdura no tempo – é ultra-ativa (não é atingida pela lex
mitior nem pela abolitio criminis), mutatis mutandis, é,
também, a lei nova irretroativa (não constitui lei nova mais benéfica capaz de
ensejar a aplicação do art. 2º do CP).
A lei temporária e a lei excepcional, constituem
espécies de leis que nascem para vigorar por certo período, não sendo concebível
que elas revoguem definitivamente normas anteriores, salvo se expressamente
declararem a revogação. São leis especiais e como tais devem ser tratadas.
Portanto, não se pode invocar a abolitio criminis para fatos pretéritos
a 7.12.2000, isso no exemplo considerado.
3.5.8 Ultra-atividade da lei criminal
Diz-se que uma lei é ultra-ativa quando é
aplicada mesmo depois de estar em vigor. Isso é mera decorrência do princípio tempus
regit actum, ou seja, em princípio um fato deve ser regulado pela lei que
estava em vigor no momento de sua ocorrência. Desse modo, a regra é a aplicação
da lei do momento do fato, mesmo que ela venha a ser revogada posteriormente, v.g.,
se uma pessoa faz um testamento e vem a morrer dez anos depois, devem
consideradas as regras relativas à capacidade testamentária do momento da
elaboração do testamento, não o da abertura da sucessão, que é o momento da
morte. Porém, em matéria criminal, algumas peculiaridades se apresentam, em
face da retroatividade benéfica da lei criminal.
São três as hipóteses de ultra-atividade da lei
criminal, a saber: a) o fato ocorreu na vigência de uma lei que foi revogada por
outra mais grave. Nessa hipótese, a nova lei é irretroativa, consequentemente a
lei anterior é ultra-ativa; b) o crime se deu na vigência de lei temporária; c)
o fato se concretizou na vigência de lei excepcional.
O CP dispõe:
Lei excepcional ou temporária
Art. 3º - A lei excepcional ou temporária, embora
decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a
determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.
Lei temporária é aquela que nasce com prazo de
vigência pré-determinado. Esta é uma lei que se auto-revoga visto que nasce com
os dias de início e fim de vigência constantes de seu texto. Como as pessoas
sujeitas a tais leis ficam sabendo antecipadamente do término da vigência da
lei, não se sentirão intimidados a cumpri-la, mormente quando ele estiver
próximo. Assim, a previsão da ultra-atividade da lei (CP, art. 3º) tem
fundamento lógico.
A lei excepcional é mais comum que a lei
temporária, mas também tem prazo de vigência limitado. A lei excepcional vige
durante determinada circunstância, ou seja, enquanto estiver presente certa
situação, a lei estará em vigor, mas no dia em que a circunstância cessar, ela
perde a vigência. O exemplo mais típico de lei excepcional é o CPM, na parte relativa
aos crimes de guerra. Ele é dividido em duas partes principais (Geral e
Especial), sendo que sua Parte Especial está dividida em duas: (a) crimes em
tempo de paz; (b) crimes em tempo de guerra.
O Brasil nas suas relações internacionais tem por
princípio a solução pacífica de seus conflitos (CF, art. 4º, inciso VII).
Consequentemente, o estado de guerra é excepcional, o que faz com que a parte
do CPM que trata dos crimes de guerra durante o tempo de paz não esteja em
vigor, visto que ela só estará em vigor enquanto perdurar a guerra. Obviamente,
caso houvesse uma guerra declarada, muitas pessoas, percebendo a proximidade do
fim da guerra poderiam praticar crimes de guerra sem risco de sofrerem as
sanções previstas para o período e, mesmo que fossem atingidas pela lei, logo
seriam beneficiadas pela retroatividade benéfica manifestada pelo retorno da
aplicação da parte dos crimes em tempo de paz, que é mais branda. Tal
possibilidade dá ensejo à previsão do art. 3º do CP, a fim de se preservar o
fim preventivo do DCrim.
3.4.9 O fenômeno da ultra-atividade e retroatividade
da lei ao mesmo tempo (lex tertia)
A lei antiga mais favorável é ultra-ativa, visto
que a lei nova mais grave não retroage. De outro modo, a lei antiga mais grave
é atingida pela retroatividade da lei nova mais benéfica. Desse modo,
imagine-se a hipótese: lei “a” prevê pena de 10 anos para um crime x. Esta é
revogada pela lei “b” que prevê pena de 5 anos para o mesmo crime. Finalmente,
tal crime é atingido pela lei “c” que prevê pena de 15 anos para quem o
cometer.
Do que foi construído acima, é possível concluir
três situações:
Ø se Tício praticou o crime x na vigência da
lei “a”, em favor dele a lei “b” será retroativa, enquanto que, em relação à
lei “c”, a lei “b” será ultra-ativa;
Ø se Tício praticou o crime x na vigência da
lei “b”, ela, em relação à lei “a” será irretroativa, enquanto que, em relação
à lei “c”, será ultra-ativa;se Tício praticou o crime x na vigência da
lei “c”, esta, tendo em vista o princípio da legalidade, será aplicada,
prevalecendo, então, o princípio tempus regit actum. Aqui, não há como
falar em retroatividade benéfica, visto que o fato se concretizou depois que a
lei mais benéfica estava extinta. Outrossim, não há como falar em ultratividade
porque a justificativa para dar a retroatividade à lei reside no fato de que o
ordenamento, aperfeiçoado, considerou o fato menos grave. Assim, manter os
rigores criminais da lei revogada seria manter aquilo que foi reconhecidamente
considerado equivocado. De outro modo, manter a vigência de lei revogada,
aplicando-a ao fato posterior à sua vigência, importará em dar efetividade ao
que foi manifestamente declarado inadequado.
Uma lei nova é presumidamente mais evoluída e
melhor adaptada à civilização. Os fatos que ocorrerem na sua vigência, ainda
que ela seja mais grave, devem sujeitas aos seus rigores. Caso a nova lei seja
mais benéfica, mister será reconhecer sua aplicação aos fatos pretéritos,
tão-somente em matéria criminal, visto que a CF só excepciona em relação às
mesmas.
Os administrativistas procuram fazer incidir a
retroatividade da norma sancionatória administrativa, isso por analogia ao
DCrim. Essa não é a perspectiva constitucional, até porque a elevada
mutabilidade do Direito Administrativo é incompatível com a aplicação de uma
norma aos fatos ocorridos na vigência de outra norma. Adotar, em Direito
Administrativo, a regra da retroatividade benéfica da norma nova poderá
incentivar os administrados a não a cumprirem, visto que, em face da elevada
mutabilidade, muitas normas não seriam respeitadas.
3.4.10 Tempo do crime
Existem três teorias acerca do tempo do crime, a
saber:
Ø da
atividade – considera-se praticado o delito no momento da ação ou omissão
delituosa, ainda que outro seja o momento do resultado;
Ø do
resultado – considera-se praticado o delito no momento do resultado, não
interessando o momento da conduta delituosa;
Ø mista –
considera-se tempo do crime, tanto o momento da ação, quanto o do resultado.
Desse modo, se Tício atirasse em Caio e este viesse a morrer, em razão das
lesões experimentadas pelo disparo, um ano depois da ação de Tício, seria
considerado momento do homicídio (art. 121 do CP) tanto a data da ação de
Tício, quanto o da morte de Caio.
O CP adotou a teoria da atividade, dispondo:
“Art. 4º - Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda
que outro seja o momento do resultado”. Aqui cumpre-me apresentar a
classificação dos delitos, segundo a consumação, a saber:
Ø crimes
instantâneos – são aqueles em que a consumação pode ocorrer no momento da
ação ou omissão delituosa. Fala-se em crime instantâneo de efeito permanente,
que é aquele em que o efeito do crime permanece para sempre, v.g.,
homicídio. Neste a consumação pode ocorrer no momento da ação delituosa, mas o
resultado jamais se apaga, visto que a vida não pode ser restaurada;
Ø crimes
permanentes – são aqueles cuja consumação se protrai no tempo, ou seja,
enquanto permanecer a conduta delituosa estará ocorrendo a consumação, v.g.,
seqüestro, redução à condição análoga à de escravo etc.
Ø crimes
habituais – são aqueles cuja consumação depende da reiteração da conduta
delituosa. Tais delitos são os denominados crimes profissionais, v.g.,
exercício ilegal da profissão de médico.
É importante diferenciar crime habitual de
habitualidade delitiva. O Crime habitual foi definido (observe-se a
classificação exposta), enquanto que a habitualidade delitiva representa a
prática reiterada de crimes, que podem ser da mesma espécie ou não. A
habitualidade delitiva induz à idéia de criminoso habitual, ou seja, pessoa que
tem o vício do crime. O criminoso habitual poderá se submeter a várias penas, enquanto
o crime habitual só enseja uma pena, v.g., quem exerce ilegalmente a
profissão de dentista por vários anos, pratica um único crime.
Um crime do art. 148 do CP (seqüestro ou cárcere
privado), no nordeste brasileiro, perdurou por mais de vinte anos, eis que um
pai manteve a mulher e filhas presas em casa por longo espaço de tempo. Nesse
caso, se a lei tivesse sido modificada no ínterim do cárcere privado a que
estavam submetidas as vítimas, tornando-se mais grave, ele estaria sujeito à
nova lei mais grave, visto que não seria hipótese de aplicação retroativa de
lei, mas a aplicação da lei penal do tempo, a fato ocorrido em sua vigência.
Ora, se o crime é permanente, estava ocorrendo enquanto as vítimas permaneceram
em poder do agente, desse modo, se a consumação se deu no tempo da lei nova
mais grave, prevaleceria o princípio tempus regit actum.
O mesmo entendimento que se aplica ao crime
permanente cabe para o crime habitual, tendo em vista que este é um único
crime, cuja consumação depende da reiteração da conduta delituosa.
O crime continuado não é um único crime,
mas vários crimes que preenchem os requisitos do art. 71 do CP. No momento
oportuno tratar-se-á de tal espécie de concurso de crimes, porém, não é demais
dizer que sendo reconhecida a série continuada, caso a lei mais grave tenha
sobrevindo após a ocorrência de algum delito, em princípio, esta lei será
aplicável à toda série continuada, salvo se ela tornar a situação mais grave
que a consideração de cada um dos delitos separadamente. Caso isso venha a
ocorrer, deve prevalecer a regra da realidade – que será mais favorável -,
punindo-se cada um dos delitos separadamente.
Acerca do assunto, o STF editou a Súmula n. 711, in
verbis: “A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime
permanente, se sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da
permanência”.
Quanto ao crime permanente, a súmula transcrita
não apresenta maiores complicadores, sendo compatível com o exposto neste topoi.
De outro modo, no tocante ao crime continuado, em se tratando de concurso de
crimes, a súmula precisa ser analisada diante da série continuada concretizada,
a fim de verificar se a aplicação da nova lei não induz à retroatividade da lex
gravior aos crimes pretéritos, ou seja, a lei nova mais grave só será
aplicada se não tornar pior à realidade decorrente da imposição da pena da lei
nova a série de fatos praticados em continuidade delitiva do que seria
concretizado se considerado cada crime da série continuado isoladamente (CP,
art. 71, parágrafo único).
