4.1 INTRODUÇÃO
A palavra teoria tem vários sentidos, sendo que
será empregada neste curso como sendo o estudo tendente ao conhecimento especulativo
e racional do objeto, ou seja, neste capítulo será desenvolvida a pesquisa do
crime, procurando responder às indagações que surgem no dia-a-dia do
criminalista.
Já se afirmou que o crime constitui todo fato
humano proibido pela norma criminal,[1]
sendo seu ponto central de estudo, hoje, o funcionalismo. Este
representa uma nova corrente filosófica que preferimos classificar como sistêmica,
uma vez que atenta aos diversos sistemas que funcionam na sociedade complexa.
Foi a partir de tal concepção filosófica que emergiu a imputação objetiva,
que é uma nova teoria do crime relacionada, inclusive, com a teoria da pena.
Desse modo, é no funcionalismo que a imputação objetiva vai
encontrar suas bases teóricas.
Empregarei as palavras sistêmico(a)
e sistemático(a) com sentidos completamente diversos, eis que a
primeira traduzirá o que já expus, ou seja, a observação dos diversos sistemas
que participam da sociedade complexa. De outro modo, a palavra sistemático significará
método, tecnicismo, ou a organização metodológica da estrutura
do delito. O estudo sistêmico do direito criminal conduziu ao estudo
também sistêmico do delito, trazendo uma nova roupagem ao conceito
analítico do crime, eis que todo ele passou a ser enfocado por Claus Roxin
dentro de uma perspectiva de política criminal, provocando a ruptura do estudo sistemático
do delito, que passou a ser um estudo global, sem a necessária metodologia.
Demonstrarei que a imputação objetiva, não
é tão boa, inovadora, ou amplamente seguida como se tem dito. Com efeito, no
verso da capa de um livro intitulado Imputação Objetiva, consta:
Trabalho dos mais importantes e primorosos da
carreira do autor e, também, de toda literatura nacional, esta monografia vem
inaugurar no País a revolucionária teoria da imputação objetiva, que
certamente, irá ditar novos rumos para o ordenamento penal brasileiro.[2]
Na nota do autor ao referido livro, está
consignada a afirmação:
É uma teoria que tem destino de substituir, no
futuro, a causalidade material. No momento, configura seu complemento,
corrigindo suas deficiências. Na prática, é uma teoria que limita o arbítrio do
julgador e a atividade abusiva de acusadores que "denunciam tudo" ou
querem levar todas as lesões jurídicas, até as de insignificante relevância, às
barras dos tribunais penais.[3]
As afirmações transcritas são equivocadas, tendo
em vista que a primeira é extremamente otimista e a segunda reduz a imputação
objetiva à relação de causalidade, elemento do fato típico que, por sua vez, é
estudado dentro da concepção analítica do delito, conforme restará claro na
presente dissertação. Aliás, nesse momento é oportuna a seguinte lição:
Advirta-se com firmeza, que não se trata de uma
teoria da relação de causalidade, como, inadvertidamente, muitos imaginam. A causalidade
continua sendo levada em consideração, no geral, através da teoria da
equivalência das condições, apenas como comprovação da existência de um fato.
Este, se apresentar relevância jurídico-penal, será que possa concluir, com
certeza, sobre a responsabilidade de um sujeito por aquele fato, que é
abrangido pelo tipo penal, com todos seus elementos.[4]
No presente capítulo, o que se pretende é estudar
a teoria do injusto e demonstrar que, embora sendo viável o estudo do Direito
sob diversos pontos de vista, a teoria da imputação objetiva, que encontra suas
bases no pensamento de Hegel, expresso na segunda metade do século XIX, e nas
doutrinas de Richard Honig e Karl Larenz, da década de 1930,[5]
ganhou força na doutrina de Roxin, desenvolvida a partir de 1964, mas não inova
tão significativamente, pois os fundamentos da teoria não trazem avanço tão
notável, bem como seu desenvolvimento não se mostra salutar ao sistema
jurídico-criminal.
Nosso estudo, no tocante à teoria do injusto,
terá como cerne, no que respeita ao DCrim hodierno, os pensamentos de Luhmann,
Habermas, Ferrajoli, Jakobs e Roxin, razão pela qual tentaremos correlacionar
as posições já apresentadas com as duas que, ainda, não mereceram destaque
especial neste livro (a de Jakobs e a de Roxin).
Ressalte-se que, talvez, seja o maior
funcionalista criminal germânico Schünemann. Sua doutrina não merecerá grandes
comentários neste curso apenas porque não conhecemos idioma alemão e são
escassas as publicações do autor em outras línguas.
Até chegarmos à jusfilosofia funcionalista,
passamos por vários períodos filosóficos, razão pela qual breve escorço sobre a
evolução da jusfilosofia foi objeto de preocupação. Ademais, não podemos nos
olvidar dos modernos estudos filosóficos que contribuíram para o
desenvolvimento da teoria em comento, mormente o funcionalismo e – em uma
concepção muito particular – o garantismo.
Compreender a teoria do injusto e , de forma mais
global, teoria do crime, é fundamental a todo profissional da área jurídica. No
entanto, o que se pretende hoje, é mudar todo o conceito de crime, sendo que
prolifera no meio jurídico pátrio o discurso sobre a teoria da imputação
objetiva, como sendo a “fonte da juventude” do Direito, ou a solução para
todos os seus problemas, em matéria criminal. Nesse sentido, afirma Damásio
Evangelista de Jesus:
Agora, com a missão de sepultar o causalismo e
assento na insuficiência do finalismo e da adequação social, que não deram
solução a muitas questões, como a do crime culposo, e superando todas as
doutrinas anteriores, a maioria dos autores está adotando a teoria da imputação
objetiva que propõe um novo sistema penal.[6]
Esta afirmação é equivocada porque tende à
redução da teoria da imputação objetiva à superação da causalidade natural.
Para o finalismo, na apreciação analítica do delito (segundo seus elementos)
devemos observar:
Ø tipo objetivo (ação, causalidade e resultado) e o
tipo subjetivo (dolo e elementos subjetivos especiais).
Segundo Luís Grego, para a imputação objetiva, é
necessário, também, observar os tipos objetivo e subjetivo, dos quais, somente
o primeiro sofre alteração, passando a ser constituído por:
Ø ação, causalidade, resultado, criação de um risco
juridicamente desaprovado e realização do risco.[7]
Entretanto, não há como estudar separadamente a
imputação objetiva. Ela decorre do funcionalismo criminal, sendo que seu estudo
isolado constituirá uma fragmentariedade inadmissível, por tornar o estudo
incompleto, consequentemente, insuficiente.
Por tal teoria, há uma tentativa de mudança dos
conceitos outrora conhecidos, ou melhor, há uma adaptação dos velhos conceitos,
dos quais, congregados, resultaria a imputação objetiva, como medida
complementar para a correta percepção dos fatos juridicamente relevantes.
Neste capítulo, procuraremos demonstrar a
teoria do injusto criminal, que é a parte objetiva do delito, deixando
evidente a pequena utilidade da teoria da imputação objetiva, embora se
tenha propagado, no Brasil, que tal teoria representa um grande avanço para a
concepção jurídica da atualidade. Assim, para atingirmos nossos objetivos,
apresentaremos uma síntese da análise do crime, segundo as concepções
causalista, finalista e social. De tal estudo, decorrerá a certeza de que,
melhor que se filiar integralmente a uma teoria, adotar postura eclética, que
permita a percepção de qual seja a contribuição que cada uma delas pode trazer
à compreensão do crime. Corroborando, não se trata de uma imputação objetiva,
mas subjetiva, conforme restará claro ao longo deste capítulo.
No estudo do conceito analítico do crime,
merecerá especial atenção o tema relativo à relação de causalidade, quando,
então, serão apresentados os vários problemas que podem surgir, ante a adoção
em nossa lei da teoria da equivalência das condições, criando, então, o
ambiente propício para a apresentação da teoria da imputação objetiva.
Inicialmente, serão ofertados dados para se
conhecer os enunciados da teoria da imputação objetiva. Depois, muitas críticas
serão feitas, inclusive, no tocante à aceitação repentina da teoria, o que mais
parece uma recepção do discurso de autoridade, do que efetiva preocupação
com o tema proposto.
Emerge a dúvida: por que todos se aperceberam da
teoria da imputação objetiva no Brasil? Simples, porque um autor conhecido,
comercialmente influente, tratou dela. A teoria não foi largamente divulgada
pelos seus sólidos fundamentos, mas porque alguém que tem prestígio nos meios
jurídico, econômico e social, dela tratou. Se fosse por seus fundamentos,
teríamos grande divulgação da teoria no Brasil desde 1988, ano em que, aqui,
foi publicada a obra de Muñoz Conde, que dela tratou.[8]
Convém admitir que sabemos que – diante dos
fundamentos dos doutrinadores favoráveis à adoção da teoria da imputação
objetiva – a posição adotada neste curso será objeto de críticas. No entanto,
pelas razões nele expostas, no mínimo, há de se reconhecer que a teoria da
imputação objetiva não pode ser considerada imune às necessárias críticas à sua
perspectiva tópica.
Talvez algum leitor considere o conteúdo deste
livro audaz, sem a necessária delicadeza daqueles que se colocam em mundo
civilizado, principalmente se considerado seu fim acadêmico. Nesse aspecto, é
certa a necessidade de só adotarmos alguma posição, quando detivermos
fundamentos que nos autorize a tal, expondo-os. Desse modo, nossa visão não
pode prescindir de alguns esclarecimentos prévios.
Ser acadêmico, teórico, não importa,
necessariamente, em evitarmos discordar duramente das proposições existentes.
Grandes pensadores foram criticados apenas porque ousaram dizer que os que os
antecederam estavam equivocados. O próprio Habermas diz que Luhmann apenas
desenvolve um sociologismo ultrapassado,[9] o
que é sem dúvida afirmação muito dura, mas oportuna, no sentido de tornar
claros os fundamentos da sua crítica.
Expor nossa posição céptica representa
preservamos nossa individualidade. Outrossim, utilizarmos uma linguagem
crítica, é resultado lógico da bibliografia consultada, inserta neste livro.
João José Leal diz que o Direito é instrumento de
dominação social e que desde o início serviu à opressão do mais forte sobre o
mais fraco.[10]
Dessa forma, a simples leitura deste livro, segundo a perspectiva da lógica
formal, em face da sua bibliografia, será suficiente para a percepção que não
nos distanciamos da postura dos autores nele citados.
Esperamos encontrar um leitor atento às
limitações traçadas para a exposição do tema, bem como às grandes divagações
teóricas que ele oportuniza. Porém, não podemos deixar invocar o respeito ao nosso
“eu”. Por várias vezes, em nossa vida e neste livro, procuramos demonstrar a
importância da expressão “penso logo existo”, razão pela qual o presente
estudo visa o conhecimento crítico, sendo que, em nosso meio, conforme restará
demonstrado, a imputação objetiva decorre mais de fatores econômicos do
que de sólidos fundamentos jurídicos ou jusfilosóficos.
Citando Gallegari, “como não existe acordo na
doutrina, pretendemos, de modo simples, trazer alguns pontos fundamentais desta
teoria”.[11]
Com efeito, procurar-se-á demonstrar que, ante seus principais aspectos, na
maioria inseguros e criticáveis, a teoria da imputação objetiva apenas
acrescenta um plus ao estudo do crime, tornando-o mais complexo e
confuso. De qualquer forma, ratifica-se, este curso não esgota o assunto,
apresentando apenas pontos para reflexão, “ainda porque qualquer pretensão de
abordar todos os itens sobre a imputação objetiva seria uma tarefa impossível”.[12]
É, portanto, um capítulo que tenderá à análise
da parte objetiva do crime, dividida em fato típico e ilicitude,
apresentando sua teoria geral de uma maneira crítica, mas sem perder o que há
de consolidado. As posições antagônicas sobre a matéria serão apresentadas e,
por respeito aos leitores, será esclarecida a posição dominante em nossos
tribunais e, às vezes, em concursos públicos, mas sem deixar de indicar
posições pessoais, as quais obviamente pretendem suscitar a indagação, sem nos
vincularmos cegamente a quem quer que seja.
Já se discutiu acerca da neutralidade científica.
A vulgarização do conhecimento científico tem levado à premente necessidade de
se ensinar referido conhecimento aos não-cientistas, transformando a própria
ciência em mito. Transmitir tais conhecimentos sem carregá-los de certa carga
opinativa, o que evidencia constituir mito a neutralidade científica.[13]
Desse modo, este capítulo estará repleto de opiniões pessoais, mas sem
abandonar as diversas posições que se apresentam sobre o assunto, algumas
hilariantes.
4.2 O CRIME: CONCEITOS
O crime é um objeto de estudo do Direito
Criminal. Talvez ele seja o mais importante, que será conceituado neste
capítulo. Ele, enquanto fato, é objeto de estudo imediato do DCrim porque este
ramo do Direito tem por objetos os fatos e as normas jurídico-criminais.
