1. DELIMITANDO O ESTUDO
Tratarei de uma notícia que vem
repercutindo muito em todo território, a qual é até surpreendente pela
velocidade da iniciativa ministerial, visto que um pequeno vídeo viralizou nas
redes sociais no final de semana (dias 15 e 16.4.2023) e na
segunda-feira (dia 17.4.2023) já se noticiava que o Ministério Público Federal
ofereceu denúncia contra o Senador da República Sérgio Fernando Moro (nascido
em 1.8.1972).[2]
Não tenho a neutralidade como
orientadora das minhas pesquisas, estando bem acompanhado nesse aspecto, eis
que Max Weber afirmou: "Nossa vida social e econômica euro-americana
encontra-se 'racionalizada' de um modo e num sentido específico".[3] Com isso, sempre que
iniciamos o estudo de um objeto, temos um problema e hipóteses possíveis,
tentando demonstrar uma delas. Assim, a neutralidade inexiste.
De todo modo, podemos ser imparciais.
Mesmo que eu não goste do Partido dos Trabalhadores (fundado em 10.2.1980), nem
dos principais ícones da Operação Lava Jato[4] e dos nomes da suposta
"extrema direita" (que de conservadora nada tem[5]), buscarei ficar adstrito ao
vídeo e à denúncia.
2. O
VÍDEO E A DENÚNCIA
O vídeo,[6] segundo o acusado, foi
editado. O que podemos apreender dele é que se deu em uma festa junina, gravado
de 2016 a 2022, quando ele diz, ante a brincadeira da cadeia, a fiança
"seria para comprar um habeas corpus do Ministro Gilmar
Mendes".[7]
A denúncia, assim como a maioria, é
sucinta.[8] Veja-se que se pede para
que, caso a pena aplicada seja superior a 4 anos, superior a 4 anos, haja a
perda do cargo eletivo. É muito difícil pensar em tal hipótese, visto que não há
qualquer indicativo de que foi o acusado quem gravou o vídeo ou que o tenha
disponibilizado nas redes sociais, bem como concorrido dolosamente para tal.
Não tratarei aqui ada aplicação da pena
por é um tema denso e que enseja longas discussões,[9] distanciando-se do objetivo
do presente artigo, o qual é demonstrar a impossibilidade de se falar em crime
de calúnia ou difamação no caso vertente, restando, em tese, a possibilidade do
crime de injúria.
3. ANÁLISE DOS CRIMES CONTRA A HONRA
A transcrição que farei dos crimes
contra a honra terá os dispositivos legais mencionados na denúncia grifados (em
itálico).
3.1 Previsão legal
Vejamos o Título I (Dos crimes contra a
pessoa) da Parte Especial do Código Penal, especialmente seu Capítulo V (Dos crimes
contra a honra):
Calúnia
Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido
como crime:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a
propala ou divulga.
§ 2º - É punível a
calúnia contra os mortos.
Exceção da verdade
§ 3º - Admite-se a prova da verdade, salvo:
I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o
ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível;
II - se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no n. I
do art. 141;
III - se do crime
imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença
irrecorrível.
Difamação
Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua
reputação:
Pena - detenção, de
três meses a um ano, e multa.
Exceção da verdade
Parágrafo único - A
exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a
ofensa é relativa ao exercício de suas funções.
Injúria
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
§ 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a
injúria;
II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.
§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que,
por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena
correspondente à violência.
§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a
religião ou à condição de pessoa idosa ou com deficiência:
Pena - reclusão, de 1
(um) a 3 (três) anos, e multa.
Disposições comuns
Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um
terço, se qualquer dos crimes é cometido:
I - contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo
estrangeiro;
II - contra funcionário público, em razão de suas funções, ou contra
os Presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do Supremo
Tribunal Federal;
III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a
divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria.
IV - contra criança, adolescente, pessoa maior de 60 (sessenta)
anos ou pessoa com deficiência, exceto na hipótese prevista no § 3º do art. 140
deste Código.
§ 1º - Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de
recompensa, aplica-se a pena em dobro.
§ 2º Se o crime é
cometido ou divulgado em quaisquer modalidades das redes sociais da rede
mundial de computadores, aplica-se em triplo a pena.
Exclusão do crime
Art. 142 - Não
constituem injúria ou difamação punível:
I - a ofensa irrogada
em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador;
II - a opinião
desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando
inequívoca a intenção de injuriar ou difamar;
III - o conceito
desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que
preste no cumprimento de dever do ofício.
Parágrafo único - Nos
casos dos ns. I e III, responde pela injúria ou pela difamação quem lhe dá
publicidade.
Retratação
Art. 143 - O querelado
que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da difamação, fica
isento de pena.
