Senhoras e
Senhores, bom dia!*
Fico envaidecido em me manifestar perante público
tão seleto. Inquieto-me aqui com o conceito de democracia ao verificar que
estou perante uma elite pensante, em que este auditório representa
significativo percentual dos portadores do título de Doutor existentes em todo
território nacional.
Como palestrante, eu deveria ser um especialista no
assunto e, confesso, o meu mestrado foi sobre imputação objetiva, uma teoria do crime com reflexos na teoria da
pena. Já o meu doutorado, seguindo a linha funcionalista da pesquisa do
mestrado, teve por objeto de estudo o
funcionalismo e o garantismo na defesa de direitos fundamentais no processo
criminal. Assim, é muita ousadia a minha ao estar aqui, eis que a licitação
é apenas uma atividade que não tem ensejado, talvez por negligência minha,
profundos estudos. De todo modo, tenho uma prática, acerca da licitação, que se iniciou com a minha
investidura e início do exercício no então cargo de Procurador Autárquico, isso
em 25.10.1996.
Inicialmente, apresento uma noção de licitação,
sobre a qual De Plácido e Silva afirma:
LICITAÇÃO. Do latim licitatio, dos verbos liceri ou licitari (lançar em leilão, dar preço, oferecer lanço) possui o
vocábulo, em sentido literal, a significação do ato de licitar ou fazer preço sobre
coisa posta em leilão ou a venda de em almoeda. Assim, não se confunde com
o leilão ou com a hasta pública, porque é tecnicamente parte
deles, isto pois é o lançamento do preço, a oferta do preço.[1]
No entanto, estaremos tratando da licitação como um
processo e este como um conjunto de atos coordenados entre si, tendentes à
aplicação da lei material ao caso concreto.[2] Vê-se que o objetivo da licitação é efetivar os
fins da Lei n. 8.666, de 21.6.1993, especialmente os de assegurar a negociação
mais vantajosa para a administração pública. Mas, em tudo, respeitando aos
diversos princípios orientadores do Direito em geral.
Volto-me inicialmente a nós, os denominados
intelectuais.
Afirmamos que as questões técnicas devem ser
decididas por especialistas e as questões políticas pelo povo. Essa proposição
antiga, que nos advém desde Platão, cria alguns imbróglios quase intransponíveis
visto que algumas pautas, relativas à cibernética, à biotecnologia, à física
quântica e outras, nos levam a questionar a legitimidade de se destinar as
decisões de tais questões segundo a regra da maioria. Mas, pergunto-me, com
Celso Fernandes Campilongo, a democracia majoritária deverá ceder lugar à
tecnocracia elitista à qual pertencemos?[3]
O
grande problema é que temos vícios sedimentados por uma fé, ao meu sentir, um
dos pontos centrais de toda ação humana, considerando oportuno o que se pode
extrair de Habermas acerca das diferentes ações na sociedade complexa:
Popper
introduz distintos conceitos de mundo para, segundo Habermas, evidenciar
diversas regiões do ser dentro de um único mundo objetivo. Mas, Habermas diz
que não se valerá da linguagem de Popper para explicar a ação. Então, inicia
tratando do conceito de ação teleológica, que é o centro da teoria
filosófica da ação. Ocorre que ela se amplia e se transforma em ação
estratégica. Esta é utilitarista, não tendo apenas em vista os fins da ação
teleológica, mas também os meios, exemplificando com a teoria dos jogos da
Economia.
Outra
espécie da ação é a regulada por normas. Ela orienta atores, em
princípios solitários, a se orientarem por valores comuns quando forem se
interagir com outros atores. Nesse sentido, as normas expressam um acordo
existente em um grupo social.
Habermas
fala, também, da ação dramatúrgica, na qual os atores se colocam como
participantes de uma interação, constituindo uns aos outros como participantes
de um público, regulando a interação e o recíproco acesso aos demais à esfera
dos próprios sentimentos.