3.6 LEI CRIMINAL NO ESPAÇO
3.6.1 Princípio da territorialidade
O princípio da territorialidade é, sem dúvida, o
mais significativo critério norteador do Direito Internacional, traduzindo a
ideia de que um Estado, em respeito à sua soberania tem o poder de impor a sua
lei ao fato que ocorreu no âmbito de seu território.
3.6.1.1 Sentido do princípio
A lei criminal, no que concerne ao espaço, deve
ser a do lugar do crime. Não obstante, temos outras regras gerais, aplicáveis
ao espaço, conforme princípios consagrados aqui e alhures, acerca do Direito
Criminal. O primeiro deles, em decorrência da soberania, é o princípio da
territorialidade, ou seja, respeita-se o lugar afetado pelo delito, que é
aquele do território em que o crime se concretizou. Esse é o principal
princípio que norteia a aplicação da lei no espaço.
É território nacional a superfície, o subsolo, o
mar territorial[84]
e o espaço aéreo. É espaço aéreo todo aquele que correponde ao solo e ao mar
territorial. Não obstante isso, o CP estabelece determinada expansão do
território nacional, in verbis:
Art. 5º - Aplica-se a lei brasileira, sem
prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido
no território nacional.
§ 1º - Para os efeitos penais, consideram-se como
extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza
pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como
as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada,
que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar.
§ 2º - É também aplicável a lei brasileira aos
crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de
propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em
voo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do
Brasil.
É lógico que toda pessoa que se encontra em
território nacional está sujeita à lei brasileira. Isso é decorrência da nossa
soberania. Do mesmo modo, se uma pessoa brasileira estiver em outro País, deve
se sujeitar à lei daquele, a fim de se preservar a soberania estrangeira. Daí a
regra do § 2º do art. 5º.
Todo artigo 5º do CP trata do princípio da
territorialidade, considerando como se fosse territorial brasileiro, toda
embarcação e aeronave a serviço do governo brasileiro, onde quer que se encontrem,
e embarcações e aeronaves localizados no alto mar ou no espaço aéreo existente
sobre tal área.
Um crime ocorrido no interior de uma fragata da
Marinha do Brasil interessa, principalmente, ao governo brasileiro, mesmo que a
embarcação esteja atracada no porto de qualquer País estrangeiro. Daí a regra
do art. 5º, § 1º, primeira parte, do CP. De outro modo, estende-se, como se
fosse nosso território, áreas que não constituem territórios com jurisdição
nacional de qualquer País, evitando-se, assim, casos de impunidade (CP, art.
5º, § 1º, in fine).
3.6.1.2 O princípio da territorialidade ante a
Corte Internacional Criminal
O Estatuto de Roma instituiu a Corte
Internacional Criminal (CIC), marcando uma tentativa de evitar tribunais de
exceção para julgamentos dos crimes de guerra e outros mais graves que ferem a
humanidade. Referido estatuto tem a grande vantagem de dar coercibilidade
permanente ao Direito Internacional, sepultando a velha argumentação de que se
tratava de ramo do Direito despido de coercibilidade.
O Direito Criminal sofreu, desde a antiguidade,
influência dos conflitos armados. Aliás, o Direito de Guerra, que com o tempo
transformou-se em Direito Criminal Militar, influenciou fortemente a evolução
de todo Direito Criminal.
No âmbito internacional, o Direito Criminal
ganhou relevância no século XX devido ao acontecimento de duas grandes guerras.
Também, eclodiram guerras regionais, às vezes internas, que mereceram
observação da comunidade global, v.g., antiga Iugoslávia e Ruanda.
Os esforços para criação de uma Corte
Internacional para tratar da matéria criminal data do início do século XX. A
criação da Associação Internacional de Direito Penal, em 1924, marcou o início
de uma tentativa permanente de instituição de referido tribunal.[85]
Os crimes praticados durante a Segunda Grande
Guerra fizeram ressurgir as discussões em torno da criação de uma corte
internacional para decidir sobre matérias criminais. Não obstante isso, o
ambiente internacional não estava propício para a instituição de referida
corte. Com efeito, o mundo constatava uma guerra fria entre duas potências
bélicas, vivendo em um ambiente bipolar que prejudicava toda pretensão de se
instituir uma corte internacional permanente.
A queda do Muro de Berlim e o processo de globalização
da economia constituíram importantes eventos favoráveis ao retorno da discussão
em torno da instituição de uma corte internacional para lidar das questões mais
sérias que afetam a humanidade. Daí, em 17.7.1998, ter sido aprovado, em Roma,
o tratado que cria a Corte Internacional Criminal.
Em 1948, as Nações Unidas celebraram a adoção da
“Convenção para Prevenção e Sanção do Delito de Genocídio”, tornando crime
internacional atos que conduzam ao extermínio de grupos nacionais, étnicos,
religiosos ou raciais. Essa criação se deu, logo após a Segunda Grande Guerra,
evidenciando a importância desse evento para a discussão acerca da proposta de
criação de uma ordem criminal internacional.
Na década de 1950, a Comissão de Direito
Internacional das Nações Unidas (CDI) recebeu atribuições pela Assembléia Geral
de codificar os princípios fundamentais de Nuremberg e preparar um projeto de
estatuto para a criação de uma Corte Internacional Criminal. O advento da
guerra fria constituiu sério obstáculo aos trabalhos, que não progrediu até a
década de 1990.
A CDI apresentou, em novembro de 1994, a versão
final do projeto do estatuto do no Sexto Comitê da 49ª Sessão da Assembleia
Geral das Nações Unidas e recomendou uma conferência de plenipotenciários para
a instituição de um tratado que efetivasse o estatuto e a corte.
De 16 de março a 3 de abril de 1998, realizou-se
a sexta e última sessão dos plenipotenciários Assim, de 15 de junho a 17 de
julho de 1998, em Roma, realizou-se a Conferência Diplomática de Plenipotenciários
das Nações Unidas para o Estabelecimento de uma Corte Internacional Criminal.
Firmou-se o tratado que constitui o Estatuto da CIC permanente, iniciando-se o
processo de ratificação.
Em 6 de junho de 2.002, o Congresso Nacional
aprovou o texto do Estatuto de Roma da CIC, emitindo o Decreto Legislativo nº
112. E, em 25 de setembro de 2.002, o Presidente da República promulgou o
Estatuto de Roma da CIC, ato que foi publicado no Diário Oficial da União,
Seção 1, de 26.9.2002.[86]
Muitas discussões ainda necessitam de maior
aprofundamento. De um lado emergem partidários de uma ordem internacional mais
ampla, defendendo a CIC, mas há forte corrente contrária, eis que se procura
fazer prevalecer direitos e garantias constitucionais consolidadas em nossa
Constituição depois de muitos anos de discussão e aprimoramento jurídico.
Um Direito consensualista, como proposto por
Jürgen Habermas, parece impossível para a matéria criminal no âmbito
internacional, haja vista que os interesses são totalmente diversos e é difícil
pensar em uma política criminal global. Aliás, falar em um Direito Criminal
funcionalista no âmbito internacional parece uma utopia, haja vista que não há
um procedimento seguro a ensejar a autopoiese, sugerida por Niklas Luhmann.
Uma CIC, do ponto de vista pragmático, tende a um
DCrim criminal garantista, uma vez que os tribunais internacionais de exceção
não adotavam uma política estabelecida pela tradição, essencial ao garantismo
desenvolvido por Luigi Ferrajoli. Pior, não há a estrita legalidade, uma vez
que as penas são previstas de forma genérica, permitindo decisões díspares,
mormente porque não se pode invocar certo costume se não havia uma CIC, a ponto
de permitir a segurança do commom law.
Muitas questões precisam ser discutidas
adequadamente, eis que foi homologado um acordo que possibilita a entrega de
nacionais natos para serem processados em outro país (Holanda), onde está
situada a CIC (arts. 89/90). Outro problema que precisa ser bem examinado é o
decorrente da previsão da prisão perpétua como pena (art. 77.1.b), quando a CF
veda tal pena (art. 5º, inciso XLVII, alínea “b”).
Corroborando, o Estatuto de Roma prevê a
imprescritibilidade como regra (art. 29), quando a CF só admite a
imprescritibilidade em dois casos (art. 5º, incisos XLII e XLIV). Tais
problemas, ao lado de muitos outros, precisariam ser melhor discutidos sob o
ponto de vista da legalidade, em face da Constituição Federal e, mais ainda,
sob o enfoque do Direito Criminal na atualidade. Ocorre que a CIC, com à Emenda
à Constituição n. 45, de 8.12.2004, passou a integrar a própria CF,
restringindo os direitos fundamentais do seu art. 5º (CF, art. 5º, inciso §
4º).
A discussão em torno do cabimento de normas de
Direito Internacional mais graves que as do Direito interno tem merecido
interpretação tolerante por parte dos defensores do Estatuto de Roma. Aliás, o
Supremo Tribunal Federal tem adotado postura extremamente rígida e incompatível
com o disposto no art. 5º, § 2º, da Constituição Federal.[87]
A constituição elenca vários direitos e garantias
em seu art. 5º. O parágrafo 2º do artigo enuncia que os direitos ali expressos
não excluem outros provenientes de tratados e convenções de Direito
Internacional. Desse modo, é coerente afirmar que as normas de Direito Internacional
que geram direitos individuais, havendo a adesão do Brasil ao tratado que as
instituiu, ganham status constitucional. Mais ainda, havendo conflito
aparente entre as normas (interna e externa), deve-se solucionar o problema
optando-se pela norma mais benéfica.[88]
Dizer que é possível a entrega de nacionais,
importa em admitir certa retórica para distinguir a “entrega” da “extradição”.
Também, não fascina a pretensão de entregar qualquer pessoa para julgamento com
a possibilidade de imposição de pena de prisão de caráter perpétuo.
O Prof. Cachapuz chama a atenção para o fato do
Supremo Tribunal Federal estar autorizando extradições para locais em que a
possível pena a ser imposta aos extraditandos é a prisão perpétua, considerando
que “se somos benevolentes com ‘nossos delinquentes’, isso só diz bem com os
sentimentos brasileiros. Não podemos impor o mesmo tipo de ‘benevolência’ aos
países estrangeiros”.[89]
Entender o delito como um fato normal e aumentar
a “benevolência”, respeitando à dignidade da pessoa humana e construindo um
DCrim mais humano, é uma exigência da sociedade complexa, aplicável aqui e
alhures, sendo que posições tendentes a estabelecer uma perspectiva de extremo
rigor evidenciam a concretização de certo ostracismo jurídico, realizado na
contra-mão da história dos Direitos Fundamentais. Observe-se que têm sido
criados Pactos Internacionais de Direitos Humanos como anseios da comunidade
internacional de consolidar a proteção de direitos humanos,[90] o
que evidencia a necessidade de maior “benevolência”, não de maior rigor.