4.2.1 Conceitos formal e material de crime
O conceito formal de crime leva em consideração a
norma jurídico criminal em si, enquanto o conceito material destaca o conteúdo
da norma. Assim, formalmente, crime é a violação da lei criminal e,
materialmente, crime é a violação do objeto jurídico.
4.2.1.1 Funcionalismo criminal e imputação
objetiva
Não podemos nos olvidar que Gustav Radbruch já
sugeria um novo Direito Criminal, melhor do que o existente.[14]
Aliás, antes dele encontramos autores que sustentavam a possibilidade de
existência de uma sociedade fundada unicamente em normas sociais. Assim, há
mais de um século que se pretende esvaziar a ideia da existência de normas jurídicas
e, mais ainda, do DCrim.
Ante as teorias da pena – absolutas (a pena é a
retribuição do mal com outro mal), utilitárias (a pena é unicamente utilidade,
ou seja, uma prevenção[15])
e mistas (a pena é retributiva, mas é utilitária) -, migramos das teorias
absolutas para as mistas, sendo que hoje pretendemos dar à pena enfoque
unicamente utilitário, mas sem grande fundamentação teórica acerca da sua
legitimação. Porém, toda coercibilidade do DCrim deverá estar calcada em um
modelo que permita maior segurança no sistema jurídico do que aquela que a
tópica está a nos apresentar.
O funcionalismo, bem como a teoria da imputação
objetiva, que daquele decorre, procura justificar as intervenções criminais, no
plano sistêmico funcional, o qual, segundo Roxin se dá no campo da política criminal,
visando a superar a sistemática dogmática finalista. Nesse sentido, ele ensina:
Desde aproximadamente 1970 se vêm empenhando
esforços bastante discutidos no sentido de desenvolver um sistema
jurídico-penal “teleológico racional” ou “funcional”. Os adeptos desta
concepção estão de acordo – apesar de várias divergências quanto ao resto – na
recusa às premissas sistemáticas do finalismo e em partir da ideia de que a
construção sistemática jurídico-penal não deve orientar-se segundo dados
prévios ontológicos (ação, causalidade, estruturas lógico-reais etc.), mas ser
exclusivamente guiada por finalidades jurídico-penais.[16]
E, mais adiante esclarece:
... O progresso está, principalmente, em
substituir-se a vaga orientação a valores culturais do neokantismo por
parâmetro sistematizador especificamente jurídico-penal: os fundamentos
políticos-criminais das modernas teorias da pena.[17]
Parece-nos que há um equívoco em pretender
estabelecer uma fórmula para a imputação objetiva, como aquela apresentada na
introdução deste capítulo. Ali, a análise se restringiu ao “tipo objetivo”,
quando, na verdade, teríamos que fazer uma construção valorativa muito mais
ampla. Conforme alertamos, o sistema funcional do Direito Criminal não pode ser
reduzido à atribuição objetiva do resultado, nos delitos que dele dependem.
Essa é a posição de Roxin.[18]
Após verificarmos os fins do DCrim, ou seja, das
pretensões do sistema criminal, devemos passar ao objeto do nosso estudo, que é
o crime. A teoria da imputação objetiva é uma teoria do crime que encontra suas
bases no funcionalismo. Aliás, não é demais observar que é necessário cuidado
sobre o que se fala, a fim de se evitar confusões terminológicas.
No Brasil, verificamos algumas confusões no que
concerne às novas teorias. Alguns não conseguem explicar razoavelmente o que
existe. Boa explicação do que seja o funcionalismo criminal, vamos encontrar em
Fábio Guedes de Paula Machado, que invoca Luhmann e Claus Roxin para explicar
as bases do estudo.[19]
Com efeito, são as teorias sistêmicas estudadas anteriormente que dão as bases
ao DCrim funcionalista.[20]
Roxin enfoca o Direito Criminal em um sistema de
política criminal, rechaçando a ideia da existência de um sistema
exclusivamente jurídico criminal.[21]
Nesse aspecto, ele se parece muito com Habermas, que entende que a comunicação
deve tender ao consenso. Para Roxin, qualquer política está calcada no senso
comum, o que nos leva a entender que ele não inova significativamente, em
relação à jusfilosofia de Habermas.
As bases da teoria da imputação objetiva se
encontram em Roxin e em Jakobs, aquele – ratificamos – foi se abeberar em
Habermas e este é mais voltado à teoria funcionalista de Luhmann.[22] A
imputação objetiva decorre do funcionalismo, portanto, não se confunde com ele.
A imputação objetiva é uma teoria do crime, que
encontra fulcro nas teorias sistêmicas da Filosofia do Direito e da Sociologia
Jurídica, procurando estabelecer a tese de que o Direito Criminal deve ser
menos repressor e mais cooperativo, no que concerne ao funcionamento da
sociedade. Com isso, a imputação objetiva tem reflexos na teoria da pena.
Para Fernando Galvão, a imputação objetiva “é a
atribuição normativa da produção de determinado resultado a um indivíduo, de
modo a viabilizar sua responsabilização... [ela] caracteriza apenas o aspecto
objetivo do tipo, sendo que a responsabilidade criminal ainda exige a
caracterização do elemento subjetivo, bem como dos demais requisitos de identificação
da conduta punível”.[23]
Esta é uma perspectiva reducionista que não pode subsistir.
Samuel Zem diz que a “Teoria da Imputação
Objetiva, o mais recente critério de atribuição criminal, é valorativa”.[24]
Ocorre que ele está tratando de uma teoria que tem outros seguimentos, não
abrangendo, por exemplo, a teoria desenvolvida por Jakobs, a qual é
avalorativa.
Frederico Augusto de Oliveira informa que a
“teoria do tipo recebeu novo influxo após os funcionalistas que lançaram a
chamada Teoria Geral da Conduta Típica, cujo maior expoente foi Claus Roxin”.
Embora o autor venha a citar Jakobs, dizendo que a América Latina vem optando
pela doutrina de Roxin, peca por dizer que se trata de doutrina amparada pela Constituição
Federal e por vincular diretamente a teoria ao estudo da relação de
causalidade.
Dizer que a imputação objetiva está calcada na
proporcionalidade e favorece o acolhimento do DCrim mínimo é outro equívoco
porque Jakobs dá azo a falarmos em um tal Direito Penal do Inimigo, o que é
insustentável.[25]
Talvez a melhor perspectiva do autor seja vislumbrar o resgate do tipo total de
injusto, a qual é feita a partir da doutrina germânica.[26]
Todos os posicionamentos que admitem a
importância dos vários setores do sistema social são considerados
funcionalistas. A lição de Jakobs, por exemplo, é considerada funcionalista,
visto que, para ele, “a ação injusta constitui uma representação simbólica de
complexos processos participativos”.[27]
Aliás, não podemos nos olvidar que ele dá grande valor não somente à lei,
quando define crime.[28]
No entanto, se assim considerarmos, serão funcionalistas todas as concepções
decorrentes do sociologismo jurídico, eis que todas estiveram atentas aos fatos
sociais, que são resultantes de vários fatores, não de um único.
Com denominações distintas, a ideia de que não se
pode conceber a existência de um delito sem afetação do princípio da
ofensividade, parece ser senso comum no meio jurídico. Em síntese, conforme
demonstraremos a seguir, é necessário, em hipóteses especiais, a análise
material da ilicitude, ao contrário de se pretender destruir o estudo analítico
(ou operacional) do delito. Não é concebível a proposta de se fazer a análise
global do injusto ou, pior – de forma mais extremada -, de todo delito.[29]
4.2.1.2 Conceitos formal e material propriamente
ditos
Diz-se que crime é a violação da lei criminal.
Este é o seu conceito formal.[30]
De outro modo, o conceito material é a ofensa ao objeto jurídico tutelado, ou
é, nas palavras de Regis Prado, a “lesão ou perigo de lesão a um bem
jurídico-criminal, de caráter individual, coletivo ou difuso”.[31]
Procurar explicar o crime segundo as normas torna
oportuna a lição de Dilvanir José da Costa, in verbis:
O homem vive em função de dois tipos de normas,
correspondentes, respectivamente, aos fenômenos que se passam nos elementos
desses binômios: corpo e espírito; natureza e liberdade; natureza e cultura;
dado e construído.
Os primeiros elementos correspondem ao mundo da
necessidade ou do ser, enquanto os segundos correspondem ao mundo da
liberdade, ou do dever ser.[32]
Por afetar à liberdade, o dever ser só
pode ser imposto pelas normas jurídicas. Entre nós e em todos os Estados de
Direito, ante o princípio nullum crimem nulla poena sine praevia lege, a
norma criminal estará contida em uma lei em sentido estrito. Assim, o costume,
a jurisprudência, a doutrina, a medida provisória (ato normativo transitório
emitido pelo Poder Executivo que tem força de lei), o decreto, ou qualquer ato
normativo de natureza executiva ou judiciária, não podem criar crime. Não
obstante isso, podem complementar sua descrição hipotética.
Conforme exposto, segundo o conceito formal,
crime é a violação da norma criminal. Porém, a simples prática de um fato
definido como crime na lei, por si só, não constitui crime, pois muitos outros
aspectos precisam ser analisados, uma vez que o agente pode ter praticado a
conduta com uma excludente de ilicitude ou de culpabilidade.
Segundo a moderna concepção do Direito, devemos
considerar a lei em sentido estrito apenas como princípio de proibição, tendo
em vista que toda norma precisa ser interpretada e a proibição contida no tipo
não se esgota nele, fazendo-se necessário o exame do sistema global
(sociedade). Isso se deve ao fato de que o sentido de uma norma só pode ser
apreendido se ela for observada em consonância com os diversos (sub)sistemas da
sociedade complexa, os quais se comunicam.
Tomando por base o conceito material de crime, a violação
da vida constitui crime, mas que pode se denominar homicídio, participação
em suicídio, infanticídio ou abortamento (arts. 121-127 do CP. Observe-se que o
art. 128 do CP também trata do abortamento, mas é um “tipo permissivo”), eis
que avaliado segundo o objeto jurídico tutelado.
A concepção moderna do DCrim busca esclarecer que
só pode constituir injusto criminal aquela conduta que ofende ao princípio
da ofensividade. Este, conforme ensina Luiz Flávio Gomes, é primordial,
cumprindo dupla função, a saber: (a) político-criminal (dirigida ao
legislador, que está obrigado a só descrever tipos penais ofensivos a bens
jurídicos); (b) dogmática e interpretativa (dirigida ao intérprete e ao
aplicador da lei, que deve verificar se a conduta concreta afetou ou não o bem
jurídico).
O princípio da ofensividade tem relação
mais próxima com a necessidade de o aplicador da lei verificar se o bem
jurídico foi afetado, pois ele se traduz em uma ideia de um Direito Criminal
“do bem jurídico”.[33]
Nesse sentido caminha a doutrina de Roxin, que sustenta “que o legislador não
possui competência para, em absoluto, castigar pela sua imoralidade condutas
não lesivas a bens jurídicos”.[34]
Roxin ensina que “em cada situação histórica e
social aqueles pressupostos imprescindíveis para assegurar a existência de um
grupo humano são considerados bens jurídicos”.[35]
Com base em tal proposição, Cláudio Brandão informa que o bem jurídico é
definido à luz da sociedade, sustentando que um dos “grandes artífices dessa
concepção é Claus Roxin”.[36]
Entretanto, deve-se discordar da afirmação, eis que Roxin apenas prossegue no
caminho do sociologismo, tendo avançado e chegado até o funcionalismo, postura
filosófica da modernidade, na qual foi se abeberar, consagrando, então, os
ensinamentos de Habermas, no que concerne a perspectiva da sociedade complexa,
não se podendo, portanto, atribuir a Roxin a construção do objeto jurídico segundo
perspectivas sociológicas.
Cláudio Brandão define bem jurídico como valor.
Assim, o objeto jurídico “deve ser definido como o valor tutelado pela norma
jurídico-criminal, funcionando como um pressuposto imprescindível para a
existência da sociedade”.[37]
Todavia, sua definição embora estando adequada à visão valorativa de Roxin, tem
pequena importância para Jakobs.
Jakobs procura demonstrar que a lesão
jurídico-criminal relevante é aquela que tem seu conteúdo analisado dentro do
contexto social, ou seja, a imputação objetiva do comportamento é imputação
vinculada a uma sociedade concreta, interessando as condutas dos seres humanos,
que são portadores de diversas de obrigações – cada um é portador de um rol
próprio de obrigações -, ou seja, cada um deve administrar uma parcela do
acontecimento social.
O referido doutrinador germânico entende ser
possível punir o perigo abstrato e, decorrendo o dano da conduta perigosa, que
é lícita de per se, não se pode pretender imputar o resultado a quem
atuou negligentemente. Ele propõe minimizar delito negligente de resultado,
transformando-o em crime de perigo abstrato.[38]
Todavia, trata-se de autor contraditório, permitindo visões diversas sobre tal
assunto.[39]
Desse modo, o autor, a vítima ou o terceiro que se conduzir de forma diversa do
estabelecido em seu rol de obrigações, administrando-o de maneira deficiente, é
quem deve responder pelo fato jurídico-criminal relevante.[40]
Destarte, podemos deduzir que para Jakobs não interessam os objetos jurídicos,
mas as condutas concretizadas no meio social.