Depois
de todas essas espécies de ação que foram mencionadas, Habermas arremata:
Finalmente, el concepto de acción comunicativa se refiere a la
interacción de al menos dos sujetos capaces de lenguaje y de acción que (va sea
con medios verbales o con medios extraverbales) entablan una relación
interpersonal. Los actores buscan entenderse sobre una situación de acción para
poder así coordinar de común acuerdo sus planes de acción y con ello sus
acciones.[4]
Devo dizer que a noção de
realidade, assim como a de verdade, não pode advir da comunicação. Esta é
representação e, como tal, não pode evidenciar a realidade. Desse modo, a ação
comunicativa nada mais será do que mais uma representação discursiva na
sociedade complexa.[5]
Sustento
que a ação comunicativa habermasiana é mais uma tese discursiva complexa da
qual nós juristas costumamos nos apropriar e utilizar como se fossem nossas.
Digo isso, em relação ás pessoas em geral, quando pensam que podem se apropriar
da res publica. E, nós que aqui nos
reunimos para falar de licitação, temos em vista, no mínimo, uma ação estratégica, na qual teremos em
vista o respeito à isonomia e à impessoalidade para alcançar, com a máxima
publicidade, um fim público, cujo meio será o processo administrativo
licitatório.
É
nesse contexto que insiro a Procuradoria-Geral Federal e chamo a atenção para o
fato de, recentemente, o Min. Gilmar Ferreira Mendes, defendendo-se das
hostilizações que vem sofrendo, em discussão perante o Plenário do Supremo Tribunal
Federal, falou orgulhosamente sobre a sua iniciativa de ter retirado as
Procuradorias Autárquicas da administração federal indireta, estabelecendo uma
carreira única, especialmente porque os Procuradores Autárquicos das
Universidades Federais estavam em conluio com a administração superior dessas
instituições para perderem ações judiciais que os favoreceriam,[6]
como é o caso da Universidade de Brasília e da Universidade Federal do Rio de
Janeiro que ainda pagam, por força de liminar, a URP (Unidade de Referência de
Preços), cujos pagamentos, há muito tempo, foram declarados inconstitucionais
pelo STF. É por isso, Senhoras e Senhores, que não mais existe o cargo
de Procurador Autárquico, tendo sido criada a Medida Provisória n. 2.048-26, de
25.6.2000, que instituiu o cargo de Procurador Federal.
Hoje, digo a esse seleto grupo
deste auditório, que vige a Medida Provisória n. 2.229-43, de 6.9.2001,
“congelada” pela Emenda à Constituição n. 32. Tal medida provisória constitui
renumeração da Medida Provisória n. 2.048-26/2000. E, com a Lei n. 10.480, de
2.7.2002, o Procurador Federal foi colocado claramente na posição de membro da
Advocacia-Geral da União, cuja vinculação a ela é expressa (art. 9º),[7] a
qual tem o reforço da Lei n. 13.327, de 29.7.2016, que institui direitos,
atribuições e prerrogativas aos Membros da AGU.
Senhoras
e senhores, nós os Procuradores Federais, portanto, estamos junto às
Instituições Federais de Ensino Superior, como entes externos, para ajudar e
também para controlar as atividades administrativas. Nessa nova estruturação da
Advocacia-Geral da União e dos órgãos a ela vinculados, emergiu a discussão na
nossa colocação entre os Poderes do Estado, sendo que o STF decidiu que a AGU,
assim como o Ministério Público, tem a natureza de órgão essencial à
administração da Justiça, embora os Procuradores Federais ocupem espaços das
autarquias, não as integram, estando separados dos Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário.[8]
Academicamente, digo que temos natureza executiva, embora haja uma excrecência
constitucional ao nos deixarem desvinculados de todos os Poderes reconhecidos
como sendo do Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário). Assim, a nossa
defesa deverá ser a do Estado, independentemente de quem seja o seu governante.