A criação da CIC nasceu de uma ótima idéia, que
foi a tentativa de maior segurança jurídica, evidenciada pela extinção de
tribunais de exceção.[91]
Não obstante isso, muitos aspectos precisam ser melhor investigados, haja vista
a existência de possibilidade de se concretizar situações iníquas. Aliás, a
retirada dos Estados Unidos da América (EUA) evidencia que a CIC constitui
engodo para disciplinar países mais fracos segundo a vontade dos mais ricos.
Os EUA não aderiram ao Estatuto de Roma, não se
sujeitando, portanto, à CIC. Cadermatori critica a posição estadunidense porque
a CIC, visa a julgar precipuamente indivíduos (não Estados) e, também, representa
a ordem supranacional para tratar de crimes que afetam profundamente a
humanidade, v.g., genocídio, estupros em massa, torturas e outros crimes
praticados durante a guerra.
Operações de paz da ONU existem em vários locais
do mundo, sendo os EUA aqueles que mais enviam soldados para tais operações. A participação
dos EUA é fundamental, mas podem ocorrer crimes sob a jurisdição da CCI durante
as operações de paz. Assim, para evitar isso, os EUA fizeram gestão junto ao
Conselho de Segurança da ONU, a fim de obterem, para lhes favorecer, a edição
da Resolução nº 1.422, de 12.7.2002, durante o 4.572º encontro de referido
conselho.
O art. 16 do Estatuto de Roma preceitua:
Nenhuma investigação ou processo poderá ser
iniciado ou continuado, sob este Estatuto, por um período de doze meses após a
adoção pelo Conselho de Segurança de resolução, em conformidade com o disposto
no Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, que solicite ao Tribunal medida
nesse sentido; tal solicitação poderá ser renovada pelo Conselho de Segurança
nas mesmas condições.
Valendo-se de referido preceito, o Conselho de
Segurança editou a Resolução n. 1.422, de 12.7.2002, permitindo que a acusação
de crime que envolver Oficiais de países não-signatários do estatuto que
estejam participando, ou tenham participado, de operações de paz, a CIC não dê
início aos procedimentos investigatórios no prazo de um ano, podendo o Conselho
de Segurança da ONU prorrogar referido prazo ad infinitum. Tal
disposição institui certa imunidade em favor das tropas estadunidenses, deixando-as
fora da jurisdição da CIC.
Os EUA, que se apresentam como baluartes da
democracia mundial, adotaram postura inicialmente pouco compreensiva, até
porque têm inegável força perante a ONU, da qual a CDI é parte integrante. No
entanto, observando o contigente de suas tropas em operações de paz, é fácil
entender porque a postura é coerente.
O fato dos EUA estarem fora da jurisdição da CIC
diminui significativamente expressão prática da CIC. Mais ainda, evidencia que
a negociação dos países com a CDI não é a única que exerceu influência direta
sobre a CIC. Com efeito, o exposto demonstra a importância do Conselho de Segurança
para a redação final do Estatuto de Roma e, consequentemente, seu alcance
prático.
Hoje, fala-se na possibilidade de processarem
criminalmente militares estadunidenses por crimes de guerra perpetrados em
território afegão,[92] o
que significa que a imunidade não foi renovada. Porém, em tempos de trumpismo,
a CIC nada ou pouco conseguirá frente aos EUA, caso pretenda processar
criminalmente militares estadunidenses.
3.6.3 Da extraterritorialidade
O principal princípio acerca da aplicação da lei
no espaço é o da territorialidade – já o dissemos. No entanto, outros
princípios informam a aplicação da lei no espaço, provocando a
extraterritorialidade da lei criminal. Nos casos do art. 7º, inciso I, do CP, a
extraterritorialidade é incondicionada, ou seja, a lei brasileira é
aplicada, mesmo que a pessoa tenha sido condenada, ou absolvida no exterior,
bem como independe da entrada do agente no território nacional (§1º). Ocorre
que, desde já informo, a extraterritorialidade da lei contra aquele que for
julgado no exterior encontra forte controvérsia.
Estabelece o CP:
Extraterritorialidade
Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora
cometidos no estrangeiro:
I - os crimes:
a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da
República;
b) contra o patrimônio ou a fé pública da União,
do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa
pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo
Poder Público;
c) contra a administração pública, por quem está
a seu serviço;
d) de genocídio, quando o agente for brasileiro
ou domiciliado no Brasil;
II - os crimes:
a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se
obrigou a reprimir;
b) praticados por brasileiro;
c) praticados em aeronaves ou embarcações
brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território
estrangeiro e aí não sejam julgados.
§ 1º - Nos casos do inciso I, o agente é punido
segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro.
§ 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei
brasileira depende do concurso das seguintes condições:
a) entrar o agente no território nacional;
b) ser o fato punível também no país em que foi
praticado;
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos
quais a lei brasileira autoriza a extradição;
d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro
ou não ter aí cumprido a pena;
e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro
ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais
favorável.
§ 3º - A lei brasileira aplica-se também ao crime
cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as
condições previstas no parágrafo anterior:
a) não foi pedida ou foi negada a extradição;
b) houve requisição do Ministro da Justiça.
No caso do art. 7º, inc. I, alíneas “a”, “b” e
“c”, a lei adotou o princípio da defesa, ou da proteção real,
defendendo o objeto jurídico de interesse nacional, não interessando a
nacionalidade do agente. Com efeito, para o princípio da proteção, basta o
interesse jurídico pelo objeto tutelado, conforme se vê nas alíneas
mencionadas. A hipótese da letra “d” do referido artigo, por sua vez, se refere
ao princípio da justiça universal.
O princípio da justiça universal, ou da
justiça cosmopolita, se baseia na idéia de que a pessoa deve ser punida
onde for detida, segundo as leis desse lugar, não interessando a nacionalidade
do agente, o lugar do delito etc., pois se a justiça é universal, de todo o
mundo – dessa “cadeia global” de que tratou Herbert Marshall McLuhan
(1911-1980) – não se pode pensar em barreiras para aplicação da lei criminal.
O art. 8º, § 4º, da Convenção Americana sobre
Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica – promulgado pelo Decreto n.
678, de 6.11.1992): dispõe “O acusado absolvido por sentença passada em julgado
não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos”. Com base dele,
digo que o § 1º do art. 7º do CP é parcialmente inconstitucional.
Há um
filme intitulado Risco Duplo, o qual
tem os seguintes dados básicos divulgados: Título original: Double Jeopardy.
Duração: 84 minutos (1 hora e 24 minutos). Gênero: Suspense. Direção: Bruce
Beresford. Ano: 1999. País de origem: EUA.[93]
A
história fictícia do filme apresenta, em síntese, o seguinte: Libby (Ashley
Judd) é uma jovem mulher casada com Nick (Greenwood). Aparentemente ambos levam
uma vida feliz. Eles têm um filho saudável de quatro anos, Matty, e uma
ajudante, Angie (Annabeth Gish). Nick comprou um veleiro e juntos foram para
alto mar. O casal teve uma noite maravilhosa, e Libby acorda no dia seguinte
acordou sozinha e suja de sangue. Ela observa pegadas no assoalho e as segue,
encontrando uma faca. Nick sumiu e a polícia chegou, momento em que prendeu
Libby. Suspeita do assassinato por ser a beneficiária do seguro de vida de
Nick, Libby é julgada e condenada, quando pede a Angie para que ela adote
Matty. Na prisão, ela descobriu Angie e Matty estão vivendo com Nick em São
Francisco e que o ex-marido armou seu próprio assassinato e adotou uma nova
identidade. Então, Libby foi orientada por Margaret, uma advogada presa por
matar seu próprio marido, a qual disse que quando ela saísse da prisão, estaria
livre para matar Nick porque ela não poderia ser condenada duas vezes pelo
mesmo crime. Seis anos mais tarde, Libby recebeu a condicional e ficou sob a
vigilância de Travis Lehman (Lee Jones). Este não tolerava a menor quebra de
regras, mas Libby violou as condições do livramento para procurar Matty e Nick.
Lehman persegue Libby, mas só a alcançou depois que ela matou Nick, quando ela
não podia ser presa porque já havia sido condenada por ter matado Nick
anteriormente.
À
luz da legislação brasileira, a solução jurídica correta seria, desconstituir a
sentença condenatória anterior em sede de revisão criminal (CPPB, art. 621,
inc. III) e julgar o homicídio motivado pela vingança da mulher. Na hipótese,
sequer seria cabível a detração do tempo da pena que foi cumprido,[94] não obstante as posições
existentes em sentido contrário.
No
caso, não seriam os mesmos fatos, não se podendo falar em princípio non[ne] bis in idem ou em princípio da vedação da dupla punição ou do duplo processo pelo mesmo fato, visto que uma condenação decorreria
de crime forjado, enquanto que a segunda decorreria de crime novo.
De
qualquer modo, como o adequado, em face da soberania, é que é a pessoa, em
matéria criminal, seja julgada segundo a jurisdição do Estado que imporá a
pena. Em caso de extraterritorialidade, nada será mais razoável do que condenar
aquele que fugir e ingressar em seu estado nacional, de onde não poderá ser
extraditado (nenhum Estado pode ser obrigado a extraditar os seus nacionais). Assim,
será coerente julgar pelo mesmo fato e, se condenado, sujeitar ao cumprimento
da pena, respeitando o art. 8º do CP.
A
inconstitucionalidade do art. 7º, § 1º, do CP, está em prever que o absolvido
será julgago novamente pelo mesmo fato, eis que o Pacto de São José da Costa
Rica é norma materialmente constitucional e veda a hipótese de duplo
julgamento, quando o agente tiver sido absolvido (art. 8º, § 4º).
Nas hipóteses do inciso II, temos a ocorrência de
extraterritorialidade condicionada. Ela se dá com fundamento em
princípios diferentes, sendo que devem estar presentes todas as condições do §
2º do art. 7º do CP, a fim de que se possa falar em aplicação da lei brasileira
aos fatos ocorridos no exterior.
A hipótese do art. 7º, inciso II, letra “a”,
encontra fulcro no princípio da justiça universal. Desse modo, se
presentes as condições do § 2º do art. 7º, independentemente do lugar do crime,
será aplicada a lei brasileira ao agente que, por exemplo, praticar tráfico
internacional de substância entorpecente.
Na hipótese do art. 7º, inciso II, letra “b” do
CP, prevalece a nacionalidade do agente. Isso é uma decorrência do princípio
da nacionalidade, que traduz que o agente deve ser punido segundo as leis
de seu País, não interessando o lugar do delito, visto que os nacionais devem
cumprir as leis brasileiras onde quer que se encontrem. Por fim, a hipótese do
art. 7º, inciso II, letra “c” do CP decorre da adoção do princípio da
representação ou da bandeira, pelo qual, havendo excessiva liberalidade do
País em que o delito ocorreu, ou ainda, por qualquer outro motivo ocorra
ineficácia do sistema criminal País do em que ocorreu o delito.
É importante perceber que o estrangeiro também
pode ser punido segundo a lei brasileira, por crime praticado no estrangeiro
contra brasileiro. Nesse caso, devem se fazer presentes todas as condições do §
2º e, ainda, caso tenha sido pedida a extradição do estrangeiro para que ele
venha a ser processado no Brasil, tal pedido não tenha sido negado (art. 7º, §
3º, letra “a”), bem como a iniciativa da ação estará condicionada à requisição
do Ministro da Justiça. Tal condição se justifica porque a ação poderá gerar um
incidente diplomático entre o Brasil e o país do agente, fazendo-se necessária
uma análise mais acurada dos fatos, a fim de se evitar decisões politicamente
desastrosas.
