1. FINALIDADE
Tratarei
aqui academicamente sobre uma provocação de um amigo, um coordenador de uma
graduação em Direito de uma faculdade privada que está situada no Distrito
Federal. Ele é um intelectual que sabe da minha posição acadêmica sobre o
Direito Criminal.
A
provocação que me foi enviada tem o seguinte texto:
O ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), declarou, nesta sexta-feira (10), que
"ninguém pode esquecer" que casos de corrupção ocorreram no Brasil e
que "embora nas decisões da Lava Jato tenha havido anulações formais,
aqueles R$ 50 milhões nas malas eram
verdadeiros".
"Não eram notas americanas
falsificadas. O gerente que trabalhava na Petrobras devolveu R$ 98 milhões de
dólares, e confessou efetivamente que tinha assim agido", afirma.
Fux se
referia, sem citar nomes, às malas do ex-ministro Geddel Vieira Lima,
encontradas em um apartamento em Salvador, e aos R$ 98 milhões de dólares que o
ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco devolveu, após confessar desvios.
As declarações
foram durante discurso em evento do Tribunal de Contas do Estado do Pará, em Belém, com a presença de autoridades, incluindo o governador Helder Barbalho (MDB) e o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU),
Bruno Dantas.[1]
Essa
provocação à reflexão me levou a pensar sobre momentos anteriores em que me
posicionei sobre a Operação Lava Jato e tenho por orientação a hipótese de que
não se pode pretender combater a criminalidade praticando novos crimes, como os
perpetrados pela equipe da Lava Jato. Pior, diárias, em média de R$
3.000.000,00 anuais, por si só, representam elevado custo que não podemos
esquecer.
2. UM POUCO DA OPERAÇÃO LAVA JATO
Em
2017 planejei e implementei um curso de extensão em que tratei especificamente
sobre a Operação Lava Jato, seu orientador fático foi um livro de investigação
jornalística.[2]
A
operação lava jato já foi objeto de breve exposição crítica que fiz à visão de
Moro sobre a Operação Mani Pulite (Operação Mãos Limpas). Nela escrevi:
Um Juiz imparcial, não adotaria as práticas que ele
defendeu em 2004 e que evidencia estar concretizando 10 anos depois. Sua visão
da Operação Mãos Limpas deixa à mostra o quanto é perigosa a condução
por ele dos processos criminais da Operação Lava Jato, em que as
semelhanças com a Operação “Mani Pulite” não são meras
coincidências.
O pior é que o seu artigo é concluído com a seguinte
assertiva: “Daí, por evidente, o valor, com seus erros e acertos, do exemplo
representado pela Operação Mani Pulite”. Porém, ele próprio reconhece
que a referida operação projetou politicamente Berlusconi, um homem de
histórico de (im)probidade complicado. E, não se pode afirmar que a operação
foi benéfica se a Itália continua sendo um dos países mais corruptos da Europa,
só empatando com a Romênia e a Grécia.[3]
A operação policial/judicial se iniciou em 17.3.2014, tendo esse nome em razão de que o
Posto da Torre, localizado no Setor Hoteleiro Sul de Brasília, ter um lava jato
que era usado para lavagem de dinheiro, por intermédio de Alberto Youssef.
A
Lava Jato se tornou interminável operação policial/judicial, com quase uma
centena de fases para apurar uma série de crimes continuados, tratados como
crimes perpetrados em concurso material.[4]
Um negacionismo a tudo, inclusive à lei, leva ao que temos, Juízes Substitutos
negando a teoria objetivo-formal, adotada pelo Código Penal, para
rejeitar a continuidade delitiva. Mas, o fazem com o aval do STJ. Com isso, o
crime continuado não merece prestígio na jurisprudência pátria e a Lava Jato o
desprezou.