Diante da posição de Jakobs, poderíamos até negar
a afirmação de Cláudio Brandão, feita no sentido de que o DCrim “ganha
legitimidade quando se reveste da função de proteger bens jurídicos”.[41]
Ocorre que a postura de Jakobs decorre do funcionalismo de Luhmann, que é
avalorativo.[42]
No momento em que se inserem valores no
Direito, que passam a ser seus objetos, como o faz Roxin, abandona-se a
concepção de Luhmann, migrando para correntes jusfilosóficas que admitem o
Direito como valorativo, v.g., Habermas. Percebe-se, então, a necessidade
de se delimitar bem o pensamento de cada doutrinador, a fim de se evitar
contradições nas exposições que se apresentam.
4.2.2 Conceito analítico ou operacional de crime
O conceito analítico de crime é feito segundo a
sua composição. Desse modo, examina-se seus requisitos, ou elementos, para se
dizer o que é crime. Com base no que já se expôs, passo a expor a lição
complementar sintetizada em Juarez Cirino dos Santos:
...As definições de um conceito podem ter
natureza real, formal ou operacional, conforme mostrem a origem, os efeitos, a
natureza ou os caracteres constitutivos da realidade conceituada. Assim, as
definições de um conceito podem ter natureza real, material, formal ou operacional,
conforme mostram a origem, os efeitos, a natureza ou os caracteres
constitutivos da realidade conceituada. Assim, definições reais explicariam a gênese do fato punível, importantes para
delimitar o objeto de estudo da criminologia; definições materiais indicariam a gravidade do dano social produzido pelo fato
punível, como lesões de bens jurídicos capazes de orientara formulação de
políticas criminais; definições formais
revelariam a essência do fato punível, como violação da norma legal ameaçada
com pena; enfim, definições operacionais
identificariam os elementos constitutivos do fato punível, necessários.[43]
Há certa discussão sobre a natureza das partes
conceituais que intregram o crime. Para Damásio E. de Jesus não seriam
propriamente elementos, mas requisitos, isto é, sendo o crime uma unidade que
não pode ser fracionada, melhor seria falar em requisitos, uma vez que faltando
qualquer deles, não haverá a figura delituosa.[44] Tal
a discussão é vazia de conteúdo, haja vista que lexicologicamente requisito significa
condição necessária para se atingir determinado fim,[45] e
elemento é tudo que entra na composição de alguma coisa.[46]
Maggiori diz que a questão terminológica não é de
muita importância, sendo que a palavra, ou o conceito, não é a substância.
Assim, denomina as partes essenciais do crime de elementos, caracteres
ou aspectos. Não obstante, reconhece que o crime resulta de um todo
unitário e monolítico, ainda que ele seja considerado de um ou de outro ângulo
visual.[47]
Conforme ensina Luiz Flávio Gomes, a divisão
didática vem perdendo prestígio, sendo mais importante o conceito global de
injusto, uma vez que ele é um todo unitário.[48]
Não obstante, entendemos diversamente, pois, explicando analogicamente, a
pessoa também é um todo unitário, com duas partes essenciais (matéria e vida),
sendo que a retirada de qualquer uma delas será a causa da sua extinção. O
delito é como o ser humano, mas todos seus elementos são essenciais. A retirada
de um deles, qualquer que seja, faz com o delito desapareça in totum.
Somente mediante o estudo analítico e progressivo
do delito será possível a segurança jurídica necessária ao DCrim, ou seja, é
essencial, na análise do crime, verificar cada uma das partes,
progressivamente, até chegar a conclusão final, acerca da ocorrência do delito.
Negar a divisibilidade do delito importa em
adotar o ultrapassado atomicismo, para o qual todas as coisas que formam
a realidades são constituídas por partículas invisíveis e indivisíveis. Essas
partículas foram chamadas de átomos, termo grego que significa não-divisível (a = negação; tomo
= divisível).
Ver o crime como um todo unitário, indivisível
até do ponto de vista didático, representa não pretender desenvolver um estudo
científico, que permita uma teoria científica do delito. Essa é, sem dúvida, a
melhor posição. Assim, oportuno e coerente é a posição de Cerezo Mir, citado
por Regis Prado:
Decompõe-se o delito em suas partes constitutivas
– estruturadas axiologicamente em uma relação lógica (análise lógico-abstrata).
Isso não exclui a consideração do fato delitivo como um todo unitário, mas
torna a subsunção mais racional e segura.[49]
O conceito unitário ou global de crime não
nos permite sermos técnicos ou científicos na sua análise, razão de optarmos
pelo conceito tripartido, embora o façamos em 2 capítulos, um sobre a parte
objetiva (injusto) e outro sobre a subjetiva (culpabilidade).
4.2.2.1 Conceitos quadripartido(e) e
tripartido(e)
Conforme ensinava Nelson Hungria, não há acordo
na doutrina sobre o Direito Criminal, mormente a respeito do conceito analítico
ou operacional de crime.[50]
Diz-se que, em uma época mais remota, já em 1551
a.D., o crime foi concebido por Deciano como sendo a conduta típica, antijurídica,
culpável e punível.[51]
Essa foi a posição de Bartaglini.[52]
Nélson Hungria inseria a punibilidade no rol de seus elementos.[53]
No entanto, não se pode ter a punibilidade como parte integrante do crime, eis
que ao agir assim estaremos considerando como causa o efeito.[54]
Nesse sentido, preleciona Assis Toledo:
Alguns autores acrescentam um outro elemento: – a
punibilidade – ao nosso ver, sem razão. A pena criminal, como sanção
específica do direito penal, ou a possibilidade de sua aplicação, não pode ser
elemento constitutivo, isto é, estar dentro do conceito do crime. Ao contrário,
pressupõe a existência de um crime já aperfeiçoado.[55]
Embora o conceito quadripartide de crime para a
doutrina tradicional seja o fato típico, ilícito, culpável e punível; os
autores mais modernos têm destacado a tipicidade, apresentando novos conceitos
quadripartides.
Luiz Regis Prado sustenta que crime é dotado por conduta
(ação ou omissão), tipicidade, ilicitude e culpabilidade, expondo:
Essa moderna concepção quadripartida – ação ou
omissão, tipicidade, ilicitude e culpabilidade – sofreu, com o passar do
tempo, importante transformação no que tange o conteúdo de seus componentes,
desdobrando-se, de acordo com a diretriz científica, em sistemas ou modelos
diversos, ou seja, o clássico, o neoclássico, o finalista e os teleológicos, que
procuram exatamente uma normativização jurídico-penal.[56]
Para uma corrente, embora a imputação objetiva
valorize o conceito global de delito, o vê dotado dos seguintes elementos: conduta
(ação ou omissão), imputação objetiva, ilicitude e culpabilidade.
Vê-se que o velho conceito quadripartido cedeu
lugar ao tripartido porque a punibilidade deixou de integrar o conceito
operacional de delito, sendo posterior a ele. De todo modo, novos conceitos
quadripartides, sem a punibilidade, vêm sendo desenvolvidos.
4.2.2.2 Conceitos bipartidos(es)
O crime era compreendido por um critério
bipartido, representado por um elemento objetivo (ação ou omissão) e outro
subjetivo (culpabilidade), o que foi denominado por Ferri de “anatomia jurídica
do crime”.[57]
Somente em 1906 é que se desenvolveu o critério tripartido, pelo qual crime
é a conduta humana típica, antijurídica e culpável. Este é “o conceito mais
aceito pela grande maioria dos penalistas”.[58]
No Brasil, atribui-se a René Ariel Dotti um
peculiar conceito bipartido de crime,[59]
eis que, conforme ele próprio sustenta,[60]
defendeu que a culpabilidade deveria ser analisada na teoria geral da pena, não
mais na teoria geral do delito.[61]
Esse peculiar conceito de crime só é adotado no Brasil e é pouco razoável.
Argui-se que a própria redação do CP exclui a
culpabilidade do conceito do crime, haja vista que ao ser referir à exclusão do
fato típico diz “exclui o dolo” (art. 20, caput) ou “não há crime” (art.
23), enquanto diz “é isento de pena” quando se refere à culpabilidade (art.
26). Ocorre que, a própria exposição de motivos da PG/CP entende que o art. 20,
§ 1º, do CP, exclui o dolo, ou seja, atinge o próprio fato típico (itens 17 e
19), mas referido artigo expõe “é isento de pena”. Nesse sentido, sustenta
Rogério Greco:
O fundamento desse raciocínio se deve ao fato de
que o CP, quando se refere à culpabilidade, especificamente nos casos em que a
afasta, utiliza, geralmente, expressões ligadas à aplicação da pena, a exemplo
do art. 26, que cuidando do tema relativo à inimputabilidade, inicia sua
redação dizendo que é „isento de pena...; ou a segunda parte do art. 21, caput,
do CP, que diz que “... isenta de pena”.
Deve ser ressaltado que o CP também utiliza a
expressão é isento de pena, ou alguma outra a ela parecida, para afastar
as características do crime...[62]
O art. 17 do CP trata do fato que não é típico –
crime impossível – e inicia com “não se pune”, o que evidencia que tentar
demonstrar referido conceito reducionista de crime por esse simples aspecto
suscitado – uma certa vontade da lei – é equivocado, haja vista que ela própria
não é fiel à construção que se pretende demonstrar.
Outro argumento que se tem utilizado é o de ser
possível receptação (CP, art. 180) de coisa, por exemplo, subtraída por
incapaz, embora o CP trate expressamente de coisa que seja produto de “crime”.
Acompanhamos entendimento minoritário, em face do princípio da legalidade, no
sentido de que não é possível praticar receptação quando se adquire coisa proveniente
de ato infracional de menor.
Àqueles que sustentam a tese de que a receptação
pode ser consubstanciada quando a coisa é adquirida de incapaz é oportuno o
alerta de que a redação é do art. 180, caput, decorre CP/1940, quando
não se questionava sobre a culpabilidade como elemento de crime. Nelson
Hungria, por exemplo, embora entendendo que crime é fato típico, ilícito,
culpável e punível, admitia a receptação de bem subtraído por incapaz porque a
receptação constitui crime autônomo,[63]
esvaziando a pretensão de se afirmar que a nova roupagem do CP exclui a
culpabilidade do conceito analítico de delito, sendo oportuno dizer que o
argumento construído a esse respeito é extremamente frágil.
Neste curso, o estudo será feito segundo a teoria
tripartida – estudando-se a parte objetiva (fato típico e ilicitude),
reservando à parte subjetiva (culpabilidade) o próximo capítulo -, a fim de
propiciar ambiente para evidenciar a tendência de alteração na estrutura do
delito com a formulação da teoria da imputação objetiva. Em tal momento
apresentaremos a posição de Chaves Camargo, que produziu um dos melhores livros
monográficos nacionais a respeito do assunto,[64]
momento que se evidenciará a tendência de se abandonar o estudo sistemático do
delito.
Estamos adotando uma postura parecida com a de
Welzel e de Juarez Tavares, os quais adotam um conceito analítico ou
operacional bipartido, no qual crime é uma parte objetiva (fato típico e
ilicitude – conhecida por injusto) e outra subjetiva (culpabilidade).
4.3 FATO TÍPICO
Diz-se que fato típico é a conduta humana que se
adequa ao tipo, produzindo um resultado (normativo ou naturalístico) proibido
pela lei criminal. Dessa forma, são elementos do fato típico: (a) conduta; (b)
relação de causalidade; (c) resultado; (d) tipicidade.
O estudo do fato típico passou por diversas
transformações, na medida em que evoluímos do causalismo para o finalismo,
deste para a doutrina social e, finalmente, para a imputação objetiva.
Nesta seção serão apresentados os elementos do
fato típico, segundo as principais teorias desenvolvidas. Outrossim, algumas
classificações estarão presentes, bem como certos aspectos da teoria do injusto
criminal tudo tendente ao conhecimento do porquê de as leis criminais
estabelecerem certas normas gerais aplicáveis às normas incriminadoras.
4.3.1 Conduta
O estudo da conduta é um dos mais densos a serem
desenvolvidos. É tão importante que alguns autores vêm destacando em face dos
outros elementos do crime, conceituando operacionalmente o crime como sendo a
conduta típica, ilícita e culpável. Com isso, o crime teria quadro partes:
conduta, tipicidade, ilicitude e culpabilidade. Ou, para outra corrente, crime
é integrado por: conduta, imputação objetiva, ilicitude e culpabilidade.