Mencionei anteriormente a extradição, que
“é o ato pelo qual um Estado entrega um indivíduo, à justiça de outro, que o
reclama, e que é competente para julgá-lo e puni-lo”.[95]
Ela está disciplinada no Estatuto do Estrangeiro (Lei n. 6.815, de 19.8.1980).
Outrossim, a CF trata da extradição, vedando-a ao brasileiro nato e limitando-a
ao brasileiro naturalizado. A Carta Magna proíbe, ainda, a extradição de
estrangeiro por crime político (art. 5º, incisos LI e LII). Desse modo, caso o
Brasil tenha interesse em processar criminalmente alguma pessoa que se encontra
em outro País, deverá requerer sua extradição.
Nos termos do Estatuto do Estrangeiro (art. 77),
não se concederá extradição: a) ser o extraditando brasileiro, salvo se
naturalizado e o motivo da extradição se deu antes da naturalização; b) ser o
fato considerado crime em ambos países; c) o Brasil for competente para
julgamento do delito; c) cominação de pena de prisão igual ou inferior a um
ano; d) tiver ocorrido a prescrição segundo a lei de algum dos dois países; e)
crime político; f) o extraditando tiver que responder no Estado requerente
perante juízo de exceção.
Tem-se interpretado restritivamente a palavra crime
restritivamente. Por isso, entende-se que se o fato constituir
contravenção, seja no Brasil ou no Estado requerente, não se pode extraditar.
Essa visão decorre do fato do sistema normativo ter feito a distinção entre lei
e contravenção, embora não haja distinção conceitual entre os dois fenômenos.
De outro modo, caso algum País requeira a
extradição de pessoa que se encontra no Brasil, competirá ao Supremo Tribunal
Federal decidir sobre o pedido, sendo que o deferimento está condicionado à
presença das hipóteses materiais (CF, art. 5º, incisos LI e LII) e dos
seus requisitos formais (Leis nº 6.815/1980 e 6.964/1981).
Como regra geral, não se admite a extradição de
pessoa que cumpre pena privativa de liberdade, mas é admitida a expulsão, que é
uma medida preventiva de polícia, a fim de retirar do território nacional o estrangeiro
não desejado. Mas, no atual estágio do mundo globalizado, algumas regras
encontram-se flexibilizadas, sendo que já verificamos, inclusive, a remoção de
estrangeiros para o cumprimento de penas privativas de liberdade em seus países
de origem.[96]
O Brasil aderiu ao Estatuto de Roma que instituiu
a Corte Internacional Criminal (CIC), que é discutível a partir de sua
denominação (na doutrina pátria prefere-se falar em Tribunal Penal
Internacional). Em referida norma consta a possibilidade de entrega de
nacionais para julgamento perante referida corte. Não há acordo na doutrina a
respeito de referida previsão, havendo quem entenda que a disposição é
inconstitucional (essa tese da inconstitucionalidade resta esvaziada pela
inserção da CIC, por força da Emenda à Constituição nº 45, no art. 5º, § 4º, da
CF). O que se vê, na verdade, é que o Direito Internacional caminha para normas
criminais mais duras, estabelecendo na ordem externa uma prática semelhante à
estabelecida no âmbito interno, construída com base em discursos humanitários e
funcionalistas, mas cruel na cominação, aplicação e execução das penas.
3.6.4 Lugar do crime
Ao exemplo do tempo do crime, o lugar do crime
também tem três teorias a respeito, a saber:
Ø da atividade – considera-se praticado o delito no lugar da ação ou omissão
delituosa, ainda que outro seja o lugar do resultado. É defeituosa porque pode
gerar casos de impunidade, eis que a pessoa poderia praticar a conduta em lugar
que ela não é crime e a produção do resultado em lugar em que ele é seria
punido, restaria isenta da aplicação da lei;
Ø do resultado – considera-se praticado o delito no lugar do resultado, não
interessando o local da conduta delituosa. Também defeituosa, a lei levaria
pessoas a praticarem condutas ali para produção de resultados em lugares distantes
em que não seriam punidos;
Ø da ubiquidade – considera-se lugar do crime, tanto o da ação ou omissão,
quanto o do resultado. Desse modo, se Tício, no Brasil, atirasse em Caio e este
viesse a morrer, no Paraguai em razão das lesões experimentadas pelo disparo, é
considerado lugar do homicídio (art. 121 do CP) tanto o Brasil (lugar da ação),
quanto o Paraguai (lugar do resultado. O CP, preferiu esta teoria).
Ubiquidade lexicologicamente significa a
propriedade ou o estado de ubíquo (de toda parte), ou seja, indica ser
cosmopolita ou onipresente. “ubi”, palavra latina, que significa “onde, aonde”,
é utilizada para indicar o lugar em que as coisas habitualmente se encontram.
O CP adotou a teoria da ubiquidade, in verbis:
“Art. 6º - Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou
omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se
o resultado”.
A adoção da teoria da ubiquidade visa a evitar
casos de impunidade, em face de conflitos negativos de competência. Com efeito,
se um país adota o princípio da atividade e outro o princípio do resultado,
pode ocorrer de, no delito à distância (a ação ocorre em um país e o resultado
em outro), de se verificar a impunidade. Destarte, sendo ambos competentes, o
risco de impunidade é inexistente, mas outro problema se apresenta, que é a possibilidade
de duplo julgamento.
O problema que pode emergir do duplo julgamento é
a possibilidade de serem impostas duas penas para o mesmo fato, o que é
resolvido pela regra do art. 8º do CP, visto que a pena cumprida no estrangeiro
é descontada da pena imposta no Brasil, conforme veremos adiante.
Cezar Roberto Bitencourt apresenta outras
teorias, a saber: a) da intenção – o lugar do delito é aquele em que o agente
espera que o resultado ocorra. Tal teoria não abrange os delitos negligentes e
preterdolosos; b) do efeito intermédio ou do efeito mais próximo – é lugar do
delito aquele em que a atuação do autor atinge a vítima ou o bem jurídico; c)
da ação à distância ou da longa mão – é lugar do crime aquele em que se
verificou o ato executivo; d) limitada da ubiquidade – é lugar do crime o da
conduta e o do resultado; e) pura da ubiquidade, mista ou unitária – é lugar do
crime o da ação, o do resultado ou o do bem jurídico.[97]
Imagine-se que um cidadão estadunidense coloque
uma bomba em um avião, com destino a Brasília, para matar cidadão brasileiro,
mas no meio do caminho o artefato é descoberto e desarmado, isso na América
Central. São competentes o Estados Unidos da América, o Brasil e o País em que
houve o desarmamento da bomba, visto que adotou-se a teoria pura da
ubiqüidade. Caso tivesse sido adotada a teoria limitada da ubiquidade,
só se poderia considerar como local do crime aquele em que houve a ação, uma
vez que não houve resultado, o que afastaria o Brasil, mas como se adotou outra
teoria a competência se estende ao Brasil.
Observe-se que essa é a construção que nós
obtivemos do texto citado, mas reconhecemos que o autor pode, ante o exemplo,
dar solução diferente. Parece-nos que há um equívoco em sua obra, tendo em
vista que ele sustenta que o lugar do crime, para a teoria pura da ubiquidade é
o da ação, o do resultado, ou o “lugar do bem jurídico atingido”. Não obstante
isso, melhor é entender que a palavra “atingido” foi inserida por equívoco,
visto que o próprio autor remete o leitor de seu livro ao art. 6º do CP, que
admite também o lugar em que o resultado deveria se produzir, ou seja, o lugar
do bem jurídico, independentemente da ocorrência ou inocorrência da lesão.
Não se admite, em matéria criminal analogia in
malam partem. Em face disso, não se pode punir no Brasil, como lugar do
crime, a simples preparação, por exemplo, se ela se deu nos Estados Unidos da
América e na América Central, sendo detectada nesta, a competência brasileira
fica afastada. O aplicador da norma, deve verificar seus limites, o que o
induzirá à análise do iter criminis (matéria que será estudada no
próximo capítulo), a fim de poder definir a competência. Desse modo, se atos de
execução, nos exemplos dados, foram praticados nos Estados Unidos da América, a
lei brasileira será aplicável, mas se alhures foram praticados unicamente atos
preparatórios, restará afastada a competência do Juiz nacional.
Caso seja consumado um crime no estrangeiro e seu
exaurimento se dê no Brasil, também, não há como falar em aplicação da lei
nacional, salvo nos delitos em que o exaurimento integra a figura típica do
delito, ou seja, incidirá a regra que do art. 6º que determina a aplicação da
lei brasileira se aqui o delito for praticado no todo ou em parte.
3.7 A NORMA CRIMINAL QUANTO ÀS PESSOAS
3.7.1. Distinção entre imunidade e prerrogativa
de foro
A previsão da existência de uma Justiça Militar
foi critica aqui e alhures porque muitos entendem que ela constitui
protecionismo ao militar, o que não é verdade. Ao se estabelecer Justiças
Especializadas procura-se alcançar à especialização necessária, mormente porque
o conhecimento científico é fragmentário. O mesmo se dá ao estabelecer a
prerrogativa de foro.
A jurisdição (poder de dizer o direito aplicável
ao caso) é delimitada pela competência. Destarte, ao criar justiças e varas
especializadas, procura-se melhores resultados, não o protecionismo. De
qualquer modo, classifica-se a competência em: ratione materae (em razão
da matéria, v.g., o tráfico internacional se substância entorpecente é julgado
pela Justiça Federal), ratione personae (em razão da pessoa, v.g.,
Ministro de Estado é julgado perante o STF), ratione loci (em razão do
lugar, v.g., em regra, um crime deve ser julgado no lugar de sua
consumação) e ratione temporis (em razão do tempo, v.g., negociar
bebidas alcoólicas no dia do sufrágio para Presidente da República, constitui
crime eleitoral).
A competência ratione personae é criticada
porque o privilégio de foro não decorre da pessoa em si, mas do cargo ou
função. Tem-se em vista que determinadas pessoas públicas não podem ficar à
mercê de perseguições políticas, bem como alguns casos exigem maior maturidade,
presente nos tribunais e ausentes perante os Juízes novatos.
Enquanto as imunidades constituem causas
extintivas da punibilidade, ou obstáculos ao exercício desta, a prerrogativa de
foro não representa extinção ou obstáculo à punibilidade, mas a busca de maior
segurança jurídica nas decisões judiciais.
3.7.2 Imunidades
Imunidade decorre do
latim immunitas. É o privilégio outorgado a alguém para que se livre ou se
isente de certas imposições legais. Em virtude dela, a pessoa não será obrigada
a cumprircertos encargos ou certa obrigação determinada em caráter geral.[98]
3.7.2.1 Espécies básicas
O estudo da imunidade deve ser feito neste
capítulo porque com ele se refere, uma vez que constitui limitação à aplicação
da lei. Existem duas espécies de imunidade, a saber:
Ø absoluta –
constitui causa extintiva da punibilidade, visto que o autor do injusto não
estará sujeito à lei penal;
Ø relativa –
constitui mero obstáculo à punibilidade. Esta, embora existindo, é mais difícil
de ser alcançada.