Parágrafo único. Nos
casos em que o querelado tenha praticado a calúnia ou a difamação utilizando-se
de meios de comunicação, a retratação dar-se-á, se assim desejar o ofendido,
pelos mesmos meios em que se praticou a ofensa.
Art. 144 - Se, de
referências, alusões ou frases, se infere calúnia, difamação ou injúria, quem
se julga ofendido pode pedir explicações em juízo. Aquele que se recusa a
dá-las ou, a critério do juiz, não as dá satisfatórias, responde pela ofensa.
Art. 145 - Nos crimes
previstos neste Capítulo somente se procede mediante queixa, salvo quando, no
caso do art. 140, § 2º, da violência resulta lesão corporal.
Parágrafo único.
Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do inciso I
do caput do art. 141 deste Código, e mediante representação do
ofendido, no caso do inciso II do mesmo artigo, bem como no caso do § 3o
do art. 140 deste Código.
O art. 92, inc. I, alínea "b", do Código Penal prevê um efeito civil da
condenação não automático, ou seja, que precisa ser declarado na sentença
condenatória (parágrafo único do mencionado art. 92), que é a perda do cargo ou
mandato eletivo quando a pena privativa de liberdade for superior a 4 anos.
No caso vertente, não se sabe quando as
declarações foram feitas e o vídeo gravado, o que se sabe é que o vídeo
"viralizou" nos dias 15 e 16.4.2023, ocasião em que chegou ao
conhecimento da vítima, o qual representou criminalmente contra o Senador da
República.
3.2
Calúnia, difamação e injúria
A
calúnia está prevista no art. 138 do CP. Trata-se de crime que só pode ser
praticado, no meu entender, contra pessoa física, porque somente ela pode praticar
crime. Como a calúnia exige a imputação falsa de crime à vítima, é necessário
que esta seja capaz de, em tese, ser sujeito ativo do crime imputado.
Conforme
ensinava Nelson Hungria, somente a pessoa física pode ser o sujeito passivo de
crime contra a honra, sendo inaceitável, sob o ponto de vista jurídico-criminal,
a tese de que também a pessoa jurídica pode ser ofendida em sua honra.[10]
Como
a jurisprudência tem admitido a prática de crime de difamação contra a pessoa
jurídica – do que discordo -, em tese, a pessoa jurídica pode ser vítima de
crime contra o meio ambiente, uma vez que a Lei n. 9.605, de 12.2.1998 – a
pretexto de regular o art. 225, § 3º da Constituição Federal -, traz a
responsabilidade criminal da pessoa jurídica.[11]
O
crime de calúnia é um dos que mais gera discussões, mormente porque ele tem por
objeto jurídico a honra objetiva – assim como a difamação – mas é o
único que exige a imputação falsa de fato criminoso e, ainda, tem outras
previsões específicas a ele.
Falar
em tipo objetivo significa considerar a conduta legalmente prevista, enquanto o
tipo subjetivo leva em consideração o elemento anímico do agente. A calúnia e a
difamação exigem a prática de fato, enquanto a injúria exige a imputação de u
qualidade negativa à vítima.
Os
artigos 138, 139 e 140 do CP, não fazem qualquer referência à negligência,
portanto, só há crime contra a honra doloso. Assim, a tais condutas negligentes
não há previsão do CP.
Não
pode existir calúnia contra morto porque somente pessoas podem ter honra, mas a
lei prevê a calúnia contra mortos. Ora, a lei acaba reunindo crime contra o
sentimento religioso que se tem em relação aos mortos com crime contra a
honra.
Caluniar decorre do latim calumnia, que significa chicana,
fazer imputação falsa. Nos termos da lei, a calunia importa em imputar
falsamente a outrem a prática de crime. Tem-se que o objeto jurídico é a honra
objetiva, ou seja, a ofensa da reputação da pessoa no meio social.
Quem
não é capaz de praticar, crime não pode ser vítima do art. 138 do CP porque se
exige que a vítima tenha sido acusada de praticar crime e, só quem é maior e
capaz pode praticar crime.[12]
A calúnia exige que o agente trate de
fato determinado, assim como a difamação. A diferença é que na calúnia o fato é
crime, enquanto na difamação o fato não é definido como crime.
Entendemos, com Nelson Hungria, que os
inimputáveis podem ser vítimas do crime de difamação porque têm honra objetiva.
Quanto ao crime de injúria, por sua vez, deve ser observado caso a caso quanto
à capacidade de perceberem a ofensa.[13]
O crime de injúria tem por objeto
jurídico a honra subjetiva, ou seja, o valor que a pessoa tem de si mesmo. Essa
honra pode ser decoro, que é o valor que a vítima acredita ter em
relação às outras pessoas, ou ser dignidade, o valor que tem de si
mesma.
A calúnia e a difamação serão consumadas
quando chegarem ao conhecimento de pessoas diversas da vítima. Por outro lado,
a injúria se consuma quando chega ao conhecimento da vítima.