4.3.1.1 Teorias
Existem várias teorias sobre a conduta, das quais
enumeraremos as mais significativas:
Ø Causalista – esta teoria está superada, uma vez que considera a conduta
como sendo a ação ou omissão humana voluntária que produz um resultado proibido
pela lei criminal. Nesse momento, não há que se perquirir a finalidade do
agente, sendo a conduta um movimento exterior (positivo ou negativo – ação ou
omissão, respectivamente) que deve ser apreciado sem qualquer referência a dolo
ou negligência.[65]
Ø Finalista –
teoria que teve como seu maior defensor e articulador Hans Welzel (1904-1977),
que dizia que a ação humana (aqui incluída a omissão) é o exercício de uma
atividade finalista. Esta contém o elemento subjetivo (dolo).
Alguém que se conduz positivamente (ação) ou
negativamente (omissão), o faz desejando alguma coisa. Mesmo nos crimes
omissivos puros, a vontade se faz presente, ou seja, o agente não deseja o
resultado, mas quer praticar a conduta proibida.
Welzel não conseguiu explicar adequadamente a
negligência em sentido estrito, a qual é normativa, pois traz o elemento
volitivo para a conduta (querer agir mediante a omissão ao dever de cuidado e
gerar o risco de dano ao objeto jurídico). Ocorre que a conduta negligente em
sentido estrito é aquela em que o agente sequer pensa na possibilidade de dano
ao objeto jurídico (é objetiva), o que torna inadmissível a proposta finalista
a esse respeito.
O dolo, desde Welzel, apresenta 2 elementos: volitivo, desejar o resultado
normativo-jurídico; e cognitivo,
conhecer, ainda que potencialmente, os elementos do tipo.
Ø Social –
“o mérito dessa teoria consiste em que, ao decidir-se sobre a tipicidade de uma
ação, são considerados não só os aspectos causal e finalístico, mas também o
aspecto social”,[66]
tendo surgido como “uma ponte entre as teorias causalista e finalista”.[67]
Havendo dúvida sobre a qualidade da ação, deve-se examinar: a) se há
determinada conduta; b) se foi dominada ou era dominável pela vontade; c) sua
relevância social.[68]
Ø Jurídico-criminal – exprime que a “ação é o comportamento humano,
dominado ou dominável pela vontade, dirigido para a lesão ou para a exposição a
perigo de um bem jurídico, ou, ainda, para a causação de uma previsível lesão a
um bem jurídico”.[69]
Ø Imputação objetiva – não é fácil discorrer sobre a conduta
jurídico-criminal para a imputação objetiva por dois motivos: (a) a teoria está
baseada no estudo tópico, ou seja, exame casuístico; (b) tende ao exame global
do delito, afastando-se do estudo sistemático que está sendo desenvolvido.
Em um delineamento inicial, pode-se afirmar que
para a imputação objetiva a conduta jurídico-criminal é aquela que incrementa
um risco proibido. Viver na sociedade complexa hodierna importa em se colocar
constantemente em risco, bem como colocar terceiros em risco, mas só interessa
aquele em que o risco é proibido pela norma jurídico-criminal.
Podemos dizer que Welzel, ao desenvolver a teoria
finalista da ação a calcou em postulados antropológicos e ontológicos,[70]
chegando a conclusões utópicas. Ele posicionou a ação humana no centro da
teoria geral do delito, construindo, a partir de características essenciais da
ação, um sistema de estruturas lógico-objetivas, preexistente ao legislador,
que, segundo a opinião de seus defensores, forneceria à dogmática
jurídico-criminal conhecimentos permanentes e inabaláveis.[71]
O estudo da conduta permite grande dilação
acadêmica.[72]
Com efeito, existem sérias divergências doutrinárias e as soluções propostas não
se revelaram suficientes para eliminar as divergências e, por isso, alguns
criminalistas consideram que esta é uma das questões mais controvertidas da ciência
criminal, v.g., João José Leal.[73]
Destarte, parece que a melhor lição, no atual estágio de nossos estudos, é a de
Paulo José da Costa Jr.:
Do exposto se conclui: nenhum dos critérios
apontados, tomados isoladamente, mostra-se suficientemente idôneo para
conceituar a conduta. Cada um deles oferece sua contribuição à solução do
problema. O critério naturalístico oferta a base necessária para a edificação
da teoria do crime. A concepção teleológica ressalta o conteúdo social e os
momentos de valor da conduta, além de emprestar unidade ao sistema,
solucionando problemas como o instituto do concurso, ou o crime continuado. A
conceituação jurídico-normativa permite a exata utilização de todas estas
estruturas ontológicas, fornecendo-lhes o contorno formal, além de contribuir
valiosamente para o esclarecimento de importantes conceitos, como o de omissão.
Esta solução que se afigura mais equilibrada, equidistante das paixões dos
adeptos ferrenhos de várias doutrinas: aceitar de cada uma a contribuição
válida que se pode oferecer. Não se venha a dizer que tal posição é eclética,
pois é tridimensional. São três momentos de uma só realidade, que não podem ser
materialmente retalhados, por integrarem três aspectos onticamente
inseparáveis. A escola naturalística focaliza o fato. A teleológica sublinha o
valor. E a jurídico-normativa concentra-se na norma. As três visões,
desmembradas e parciais, fundem-se numa única realidade, que não é a soma de
suas integrantes, mas a fusão de todas, no cadinho da realidade social.[74]
Damásio Evangelista de Jesus dizia-se adepto da
teoria finalista. No entanto, inverteu a ordem da construção das teorias sobre
a conduta, tendo tratado primeiramente da teoria social para depois mencionar a
teoria finalista, levando a crer que essa seria a ordem cronológica da criação
de tais teorias. Aliás, ao concluir sua exposição sobre a teoria social, o
autor afirmou: “Por esses motivos, essa teoria foi repudiada pela doutrina
penal”. Então, discorreu sobre a teoria finalista, que, segundo ele, foi um
aperfeiçoamento das duas anteriores (causalista e social).[75]
Tal proposição é insustentável porque o finalismo
foi lançado de 1925 a 1931 (segundo o próprio Welzel, em 1927), tendo sido
objeto de críticas em 1932, o que provocou seu relançamento em 1939. A essa
posição Welzel se contrapôs, dizendo que seu finalismo só nasceu 30 anos depois
das primeiras publicações.[76]
A teoria social é posterior à finalista,
procurando corrigir defeitos contidos nela, bem como na teoria causalista.[77]
Aliás, o Damásio E. de Jesus era contraditório em suas posições – ora
defendendo apaixonadamente um lado, ora o outro –, a ponto de Juarez Tavares e
Luiz Regis Prado o classificarem como autor que teve posição intermediária,
entre o finalismo e a teoria social.[78]
Não obstante isso, em outra obra o último colocou Damásio E. de Jesus dentre os
finalistas.[79]
Ademais, não poderia ser a teoria social anterior à finalista, uma vez que
aquela pretende conjugar ensinamentos do finalismo com os do causalismo, sendo
inconcebível a teoria eclética preceder uma daquelas que pretende conjugar com
a outra teoria.
Pelo que se observa, todas as teorias expostas
são causais, visto que se voltam à causação do resultado proibido, mas a
vontade passou a ser parte integrante da conduta, daí dizer-se, hodiernamente,
que o dolo e negligência são partes integrantes da conduta.[80]
Não se olvide que a análise global do injusto
pretende tornar possível a correta valorização dos fatos, visto que observar a
relação de causalidade tem apenas efeito secundário, complementar, pois
qualquer estudo fragmentário que se estabeleça será insuficiente, mormente no
que tange à tipicidade e à relação de causalidade.
A teoria do incremento do risco é, talvez,
a pedra de toque da imputação objetiva. Tal teoria tem relação com o estudo da
relação de causalidade, mas se relaciona com o estudo da conduta, uma vez que
toda construção do funcionalismo criminal tende ao princípio da confiança.
Mesmo que não admitam expressamente, todos autores criminalistas que se dizem
funcionalistas, voltam-se a Luhmann e a Habermas, migrando para a grande
máxima: “Direito é comunicação e esta só é possível na sociedade”.
O princípio da confiança traduz exatamente a
ideia de uma sociedade sistêmica, baseada em uma esperável boa-fé. O grande
problema é que o consenso só seria possível em democracias ideais, a quais não
existem.
Segundo a imputação objetiva, a conduta que se
circunscreve ao risco permitido é lícita, sendo ilícita a que invade o
campo do risco proibido. Tal risco só pode ser adequadamente aferido se
observado o princípio da confiança, v.g., o anestesista que
ministra medicamento trocado por uma auxiliar que deseja a morte do paciente
não pode ser acusado de fato jurídico-criminal, uma vez que acredita, confia,
em sua auxiliar. A ele não se pode imputar dolo ou negligência, uma vez que
atuou dentro dos limites do risco permitido e, ainda, sob o resguardo do
princípio da confiança.
4.3.1.2 Injustos comissivo, omissivo e comissivo
por omissão
Em face da conduta, podemos fazer a seguinte
classificação do delito:
Ø comissivo –
é aquele que exige do autor uma ação, v.g., furto, cujo núcleo do tipo é
subtrair, ou seja, exige-se do autor uma conduta positiva;
Ø omissivo –
é aquele que exige do autor uma inação (omissão). É exemplo típico de tal
espécie de delito o crime de omissão de socorro, cujo núcleo do tipo é deixar.
Tal verbo exprime um não fazer, uma inércia. Essa espécie de delito é
classificada como sendo omissa pura ou própria, visto que é
imposta a obrigação de agir a todos e quem deixar de agir praticará o
delito.
Ø comissivo por omissão (ou omissivo impróprio, ou comissivo impróprio,
ou ainda, omissivo impuro) – tal espécie de crime só pode ser praticado por
determinadas pessoas que têm o dever de agir, as quais são chamadas de garantes
(ou garantidoras). Ao tratarmos da relação de causalidade
explicaremos melhor tal espécie de delito. Só a título de exemplo, se uma
pessoa passar próxima a um rio e vier a perceber outra afogando e, podendo,
deixar de prestar-lhe socorro, praticará o crime de omissão de socorro (art.
135 do CP), concretizando um crime omissivo puro. Não obstante, caso o pai veja
seu filho criança afogando e nada faça para socorrê-lo, cometerá homicídio
(art. 121 do CP), que será um crime comissivo por omissão.
As hipóteses que caracterizarão o injusto
omissivo impróprio serão tratadas no item que versará sobre a relação de
causalidade, visto que disciplinadas no art. 13, § 2º do CP. Aqui o objetivo
ficou adstrito à classificação dos delitos quanto à conduta, visto que parece
obedecer à melhor explicação didática.
Pretendeu-se estabelecer uma outra classe de
crimes, que não seriam comissivos, nem omissivos, que seriam os chamados crimes
de mera suspeita. Seria exemplo típico de tal classe de fato
jurídico-criminal a posse injustificada de instrumentos e suspeita de
instrumentos destinados à prática de furto. Em nosso meio, seria a contravenção
do art. 25 da LCP, in verbis:
Ter alguém em seu poder, depois de condenado por
crime de furto de roubo, ou enquanto sujeito à liberdade vigiada ou quando
conhecido como vadio ou mendigo, gazuas, chaves falsas ou alteradas ou
instrumentos empregados usualmente na prática de crime de furto, desde que não
prove destinação legítima.
Deve-se concordar com Nelson Hungria, que expôs
que sendo núcleo do tipo “ter”, só se configura o delito mediante a ação de se
apoderar dos objetos que levam à caracterização do fato jurídico-criminal, não
sendo, portanto, possível falar em crime (ou contravenção) sem conduta (ação ou
omissão).[81]
Data venia, o crime de mera suspeita não é compatível com o
garantismo, eis que não pode haver injusto criminal sem dano ou risco de dano ao
objeto jurídico.
4.3.3.3 O dolo e a negligência como elementos da
conduta (incluindo conceito e espécies de perigo)
Para distinguir o dolo da negligência foram
desenvolvidas três teorias, a saber:
Ø da representação - o resultado previsível representa o dolo, razão
pela qual será doloso o crime sempre que houver um resultado previsível;
Ø da vontade - apresenta o outro extremo porque só há dolo na vontade de
obtenção do resultado proibido, excluindo a possibilidade da responsabilização
daquele que age, mesmo assumindo o risco de produzir o resultado; e
Ø do assentimento (ou do consentimento) - diz que o dolo é o
consentimento com o resultado previsto, mesmo que ele não seja desejado.
Aceitar o resultado representa a vontade delituosa, portanto, o dolo.
Acerca do dolo e da negligência, o CP dispõe:
Art. 18 - Diz-se o crime:
Crime doloso
I - doloso, quando o agente quis o resultado ou
assumiu o risco de produzi-lo;
Crime culposo
II - culposo, quando o agente deu causa ao
resultado por imprudência, negligência ou imperícia.
Parágrafo único - Salvo os casos expressos em
lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o
pratica dolosamente.
O CP adotou a teoria da vontade (dolo
direto) e a teoria do assentimento (dolo eventual), ex vi do
disposto no art. 18. No mesmo artigo, o CP trata da negligência (ele prefere a
palavra “culpa”), que pode ser consciente (o agente faz a previsão do
resultado), ou inconsciente (o sujeito ativo não faz a previsão do
resultado, mas esse resultado é previsível ao homem médio), sendo que suas
modalidades são: imprudência, negligência e imperícia.