3. A CRISE DA OPERAÇÃO LAVA JATO
A
operação não teve uma crise porque ela foi inconstante do início ao
fim. Seus primeiros problemas surgiram com o desrespeito aos direitos
fundamentais e com a prática do seguinte crime:
Art. 10. Constitui
crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou
telemática, promover escuta ambiental ou quebrar segredo da Justiça, sem
autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei:
Pena - reclusão, de 2
(dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
O
Lula afirmou que tudo não passava de pirotecnia.[5]
Pior, sempre foi isso. Como Moro alertou no seu pequeno artigo que citei,
sempre considerou questionável o vazamento de informações, mas útil. Isso é
inquestionável na famigerada operação, a partir do Tchau, querida,
divulgação havida em 16.3.2016,[6]
quando eu discursava em caminhão de som falando em prol da saída da então
Presidente da República. Fiquei muito envergonhado.
Naquele
dia conclui: MBL (Movimento Brasil Livre) nunca mais. No entanto, o STF demorou
um pouco mais a acordar.
O
STF veio sofrendo pressões desde muito antes. Pior, membros do STF da pior
estirpe quiseram, a qualquer custo, validar a Lava Jato. Ministro fez chicana
para acreditarmos que o louvável Ministro Celso de Mello criou oportunidade
incabível de embargos infringentes contra decisão dele,[7]
STF, o que já sabíamos ser contrário à legalidade e ao direito do réu.
As
ilegalidades foram as mais diversas possíveis. E, somente depois de mais uma
decisão absurda, Lula foi colocado em liberdade.[8]
Recuso-me
a citar a decisão monocrática que anulou as diversas decisões plenárias do STF,
embora indique a sua fonte neste texto (nota de rodapé n. 9) porque ela
subverte toda ordem jurídica. De todo modo, todas anteriores que não percebiam,
por maioria, os vícios de origem criticáveis.[9]
Com efeito, é do garantismo e sempre alertou o Min. Gilmar Mendes que “não se
combate crime cometendo crime”. Ele lembrou os fatos trazidos na mensagem do Professor
Doutor que me provocou, rebatendo-o porque um erro não justifica outro.[10]
Conclusão
Talvez
o conhecimento aqui trazido seja “zero” porque um relator parcial era de conhecimento público. A “vaza jato” era outra crise criminosa de vazamento de
dados sigilosos do processo.
Pior,
Albert Youssef, já indigno de nova delação por desonrar a anterior, foi preso
no NE por determinação de um Juiz Federal do PR, em face de crime havido em
Brasília. Ninguém conseguia ver isso porque a nossa democracia caminha ao lado
da polícia e de maus sistemas repressivos.
O
dano moral coletivo que nunca quisemos apurar, os danos morais a Lula e outros
envolvidos, hoje inocentes, em face da anulação de processos, são, talvez,
maiores do que os conhecidos danos aventados por Fux na matéria que inspirou
este texto.
O
Brasil sempre foi e será inconsequente enquanto não tivermos efetiva concepção
democrática. Por enquanto, vivemos presos ao saudosismo do péssimo momento de
totalitarismo militar.
Lamentável!
[1] G1
PARÁ. Ministro Fux diz que decisões sobre casos de corrupção foram anuladas na
Lava Jato, mas dinheiro desviado era real: Luiz Fux declarou que, embora as
anulações formais na Lava Jato, R$ 50 milhões em malas eram verdadeiros. Belém,
10.6.2022, às 17h50. Disponível em: <https://g1.globo.com/google/amp/pa/para/noticia/2022/06/10/ministro-fux-diz-que-decisoes-sobre-casos-de-corrupcao-foram-anuladas-na-lava-jato-mas-dinheiro-desviado-era-real.ghtml>.
Acesso em: 17.6.2022, às 21h44.
[2]
NETTO, Vladimir. Lava Jato: o Juiz
Sérgio Moro e os bastidores da operação que abalou o Brasil. Rio de Janeiro:
Primeira Pessoa, 2016.