Diversamente dos crimes de calúnia e difamação,
que admitem a prova da verdade (a difamação a admite apenas quando a ofensa é
feita contra funcionário público propter officium), a injúria não a admite.
O CP trata de exceção da verdade,
que é um incidente processual em que o acusado de crime procura demonstrar que
não o praticou. Ao contrário, falou a verdade em prol da sociedade. Já na
injúria, a prova da verdade constituiria nova injúria contra a vítima, razão de
não ser admitida.
4. QUESTÕES PROCESSUAIS RELEVANTES
No vídeo, Moro falou genericamente, sem
indicar fato (isso consta da denúncia). Um fato criminoso seria calúnia e um
fato não criminoso difamação, mas não indicou fato. Assim, não pode haver
qualquer dos dois crimes.
Os crimes contra a honra podem se
concretizar de forma implícita. Assim, o que fica evidente é a possibilidade de
ter se concretizado o crime de injúria por acusar um Ministro do Supremo
Tribunal Federal, o seu decano, de ser corrupto.
Tem-se que não se pode acusar por
injúria quando se tratar de difamação ou calúnia, visto que isso poderá
minimizar os constitucionais princípios do contraditório e da ampla defesa. Os
crimes de calúnia e difamação, também, admitem a exceção de notoriedade (Código
de Processo Penal, art. 523). Ocorre que as notícias falsas veiculadas em redes
sociais, as campanhas contra o STF e os Poderes constitucionalmente
estabelecidos, não podem caracterizar a notoriedade necessária para tal
exceção.
Fatos notórios não precisam ser
provados, eis que são do domínio público. Mas, imputar vagamente a corrupção ao
decano do STF não pode constituir calúnia ou difamação, mas injúria.[14]
O acusado não poderá fazer a prova da
verdade de um fato ou provar a sua notoriedade porque a denúncia não o descreve.
Assim, poderíamos falar em denúncia inepta?
A inépcia não se aplica ao caso porque
ela descreve um crime e o juízo não se vincula à capitulação legal feita na
denúncia, mas aos fatos nela descritos. Assim, até mesmo no momento do
recebimento da denúncia o STF poderá ajustar a capitulação legal para o crime
de injúria, afastando o incabível – na espécie – crime de calúnia.
Moro não poderá alegar que é o caso de
calúnia para poder exercer o contraditório e a ampla defesa, salvo se provar
que o vídeo efetivamente provar que o vídeo foi editado, conforme vem alegando,
e conseguir provar que se referiu a um fato, do qual tem elementos para a exceção
da verdade. Mas, julgar procedente a exceção da verdade não implicará necessariamente
a sua absolvição, desde que seja provado que ele deliberadamente quis ofender a
honra do Ministro Gilmar Mendes.
O vídeo parece evidenciar o animus
jocandi (de fazer glosa a terceiro) não o animus injuriandi vel
difamandi, essencial aos crimes de calúnia e de difamação.[15] De todo modo, pode
subsistir o animus injuriandi, próprio do crime de injúria, a ser
demonstrado durante a persecução criminal.
O recebimento da denúncia fará nascer a ação
criminal contra o Senador da República Sérgio Moro, sendo que o STF poderá,
após ouvi-lo, até mesmo o absolver. De todo modo, em tese, a aparente
brincadeira, em tese, constitui crime capitulado no Código Penal.
5. PARA NÃO CONCLUIR
Tratando de crimes contra a honra, em
tese, Sérgio Fernando Moro não praticou, em tese, crimes de calúnia e
difamação, mas os fatos descritos na denúncia caracterizam injúria.
No curso do processo criminal, será necessário
provar o animus injuriandi ou, caso o acusado pretenda a exceção da
verdade, deverá provar que o vídeo foi editado e que se referiu a um fato criminoso
o desabonador não criminoso propter officium específico.
Por fim, o dolo deve ser provado, razão
de que o STF poderá rejeitar a denúncia, adequar a capitulação legal, absolver
sumariamente o acusado ou receber a denúncia, prosseguindo em sua instrução até
a decisão final.
Como o caso é recente e a propositura da
ação se fetivou, há muito a ser feito.
REFERÊNCIAS
BARROS,
Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal.
2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. v. 1.
BRANDÃO,
Cláudio. Teoria jurídica do crime.
Rio de Janeiro: Forense, 2001.
BUSATO,
Paulo César, HUAPAYA, Sandro Montes. Introdução
ao direito penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003.
COSTA,
Álvaro Mayrink da. Direito penal: parte especial. 5. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2001.
DELMANTO,
Celso et al. Código penal comentado. 6. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002.