São várias as classificações do dolo, devendo-se
concordar com von Liszt quando afirma que as diversas “modalidade de dolo que
nos foram transmitidas pela ciência do Direito comum são, na melhor hipótese,
inúteis, e pela maior parte, como o dolus indirectus, não passam de
exageros da ideia, próprios a induzir a erro”.[82]
Fala-se em:
Ø dolo direto – que é aquele decorrente da vontade (do querer) do agente,
ou seja, o fato ocorre sob o domínio da vontade do autor. Ele deseja o
resultado normativo-jurídico realizado ou tentado. Esse dolo direto pode ser de
primeiro ou de segundo grau, v.g., uma pessoa deseja matar outra que
está em um avião de passageiros, explodindo-o. Quanto à pessoa visada, o dolo
direto será de primeiro grau. Quanto aos demais, o dolo será de segundo grau
uma vez que ele tinha a intenção de matá-los para alcançar seu objetivo
principal, mas apenas porque a morte deles seria necessária para satisfação da
pretensão principal.
Ø dolo eventual – se caracteriza pelo fato do agente, mesmo não desejando,
assumir o risco de produzir o resultado jurídico-criminal. Decorre, portanto,
da teoria do assentimento ou do consentimento;
Ø específico e genérico – o dolo específico é o especial fim
de agir contido no tipo. A doutrina finalista nega tal espécie de dolo porque
ele pressupõe a existência de dolo genérico, mas todo crime exige uma
vontade determinada, ou seja, dolo específico, o que inviabiliza criar tal distinção.
Não obstante, temos por extrema a posição dos finalistas, visto que tudo
depende de determinado referencial.[83] Desse
modo, consideramos genérico o dolo que, v.g., atinge o objeto jurídico
em sua generalidade (CP, art. 148), e específico aquele que o atinge em
determinada particularidade predeterminada na norma, v.g., liberdade
sexual (CP, art. 219).
Ø alternativo – é aquele em que o agente vislumbra a possibilidade de dois
resultados, mas se contenta com qualquer um deles, mesmo sabendo que ambos são
proibidos pela norma criminal, v.g., Tício manda Caio dar uma surra em
Mévio, determinando a Caio a aplicação de cem violentas chicotadas de couro,
com ponteiras metálicas, na vítima, pouco se importando se as lesões só
ofenderão a integridade física (lesão corporal – CP, art. 129), ou se provocarão
a morte (CP, art. 121);
Ø simples e
composto – é simples o dolo que visa a produção de um único resultado
delituoso, enquanto o composto objetiva mais de um, v.g., no concurso
formal imperfeito o agente tem mais de um desígnio delituoso (deseja mais de um
resultado jurídico-criminal), o que, por constituir uma pluralidade de crimes,
constitui dolo específico.
Ø de dano e de perigo – o dolo de dano é aquele tendente à ofensa do
objeto jurídico, por exemplo, homicídio (o agente pretende atingir a vida – CP,
art. 121), enquanto o dolo de perigo visa à ameaça do objeto jurídico, v.g.,
periclitação da vida (o dolo se limita à exposição da vida ao perigo – CP, art.
132).
Ø dolus malus e dolus bonus – tais espécies de dolo são assim
classificados pelos motivos determinantes da conduta. Aquele que deseja
praticar o injusto para fazer o bem tem dolus bonus, v.g., o
Bombeiro Militar que arromba uma porta e invade uma casa para salvar uma pessoa
em situação de perigo. De outro modo, aquele que age movido por um desejo
censurável, tem dolus malus, por exemplo, torcedor de um time de futebol
que espanca o torcedor de outro time rival, apenas para obter prestígio em sua
torcida organizada.
Ø dolus indeterminatus – o dolo não é determinado em todas
circunstâncias (mas não de todo indeterminado), podendo-se apresentar como
exemplo o dolo alternativo.
Ø dolus indirectus – sua origem se deve às necessidades de
administração da justiça, a que a teoria da vontade não estava em condições de
atender, sendo traduzido pela prática de um crime que alcança resultados que
vão além do desejado, v.g., o agente pratica lesão corporal, mas, sem
desejar, produz a morte da vítima. Ora, a posição é equivocada porque nem mesmo
o versari in re ilicita permite converter em resultado representado o
resultado não representado.[84]
Ø A versari in re ilicita supõe: (a)
responsabilidade pelo mero resultado; (b) o dolo indirectus como fundamento
da responsabilidade.[85]
Por tais fundamentos equivocados, a teoria teve que ser abandonada, até porque
o Direito do momento é incompatível com a responsabilidade objetiva em matéria
criminal.
Apresentarei a seguir a ótica de André Estefam porque
pretendo que esse curso não fuja do seu objetivo de atender a todos, inclusive
os voltados a concursos públicos:
(a) dano
direto ou imediato: dá-se quando o agente quer produzir o resultado
(subdivide-se, em dolo direto de 1º grau e dolo direito de 1º grau). O grau do
dolo interferirá na dosimetria da pena visto que o de 1º grau será mais
intenso, por exemplo, quem quiser matar outrem em um avião, sabendo que ali
existirão mais 9 pessoas, ao explodir tal aeronave, terá 10 dolos, 1 de 1º grau
e 9 de 2º grau. De 1º grau será contra a vítima objetivada e de 2º contra os
demais do “pacote”;
(b) dolo
indireto ou mediato: subvide-se
em eventual e (o agente não quer produzir o resultado, mas com sua conduta.
assume o risco de fazê-lo) e alternativo (o agente quer produzir um ou outro
resultado, por exemplo, matar ou ferir). Discordo quanto a isso porque o dolo
alternativo, ao meu sentir, é direto (o agente desejará 1 de 2 resultados
possíveis), visto que haverá vontade dirigida a um fim. De todo moto, ratifico,
o dolo alternativo é concebido com mediato.
(c) dolo de
dano: ocorre quando o agente pratica a conduta visando a lesar o bem
jurídico tutelado na norma penal.
(d) dolo de
perigo: o sujeito visa somente expor o bem jurídico a perigo, sem a
intenção de lesioná-lo.
(e) dolo
natural ou neutro: é o que contém unicamente consciência e vontade;
(f) dolo
híbrido ou normativo: exige os
elementos cognitivo, volitivo e a consciência da ilicitude;
(g) dolo
genérico, a vontade de realizar os elementos do tipo;
(h) dolo
específico: é o especial fim de agir que estará inserido no tipo, por
exemplo, para fins libidinosos;
(i) dolo
geral ou dolus generalis: também
denominado aberratio causae (erro de
causa) ou erro sucessivo, é aquele em que o acidente depois de pensar ter
consumado o crime, visará a evitar a pena ocultando a prova.
André Estefam procura distinguir o dolus generalis do aberratio causae, afirmando:
No erro sobre o nexo causal realiza-se uma só
conduta pretendendo o resultado, o qual é alcançado em virtude de um processo
causal diverso daquele imaginado. Exemplo: uma pessoa joga seu inimigo de uma
ponte sobre o rio (conduta), pretendendo matá-lo (resultado) por afogamento
(nexo de causalidade esperado), mas a morte ocorre porque, durante a queda, o
ofendido choca sua cabeça contra os alicerces da ponte (nexo de causalidade
diverso do imaginado). A diferença fundamental entre o dolo geral e o erro
sobre o nexo de causalidade reside no fato de que naquele há condutas, enquanto
neste há somente uma.[86]
Com Lizt, afirmo que inventamos classificações
demais. Entendo que aquele que pretende matar de um modo e com uma única ação mata
de outra maneira, errou na causação do resultado, assim como errará aquele que
pensando ter matado, lançar a vítima no rio, ainda viva, para ocultar cadáver,
e ela venha a morrer afogada. Nas duas hipóteses, haverá um dolo geral
alcançado. Nessa posição, estou bem acompanhado, eis que é a posição de Jakobs.[87]
O dano, do ponto de vista jurídico-criminal, é a
ofensa ao objeto jurídico, enquanto o perigo é explicado segundo três teorias:
Ø objetiva – perigo é um "trecho da realidade".[88]
Existe uma possibilidade ou probabilidade objetiva, que pode ser verificada
estatisticamente ou por uma observação sistemática. Perigo é, portanto, um
estado de fato que contém as condições (incompletamente determinadas) de um
evento lesivo;
Ø subjetiva – perigo é uma ideia, nada tendo de
objetivo. É uma hipótese, não um fato. É uma abstração subjetiva, não uma
realidade concreta. O perigo não passa de uma impressão de temor, de uma
representação mental, de uma pura indução subjetiva;
Ø mista ou integrativa – perigo não é um elemento
arbitrário (caso se tratasse de uma simples impressão, com ele não poderia
operar o DCrim, que deixaria de tutelar a ordem externa, para proteger a
impressionabilidade interna dos indivíduos). O perigo é uma possibilidade de
dano, uma situação objetiva, mas que precisa ser reconhecida, julgada (situação
subjetiva).[89]
Deve-se preferir a teoria mista, mas a dúvida
volta a emergir quando a quantidade ou grau de consistência do perigo que tem
relevância jurídico-criminal. Uns entendem que basta a mera possibilidade de
dano, enquanto outros exigem a notável (relevante) possibilidade.
Entende-se que é insuficiente a mera
possibilidade, eis que o perigo, sob o prisma jurídico-criminal, não pode ser
uma possibilidade abstrata ou uma eventualidade anormal ou incomum. O DCrim
deve desinteressar-se dos perigos mínimos ou de escassa possibilidade, pois de
outro modo, cessaria toda liberdade de movimentos.
É impossível prevenir a infinita variedade de
acontecimentos lesivos, pois até as atividades mais comezinhas da vida diária
geram riscos. O homem só deve se abster de condutas que podem causar danos
jurídico-criminais.[90]
No âmbito jurídico-criminal, o perigo pode ser:
Ø presumido (ou abstrato) – é o que a lei presume iuris
et de iure, inserto em determinada conduta, v.g., desabamento de
construção (LCP, art. 29);concreto – é o que deve ser averiguado ou demonstrado
de caso em caso na sua efetividade, ou presumido iuris tantum, v.g.,
desabamento ou desmoronamento (CP, art. 256).
Ø coletivo (ou comum) – é aquele que afeta número
indeterminado de pessoas, v.g., crimes de perigo comum (CP, arts.
250-259);
Ø individual – é o que afeta o interesse de uma só pessoa ou de um exíguo
e determinado grupo de pessoas, v.g., crimes de periclitação da vida
e da saúde (CP, arts. 130-136);
Ø atual (ou iminente) – é a possibilidade presente
ou efetiva de dano, v.g., Caso dos Exploradores de Caverna;[91]
Ø futuro (ou mediato) – é aquele que, embora não
existindo na atualidade, pode advir em tempo sucessivo.
Tem-se discutido sobre a constitucionalidade dos
tipos de perigo abstrato. Argumenta-se que Jakobs diz ser ilegítima a
incriminação em áreas de adjacências à lesão do bem jurídico.[92]
A negligência, por sua vez, enseja discussões a
partir de sua denominação. Preferimos a posição daqueles que não mais fazem a
distinção entre as modalidades de “culpa”. Juarez Tavares, por exemplo, trata
unicamente de delito negligente, como sinônimo de “crime culposo”.[93]
Os manuais acabaram consolidando as seguintes distinções, aplicadas em
concursos públicos:
Ø imprudência – constitui o excesso, caracterizado por uma ação. O agente
exagera em sua ação, extrapolando nos limites de segurança, o que evidenciará a
imprudência. Aqui, faço minha crítica a esse conceito corrente nos manuais
pátrios porque imprudentia (latim), significa apenas falta de atenção,
descuido, etc., ou seja, está ligada à imprevisão, o que não importa,
necessariamente, em uma ação;
Ø imperícia –
é representada pelo erro ou engano na atuação por não conhecer determinada
habilidade especial exigida para aquela atividade. Assim, os manuais vinculam a
imperícia ao exercício de atividades que exigem habilidades especiais. Não as
tendo, o erro caracterizará a imperícia. Assim, os autores dizem que a
imperícia é a imprudência qualificada, eis que é a imprudência que pressupõe
uma arte, um ofício, uma profissão.
Considerando que a palavra decorre do latim imperitia
(falta de conhecimento, ignorância, imperícia, inabilidade), poder-se-ia
dizer que há acerto na construção manualesca. No entanto, devo observar que há
muito se defende a ideia de ser a negligência pura imprudência ou imperícia, o
que esvazia a tentativa de localizar a distinção.
Concordo, com Nelson Hungria que afirma, que a
“imperícia, de seu lado, não é mais do que uma forma especial de imprudência ou
de negligência”.[94]
Ocorre que ele vincula a imperícia à inabilidade do agente, o que me permite
discordar.