Desde
2010 a AGU vem envidando esforços para otimizar e padronizar suas atuações
consultivas, o que não autoriza dizer que haverá uniformização plena, visto
que, em uma análise técnica, poderá um Membro da AGU adotar posição minoritária
ou inovadora, o que é bom que exista, a fim de possibilitar a evolução da
atuação jurídica, pois, doutas e doutos ouvintes, uma nova ordem jurídica só
poderá emergir a partir do momento que percebemos que é necessária a a abertura
ao novo. De qualquer modo, foi editado o Manual de Boas Práticas Consultivas,
que já se encontra em sua 4ª edição, sendo a última do ano de 2016.[9]
Doravante,
ficarei adstrito ao processo licitatório, vinculando-o ao referido Manual de
Boas Práticas Consultivas, esclarecendo que a Lei n. 8.666, de 21.6.1993, é a
lei geral para regulação dos contratos e demais negócios jurídicos na
administração pública, embora, na prática, ela seja mais subsidiária do que a
que diretamente se aplicará às situações concretas, visto que será preponderante a
Lei n. 10.520, de 17.7.2002, que regula o pregão e este, especialmente o
eletrônico, deverá ser a regra. Digo isso porque para aquisições de bens de uso
comum e para contratação de serviços, também comuns, há preferência normativa
pelo pregão.
Para
a compra de bens e a contratação de prestadores de serviços, existirão
diferentes modalidades de licitação, sendo que compactuo do entendimento de
Jacoby, no sentido de que deveríamos nos valer mais da adesão à ata de registro
de preços,[10]
a qual, não obstante a posição da administração pública de ela não constitui
propriamente um processo licitatório, entendemos que se trata de especial forma
de licitação.
Com
fulcro no art. 23 da Lei n. 8.666/1993, informo que as modalidades de licitação
foram estabelecidas inicialmente com base no valor, a saber:
Obras e serviços de engenharia
|
Compras e demais contratações
|
Contratação direta, até
R$ 15.000,00
|
Contratação direta, até
R$ 8.000,00
|
Convite, até R$
150.000,00
|
Convite, até R$
80.000,00
|
Tomada de preços, até R$
1.500.000,00
|
Tomada de preços, até R$
650.000,00
|
Concorrência, acima de
R$ 1.500.000,00
|
Concorrência, acima de
R$ 650.000,00
|
* Independentemente
do valor, para bens e serviços comuns, preferir-se-á o pregão.
**
Compra ou contratação em valores superiores a R$ 150.000.000,00, deverá ser
precedida de audiência pública.
Ocorre
que modificamos essa perspectiva para estabelecermos uma nova modalidade de
licitação, que é o pregão, uma espécie de leilão invertido (Lei n. 10.520/2002).
Sua forma eletrônica foi regulada pelo Decreto n. 5.450, de 31.5.2005, que hoje
é, conforme recomendação do Tribunal de Contas da União, de quem as decisões
têm poder normativo (Lei n. 8.443, de
16.7.1992, art. 3º). Isso é severamente criticado pela doutrina porque pode dar margem à fraude, violando a
isonomia, a ampla competição e a publicidade.[11]
Emergem
alguns problemas, peculiares às Instituições Federais de Ensino Superior (IFES),
especialmente porque são alvos de Termos de Execução Descentralizada (TED),
regulados pelo Decreto n. 6.170, de 25.7.2007. Isso decorre de uma velha norma
costumeira, estabelecida na administração pública, a saber:
– É
proibida a devolução de recursos orçamentários!
Costumamos
dizer que se recursos forem devolvidos, o próximo orçamento será reduzido.
Então, quando os órgãos públicos da administração direta e indireta percebem
que têm receitas sobrando, repassam para as IFES que vão poder enfiar em uma
fundação de apoio e executar noutros exercícios financeiros.