HEFENDEHL, Roland. Corporate criminal liability: model
penal code section 2.07 and the development in western legal systems. Disponível
em: <https://heinonline.org/HOL/LandingPage?handle=hein.journals/bufcr4&div=12&id=&page=>. Acesso em: 2.10.2003, às 2h05.HUNGRIA,
Nelson. Comentários ao código penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1959. v. 6.
JOVEM
PAN NATAL. Vídeo de Sérgio Moro viraliza nas redes #shorts. 17.4.2023. Disponível
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LEAL,
João José. Direito penal geral. São
Paulo: Atlas, 1999. p. 169.
MESQUITA
JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução criminal. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
RICHTER,
André. PGR denuncia Moro ao Supremo por calúnia contra Gilmar Mendes: denúncia
alega que ex-Juiz acusou Ministro de negociar decisão. ECB: AgênciaBrasil,
17.4.2023, às 20h12. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-04/pgr-denuncia-moro-ao-supremo-por-calunia-contra-gilmar-mendes>.
Acesso em: 18.4.2023, às 18h05.
WEBER,
Max. Sobre a teoria das ciências sociais. São Paulo: Moraes, 1991.
[1]
Procurador Federal; Concluiu o Curso de Formação de Oficiais (APMG) e
Graduou-se em Direito (UniCEUB); Especialista em Direito Penal e Criminologia
(UniCEUB); e em Metodologia do Ensino Superior (UniCEUB); Mestre (UFPE) e
Doutor em Direito (UNZL); Professor, Procurador Federal e Advogado; Autor dos
livros "Prescrição Penal", "Execução Criminal: Teoria e
Prática" e "Comentários à Lei Antidrogas: Lei n. 11.343, de
23.8.2006" (Editora Atlas); e de vários artigos jurídicos.
[2] RICHTER,
André. PGR denuncia Moro ao Supremo por calúnia contra Gilmar Mendes: denúncia
alega que ex-Juiz acusou Ministro de negociar decisão. ECB: AgênciaBrasil,
17.4.2023, às 20h12. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-04/pgr-denuncia-moro-ao-supremo-por-calunia-contra-gilmar-mendes>.
Acesso em: 18.4.2023, às 18h05.
[3] WEBER,
Max. Sobre a teoria das ciências sociais. São Paulo: Moraes, 1991. p.
115.
[4]
Sérgio Fernando Moro, ex-Juiz Federal em Curitiba-PR; Marcelo da Costa Bretas,
ex-Juiz da 7ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro; e Deltan
Martinazzo Dallagnol (nascido em 15.1.1980).
[5]
Professar uma religião, autoproclamar-se pessoa conservadora, sem se comportar
como tal, é uma fraude. Nesse sentido está a Bíblia, em Tiago:
14 Meus irmãos, que interessa se alguém disser que tem
fé em Deus e não fizer prova disso através de obras? Esse tipo de fé não salva
ninguém.
15 Se um irmão ou irmã sofrer por falta de vestuário, ou
por passar fome,
16 e lhe disserem: “Procura viver pacificamente e vai-te aquecendo e
comendo como puderes”, e não lhe derem aquilo de que precisa para viver, uma
tal resposta fará algum bem?
17 Assim também a fé, se não se traduzir em obras, é morta em si
mesma.
18 Poderão até dizer: “Tu tens a fé, mas eu tenho as obras. Mostra-me
então a tua fé sem as obras. Porque eu dou-te a prova da minha fé através das
minhas boas obras!”
19 Crês que há um só Deus? Estás muito certo. Mas lembra-te que os
demónios também creem e tremem!
20 És uma pessoa bem insensata se não conseguires compreender que a
fé sem obras não vale de nada.
21 Não
mostrou o nosso pai Abraão que era justo através dos seus atos, ao oferecer a
Deus o seu filho, Isaque, sobre um altar?
22 Como
vês, na sua vida a fé e as obras atuaram conjuntamente. A fé completou-se
através das obras.
23 Por
isso, as Escrituras dizem: “Abraão creu em Deus e este declarou-o como justo.” E
foi chamado o amigo de Deus.
24 Estão
a ver então que a pessoa é considerada justa aos olhos de Deus pelo que faz e
não só por crer.
[6]
Disponível em: <https://www.youtube.com/shorts/_WziLuWiViU>.
Acesso em: 18.4.2022, às 20h.
[7]
JOVEM PAN NATAL. Vídeo de Sérgio Moro viraliza nas redes #shorts. 17.4.2023. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=hF9b4oped3E>. Acesso em:
18.4.2023, às 18h40.
[8] Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/pgr-denuncia-sergio-moro-calunia-gilmar.pdf>.