Mirabete afirmava que a imperícia é a falta de
conhecimentos técnicos no exercício da arte ou da profissão, não tomando o
agente em consideração o que deve ou deva saber. "Havendo inabilidade para
o desempenho da atividade fora da profissão (motorista sem carta de
habilitação, Médico não diplomado etc.) a culpa é imputada ao agente por
imprudência ou negligência, conforme o caso".[95]
Tenho que a simples contrariedade à técnica
constitui imperícia, mesmo que o agente conheça todos os detalhes. Deve-se
concordar com Nelson Hungria que nem todo erro profissional constitui
imperícia. Algumas profissões levam os profissionais a atuarem com grande
margem de risco, o que pode provocar sérios danos por pequenos erros, que não
podem ser classificados como delitos. No entanto, o experiente profissional que
deliberadamente contraria a técnica por conduta omissiva ou ativa atua com
imperícia, ou seja, para mim, a imperícia constitui a simples contrariedade à
técnica, independentemente de o agente conhecê-la ou não a conhecer.
Imperícia não é uma qualidade do agente, mas da
conduta. Essa é uma análise do injusto, ou seja, do fato, não do agente. Mas,
reconheço, os manuais pátrios emprestam à palavra imperícia o seu sentido
vulgar, ou seja, de “inaptidão, incapacidade, falta de habilidade, ou
inexperiência”.
Ser a negligência consciente ou inconsciente é
pouco relevante no estudo da conduta, elemento do fato típico, eis que
vinculada ao agente, levando ao estudo dos graus de negligência (leve, média ou
grave), que merece prestígio no exame da culpabilidade, momento posterior. É
por entender que a imperícia é uma qualidade do fato e não do agente, que não a
vinculo ao conhecimento de técnicas ou habilidades especiais.
Ø negligência – os manuais apresentam como a
omissão a um dever de cuidado, representada por uma conduta omissiva, v.g.,
deixar de fazer manutenção no veículo e dirigir com ele nesse estado de insegurança,
provocando danos a terceiros.
Neglegentia (latim) significa, descuido, indiferença, desleixo,
esquecimento. Assim, tenho por inferência exagerada pretender ver na
negligência apenas a conduta omissiva. Ao meu sentir, a omissão ao dever de cuidado
pode se dar em uma conduta comissiva e, volto a dizer, a consideração que deve
ser feita é em relação à conduta e não ao agente. Por isso, entendo que,
havendo negligência (omissão ao dever de cuidado), estarão incluídas a
imprudência e a imperícia.
Günther Jakobs fala unicamente em delito
imprudente, como sinônimo de “delito culposo” em sentido estrito.[96] A
ausência de distinção, ao nosso sentir, se apresenta como correta porque, de
certa forma, é impossível dizer categoricamente que uma conduta “culposa” foi
unicamente imprudente, ou negligente, ou, ainda, que o fato decorreu só da
imperícia, v.g., aquele condutor de veículo automotor que avança em um
cruzamento, quando o semáforo está com luzes vermelhas, vindo a colidir com
outro veículo que se desloca em velocidade acima da permitida, tem “culpa”.
Também a tem o condutor do outro veículo. Ambos foram imprudentes ao excederem
aos limites de segurança, também foram negligentes quando deixaram de observar
o dever de cuidado. Finalmente, agiram com imperícia, na medida em que agiram
contrariamente à técnica.[97]
Pelo que se pode extrair dos exemplos, efetivamente é vazia de conteúdo a distinção
contida na lei.
Os delitos negligentes têm grande relevância,
tendo em vista que a atribuição objetiva do resultado (imputação objetiva) veio
para dirimir as grandes discussões havidas no campo dos delitos dolosos, mas,
agora, seu maior prestígio se volta aos delitos negligentes.
A negligência pode ser consciente ou inconsciente.
Esta é a negligência propriamente dita (ou em sentido estrito), uma vez que a
conduta se manifestará sem que a pessoa tenha feito a previsão do resultado
proibido pela norma criminal, mas este lhe era previsível. De outro modo, a
negligência consciente é denominada subjetiva porque o agente faz a previsão do
resultado, mas supõe que ele não se realizará.
Falar em negligência imprópria, por extensão,
por equiparação ou por assimilação, que seria o “erro de tipo
inescusável” daquele que atua sob determinada descriminante putativa (CP, art.
20, § 1º),[98]
é inadequado, tendo em vista que se a negligência própria é a inconsciente,
pode-se deduzir que a negligência consciente é, naturalmente, imprópria.
A denominação “culpa imprópria”, utilizada por
alguns, referindo-a ao erro de proibição, só induz a equívocos, misturando
conceitos e aspectos completamente distintos, haja vista que a punição a título
de negligência, no caso de erro na descriminante putativa, é assunto complexo,
que exige grande cuidado em seu trato, mas cumpre alertar que se trata de erro
de proibição, não de negligência imprópria. Ali, não se extrai a negligência do
resultado, como ocorre no dolus indirectus, em que o dolo é retirado do resultado.
A negligência presumida não é admitida
desde a vigência do CP/1940. Consistia em atribuir a responsabilidade por um
dano apenas porque o autor infringiu determinada disposição regulamentar, v.g.,
um motorista inabilitado era presumidamente responsável pelos danos que
causasse. Hoje, há uma tentativa de resgatar esse absurdo em relação ao
condutor de veículo automotor que tiver ingerido bebida alcóolica em nível
superior ao admitido, ainda que ele não esteja embriagado.
O CP, referindo-se ao injusto negligente, fala em
imperícia, imprudência e negligência, sendo que tal definição cede seu espaço
para uma única modalidade de injusto culposo, que passa a se confundir com “injusto
negligente” ou “imprudente”, não sendo cabível no estágio atual do Direito
Criminal, discutir a distinção entre as modalidades de “culpa”, eis que ela se
dá em razão da adoção da teoria causal, sendo que hoje a discussão está
centralizada na noção de lesão ao dever de cuidado e na de risco
proibido.[99]
O injusto negligente tem como fundamento a
previsibilidade ao homem médio. Porém, é difícil determinar quem é tal
espécie de homem, até porque, conforme ensina Fábio Roberto D'Avila, “este
homem idealizado pela dogmática, apenas não está morto, porque nunca existiu”.[100]
Pensar objetivamente em um homem médio é criar
uma responsabilidade objetiva, inadmissível em Direito Criminal. Daí
concordar-se com a posição de Juarez Tavares, no sentido de que se deve
proceder à avaliação típica a partir das condições e circunstâncias reais do
fato, bem como da necessidade de proteger o bem jurídico no caso específico,
podendo, para tanto, observar as normas orientadoras das profissões e ofício,
as chamadas lex artis, bem como das instruções formais e informais, que
regem as atividades em geral.[101]
Na busca de parâmetros ideais para a
responsabilização pelos delitos negligentes foram construídas três teorias, a
saber:
Ø da dupla posição – expõe que a análise típica deve ser unicamente
objetiva, reservando à culpabilidade a apreciação de aspectos subjetivos;
Ø da individualização da capacidade do agente – para esta teoria, tanto os elementos objetivos,
quanto os subjetivos são imprescindíveis na análise do injusto;
Ø mista de Roxin – propõe que sejam levadas em consideração a capacidade
individual do autor somente nos casos em que esta é superior ao padrão
objetivo, eis que sendo menor, deve ser mantida a análise estritamente
objetiva, relevando os aspectos subjetivos à culpabilidade.[102]
Parece-nos que Roxin, na busca da adoção completa
de determinada política criminal, incorre em contradição, tendo em vista que
todo seu funcionalismo tende a um DCrim subsidiário, menos interventor, mas o
mesmo não ocorre no que respeita aos injustos negligentes, eis que é autoritária,
arbitrária, qualquer tentativa de se pretender estabelecer uma responsabilidade
criminal objetiva.[103]
Destarte, deve-se preferir a teoria da individualização da capacidade do
agente.
Dizer que um homem que colocar uma arma em local
de fácil acesso para uma mulher que ele sabe estar com vontade de praticar um
suicídio participará de tal delito, caso o resultado morte venha a ocorrer com
o emprego de tal arma, é dar sentido muito elástico à norma criminal. Segundo
Roxin existe precedente da mais alta corte germânica na mesma posição da que
defende.[104]
Ocorre que, não se pode esquecer o garantismo do DCrim, mormente o da norma
criminal, ex vi do princípio nullum crimen nulla poena sine praevia
lege.
Exemplificando o que se expõe, a participação
em suicídio (art. 122 do CP) por uma questão lógica, não admite a
modalidade negligente. Com efeito, o art. 18, parágrafo único, do CP, prevê a
excepcionalidade da responsabilização por crime negligente, só a admitindo nos
casos em que a lei expressamente a prevê. Desse modo, o art. 122 não admite a
modalidade negligente, bem como em qualquer espécie de delito negligente, só
poderá ser responsabilizado aquele que porventura for seu coautor.
Conforme exposto, tentar reduzir uma teoria a
exemplos conduz a incoerências insustentáveis. Daí entendermos que devemos
evitar explicar uma teoria unicamente pelos casos que se apresentam. Roxin, ao
nosso sentir, comete tal equívoco, v.g., expõe o “caso do ciclista”,
in verbis:
O condutor de um caminhão resolveu ultrapassar um
ciclista e, ao fazê-lo, não guardou a distância mínima de separação imposta
pelo Código de Estrada. Durante a ultrapassagem, o ciclista, que estava
embriagado, guinou a bicicleta para a esquerda devido a uma inesperada reação
provocada pelo álcool, caiu debaixo das rodas traseiras do caminhão que nesse
momento lhe passava ao lado e morreu em consequência do acidente. Comprovou-se
que o acidente ter-se-ia sempre produzido, bem assim como o seu fatal
desenlace, mesmo que o condutor do caminhão tivesse mantido uma separação
suficiente ao efetuar a ultrapassagem.[105]
Nesse caso, invocando o CP Alemão, Roxin defende
que o condutor do caminhão não pode ser responsabilizado pelo resultado morte,
tendo em vista que o resultado ocorreria, mesmo que ele tivesse obedecido a
distância regulamentar. Ocorre que, in casu, resta evidente certa
contradição, tendo em vista que ele defendeu a responsabilidade com base em
elementos meramente objetivos, mas a exclui diante de um certo caso. Ao nosso
sentir, isso decorre da inserção exagerada de exemplos, visto que eles tendem a
conduzir a soluções casuísticas, desnaturando a teoria.
O que foi exposto contribui para o entendimento
de que a teoria de Claus Roxin, por ser excessivamente casuística, conduz a
soluções contraditórias, o que induz à sua rejeição. Na verdade, no delito
negligente, sendo aferível o risco pelo condutor do veículo, tem ele o dever de
cuidado, sendo que, em face do incremento do risco, ele pode ser
responsabilizado em caso de negligências concorrentes. Desse modo, deve ser
mantida a regra de que, em matéria criminal, não se pode admitir a compensação
de resultados negligentes, ou seja, se duas pessoas, ambas atuando
negligentemente, provocam danos recíprocos, devem responder pelos resultados
causados.
No caso do condutor do caminhão, na esteira do
que estamos propomos, em matéria criminal, somente ele deveria responder pelo
resultado, mesmo que o resultado morte não viesse a ocorrer, tendo em vista que
a autolesão não constitui crime. De outro modo, na esfera civil, onde a
intervenção jurídica é menos drástica, não há qualquer inconveniente na
admissão da compensação das negligências.
Nossa posição não diverge da posição de Jakobs.
Este apresenta exemplo semelhante ao nupercitado, mas entende que o princípio
da confiança não se aplica aos casos em que é função do agente compensar
eventual comportamento defeituoso da vítima.[106]
Com efeito, passar extremamente próximo de uma vítima, sem antever o possível
erro da vítima foge aos limites da confiança natural, constituindo fato
jurídico-criminal. Tal fato será relevante a título de dolo ou de negligência,
mas segundo os elementos concretos de cada caso.
Chamam a atenção os julgamentos ocorridos na
região sul do país, que ganharam guarida no STJ e STF,[107]
onde rapazes que praticando “racha”, ou expressando tecnicamente, “disputando
corrida com espírito de emulação” (art. 308 da Lei n. 9.503/1997), provocam a
morte negligente de pedestres, ou condutores de outros veículos. Nesse caso, em
regra, o condutor tem o desejo de competir fazendo a previsão da possibilidade
de vir a acontecer um acidente (colisão, choque ou atropelamento), ofendendo
objeto jurídico alheio, mas acredita que a sua perícia impedirá tal resultado.
Assim, presente estará a negligência imprópria (negligência subjetiva ou
negligência consciente), mas não dolo. A negligência consciente não pode
ser confundida com o dolo eventual.[108]
Naquela, o agente pratica o ato acreditando que sua perícia, ou que o veículo
(ou, em outros exemplos, que o instrumento utilizado), impedirá o resultado.