Concluo
transcrevendo, a título de provocação, algo que já escrevi academicamente:
É antiga a prática de utilização de fundações
de apoio para fins ilícitos e imorais, o que levou o TCU, em 1.992, a cogitar a
extinção de tal espécie de fundação. Sobre o assunto, Di Pietro, reservou um
capítulo, intitulado "Da Utilização Indevida da Parceria com o Setor
Privado como Forma de Fugir ao Regime Jurídico Publicístico",[12] o que induz à certeza que
toda participação de fundação de apoio na administração pública é merecedora de
especial cautela, sendo que a Procuradoria Federal Especializada junto à IFES
deverá adotar postura intransigente para defesa dos princípios orientadores do
Direito Público em geral e, por consequência, do patrimônio público.[13]
Por favor, não se irritem comigo, estou à disposição de todos para
ajudar. Anotem os meus contatos. Espero que não precisem do meu apoio na área
da minha expertise, a criminal, mas se precisarem, estarei à disposição. E os provoquei porque espero que haja alguma
pergunta, especialmente porque não podemos nos olvidar do Acórdão TCU
2731/2008.
* Palestra proferida em Pelotas-RS, em 9.5.2018.
[1] SILVA, De Plácido e.
Vocabulário jurídico. 20. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2002. p. 492.
[2] MESQUITA JÚNIOR,
Sidio Rosa de. Prescrição penal. 4.
ed. São Paulo: Atlas, 2007.
[3] CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e democracia. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 47.
[4] HABERMAS, Jürgen. Teoria de la acción
comunicativa. Madrid: Trotta,
2.010. t. I e II. p. 118.
[5] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Habermas e as diversas
formas de “ação”. 22.11.2011. Disponível em: <https://sidiojunior.blogspot.com.br/2011/11/habermas-e-as-diversas-formas-de-acao.html>.
Acesso em: 3.5.2018, às 2h02.
[6] STF. Plenário. HC
143.333. Rel. Edson Fachin. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5178344>.
Acesso em: 3.5.2018, às 10h16. Lamentavelmente, a TV Justiça retirou do ar os
debates, em que se apresentam as duras críticas do Min. Gilmar Mendes à
corrupção. Também, o inteiro teor de cada voto ainda não está disponível na
página do STF.
[7] Discute-se doutrinariamente e já há até ação judicial
em que se impugna a alteração da estrutura da AGU por lei ordinária, visto que
é matéria reservada à lei complementar. De todo modo, não podemos nos olvidar
da finalidade pública que motivou a alteração legislativa.
[8] BRASIL. STF. 1ª Turma. RE 558.258-SP. Rel. Ricardo
Lewandowski. (o que fica explícito no voto do Min. Dias Toffoli). Disponível
em: <https://jurisprudencia.s3.amazonaws.com/STF/IT/RE_558258_SP_1308254316901.pdf?Signature=v8nDeJmDNU8riNoit2YS5RLShDU%3D&Expires=1525810146&AWSAccessKeyId=AKIAIPM2XEMZACAXCMBA&response-content-type=application/pdf&x-amz-meta-md5-hash=26c28e0396186352b15f7552a7f12dfb>.
Acesso em: 8.5.2018, às 17h25.
[9] Estabelecido pela Portaria Conjunta n. 1, de
2.12.2016, firmada por: (1) Secretário-Geral se Consultoria; (2) Consultor-Geral
da União; (3) Corregedor-Geral da Advocacia-Geral da União; (4)
Procurador-Geral do Banco Central; (5) Procurador-Geral da Fazenda Nacional;
(6) Procurador-Geral Federal; (7) Procuradora-Geral da União; e (9)
Secretária-Geral De Contencioso.
[10] FERNANDES, Jorge
Ulisses Jacoby. Contratação direta sem
licitação. 10. ed. Belo Horizonte, 2016.
[12] Di Pietro, Maria Sylvia Zenella. Parcerias na
administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização,
parceria público-privada e outras formas. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2.008. p.
278-289.
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