Acesso em: 18.4.2023, às 20h10. Para não deturpar o exposto, transcrevo a sua
integralidade:
EXCELENTÍSSIMA SENHORA MINISTRA
PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
PGR-MANIFESTAÇÃO-352752/2023
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pela
Vice-Procuradora-Geral da República signatária, no exercício das atribuições
conferidas pelo artigo 24, caput, do Código de Processo Penal, pelo
artigo 129, inciso I, da Constituição Federal e pelo artigo 6°, inciso V, da
Lei Complementar n. 75/1993, promove ação penal mediante o oferecimento de
DENÚNCIA
em desfavor de:
SERGIO FERNANDO MORO, Senador da
República pelo Estado do Paraná¹, brasileiro, casado, natural de Maringá-PR,
nascido em 1º de agosto de 1972, filho de Odete Starke Moro e Dalton Aureo
Moro, portador da Cédula de Identidade n. 36.748.567, expedida pela Secretaria
de Segurança Pública do Estado do Paraná, inscrito no Cadastro de Pessoa Física
sob o n. 863.270.629-20, com endereço funcional no Senado Federal, Anexo 2, Ala
Affonso Arinos, Gabinete 4, Brasília/DF, CEP: 70.165-900, pelo fato adiante
narrado.
Em data, hora e local incertos, o
denunciado SERGIO FERNANDO MORO, com livre vontade e consciência, caluniou o
Ministro do Supremo Tribunal Federal GILMAR FERREIRA MENDES, imputando-lhe
falsamente o crime de corrupção passiva, previsto no artigo 317 do Código
Penal, ao afirmar que a vítima solicita ou recebe, em razão de sua função
pública, vantagem indevida para conceder habeas corpus, ou aceita
promessa de tal vantagem.
Segundo restou apurado, durante um
evento realizado em dia, hora e local não sabidos, diante de um grupo de
diversas pessoas, SERGIO FERNANDO MORO, ciente da inveracidade de suas
palavras, afirmou que: “Não, isso é fiança, instituto… pra comprar um habeas
corpus do Gilmar Mendes”, acusando falsamente a vítima de, em razão de sua
função jurisdicional, negociar a compra e a venda de decisão judicial para a
concessão de habeas corpus.
A manifestação caluniosa proferida
por SERGIO FERNANDO MORO foi dirigida a agente público maior de 60 (sessenta)
anos de idade.
O denunciado SERGIO FERNANDO MORO
emitiu a declaração em público, na presença de várias pessoas, com o
conhecimento de que estava sendo gravado por terceiro, o que facilitou a
divulgação da afirmação caluniosa, que tornou-se pública em 14 de abril de
2023, ganhando ampla repercussão na imprensa nacional e nas redes sociais da
rede mundial de computadores².
Ao atribuir falsamente a prática
do crime de corrupção passiva ao Ministro do Supremo Tribunal Federal GILMAR
FERREIRA MENDES, o denunciando SERGIO FERNANDO MORO agiu com a nítida intenção
de macular a imagem e a honra objetiva do ofendido, tentando descredibilizar a
sua atuação como magistrado da mais alta Corte do País.
Comprovadas a materialidade e a
autoria em suporte probatório consistente, à míngua de causas excludentes da
tipicidade, da antijuridicidade e da culpabilidade ou extintiva da
punibilidade, o denunciado SERGIO FERNANDO MORO incorreu na prática do crime de
calúnia (artigo 138, caput c/c artigo 141, incisos II, III e IV e § 2º,
todos do Código Penal), razão pela qual o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL oferece a
presente denúncia e requer:
a) a notificação do denunciado
para apresentar resposta preliminar à acusação, no prazo de quinze dias, ao
teor do disposto no artigo 4º da Lei n. 8.038/1990;
b) o recebimento da denúncia e a
consequente instauração da ação penal, com a citação do acusado para oferecer
defesa prévia aos termos da imputação, no prazo cinco dias, conforme
estabelecido no art. 8º da Lei n. 8.038/1990;
c) a deflagração da instrução
criminal e, ao final, a total procedência da pretensão punitiva para a
condenação do denunciado às sanções cominadas ao delito descrito nesta
denúncia;
d) com a condenação, a decretação
da perda do mandato eletivo de Senador da República pelo Estado do Paraná, caso
aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos,
conforme estabelecido no art. 92, inciso I, alínea “b”, do Código Penal;
e)
a fixação de valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração
penal, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido, nos termos do art. 91,
inciso I, do Código Penal e do art. 387, inciso IV, do Código de Processo
Penal. Brasília, data da assinatura digital.
LINDÔRA MARIA ARAUJO
VICE-PROCURADORA-GERAL
DA REPÚBLICA
VÍTIMA: GILMAR FERREIRA MENDES,
brasileiro, Ministro do Supremo Tribunal Federal, com endereço funcional no
edifício-sede da Suprema Corte.
________
Notas de rodapé da denúncia:
¹ O denunciando foi eleito para
exercer o mandato de Senador da República pelo Estado do Paraná durante as 57ª
e 58ª legislaturas (2023-2031). Informação disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/senadores/senador/-/perfil/6331>.