A fundamentação de “política criminal”,
estabelecida em favor de considerar o delito de trânsito, em praticamente todas
as oportunidades, como doloso, é extremamente frágil. Vejamos, por exemplo, a
posição de Guilherme Nucci:
As inúmeras campanhas realizadas, demonstrando o
perigo da direção perigosa e manifestamente ousada, são suficientes para
esclarecer os motoristas da vedação legal de certas condutas, tais como o
racha, a direção em alta velocidade, sob embriaguez, entre outras.[109]
No dolo eventual, o agente, além de fazer a
previsão do resultado, assume o risco de sua produção. Assim, carece de
fundamento jurídico a tese extrema, adotada na referida região do País, visto
que ali se tem entendido sempre que há dolo eventual. Ao nosso sentir, tais injustos,
como regra, devem ser mantidos no campo da negligência, visto que os
resultados, em regra não são desejados nem assumidos pelos autores. A
leviandade do autor não é suficiente para transformar o delito em doloso. Nesse
sentido, dispõe o CPM:
Art. 33. Diz-se o crime:
I – quando o agente quis o resultado ou assumiu o
risco de produzi-lo;
II – culposo, quando o agente, deixando de
empregar a cautela, atenção ou diligência ordinária ou especial, a que estava
obrigado em face das circunstâncias, não prevê o resultado que podia prever ou,
prevendo-o, supõe levianamente que não se realizaria ou que poderia evitá-lo.
Distinguir o delito
negligente subjetivo (destaque-se que a parca doutrina criminal pátria só
denomina “culpa imprópria” a do excesso na legítima defesa putativa) daquele
praticado mediante dolo eventual é uma tarefa árdua, visto que o autor sempre
dirá que procurou não aceitou o resultado. Desse modo, ante o fato concreto se
deve analisar os elementos externos a fim de verificar se efetivamente seria
crível que o agente pudesse naquela situação acreditar que o resultado não
ocorreria, seja por sua perícia, ou seja, pelo instrumento utilizado.
A análise de cada fato deve levar em consideração
as circunstâncias que o envolveram, bem como a perícia do agente, não se
rotulando, como se tem feito, de crime doloso todo aquele que envolve corrida
com espírito de emulação ou em que o autor estava em elevadíssima velocidade.
Finalmente, é importante perceber que a punição
pelo resultado negligente é excepcional, portanto, depende de previsão expressa
na lei (CP, art. 18, parágrafo único). Subtrair, negligentemente, coisa alheia
móvel não constitui crime de furto porque a subtração só constituirá fato
jurídico-criminal se praticada a título de dolo (CP, art. 155). De outro modo,
matar negligentemente constitui crime, eis que expressamente prevista a
hipótese na lei (CP, art. 121, § 3º).
4.3.4 Relação de causalidade, uma das principais
problemáticas do delito
A causação de um
resultado deve ser analisada apenas sob o ponto de vista natural. Nexo de causalidade é “o liame ideal que
possibilita a imputação de um resultado a alguém”.[110]
Porém, estudar esse assunto é um trabalho árduo, visto que existem inúmeras
teorias a respeito, sendo que, ao que parece, nenhuma teoria construída
satisfaz plenamente às questões decorrentes dos inúmeros fatos que podem se
concretizar.
Existem teorias de maior prestígio, sobre as
quais nos demoraremos um pouco mais. Dessa forma, procuraremos reunir os
diversos posicionamentos dos doutrinadores pátrios, para no final deste
capítulo dizer que a teoria da imputação objetiva, embora tenha, dentre vários
objetivos, a pretensão de resolver os intricados problemas relativos à relação
de causalidade, não os supera, voltando à solução casuística proposta neste
item.
Nossa conclusão é a de que adotar a tese da
imputação objetiva terá como consequência, em alguns momentos, a violação da
lei criminal, bem como de direitos fundamentais assegurados pelo princípio da
legalidade e pelo consequente garantismo criminal.
4.3.4.1 Limites do art. 13 do CP
A conduta delituosa pode ser positiva (ação), ou
negativa (omissão), sendo que o art. 13, caput, do CP, refere-se
expressamente à conduta comissiva e à omissiva, mas esta é a imprópria, ou
seja, aquela em que o autor se coloca em uma das condições do § 2º do artigo
nupercitado.
Observe-se o conteúdo do art. 13 do CP:
Art. 13 - O resultado, de que depende a
existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se
causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
Superveniência de causa independente
§ 1º - A superveniência de causa relativamente
independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os
fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.
Relevância da omissão
§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o
omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a
quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção
ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de
impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco
da ocorrência do resultado.
De outro modo, conforme veremos no item relativo
ao resultado, os injustos se classificam em materiais, formais e de mera
conduta, sendo que o art. 13 do CP só se refere à primeira espécie (delito
material ou de dano), visto que o caput enuncia: “o resultado de que
depende a existência de crime”. Da redação se pode inferir que a lei está se
referindo ao injusto que se completa somente se houver um resultado
naturalístico, v.g., homicídio (que resulta na extinção da vida) e furto
(que resulta na diminuição do patrimônio da vítima).
4.3.4.2 Teorias de maior prestígio
O nexo de causalidade é um dos elementos
do fato típico de maior complexidade, tendo sido construídas várias teorias a
respeito. As teorias de maior prestígio são: da equivalência das condições
ou da equivalência dos equivalentes causais e da condição adequada.[111]
A teoria da equivalência das condições foi
a adotada pelo nosso código, visto que causa é tudo aquilo que contribui para o
resultado, enquanto para a teoria da condição adequada a causa é a
condição mais eficiente para a produção do resultado, ou seja, aquela mais
adequada para a produção do resultado. A primeira teoria, por ser mais precisa,
é a melhor, existindo relativo acerto na adoção da mesma pelo CP.
Ocorre que nenhuma teoria é perfeita. Pior do que
isso é o fato do código ter falhado ao adotar o critério da eliminação
hipotética (teoria da conditio sine qua non), eis que “considera-se
causa a ação ou omissão, sem a qual o resultado não teria ocorrido”, ou seja,
caso fosse hipoteticamente retirada uma causa e, mesmo assim, o resultado
viesse a ocorrer, aquela causa retirada seria excluída da relação de
causalidade, v.g., se um atirador se antecipa ao carrasco matando o
condenado que está prestes a ser executado, não teria dado causa à morte, visto
que o resultado, mesmo que de outra maneira, ocorreria.
Em um outro exemplo, caso duas pessoas colocassem
veneno, cada uma, em quantidade suficiente para matar, nenhuma teria dado causa
à morte, visto que o resultado ocorreria de qualquer forma. Desse modo, para
resolver o problema, desenvolveu-se o critério da eliminação global,
pelo qual se retirássemos as causas, alternativamente e separadamente, e o
resultado continuasse ocorrendo, todas seriam causa.[112]
Tal critério precisa ser temperado pelas teorias do concurso de pessoas, visto
que se duas pessoas combinarem colocar, cada uma, metade do suficiente para
matar, devem responder pelo resultado morte, mas, então, estamos abandonando o
estudo estritamente causal.
Outras teorias foram construídas, mas são
variações da teoria da condição adequada, conforme enumeraremos
exemplificativamente as principais:
Ø da eficiência – causa é a condição mais eficaz para a produção do
resultado);
Ø da relevância jurídica – a causa não decorre do simples atuar do agente,
vez que é necessária a produção do tipo;
Ø da condição humana – o processo causal decorre da atuação humana,
não podendo sofrer intervenção de acontecimento excepcional, que concorrendo
com a ação do homem, venha a influenciar decisivamente na produção do
resultado.[113]
Nenhuma dessas teorias é conveniente, porque
todas inserem na noção de causa um elemento subjetivo, que não pode ser
confundido com os elementos físicos e materiais do delito.
A teoria do incremento do risco, inicialmente, procurou explicar o nexo de
causalidade nos crimes omissivos. Roxin diz que mais importante que a
causalidade, é a determinação de ter o sujeito, com o seu comportamento,
diminuído, ou não, as chances de produzir o resultado. Dessa forma, a teoria
exprime que a causalidade pode ser determinada pelo aumento do risco de
produção do resultado.[114]
Hoje, com a imputação objetiva, a teoria do incremento do risco se volta,
também, aos delitos comissivos, aos dolosos e aos negligentes, ou seja, a todas
as espécies de crimes.
Conforme dissemos, a teoria da condição adequada
peca pela imprecisão, pois seria muito difícil dizer o que é causa e o que é
condição. Para a referida teoria, só é causa a condição adequada para a
produção do resultado, fazendo, portanto, a distinção entre causa e condição. A
teoria da equivalência das condições não distingue causa de condição.
Tudo aquilo que contribui para o resultado, sem o qual ele não teria ocorrido,
é causa.
4.3.4.3 Aplicação das teorias e posição dominante
na doutrina pátria (até o advento da teoria da imputação objetiva)
O estudo da relação de causalidade ainda é
oportuno, mesmo havendo adeptos da teoria da imputação objetiva que
passam a procurar, por meios de critérios objetivos, a solução dos problemas
resultantes da insuficiência dos métodos da relação de causalidade.
Quando se afirma que a teoria da imputação
objetiva vem solucionar os problemas decorrentes da imprecisão da relação de
causalidade,[115]
acredita-se que não mais surgirão problemas na solução dos diversos casos
concretos possíveis. No entanto, a teoria da imputação objetiva é imprecisa e,
ao contrário de reduzir o casuísmo, o intensifica. Aliás, não se olvide, ela
não é uma teoria que visa à causalidade.
Voltando ao estudo das teorias causais,
analisemos o exemplo clássico: Tício, fazendeiro, desejando a morte de Caio,
seu empregado na fazenda, manda ele caçar em uma noite que Tício sabia que
ocorreria uma grande tempestade, pois havia ouvido o serviço meteorológico. Na
floresta, onde Caio caçaria, eram comuns os raios em noites de tempestades.
Caio foi caçar e atingido por um raio. No exemplo, para a teoria dos
equivalentes causais (ou teoria da equivalência das condições),
Tício é responsável pela morte de Caio, mas para a teoria da condição
adequada não.[116]
Considerando que Caio não morreria se Tício não
tivesse lhe ordenado que caçasse, a ordem é causa. Porém, para a teoria da
condição adequada, a causa da morte foi o raio, evento da natureza, sendo que o
comportamento de Tício representa apenas uma condição para a existência da
causa. Conforme dissemos, o nosso código adotou a teoria da equivalência das
condições, pela qual Tício seria responsável pelo evento morte.489
A teoria da equivalência das condições (ou
teoria da equivalência dos antecedentes causais) peca pelo excesso,
visto que se alguém mata utilizando revólver para o crime, a própria invenção
da arma é causa, pois o crime não teria ocorrido se Smith e Wesson não tivessem
patenteado e produzido industrialmente o revólver, inventado por Samuel Colt.
Com efeito, a invenção do revólver por Samuel Colt é fato relevante, pois o
homicídio não teria ocorrido se a arma não tivesse sido criada. Também, seria
punido o comerciante de armas, visto que a negociação é conditio sine qua
non para a existência do delito.
Abrandando o rigor da teoria da equivalência das
condições, o CP estabelece que a causa relativamente independente superveniente
capaz de, por si só, produzir o resultado não será imputada ao agente do delito
(art. 13, § 1o). Assim, no exemplo clássico, Caio morreu porque surgiu uma
causa posterior, que foi o raio. A causa da morte foi o raio, dessa forma,
Tício não pode ser acusado de homicídio consumado. Também, não poderá ser
acusado de crime tentado, tendo em vista que, conforme dispõe a lei, Tício só
será responsabilizado pelos atos já praticados. Como a conduta anterior de
Tício é penalmente irrelevante, não poderá responder por crime de homicídio. Da
mesma forma, não há como responsabilizar o comerciante de armas que legalmente
vende o revólver utilizado para matar alguém.
O assunto é relevante, pois, conforme se vê,
existem duas causas concorrendo para o resultado. Uma delas em relação à outra
é preexistente (já existia), ou superveniente (passou a existir depois), mas o
que nos interessa é a consideração da causa em relação ao fato.
As causas paralelas, em relação ao fato,
podem ser preexistentes, concomitantes ou supervenientes.
Exemplificamos:
(a) Tício atira em Caio, errando os disparos, mas
a vítima morre do coração devido a um problema coronário de nascença, pois o
susto desencadeou a taquicardia capaz de a matar;
(b) Tício persegue Caio na via pública, atirando
contra o mesmo, sendo que Caio vem a ser atropelado enquanto foge, morrendo em
decorrência do atropelamento;
(c) Tício atira em Caio causando-lhe lesões leves
na mão direita, mas a vítima vem a morrer no caminho do hospital em decorrência
de traumatismos craniano provocado por um acidente automobilístico que envolveu
o veículo utilizado em seu socorro;
(d) Tício atira duas vezes contra Caio, errando
os dois tiros, desiste do crime, mas Caio vem a morrer uma hora depois dos
disparos porque Mévio havia colocado, dez minutos antes da chegada de Tício, veneno
na comida da vítima;
(e) Tício atira em Caio quando o mesmo está tendo
um ataque cardíaco fulminante, ele erra os disparos e a vítima, em razão do seu
problema, sequer percebe a agressão, mas morre em decorrência do problema
coronário;
(f) Tício atira em Caio, mas erra os disparos,
então desiste do crime e se afasta do local. Poucos minutos depois, Mévio
coloca veneno na bebida de Caio e este morre.