Toda imunidade, seja ela absoluta, ou relativa
encontra fundamento em razões lógicas de política criminal. Na maioria dos
casos, elas visam possibilitar o livre exercício de atividades importantes, que
só poderão ser bem desempenhadas se asseguradas por determinados instrumentos
de garantia das liberdades individuais. No entanto, conforme veremos a seguir,
existem imunidades que visam unicamente tornar possível a manutenção do vínculo
familiar.
3.7.2.2 Imunidade absoluta
A imunidade absoluta não exclui a ilicitude.
Outrossim, não exclui a culpabilidade. Tais elementos do delito são mantidos, o
que se torna evidente na imunidade diplomática, visto que o diplomata poderá
ser punido segundo as leis do país creditante (Estado de origem). Ademais, o
terceiro que concorre para o delito é punido, o que demonstra que o delito
continuará existindo, só sendo beneficiado a pessoa detentora da imunidade.
Conhecemos algumas espécies de imunidades
absolutas, a quais serão enumeradas exemplificativamente (outras hipóteses podem
ser acrescidas) a seguir:
Ø diplomática – o Decreto n. 56.435, de 8.6.1965 ratificou a Convenção de
Viena, de 18.4.1961, que institui a imunidade absoluta para os diplomatas,
demais funcionários da embaixada, relacionados na mala, e seus respectivos
familiares. O art. 5º do CP consagra o princípio da territorialidade, mas
ressalva hipóteses em que os crimes praticados no território nacional não estão
sujeitos à lei brasileira, quais sejam, as decorrentes de tratados e convenções
de Direito Internacional. Tais pessoas ficam sujeitas às leis penais dos países
creditantes.
Cumpre observar que gozam da referida imunidade
todos aqueles que são relacionados pelo País creditante na mala diplomática.
Ocorre que a imunidade é extensiva aos seus familiares e, como ela é absoluta,
os que dela gozam não podem ser presos, nem processados criminalmente segundo
as leis brasileiras. Aliás, elas têm, inclusive, o direito de se negar a deporem
na qualidade de testemunha (artigos 29 e 31 do Decreto n. 56.435/1965).
Os funcionários brasileiros que trabalham na
embaixada, por não serem relacionados na mala diplomática, não gozam de
imunidade. No entanto, mesmo quem não tem imunidade, caso adentre na embaixada,
terá em seu favor a possibilidade de obtenção de asilo político (Decreto n.
55.929/1969, que ratificou a Convenção de Caracas sobre Asilo Diplomático).
O fato de ser possível a concessão de asilo
diplomático na embaixada não impede, por si só, a possibilidade de extradição
pelo STF (Lei n. 6.815/1980, arts. 28-29), o que demonstra que a embaixada não
constitui território estrangeiro no Brasil. De qualquer modo, enquanto o
asilado estivber na embaixada, dali não poderá ser retirado enquanto não houver
autorização do país creditante.
Os cônsules, por representarem interesses
privados, não gozam de imunidade diplomática. Eles não representam os
interesses do Estado de origem, enquanto pessoa de Direito Público na relação
bilateral com o Brasil, mas os interesses privados, tais quais as relações comerciais
de seus compatriotas.
A imunidade diplomática é irrenunciável pelo
diplomata, ou seja, não pode ser desconsiderada mesmo que o diplomata concorde
com tal hipótese. Não obstante isso, o Estado creditante pode renunciá-la, o
que autorizará o Brasil a processar criminalmente e a punir o diplomata.
Finalmente, imunidade semelhante tem os
funcionários da ONU que, ao seu serviço se encontrarem no território nacional
(Carta da ONU, art. 105).
Ø parlamentar – a imunidade parlamentar visa possibilitar o exercício, em
nome do povo, do mandato. Caso não existisse a imunidade parlamentar, ele
jamais poderia suscitar a modificação de uma lei penal, senão incorreria em
incitação ao crime (CP, art. 286).
Muito se discutiu sobre a previsão de imunidade
relativa ao parlamentar, sendo que a Emenda à Constituição n. 35/01
praticamente a suprimiu, conforme veremos no próximo item. Porém,
acertadamente, foi mantida inalterável a imunidade absoluta. Aliás, a imunidade
absoluta foi ampliada, a imunidade que outrora era apenas criminal, passou a
ser, expressamente, também civil.[99]
O STF, o guardião da Constituição Federal, vem
violando a literalidade da Constituição Federal, tendo autorizado a prisão de
Deputado Federal e de Senador da República por crime afiançável, o que é um
absurdo percebido até por membro do Ministério Público,[100]
eis que isso viola a sua imunidade relativa.
A imunidade absoluta se estende aos Senadores,
Deputados Federais (CF, art. 53, caput), Deputados Estaduais e
Distritais (CF, art. 27, § 1º) e Vereadores (CF, art. 29, inciso VIII). Ela é
essencial porque assegura a liberdade de expressão por meio de palavras,
opiniões e votos, no que eles são invioláveis.
Os Senadores e Deputados Federais têm imunidade
em todo território nacional, enquanto que os Vereadores somente na
circunscrição do município, em face de disposição expressa do art. 29, inciso
VIII, da CF. Ocorre que a CF é omissa quanto aos Deputados Estaduais e
Distritais, apenas expressando que a eles são estendidas as imunidades. Porém, ad
fortiori, deve-se entender que a imunidade criminal é adstrita aos limites
da unidade federativa que os elegeu, visto que ali que deverão exercer suas
atividades.
Os vereadores não têm a imunidade relativa em
comento e a imunidade absoluta só lhes é estendida para os delitos de opinião
em que eles praticarem no exercício do mandato, ou seja, na tribuna da Câmara
Municipal (CF, art. 29, inciso VIII). Aliás, a imunidade absoluta de Senadores
e Deputados, segundo a jurisprudência do STF, só estará assegurada se as
palavras, as opiniões e os gestos estiverem vinculados de alguma maneira ao
exercício do mandato.
Finalmente, a imunidade parlamentar pode ser
suspensa durante o estado de sítio, ex vi do art. 53, § 8º da CF.
Observe-se que, como regra, estará mantida e, em todo caso, só poderá ser
destituida por vontade de 2/3 da casa. No entanto, o STF tem “rasgado” a
Constituição Federal para mitigar as imunidades absoluta e relativa.
Ø decorrente de parentesco – tem imunidade absoluta aquele que pratica crime
sem violência e sem grave ameaça contra cônjuge, na constância da sociedade
conjugal, descendente e ascendente (CP, arts. 181 e 183).
Entende-se que a imunidade é incompatível com as
normas constitucionais programáticas de proteção à mulher e ao idoso. O mesmo entendimento
deveria alcançar as crianças e os adolescentes, mas o art. 183, inc. III, do CP
só exclui a imunidade no caso de vítima idosa e a jurisprudência, no caso de
violência doméstica à mulher, ainda que a violência seja exclusivamente
patrimonial. Assim, havendo violência doméstica patrimonial contra o homem,
estará preservada a imunidade.
3.7.2.3 Imunidade relativa
A imunidade relativa constitui mero obstáculo
processual à punibilidade. Enquanto a imunidade absoluta é denominada material,
a relativa é formal. Nesta, pode ocorrer a punição, desde que atendidas
determinadas condições de procedibilidade ou de prosseguibilidade.
A imunidade parlamentar formal deveria ser
suficiente para impedir prisão por crime afiançável, mas o STF vem
desrespeitando a CF para determinar a prisão de parlamentares por crimes
afiançáveis. Já tivemos Deputado Federal e Senador da República, sendo que
deixo de declinar aqui os seus nomes porque eles têm direito ao esquecimento.
A imunidade parlamentar que era prevista para os
delitos comuns, não abrangidos pela imunidade absoluta, era a mais relevante
das imunidades relativas. Dispunha a CF que o Juiz, ou Tribunal, antes de
receber a denúncia oficiaria à respectiva Casa do parlamentar solicitando
autorização para processá-lo, caso não houvesse deliberação, ou havendo fosse
negada a autorização, o parlamentar não poderia ser processado até o final do
mandato.
A EC n. 35/2001 alterou toda realidade. O
tribunal receberá a denúncia e comunicará à respectiva Casa do parlamentar que
deverá se manifestar no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias sobre a situação,
decidindo sobre a sustação do processo. Tal prazo, nos termos constitucionais é
improrrogável. Desse modo, não pode a Casa decidir sustar o processo de decorrido
o referido prazo.
Os Senadores e Deputados Federais serão
processados no STF, enquanto os Deputados Estaduais e Distritais serão
processados perante os respectivos Tribunais de Justiça. Finalmente, os
vereadores não gozam de tal espécie de imunidade. Eles só são detentores de
imunidade absoluta.
O cônjuge separado judicialmente, o irmão, o tio
e o sobrinho (os dois últimos somente quando habitam sob o mesmo teto), gozam
de imunidade relativa nos crimes contra o patrimônio, praticados sem violência
e sem grave ameaça, visto que mesmo os crimes de ação penal de iniciativa
pública incondicionada passam a depender de representação (CP, arts. 182-183),
ou seja, a lei criou um obstáculo processual em favor das referidas pessoas.
Não se olvide, no entanto, que não se aplicará a imunidade se a vítima for
mulher (em violência doméstica) ou idosa (em qualquer caso).
Membros do Poder Judiciário, do Ministério
Público, da Advocacia Geral da União e os Advogados públicos e privados em
geral terão imunidade relativa, embora as imunidades dos Advogados sejam
praticamente ignoradas pelo Poder Judiciário.
3.8 PENA CUMPRIDA NO ESTRANGEIRO
Discute-se sobre a constitucionalidade do art.
art. 8º do CP, que dispõe: “Art. 8º - A pena cumprida no estrangeiro atenua a
pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada,
quando idênticas”.
Tal artigo visa a minimizar os rigores do art.
7º, § 1º do CP, que prevê a dupla punição pelo mesmo fato. Guilherme Nucci fala em princípio da vedação da dupla punição e
do duplo processo pelo mesmo fato.[101]
Significa non (ou ne) bis in idem (não repetir no mesmo),
ou seja, a mesma pessoa não poderá ser responsabilizada duas vezes pelo mesmo
fato.
Nucci entende que a pessoa não poderá er julgada a segunda vez
pelo mesmo fato, considerando inconstitucional o art. 7º, § 1º e este art. 8º
do CP. André Estevam, referindo-se ao princípio non bis in idem, adota posição
intermediária, aduzindo que o art. 8º resolve o problema da dupla condenação
pelo mesmo fato. De todo modo, não se olvide, o Pacto de São José da Costa Rica
impede o segundo julgamento do absolvido com sentença passada em julgado (art.
8º, § 4º).
É necessário que haja julgamento do nacional no seu País, por crime
havido no exterior, no caso de extraterritorialidade incondicionada ou
condicionada. Assim, no caso de ter sido condenado alhures e ali não ter cumprido a
pena, retornando à sua terra natal, dependerá de novo julgamento no país de origem.