[3] MESQUITA
JÚNIOR, Sidio Rosa de. O artigo de autoria do Juiz Federal Sérgio Fernando
Moro, de 2004, sobre a Operação Mãos Limpas, “Mani Pulite”, evidenciando suas
práticas na Operação Lava Jato. Brasília: Estudos Jurídicos e Filosóficos,
15.9.2015. Disponível em: <http://sidiojunior.blogspot.com/2015/09/o-artigo-de-autoria-do-juiz-federal.html>.
Acesso em: 17.6.2022, às 23h22.
[4]
Veja-se os arts. 71 e 69 do Código Penal:
Crime continuado
Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão,
pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo,
lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser
havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes,
se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um
sexto a dois terços.
Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes,
cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a
culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente,
bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes,
se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras
do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código.
Concurso material
Art. 69 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão,
pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as
penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação
cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela.
§ 1º - Na hipótese deste artigo, quando ao
agente tiver sido aplicada pena privativa de liberdade, não suspensa, por um
dos crimes, para os demais será incabível a substituição de que trata o art. 44
deste Código.
§ 2º - Quando forem aplicadas penas restritivas de
direitos, o condenado cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis entre
si e sucessivamente as demais.
[5] AGÊNCIA
O GLOBO. Lula chama de “pirotecnia” denúncia do MP: ex-Presidente foi
denunciado pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro na Lava-Jato,
15.9.2016, às 13h51. Disponível em: <https://epocanegocios.globo.com/Brasil/noticia/2016/09/lula-chama-de-pirotecnia-denuncia-do-mp.html>.
Acesso em: 17.6.2022, às 20h13.
[6] Estávamos
em clima de derrubada da então Presidente da República, quando vazou o vídeo,
totalmente irregular, do ex-Presidente com a então Presidente, a jogando por
terra, em plena ilicitude, ato decorrente de Juiz absolutamente incompetente
(In CASTRO, Fernando; NUNES, Samuel; NETTO, Vladimir. Moro derruba sigilo e
divulga grampo de ligação entre Lula e Dilma: ligação foi feita às 13h32 desta
quarta-feira (16). Em outra conversa, Lula diz que não iria para o governo para
se proteger. 16.3.2016, às 18h38. Disponível em: <https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2016/03/pf-libera-documento-que-mostra-ligacao-entre-lula-e-dilma.html>.
Acesso em: 17.6.2022, às 20h22.
[7] Em
voto polido e muito bem fundamentado, o Ministro, em 18.9.2013, demonstrou o
total cabimento dos embargos infringentes em favor de réus que, em ação
criminal originária no STF, são condenados por maioria. (STF. Tribunal Pleno.
Ação Penal n. 470-MG. Min. Celso de Mello. 18.9.2013. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/arquivos/2013/9/voto-celsomello-infringentes.pdf>.
Acesso em 17.6.2022, às 20h42.
[8] STF.
Tribunal pleno. Ag. Reg. No HC 193.726. Min. Edson Fachin, 14.4.2021.
Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1273296176/agreg-no-agreg-no-habeas-corpus-hc-193726-pr/inteiro-teor-1273296181>.
Acesso em: 17.6.2022, às 20h54.
[9] Era
triste ver um grupo, formado precipuamente por Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Rosa
Weber, Carmem Lúcia e Edson Fachin (e outros ex-Ministros), não perceberem os
diversos vícios processuais, especialmente, que o crime não pode ser combatido
mediante a prática de novos crimes
[10] CARTA
EXPRESSA. Gilmar rebate Fux sobre Lava Jato: “não se combate crime cometendo
crime: ninguém discute se houve, ou não, corrupção. O que se cobra é que isso
seja feito seguindo o devido processo legal”. Disse o Ministro. Carta Capital,
13.6.2022, às 18h27. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/gilmar-rebate-fux-sobre-lava-jato-nao-se-combate-crime-cometendo-crime/>.
Acesso em: 17.6.2022, às 21h20.
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