Acesso em: 16.4.2023.
² À guisa de ilustração,
confira-se: <https://veja.abril.com.br/coluna/radar/em-video-sergio-moro-falaem-compra-de-habeas-corpus-de-gilmar-mendes/>;
<https://www.instagram.com/reel/CrBKDFdr6hd/?
utm_source=ig_embed&utm_campaign=loading>. Acesso em: 16.4.2023.
[9] Acerca
da aplicação da pena privativa de liberdade discorremos alhures, em: MESQUITA JÚNIOR,
Sidio Rosa de. Execução criminal. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p.
293-353.
[10] HUNGRIA,
Nelson. Comentários ao código penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1959. v. 6, p. 44.
[11] Desde o momento em que o causalismo puro restou superado,
isso no início do século passado (década de 1930), o elemento vontade não pode
ser afastado do conceito de conduta. A pessoa jurídica, portanto, não pode
praticar conduta jurídico-criminal. Ela, também, não pratica crime porque não
há como verificar o elo subjetivo que liga o autor ao fato em uma pessoa
jurídica.
A pessoa jurídica é uma ficção, não sendo detentora de
vontade. Ela sequer pode comparecer em Juízo sozinha, devendo ser representada
porque incapaz de exprimir sua própria vontade (CPC, art. 12, inciso VI).
Personificamos determinados entes públicos (pessoas
jurídicas de direito público) e privados (pessoas jurídicas de direito privado),
a fim de tornar possível certas relações na sociedade. Tais pessoas podem ser
de Direito interno ou externo (CC, art. 40).
Imagine-se o absurdo que seria a ação criminal movida
contra a União por crime. Seria uma posição estapafúrdia em que os entes
estatais visariam à imposição de penas a eles próprios, em uma verdadeira
confusão. Na hipótese, poder-se-ia até dizer não impossível a criminalização da
conduta porque a autolesão é impunível. Em sentido contrário, alguém poderia
até sustentar que o ius puniendi é do
Estado, pessoa de Direito público que não se confunde com a União. Tal
argumento não nos seduz porque quem legisla privativamente em matéria criminal
é a União, ou seja, há efetiva confusão entre quem cria crimes e comina penas e
a pessoa sujeita à norma criminal, caso se entenda ser a União passível de
responsabilidade jurídico-criminal.
O mau agente público, aquele que se vale da máquina estatal
para provocar danos sérios à sociedade, poderá ser responsabilizado civil e
criminalmente, restando a responsabilidade da pessoa jurídica adstrita à
reparação do dano civil. Aliás, a responsabilidade civil das pessoas jurídicas
prestadoras de serviços públicos está prevista expressamente prevista no art.
37 da CF, in verbis:
§ 6º As pessoas
jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços
públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de
dolo ou culpa.
Não obstante o exposto, com o advento da CF/1988, passou-se
a entender ser possível a responsabilização criminal da pessoa jurídica em
matéria ambiental, eis que seu art. 225, § 3º dispõe:
As condutas e
atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas
físicas e jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da
obrigação de reparar os danos causados.
Assim como João José Leal, entendemos que o dispositivo
merece interpretação restritiva. A responsabilidade da pessoa jurídica será
administrativa e civil, ficando a responsabilidade criminal adstrita às pessoas
físicas.¹
A conduta jurídico-criminal relevante da pessoa jurídica é
inexplicável na teoria do crime, bem como sua culpabilidade. Porém, em
decorrência do direito anglo-saxão, especialmente da América do Norte, emergiu
corrente favorável à criminalização da conduta da pessoa jurídica, o que deu
ensejo à criação da Lei n. 9.605/1998.
Entendemos ser necessário respeitar o princípio societas delinquere non potest. Isso
decorre do princípio da culpabilidade, agasalhado
Os princípios constitucionais norteiam todas as normas
infraconstitucionais. Também, as regras gerais do CP devem ser aplicadas à
legislação especial, quando não é incompatível com elas (CP, art. 12). Ora, se
é necessário respeitar ao princípio da culpabilidade, em face dos preceitos mencionados,
não há como pretender ver vontade em uma ficção do Direito. Ainda que entendamos
que a pessoa jurídica é uma realidade, é uma realidade jurídica, ou seja, uma
ficção do Direito.