A pena cumprida no estrangeiro é descontada da
pena aplicada no Brasil se da mesma espécie, ou aquela servirá de atenuante se
for de espécie diferente. Desse modo, se uma pessoa foi condenada a 2 anos por
um delito no exterior e ali cumpriu integralmente a pena, mas chegando no
Brasil ela se depara com uma pena de 8 anos, decorrente do mesmo fato, em face
da aplicação da extraterritorialidade incondicionada da lei penal brasileira,
terá que cumprir, aqui, somente o prazo restante, ou seja, 6 anos. Nesse
sentido, dispõe o CP: “Art. 8º - A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena
imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada,
quando idênticas”.
Imagine-se que uma pessoa foi condenada à pena de
multa no exterior e, aqui, à pena privativa de liberdade. Nesse caso, o Juiz
deverá fazer uma prudente análise do valor pago pela pessoa em razão da multa
que lhe foi aplicada, a fim de definir a quantidade de dias-multa. Depois, ele
converterá a pena de multa em privativa de liberdade na razão dos dias-multa
apurados, abatendo-os da privativa de liberdade que aqui foi imposta. Assim, se
uma pessoa foi condenada a US$ 10,000.00 (dez mil dólares) no exterior e aqui
foi condenada a 4 anos de reclusão, o Juiz fará prudente análise do valor, a
fim de aferir a quantos dias-multa ele pagou. Caso ele entenda, por exemplo,
que o valor corresponde a 180 dias-multa, ele abaterá 6 meses da pena privativa
de liberdade, ficando o condenado obrigado a cumprir somente 3 anos e 6 meses
da pena.
Pode surgir um problema na atenuação da pena
imposta no Brasil, em face da pena de multa cumprida no exterior, caso o Juiz
verifique que o somatório pago equivale a período superior ao máximo admitido
em nosso Direito para a pena de multa, que o de 360 dias-multa (CP, art. 49, caput).
No entanto, não parece haver qualquer obstáculo, podendo o Juiz atenuar a pena
por período maior, desde que ponderamente.
A pena restritiva de direito substitui a pena
privativa de liberdade por prazo igual. Desse modo, se o condenado tem em seu
favor a substituição da pena privativa de liberdade de 2 anos por pena
restritiva de direito, na modalidade de prestação pecuniária, esta também terá
a duração de 2 anos. Desse modo, a pena restritiva de direito cumprida no
estrangeiro deve ser descontada do prazo da pena imposta no Brasil, calculando
o tempo cumprido para fins de detração (desconto do tempo da condenação)
como se fosse pena privativa de liberdade, descontando-o integralmente.
3.9 SENTENÇA ESTRANGEIRA
Em face da nossa soberania, a sentença
estrangeira relativa a delito ocorrido no Brasil não tem potencial para
produzir qualquer efeito em nosso meio. De qualquer modo, se uma pessoa
praticou crime aqui e o fato é atingido pela extraterritorialidade incondicionada,
mesmo que o agente seja condenado no Brasil, poderá ser julgado no exterior e,
em sendo o caso, poderá ser extraditado após o cumprimento da pena imposta
aqui.
Não nos olvidemos que a lei brasileira é aplicada aos fatos ocorridos no território nacional. Outrossim, a sentença estrangeira não pode sujeitar a pessoa ao cumprimento da pena imposta no exterior, sendo direito da pessoa ao julgamento segundo a lei brasileira, caso incida alguma hipótese de aplicação da nossa lei criminal. Porém, se a pessoa tiver sido absolvida no exterior, tratando-se de caso de extraterritorialidade condicionada ou incondicionada, a sentença impede que haja novo julgamento no Brasil. Porém, a sentença condenatória estrangeira não impedirá novo julgamento, segundo a lei brasileira, desde que a pessoa não tenha cumprido a pena ou tenha ocorrido extinção da punibilidade.
Defendo, inclusive, na hipótese de extraterritorialidade incondicionada, novo julgamento, ainda que o agente tenha cumprido a pena, com aplicação do art. 8º do CP. Essa posição que adoto não é pacífica, havendo quem entenda ser inconstitucional a dupla punição pelo mesmo fato, isso em face do art. 8º, § 4º do Pacto de São José da Costa Rica. Porém, volto a dizer, referido preceito só impede o 2º julgamento do absolvido.
Acerca da eficácia da sentença estrangeira, o CP
dispõe:
Eficácia de sentença estrangeira
Art. 9º - A sentença estrangeira, quando a
aplicação da lei brasileira produz na espécie as mesmas consequências, pode ser
homologada no Brasil para:
I - obrigar o condenado à reparação do dano, a
restituições e a outros efeitos civis;
II - sujeitá-lo a medida de segurança.
Parágrafo único - A homologação depende:
a) para os efeitos previstos no inciso I, de
pedido da parte interessada;
b) para os outros efeitos, da existência de
tratado de extradição com o país de cuja autoridade judiciária emanou a
sentença, ou, na falta de tratado, de requisição do Ministro da Justiça.
A sentença estrangeira não obriga a pessoa a
cumprir a pena no Brasil, seus efeitos são exclusivamente os do art. 9º do CP,
a saber:
Ø obrigar o condenado à reparação do dano, a
restituições e a outros efeitos civis;
Ø sujeitá-lo a medida de segurança.
Para que a sentença estrangeira produza efeitos
no Brasil, era necessária homologação, feita pelo Supremo Tribunal Federal
(CF, art. 102, inc. I, alínea h). Com a Emenda à Constituição n., 45, o exequatur (cumpra-se) é expedido pelo Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, inc. I, alínea i). Esta depende:
Ø para obrigar a reparação do dano, de pedido da
parte interessada;
Ø para os outros efeitos, da existência de tratado
de extradição com o país de cuja autoridade judiciária emanou a sentença, ou,
na falta de tratado, de requisição do Ministro da Justiça.
Requisição é uma palavra que exprime requerimento
na forma da lei, sendo uma ordem ou um comando legal. O Ministro da Justiça
provocará o Procurador-Geral da República e este promoverá a homologação da
sentença estrangeira, mas o Ministério Público não está subordinado ao
Ministério da Justiça, tendo independência funcional (CF, art. 127, § 1º).
Destarte, a palavra requisição traduz apenas manifestação de vontade, como
condição de procedibilidade, ou seja, a promoção da homologação por parte do
Ministério Público, no caso de inexistência de tratado, situação que dependerá
da manifestação prévia do Ministro da Justiça.
Por disposição expressa do CP, a condenação no
estrangeiro produz o efeito criminal da reincidência (art. 63). No entanto, não
pode produzir outros efeitos. Isso reforça o entendimento de que a medida de
segurança não constitui espécie de sanção criminal, é, na verdade, medida
administrativa estatal decorrente de seu poder de polícia.
A pena imposta no estrangeiro, salvo acordo
específico entre os países, não poderá produzir efeitos no Brasil, isso em
respeito à soberania que é a característica da existência de um Estado, pessoa
jurídica de Direito Internacional. Desse modo, caso algum brasileiro seja
condenado na Inglaterra a uma pena de 30 anos de reclusão, mas fuja antes do
término da pena, seu ingresso no Brasil permitirá a extraterritorialidade
condicionada da lei brasileira. Assim, ele não cumprirá o restante da pena que
lhe foi imposto no exterior, mas poderá ser condenado segundo as leis
brasileiras, descontando-se o tempo que ficou preso antes de fugir, cumprirá a
pena que aqui será imposta.
3.10 CONTAGEM DO PRAZO
A lei processual prevê que os seus prazos são
calculados desconsiderando o dia do início e considerando o dia do vencimento
(CPP, art. 798, § 1º). A lei material, por sua vez, prevê que o dia do começo se
inclui no cômputo do prazo, in verbis:
Contagem de prazo
Art. 10 - O dia do começo inclui-se no cômputo do
prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendário comum.
Frações não computáveis da pena
Art. 11 - Desprezam-se, nas penas privativas de
liberdade e nas restritivas de direitos, as frações de dia, e, na pena de
multa, as frações de cruzeiro.
Os anos deverão ser contados segundo o calendário
comum, ou seja, o gregoriano, considerando-se as frações do dia do início como
um dia por inteiro. Assim, mesmo que o crime seja praticado às 23h30, os trinta
minutos relativos ao dia do crime deverão ser considerados como um dia inteiro.
Assim, se um crime é praticado em 1.1.2017, às 23h30, com imediata intervenção
policial, tendo o acusado ficado preso por três horas e sido liberado mediante
fiança, ficou preso por um dia, visto que foi posto em liberdade no dia
seguinte ao da prisão. Mas, caso o delito e a prisão tenham ocorrido à 1h de 1.1.2017,
com soltura às 23h do mesmo dia, prevalece a regra do art. 11 do CP, que manda
desprezar da pena privativa de liberdade as frações de dia.
A pena restritiva de direito, em princípio, é
autônoma, mas pode substituir a pena privativa de liberdade por igual período.
Desse modo, é logicamente acertado o dispositivo que determina o desconto de
frações de dia da pena restritiva de direito.
O CP dispõe sobre frações de cruzeiro, moeda que
existiu no Brasil. Hoje, nossa moeda é o real. Diz-se que é vedada a
analogia em DCrim, sendo que a extinção do cruzeiro leva a crer que está
revogada a norma criminal. No entanto, esta se complementa em outra, sendo que
a revogação da norma complementar não leva necessariamente à revogação da norma
principal. Desse modo, se aqui a norma criminal é a principal e ela não foi
revogada, cumpre-nos tão somente atualizar o preceito, segundo a norma
complementar vigente. Desse modo, se hoje a moeda corrente denomina-se real,
a palavra cruzeiro, contida no CP, deve ser lida como real.
Não se impõe, ou se executa multa de centavos.
Esta é aplicada em valores exatos, desprezados os centavos, visto que o art. 11
do CP obriga a desconsiderar as frações de cruzeiro, hoje real. T
Alguns Juízes, equivocadamente, condenam pessoas
a 90 dias de reclusão, ou a 360 dias de detenção. Em face do art. 11 do CP, o
primeiro prazo corresponde a 3 meses e o segundo a 1 ano, isso porque um mês
corresponde a trinta dias, independentemente da data da decisão. Com efeito, se
uma prisão ocorreu no dia 2.3.1997, um mês se completou às 24h de 1.4.1997.
Também, se encerrará em 1.3.03, o prazo de um mês iniciado em 2.2.02, mesmo que
não tenha decorrido 30 dias, visto que se leva em consideração o dia da data,
salvo nas hipóteses de condenações (ou prisões) a prazos superiores a 360 dias.
Em síntese:
Ø se o Juiz condenar o acusado a 30 dias, o prazo
será de um mês, levando-se em consideração “dias de data”, portanto, pode o réu
ficar 28, 29, 30 ou 31 dias preso, dependendo unicamente do mês envolvido;
Ø se o Juiz condenar o réu a 364 dias, o prazo será
de 1 ano e 4 dias;
Ø se o Juiz condenar qualquer pessoa a 5.000 horas,
o prazo será de 6 meses e 28 dias, visto que desprezadas as frações de hora,
restaram 208 dias, os quais, divididos por 30 (quantidade de dias do mês)
possibilitaram o resultado mencionado.