Em sentido contrário à nossa posição, Flávio Augusto M. de
Barros sustenta:
De acordo com a
teoria da ficção jurídica, a pessoa jurídica não tem existência real, não tem
vontade própria. Apenas o homem possui aptidão de ser sujeito de direitos. Ora,
essa teoria não pode prevalecer, porque, se a pessoa jurídica é uma ficção, o
Direito o é, porque emanado de uma pessoa jurídica, isto é, do Estado. Trata-se
de uma teoria contraditória, pois, ao mesmo tempo em que nega a vontade à
pessoa jurídica, admite que ela adquira direitos.²
O texto transcrito traduz o pensamento do autor acerca da
pessoa jurídica no plano criminal. Ele entende que em outros ramos do Direito
não há inconveniente porque prevalece a realidade, pela qual a pessoa jurídica
é capaz para adquirir direitos.³ Data
venia, o autor confunde capacidade de aquisição de direitos com capacidade
de exercício.
A pessoa jurídica, assim como o doente mental, não pode ser
sujeito ativo de crime. Falta-lhe condição para exprimir sua própria vontade. A
realidade, não apreendida por pessoas que pretendem conceber conhecimentos
simplistas, vulgares, demonstra que a pessoa jurídica sequer chega ao plano da
pessoa física incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se
segundo referido entendimento.
Nos planos civil, empresarial, econômico, do consumidor e
tributário, criamos mecanismos para atingir terceiros que se valem da pessoa
jurídica como instrumento de ilícitos prejudiciais à sociedade (desconsideração
da personalidade da pessoa jurídica). Aliás, o CP é claro no sentido de que
aquele que se vale de outrem como instrumento de seu delito, responde pelo fato
como seu. Com outras palavras, desconsidera-se a personalidade da pessoa
jurídica para imprimir a responsabilidade a quem dela se valeu como instrumento
de crime.
O princípio de culpabilidade traduz a ideia de que ninguém
pode ser punido sem dolo ou negligência. Um doente mental, embora sua capacidade
de exprimir a vontade seja limitada, às vezes impossibilitando o conhecimento
da ilicitude do fato ou a condução segundo o direito, a tem, ou seja,
determina-se visando a um fim. A pessoa jurídica, por sua vez, não tem vontade
própria, sempre emanando de outrem.
O Estado, pessoa jurídica de Direito externo, não detém
vontade própria. Do mesmo modo, não a detém os entes federados, nem o município
(Flávio Augusto propõe a irresponsabilidade criminal dos entes públicos⁵). Ora,
criar distinções entre pessoas jurídicas, a fim de que umas não sejam atingidas
pela norma criminal, importará negar responsabilidade a algumas, assumindo a
ausência de vontade autônoma de cada uma delas. Isso demonstra a insuficiência
da construção de referido autor.
Cláudio Brandão piora a perspectiva, uma vez que passa a
entender que não somente a ordem ambiental está no âmbito do direito criminal,
isso quanto à responsabilidade da pessoa jurídica. Sua posição estende a
abrangência ao Direito Econômico uma vez que faz referência ao art. 173, § 5º,
da CF.⁶
Mesmo que ampliados os alcances dos preceitos
constitucionais mencionados (art. 225, § 3º, e 173, § 5º, ambos da CF), não é
possível verificar a possibilidade de culpabilidade da pessoa jurídica. Ela é
personificada, mas como ficção, para ser titular de direitos e obrigações,
embora o sistema normativo lhe negue capacidade para exprimir sua vontade.
Aliás, essa incapacidade é visível em vários momentos, tanto é que se a pessoa
jurídica é instrumento de ilícito que cause danos a terceiros, possível é a
desconsideração da sua personalidade, alcançando-se seus titulares.
A ação da pessoa jurídica ação da instituição ou ação
institucional. Defendendo a responsabilidade criminal da pessoa jurídica,
Cláudio Brandão afirma que se fazer uma dupla imputação para o juízo de
censurabilidade da ação (que é a culpabilidade). Ao ser humano imputar-se-á uma
culpa individual, e à uma pessoa jurídica imputar-se-á uma culpa coletiva, com
base na ação institucional.⁷
Lendo Roland Hefendehl, chegamos a conclusão parecida com a
de Cláudio Brandão, como se ela traduzisse a ideia de Bernd Schünemann. Ocorre
que ao mesmo tempo que, citando Schünemann, Roland Hefendehl procura explicar a
responsabilidade criminal de pessoa jurídica, reconhece: “A atribuição de ato
de outrem à empresa não é sinônimo de um ato da empresa, nem é a atribuição da
culpabilidade de outrem à empresa sinônima da determinação de uma culpabilidade
da empresa”.⁸
Para que não haja responsabilidade criminal da empresa, Schünemann
apud Hefendehl, estabelece os
seguintes critérios de exclusão: 1) ser possível punir o crime com multa; 2)
crimes que, pela própria natureza, não podem ser praticados pela empresa, v.g., estupro.⁹
Data venia, se é requisito que o crime seja ser punível com multa,
não é necessária a intervenção do Direito Criminal. Administrativamente tal
sanção pode ser imposta sem maiores problemas, o que demonstra ser vazia de
conteúdo a proposta de se responsabilizar criminalmente a empresa. Ademais,
ainda citando Schünemann, referido autor reconhece que é necessário verificar
se o ato é da empresa ou de algum dirigente em si, sendo importante verificar
níveis administrativos para se poder detectar o que seria ato individual e o
que seria ato coletivo (este é o da empresa), o que não está claro ainda,
exigindo um aprofundamento que demandará “longo tempo”.¹⁰
Segundo Hefendehl, Schünemann propõe a total quebra dos
princípios relativos à culpabilidade nos casos de responsabilidade criminal da
pessoa jurídica, invocando a teoria do risco para justificar a responsabilidade
pela criação do risco proíbido.¹¹ Essa posição funcionalista é complementada
com a ideia, também funcionalista, de que a empresa constitui sistema
autopoiético, com objetivos diversos dos objetivos de seus empregados.
A doutrina norte-americana não consegue explicar claramente
a culpabilidade da empresa, socorrendo-se da tese do respondeat superior que "permite ao patrão responder",
uma explicação doutrinária de influência no Direito, que possibilita que um
principal (empregador) ser responsável por ações de seus/suas agentes
(empregados) no "curso do emprego". Assim, um agente firma um
contrato de compra satisfatório para seu empregador, em nome do empregador,
pode criar uma obrigação contratual entre o vendedor e o empregador. Por
exemplo: se um motorista de caminhão de distribuição negligentemente atropela
uma criança na estrada, a companhia para qual o motorista trabalha será
responsável pelo dano.¹²
Essa tese é salutar no âmbito civil. No entanto, ante o
princípio da culpabilidade e o princípio da personalidade, em matéria criminal
é impossível transferir para o empregador (pessoa jurídica) a responsabilidade
pelos atos de seus empregados. É, desse modo, insustentável juridicamente a
tese da responsabilidade criminal da pessoa jurídica.
O ato ilícito da pessoa jurídica, no plano criminal, deve
ser visto como erro, responsabilizando-se o terceiro que a induziu a erro pelo
referido ato, eis que aquela não é capaz de culpabilidade, sendo defeituosa
qualquer proposta de adoção do princípio societas
delinquere potest. Esse princípio surgiu em substituição ao princípio societas delinquere non potest sob o
argumento de há maior pragmatismo em sua adoção, isso em face da evolução da
economia. Ocorre que a pessoa jurídica é mero instrumento de pessoas e são
estas que devem sofrer a drástica intervenção jurídico-criminal.
Sendo subsidiário, o Direito Criminal deve se afastar
daqueles lugares em que as sanções dos outros ramos do Direito representarem
coercibilidade suficiente para evitar a prática de ilícitos. Observe-se as
penas passíveis de aplicação às pessoas jurídicas, constantes da Lei n. 9.605,
de 12.2.1998, em seu art. 21: multa, restrição
de direito, prestação de serviços à comunidade (esse é um erro jurídico, uma vez que se trata da pena de prestação pecuniária). Todas essas penas podem ser aplicadas
administrativamente, o que afasta a necessidade da responsabilidade criminal da
pessoa jurídica.
Alguém poderia dizer que a empresa é partícipe do crime de
seus empregados ou dirigentes, o que seria, também, inadmissível, uma vez que
ela não teria como aderir à vontade delituosa de seus empregados, esvaziando
qualquer tentativa de se falar em concurso de pessoas envolvendo a empresa.
______
Citações
do texto desta nota de rodapé:
¹ LEAL, João José. Direito
penal geral. São Paulo: Atlas, 1999. p. 169.
² BARROS,
Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal.
2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. v. 1, p. 111.
³
Ibidem.
⁴
BUSATO, Paulo César, HUAPAYA, Sandro Montes. Introdução ao direito penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. p.
170-181.
⁵
BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito
penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. v. 1, p. 113.
⁶
BRANDÃO, Cláudio. Teoria jurídica do
crime. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 60-61.
⁷
Ibidem. p. 62.
⁸ HEFENDEHL, Roland. Corporate criminal liability:
model penal code section 2.07 and the development in western legal systems. Disponível
em: <https://heinonline.org/HOL/LandingPage?handle=hein.journals/bufcr4&div=12&id=&page=>. Acesso em: 2.10.2003, às 2h05.
⁹
Ibidem.
¹⁰
Ibidem.
¹¹
Ibidem.
¹²
Definição disponível em: <https://dictionary.law.com/default.aspx?selected=1827>.
Acesso em: 20.11.2003, às 10h10.
[12] HUNGRIA,
Nelson. Comentários ao código penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1959. v. 6, p. 48-50.
[13]
Ibidem.
[14] DELMANTO, Celso et al. Código
penal comentado. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 298, 301 e 305.
[15] COSTA,
Álvaro Mayrink da. Direito penal: parte especial. 5. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2001. p. 391.
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