3.11 LEGISLAÇÃO ESPECIAL
Merece crítica a classificação que trata de
Direito Criminal Comum e Direito Criminal Especial, visto que o critério
adotado é o processual, ou seja, é especial o DCrim que é aplicado pela Justiça
especial e comum o afeto à Justiça Comum. Agora, diante da dicotomia legislação
criminal comum e legislação criminal especial, mais evidente se
torna a ausência de critério reinante, pois é legislação comum o Código Penal e
legislação especial aquela que consta de leis criminais não inseridas no texto
do Código Penal.
Pequena observação deve ser feita, a fim de
auxiliar o neófito, qual seja, nem todas as leis reunidas em um Código Penal
compilado por alguma editora jurídica, integram o CP, visto que somente seus
artigos fazem parte do texto. As demais leis correlatas anexadas ao Código
Penal, as quais variam em número e espécie (segundo o organizador do
compêndio), fazem parte da denominada legislação especial.
Ante o princípio da especialidade, a lei especial
afasta a lei geral, sendo que, quanto mais específica é a norma, melhor
aplicável será ao caso por ela previsto. Corolário é a certeza de que as regras
do CP só são aplicáveis à legislação especial se não for incompatível com ela.
A lei geral não revoga a especial tacitamente, mas o fenômeno, por via inversa,
em regra, se concretiza. Dissemos que a lei especial, em regra, revoga a
geral, porque se um fato está previsto na lei geral como contravenção penal,
por exemplo, e surge uma lei especial disciplinando a mesma matéria, restará,
em princípio, afastada a lei especial, mas nem sempre. Vejamos o art. 309 da
Lei n. 9.503/1997 – Código de Trânsito – que incrimina a direção sem
habilitação, disciplinando a matéria do art. 32 do Decreto-lei n. 3688/1941 –
LCP:
Ø LCP – “Art. 32. Dirigir, sem a devida
habilitação, veículo na via pública, ou embarcação a motor em águas públicas”.
Ø CT – “Art. 309. Dirigir veículo automotor, em via
pública, sem a devida permissão para dirigir ou habilitação ou, ainda, se
cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano”.
O exemplo restará melhor compreendido no segundo
volume deste livro, quando tratarmos especificamente dos crimes de perigo. Não
obstante, aqui é oportuno dizer que para a caracterização da contravenção basta
o perigo abstrato, enquanto o crime exige o perigo concreto. Outrossim, o crime
se restringe aos veículos automotores terrestres, enquanto a contravenção
abrange embarcações. Em síntese, por essa concepção, resta mantido o art. 32 da
LCP. Ocorre que, conforme ensina Carlos Maximiliano, havendo mudança completa
de uma ordem jurídica, caso algum preceito subsista sem qualquer alteração
aparente, deve-se entender revogado, uma vez que a vontade era a de criar um
novo sistema jurídico.[102]
Assim, como o Código de Trânsito (Lei n. 9.503/1997) modificou toda matéria que
rege o trânsito de veículos automotores em vias públicas terrestres, deve-se
entender revogada a contravenção de dirigir veículo automotor em vias
terrestres, para o que subsiste a infração administrativa do art. 162, inciso
I, de referido código.[103]
A contravenção, portanto, fica reservada às embarcações a motor (LCP, art. 32, in
fine).
[1] SILVA, De
Plácido e. Vocabulário jurídico. 20. ed. 3. tir. Rio de Janeiro:
Forense, 2002. p. 558.
[2]
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito – técnica,
decisão, dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 102.
[3]
CAPEZ, Fernando. Direito penal: parte geral. 4. ed. São Paulo: Saraiva,
2002. v. 1, p. 28.
[4] KELSEN,
Hans. Teoria geral do direito e do Estado. 3. Ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1998. p. 86-87.
[5]
Para melhor compreensão do exposto, leia-se: BOBBIO, Noberto. Dalla
struttura alla funzione. Milão: Comunitá, 1977.
[6]
ORDEIG, Enrique Gimbernat. Conceito e método da ciência do direito penal.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 24.
[7]
FERRI, Enrico. Princípios do direito criminal. 2. ed. Campinas:
Bookseller, 1998. p. 141.
[8]
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2003. p. 22.
[9]
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2003. p. 27-28.
[10]
A parte primeira do Código Comercial (arts. 1º–456 da Lei nº 556, de 25.6.1850)
cedeu lugar ao CC/2002. Discutia-se acerca da denominação Direito Comercial,
que vinha sendo substituída pela denominação Direito Empresarial. Aquela
decorria do fato de todo Código Comercial ter adotado como ponto central o ato
de comércio (habitualidade, fim de lucro e intermediação). Ao nosso sentir,
como os capítulos revogados constituíam a parte geral, não subsistindo
praticamente nada da parte especial daquele código, prevalece a denominação
Direito Empresarial.
[11]
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Op. cit.
p. 106.
[12]
BOBBIO, Noberto. Dalla struttura alla funzione. Milão: Comunitá, 1977. passim.
[13]
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica,
decisão, dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 125.
[14]
KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. 3. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1998. Sobre o sistema estático de normas, escreveu: “É
essencial apenas que as várias normas de qualquer sistema sejam dedutíveis da
norma fundamental, assim como o particular é dedutível do geral, e que,
portanto, todas as normas particulares sejam obteníveis por meio de uma
operação intelectual, a saber, a inferência do particular, a partir do geral”
(p. 164). E sobre o sistema dinâmico de normas: “O poder de criar normas
é delegado de uma autoridade para outra autoridade... A norma fundamental de um
sistema dinâmico é a regra básica de acordo com a qual devem ser criadas todas
as normas do sistema” (p. 165).
[15]
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2000, p. 1.
[16]
REALE, Miguel. Lições preliminares do direito. 16. ed. São Paulo:
Saraiva, 1988, p. 274.
[17]
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2000, p. 1.
[18]
Ibidem. p. 2.
[19]
LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 1997. p. 9 (nota de rodapé n. 1).
[20]
Ibidem.
[21]
Só a título de exemplo: BARROS, Flávio Augusto Monteiro. Direito penal: parte geral. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2001. p. 33.
[22]
Ibidem: entende que referida espécie constitui interpretação posterior,
ou seja, nova lei explicativa da que já existe. No entanto, data venia,
sua visão é reducionista, uma vez que duas leis podem surgir no mesmo momento,
podendo ocorrer a explicação de uma por outra, v.g., Leis n. 7.209/1984
e 7.210/1984, que foram publicadas e, após vacatio legis, tiveram início
de vigência nas mesmas datas. As regras do regime fechado estão na LEP (Lei n.
7.210/1984), que explica o mencionado regime constante do CP (Lei n.
7.209/1984). O exposto permite repudiar a sinonímia entre outra lei e lei
posterior, eis que, nem sempre, a outra lei será uma lei
posterior.
[23]
Clóvis Beviláqua. ao comenar o Código Civil que ele elaborou, pode até ter
atuaado como doutrinador, mas, sendo o autor, quanto a origem, mesmo vencido,
insisto que foi o autor e a interpretação foi autêntica.
[24] ZAFFARONI,
Raul Eugenio, PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro
– parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 77.
[25]
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2000, p. 47.
[26]
REALE, Miguel. Lições preliminares do direito. 16. ed. São Paulo:
Saraiva, 1988. p. 284.
[27]
GUERRA FILHO, Willis Santiago. A filosofica do direito: aplicada ao direito
processual e à teoria da constituição. São Paulo: Atlas, 2.001. p. 97.
[28]
QUEIROZ, Paulo de Souza. A
hermenêutica como hoje a entendo. Florianópolis: Investidura. Disponível em:
<http://www.investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/hermeneutica/665-a-hermeneutica-como-hoje-a-entendo>.
Acesso em: 30.3.2017, às 1h40.
[29]
Ibidem.
[30]
MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Atlas,
1.997. p. 110.
[31]
MARQUES, José Frederico et al. Tratado de direito penal. Campinas:
Bookseller, 1997. vol. 1, p. 182.
[32]
ANTOLISEI, Francesco. Manuale di diritto penale. 2. ed. Milão: Giufrè,
1949. parte geral, p.31.
[33]
ASÚA, Luiz Jimez de apud MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal.
Campinas: Bookseller, 1997. vol. 1, p. 182.
[34]
FRAGOSO, Heleno Cláudio, FRAGOSO, Fernando. Lições de direito penal. Rio
de Janeiro: Forense, 1990. parte geral, p. 90.
[35]
ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal. Rio
de Janeiro: Renovar, 2.002, p. 209.
[36]
JESUS, Damásio Evangelista de. Imputação objetiva. São Paulo: Saraiva,
2.000, nota do autor.
[37] FERRAJOLI, Luigi. Diritto e ragione:
Teoría del Garantismo Penale. Roma: Laterza, 1990. Esta é uma obra
exemplar, servindo de base para a maioria dos trabalhos de Direito Criminal
desenvolvidos na atualidade.
[38]
Acerca do garantismo, que tem como maior representante Luigi Ferrajori, há um
artigo que, ao nosso sentir, traduz bem o pensamento do mestre (MAIA, Alexandre
da. O garantismo jurídico de Luigi Ferrajoli: notas preliminares. Disponível
em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/553>.
Acesso em: 26.6.2001, às 3h17), daí termos aproveitado parte do seu conteúdo.
[39]
Crise é uma palavra que indica a idéia de fase, instabilidade repentina,
momentânea. Assim, não seria correto falar em crise permanente, mas a que
assola o DCrim é tão duradoura que parece constituir definitiva, a ser superada
apenas pela criação de um novo Direito.
[40]
Sobre o tema: SANTOS, Boaventura de Sousa: O Discurso e o Poder:-Ensaio sobre a Sociologia da Retórica
Jurídica. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 84 e seguintes. Apud MAIA,
Alexandre da. O garantismo jurídico de Luigi Ferrajoli: notas preliminares.
Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/
item/id/553>. Acesso em: 26.6.2001, às 3h17.
[41]
Um exemplo do exposto foi a citação de: HABERMAS, Jürgen. A crise de
legitimação no capitalismo tardio. 3. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1999. passim.
[42]
FERRAZ JÚNIOR., Tércio Sampaio: Introdução ao Estudo do Direito. 2. ed.
São Paulo: Atlas, 1996. p. 85-94.
[43]
FERRAJOLI, Luigi. Diritto e ragione: teoría del garantismo penale. Roma:
Laterza, 1990. p. 795-799.
[44]
FERRAJOLI, Luigi. Diritto e ragione: teoría del garantismo penale. Roma: Laterza, 1990. p. 891.
[45] Ibidem. p. 892.
[46] SCHELER, Max. Ética: Nuevo Ensayo de Fundamentación de
un Materialismo Ético. Buenos Aires: Revista de Occidente
Argentina, 1948, tomo 1, p.159-216; apud Mesmo atrasado, aceite os meus votos
de parabéns e felicidades!.
[47] FERRAJOLI,
Luigi. O Direito como Sistema de Garantias. In OLIVEIRA JR., José
Alcebíades de (Org). O Novo em Direito e Política. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1997, p. 95-97. Não esqueçamos que Kelsen não distinguiu,
também, validade de legalidade, expressões que para ele,
normalmente, se apresentaram como sinônimas de legitimidade.
[48] FERRAJOLI,
Luigi. O Direito como Sistema de Garantias. In OLIVEIRA JR., José
Alcebíades de (Org). O Novo em Direito e Política. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1997, p. 84-95.
[49]
MAIA, Alexandre da. O garantismo jurídico de Luigi Ferrajoli: notas
preliminares. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/
item/id/553>. Acesso em: 26.6.2001, às 3h17.
[50] Nesse sentido: COSTA, PIETRO. Un modello per
un‟analisi: la teoria del “garantismo” e la comprensione storico-teorica della
“modernità” penalistica”. GIANFORMAGGIO, Letizia (Org.). Le
regioni del garantismo – discutendo com Ferrajoli. Turim: Gianppichelli,
1993. p. 11. Observe-se que a autora se refere ao original em italiano, eis que
a versão nacional, publicada pela Editora Revista dos Tribunais, em 2.002,
conta com 766 páginas.
[51]
GIANFORMAGGIO, Letícia. Direito e ragione tra essere e dover essere.
GIANFORMAGGIO, Letizia (Org.). Le regioni del garantismo – discutendo com
Ferrajoli. Turim: Gianppichelli, 1993, p. 25.
[52]
Sobre o funcionalismo de Durkheim, tratamos anteriormente no primeiro capítulo
desta dissertação. Aliás, ele representa o funcionalismo, enquanto que os mais
recentes representam o neofuncionalismo.
[53]
GIANFORMAGGIO, Letícia. Direito e ragione tra essere e dover essere.
GIANFORMAGGIO, Letizia (Org.). Le regioni del garantismo – discutendo com
Ferrajoli. Turim: Gianppichelli, 1993. p. 31.
[54]
GUASTINI, Riccado. I fondamenti teorici e filosofici del garantismo.
GIANFORMAGGIO, Letizia (Org.). Le regioni del garantismo – discutendo com
Ferrajoli. Turim: Gianppichelli, 1993. p.49.
[55]
GUASTINI, Riccado. I fondamenti teorici e filosofici del garantismo.
GIANFORMAGGIO, Letizia (Org.). Le regioni del garantismo – discutendo com
Ferrajoli. Turim: Gianppichelli, 1993. p. 53.
[56]
RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. 6. ed. Coimbra: Armênio Amado. 1979. p. 97-113.
[57] FERRAJOLI, Luigi. Diritto e ragione:
Teoría del Garantismo Penale. Roma: Laterza, 1990, p. 351 e seguintes.
[58] Ibidem. p. 158-159.
[59] FERRAJOLI, Luigi. Diritto e ragione:
Teoría del Garantismo Penale. Roma: Laterza, 1990. p. 547.
[60] JORI, Mario. La cicala e la formica. GIANFORMAGGIO,
Letizia (Org.). Le regioni del garantismo – discutendo com Ferrajoli.
Turim: Gianppichelli, 1993. p. 81-91.
[61]
FERRAJOLI, Luigi. Op. cit. p. 318-322.
[62]
LUZZATI, Claudio. Sulla giustificazione della pena e sui conflitti normativi.
GIANFORMAGGIO, Letizia (Org.). Le regioni del garantismo – discutendo com
Ferrajoli. Turim: Gianppichelli, 1993, p. 120-157.
[63]
PADOVANI, Tullio. Un percorso penalistico. GIANFORMAGGIO, Letizia (Org.). Le
regioni del garantismo – discutendo com Ferrajoli. Turim: Gianppichelli,
1993, p. 316.
[64]
FERRAJOLI, Luigi. Diritto e ragione: Teoría del Garantismo Penale. Roma:
Laterza, 1990. p. 466 e seguintes.
[65]
Ibidem. p. 957 e seguintes.
[66]
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Atlas,
1999. p. 495.
[67]
Observe-se que não se admite a edição de medida provisória pela unidade da
federação, o que constitui contradictio in terminis inadmissível.
[68]
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo
Gonet. Curso de direito constitucional.
São Paulo: Saraiva, 2007. p. 842.
[69]
O município está sendo tratado como ente federado somente porque o art. 1º, caput,
da CF assim estabelece, mas, é totalmente adequada a crítica feita por José
Afonso da Silva, aduzindo que o município não tem a natureza de ente federal,
mas de estadual (Curso de direito consticuional positivo. 25. ed. São Paulo:
Malheiros, 2005. p. 474-475).
[70]
O Decreto-Lei n. 4.657, de 4.9.1942, em seu art. 1º, § 2º, contém preceito
semelhante ao do art. 22, parágrafo único da CF/1988. Hoje, os maiores
organizadores dos códigos inserem nota no sentido de que aquele preceito foi
regido pela CF/1937, não tendo mais aplicação desde a CF/1946. Tal postura
decorre do disposto no art. 2º, § 3º do referido decreto-lei que estabelece que
a revogação da norma revogadora não restaura a revogada, salvo se expressamente
a nova lei determinar.
[71]
BRASIL. STF. Pleno. RE 254.818 – PR. Rel. Sepúlveda Pertence. DJ, Seção 1,
19.12.2002, p. 81.
[72]
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2000. p. 366.
[73]
356 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 357-358.
[74]
Ibidem. p. 135.
[75]
Kelsen, Hans. Teoria geral do direito e do estado. 3. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1998. p. 86.
[76]
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1.958. v. 1, t. 1, p. 95/96
[77]
BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral. 5. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2.005. t. 1, p. 122.
[78]
COSTA, Álvaro Mayrink. Direito penal: parte geral. 6. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1.998. v. 1, t. 1, p. 318.
[79]
MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Manual de execução penal. 3. ed. São
Paulo: Atlas, 2003. p. 157-158. Idem. Prescrição penal. 3. ed. São
Paulo: Atlas, 2003. p. 120-127.
[80]
Precedentes judiciais em ambos os sentidos em: FRANCO, Alberto Silva et al.
Código penal e sua interpretação jurispudencial. 6. ed. São Paulo:
Revista dos tribunais, 1997. Vol. 1, t. 1, p. 80-81.
[81]
GOMES, Luiz Flávio. Descriminalização do cloreto de etila. Disponível em: <www.estudoscriminais.com.br>.
Acesso em: 15.8.2002, às 2h30.
[82]
BRASIL. STJ. 5. Turma. REl. José Arnaldo da Fonseca. REsp 299.659. Julgamento
de 18.02.02. DJ, 18.3.2002. p. 285. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/
7817534/recurso-especial-resp-299659-rj-2001-0003672-4-stj>. Acesso em:
26.2.2012, às 12h25.
[83]
GOMES, Luiz Flávio. Descriminalização do cloreto de etila. Disponível em: <www.estudoscriminais.com.br>.
Acesso em: 15.8.2002, às 2h30.
[84] O mar
territorial tem a extensão de 12 milhas marítimas (Lei n. 8.617, de 4.1.1993,
art. 1º), não prevalecendo a ideia de que o território brasileiro se estende
por toda Plataforma Continental (Decreto-lei n. 1.098, de 25.3.1970, art. 1º).
Sobre esta, o Estado brasileiro tem privilégios quanto à exploração econômica,
mas não constitui território nacional (Lei n. 8.617/1993, arts. 6º-14).
[85]
JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. O tribunal penal internacional – a
internacionalização do Direito Penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2.004.
p. XVII-XVIII.
[86]
A sequência cronológica que apresentamos tomou por base o seguinte artigo:
CADERMATORI, Lindolpho. O Tribunal Penal Internacional e o unilateralismo da
Doutrina Bush. www.google.com, 8.2.2004, 2h.
[87]
PINHEIRO, Carla. Direito internacional e direitos fundamentais. São
Paulo: Atlas, 2.001. p. 94-105.
[88]
Ibidem. p. 76-78.
[89]
MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz de. O tribunal penal internacional e a
constituição brasileira. MIRANDA, Nilmário et al. O que o tribunal penal internacional.
www.camara.gov.br/cdh/Publicações, 20.3.2004. p. 6.
[90]
JUBILUT, Liliana Lyra. Os pactos internacionais de direitos humanos. ALMEIDA,
Guilherme Assis de; PERRONE-MOISÉS, Cláudia (Coord.). Direito internacional
dos direitos humanos – instrumentos básicos. São Paulo: Atlas, 2.002. p.
50.
[91]
SABÓIA, Gilberto Vergne. Conferência: A criação do Tribunal Penal
Internacional. Diponível em: <http://www.cjf.gov.br/revista/numero11/Conferencia.htm>.
Acesso em: 8.2.2004, às 2h40.
[92]
FERRER, Isabel. Tribunal Penal Internacional tem indícios de
que EUA cometeram crimes de guerra no Afeganistão: Promotores examinaram os fatos e cogitam pedir autorização aos
juízes para iniciar um processo formal. Madrid: El País, 16.11.2016.
Disponível em: <http://brasil.elpais.com/brasil/2016/11/15/
internacional/1479205978_967419.html>. Acesso em: 5.4.2017, 2h.
[93]
Disponível em: <http://www.filmesdecinema.com.br/filme-risco-duplo-4385/>.
Acesso em: 31.7.2011, às 21h45.
[94]
MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução criminal. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2.007. p. 333.
[95]
ACCIOLY, Hildebrando. Manual de direito internacional público. 11. ed.
São Paulo: Saraiva, 1991. p. 89.
[96]
Tal matéria ocupa o campo do Direito de Execução Criminal, daí concitarmos o
leitor a verificar: MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Manual de execução penal.
2. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 188/189.
[97]
BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal. 6. ed. São Paulo:
Saraiva, 2000. v. 1, p. 119.
[98]
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 20. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2.002. p. 418.
[99] Todo
conjunto da CF levava a crer que a imunidade era apenas criminal, sendo que o
art. 53, caput, dispunha: “Os Deputados e Senadores são invioláveis por
suas opiniões, palavras e votos”. Hoje, depois da emenda 35/2001, a redação é:
“Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e criminalmente, por quaisquer
de suas opiniões, palavras e votos”.
[100] MOREIRA, Rômulo de Andrade; ROSA,
Alexandre Morais da. Para (não) entender a prisão de um Senador
pelo STF. ISSN 2446-7405. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/para-nao-entender-a-prisao-de-um-senador-pelo-stf-por-romulo-de-andrade-moreira-e-alexandre-morais-da-rosa/>.
Acesso em: 5.4.2017, às 12h20.
[101] 2 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 8. ed. São Paulo: 2.008. p. 48.
[102]
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2000. p. 358: “Se a lei nova cria, sobre o mesmo assunto da anterior,
um sistema completo, diferente, é claro que todo o outro sistema foi
eliminado”.
[103] STF. 1ª Turma. RE 319556/MG. Rel. Sepúlveda
Pertence. DJ, Seção 1, de 12.4.2002. p. 67.
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