Pelo que se vê, nos exemplos “a”, “b”,
e “c”, a causa da morte da vítima tem uma relação de dependência com
a conduta do agente. Assim, dizemos que a causa da morte é relativamente
(in)dependente. No entanto, nos exemplos “d”, “e” e “f” a causa
da morte da vítima não tem nenhuma relação de dependência com a conduta com
agente. Dessa forma, as causas são absolutamente independentes. Em ambas as
situações, absolutamente ou relativamente independentes, as causas podem ser
preexistentes (exemplos “a” e “d”), concomitantes (exemplos “b”
e “e”) e supervenientes (exemplos “c” e “f”).
O agente não pode ser responsabilizado pelo
resultado morte, quando a causa paralela capaz de produzir o resultado for
absolutamente independente, não interessando se a referida causa é
preexistente, concomitante ou superveniente. No entanto, quando a causa da
morte for capaz de produzir o resultado, mas tiver alguma relação de
dependência com a conduta do agente, este será responsabilizado pelo resultado
morte, desde que a causa seja preexistente ou concomitante (exemplos “a”
e “b”). Se a causa da morte for superveniente, mesmo que relativamente
(in)dependente, haverá uma ruptura do nexo causal, o que retira a
responsabilidade do agente pelo resultado mais grave.
Há quem diga que não há ruptura do nexo causal
(sendo apenas política criminal), mas prefiro ver a causa como algo natural. Se
Tício morrer em incêndio de hostpital não provocado por Caio, que atirou nele e
o levou a ser internado, ao meu sentir, o incêndio será nova causa, rompendo a
casa anterior. O exemplo evidencia o que penso!
Em sentido contrário ao que sustento, a doutrina
pátria, em sua maioria, defende que o art. 13, § 1º, do CP, agasalha questão de
política criminal.
A lei dispõe que a causa posterior relativamente
independente rompe o nexo causal, mas somente quando a nova causa “por si só”
provoca o resultado. Dessa forma, se essa causa for desdobramento da primeira,
o agente deve ser responsabilizado pelo resultado mais grave, v.g.,
morte resultante de infecção hospitalar.
4.3.4.4 A minha posição, em face da legislação
brasileira
O art. 13, § 1o, do CP estabelece que somente as
causas relativamente independentes supervenientes, que “por si só” produzem o
resultado, é que quebram o nexo de causalidade. Assim, como as causas que
provocam o resultado mais grave são preexistentes, ou concomitantes, o agente
do delito, que praticou a conduta antecedente que em tese seria capaz de
produzir unicamente resultado menos grave, responderá pelo resultado mais
grave, mesmo que este seja indesejado, v.g., Tício, detendo de animus
laedendi feriu Caio, este sofreu lesões graves e morreu de infecção
hospitalar, consubstanciando lesão corporal seguida de morte.
Dominantemente, entende-se que a lei só admite a
quebra do nexo causal quando a causa relativamente independente provocadora do
resultado for superveniente, ou seja, faz-se uma interpretação restritiva da
norma. Com efeito, ao exame da lei, parece que a mesma menciona
propositadamente, com exclusividade, a causa relativamente independente
superveniente, podendo se inferir que a teleologia da norma é a exclusão das
causas relativamente independentes preexistentes e concomitantes. Assim, é
razoável pensar que não há omissão involuntária no artigo 13, § 1º, do CP.
Não obstante o exposto, entendemos que houve uma
lacuna involuntária da lei no art. 13, § 1º. Para mim, Tício não pode ser responsabilizado
pelo resultado morte, mesmo nos casos dos exemplos a e b, pois a
norma favor rei deve ser aplicada, assim, ele só responderá por
homicídio tentado, em face da aplicação analógica in bonam partem do
art. 13, § 1º. Exemplificando, apresento duas hipóteses:
(1ª) Tício atirou em Caio, tendo ficado
insatisfeito porque foi impedido de continuar atirando, mas Caio ficou
levemente ferido. Depois, enquanto era socorrido, Caio morreu vítima de um
acidente automobilístico, sendo que este último fato alegrou Tício;
(2ª) Tício atirou em Caio, mas errou o alvo. Após
efetuar o primeiro disparo, desistiu voluntariamente do crime, e se retirou do
local. Depois, Tício ficou sabendo que o susto provocado pela agressão foi capaz
de matar Caio, o que o deixou muito triste.
Os exemplos demonstram a injustiça da aplicação
estrita da lei, pois Tício será responsabilizado por homicídio consumado
somente na segunda hipótese. É por essa razão que entendemos que o preceito do
art. 13, § 1º, deve ser estendido aos demais casos em que houver concorrência
de causas relativamente independentes.[117]
Diante do nosso posicionamento alguém pode expor
uma outra hipótese para indagar se haveria justiça. Imaginemos que Tício,
sabedor de que Caio é um cardiopata, resolva assustá-lo, provocando-lhe o
resultado morte. Haveria justiça em estender o benefício do art. 13, § 1º, do
CP, a fim de beneficiar Tício? Nesse caso, Tício deverá ser responsabilizado
pelo resultado morte, visto que ele conhecia a situação física de Caio, tendo
agido com dolo (direto ou eventual) ou por negligência. Ora, Tício procurou
atingir o resultado por um meio que sabia ser eficaz. Dessa forma, o meu
posicionamento (exposto acima) só é válido para os casos em que o agente
desconhece a concausa preexistente ou concomitante provocadora do resultado.
Em outras situações estaríamos gerando injustiça.
No caso, estaria praticamente adotando a teoria da condição humana. Daí a
grande dificuldade para encontrarmos a teoria ideal, visto que sempre vamos
confundir a causa com o elemento subjetivo do agente, incorrendo nas críticas
que sofrem os adeptos das teorias rejeitadas pelo CP.
De todo o exposto, o posicionamento que melhor se
apresenta é o de João José Leal, verbis:
A interpretação adequada do dispositivo conduz ao
entendimento de que, apesar do texto legal só fazer referência a uma causa
superveniente, é lógico que esta também pode ser antecedente ou concomitante, o
que, em regra, não exclui a responsabilidade do agente pelo resultado.[118]
Talvez, aqui, se faça oportuna a lembrança de que
há uma tendência moderna no sentido de fazer o exame global do injusto, eis que
a fragmentariedade excessiva apresenta-se insuficiente. Com efeito, não podemos
prescindir, na análise do delito, de elementos subjetivos, a fim de complementar
a causalidade natural.
Didaticamente deve ser mantido o estudo
sistemático do delito, mas o julgador deve entender que o delito é um todo
unitário, devendo, portanto, quando necessário, fazer a integração suas partes,
a fim de, por meio da contribuição do elemento subjetivo, obter a melhor
solução para os fatos que lhe forem submetidos.
4.3.4.5 Causalidade na omissão
O artigo 13 do CP, conforme exposto, só faz
referência aos delitos materiais, o que se pode deduzir da primeira parte do
seu caput, visto que se refere expressamente ao “resultado de que
dependa a existência de crime”, ou seja, se limita à espécie de crime em que o
resultado está destacado da conduta, sendo necessária sua produção para a
ocorrência da consumação.
A omissão a que se refere o art. 13 é a
imprópria. Dessa forma, o preceito só se refere aos crimes comissivos próprios
(caput) e impróprios (§ 2º). Estes últimos são chamados de comissivos
por omissão, estabelecendo a lei o dever de agir.
A.
Crimes omissivos impróprios são (in)constitucionais
Entendo que os crimes omissivos imrpóprios
encontram aamparo no art. 3º, inc. I, da Constituição Federal que os crimes
omissivos impróprios são constitucionais, em face da solidariedade ser um dos
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.
No entanto, Paulo Queiroz sustenta que tais
crimes são inconstitucionis por violarem os princípios da legalidade, da
pessoalidade da pena e da proporcionalidade.[119]
Não vejo o problema de violação ao princípio da
legalidade porque, conforme me posicionei, o verdadeiro sentio da norma deve
ser encontrado em um sistema dinâmico de normas. Ademais, não é rara a inserção
de normas em branco e tipos abertos na lgislação criminal, sem que isso
represente, por si só, violação ao princípio da legalidade.
No crime omissivo puro haverá uma ação mandada,
em que a omissão estará claramente descrita na lei. Mesmo sendo garantista e-
por isso – prezando pela estrita legalidade, não posso compactuar com o
argumento de que haverá violação ao princípio da legalidade por se imputar uma
ação ao garantidor que se omitir.
Jakobs discute o assunto expondo que o Código Penal
Alemão, em seu art. 13, § 1º, prevê a omissão imprópria, mas a restringe aos
casos em que a Parte Especial, referindo-se aos crimes de ação, prevê
expressamente a imputação pela omissão do garante. No entanto, ele critica a
fórmula ali adotada porque quando busca tipificar a omissão imprópria nos
moldes da omissão própria, o legislador não consegue uma formulação própria da
Parte Especial.[120]
Por tal razão, entendo que é mais adequado complementar a previção da Parte
Especial, de tipos de ação, com o tipo de extensão da omissão imprópria (CP,
art. 13, § 2º).
Também não vejo violação ao princípio da
intranscendência, da impessoalidade ou da personalização da pena. Argumenta-se
que se imputção decorrerá de ato de terceiro ou de evento natural,
inviabilizando que se atribua ao garaante a responsabilidade por resultado que
não causou.
Aqui me socorro da teoria do incremento do risco
para dizer que o garante omitente incremenrá, aprimorará, o risco do resultado,
devendo ser-lhe atriuída responsabilidade, não pela causação natural, mas pela
omissão ao dever de atender à ação mandada decorrente do tipo de estensão do
art. 13, § 2ª, do CP. Desse modo, o crime decorrerá de conduta omisiva sua, não
dos danos causados por terceira pessoa.
Por fim, entendo que é proporcional, até porque é
tão reproável (ou mais reproável) a conduta de um pai que se omite deixando um
filho criança se afogar do que aquele que mediante relevaante valor moral
concretiza eutanásia.
B.
Poder-dever de agir
Os casos em que a lei criminal comina penas para
a omissão e que não se enquadram no art. 13, § 2º, do CP, constituem crimes
omissivos puros. Assim, só são garantes, ou garantidores (só tem
o dever de agir imposto por lei) aqueles que se encaixam nas hipóteses das
alíneas “a”, “b” e “c” do referido § 2º.
A omissão é criminalmente relevante quando o
agente pode e deve agir para impedir o resultado. O dever de agir decorre de
lei (art. 13, § 2o, alínea “a”), de contrato ou situação de fato (art. 13, §
2o, alínea “b”), ou da criação do risco de produzir o resultado (art. 13, § 2o,
alínea “c”).
A legislação criminal cria um dever que atinge a
todos (não apenas os garantes), o que constitui o crime omissivo puro, v.g.,
art. 135 do CP. De qualquer modo, em todo crime omissivo é necessário verificar
se o agente podia agir.
Para caracterização da hipótese do art. 13, § 2º,
alínea “a”, do CP, é necessário que o dever de agir seja imposto por outra
norma anterior à criminal, v.g., tem dever de cuidado, praticando homicídio,
não omissão de socorro, o médico, o pai, o salva-vidas etc. De outro modo, para
a caracterização da letra b do referido dispositivo legal é necessário o
contrato escrito ou verbal entre o omitente e o primeiro garante ou garantidor,
v.g., uma mãe (garante) pede para que a vizinha cuide de seu filho pequeno e
ela aceita, passando, com isso à posição de garante ou garantidora. Caso a
criança venha a morrer por omissão de socorro da vizinha, não responderá pelo o
crime do art. 135 do CP, mas pelo crime do art. 121 do mesmo Código.
Na hipótese do art. 13, § 2º, alínea “b”, não
interessa o fato de ter o garante originário descumprido o contrato,
mantendo-se a responsabilidade criminal do terceiro que ocupou seu lugar mesmo
que isso ocorra, v.g., a mãe prometeu voltar até às 14h30, mas não
retornou antes das 20h. Ocorre que a vizinha, diante de um compromisso, deixou
a criança sozinha na casa às 19h, sem tomar cuidados para evitar acidentes. Ao
chegar, a mãe deparou com a criança morta, afogada na piscina. Nesse caso, a
vizinha não poderá alegar em seu favor a quebra do contrato pela mãe.
Finalmente, a hipótese do art. 13, § 2º, alínea
“c”, do CP, se caracterizará pelo risco anterior provocado pelo autor, v.g.:
(a) o atropelador não socorre a vítima que vem a morrer somente porque não foi
amparada pelo oportuno socorro; (b) nadador profissional chama nadador bisonho
para a travessia de um grande lago e, mesmo percebendo que o convidado está
morrendo afogado, nada faz para socorrê-lo. Em ambos os casos o omitente
responde por homicídio.
O estudo da relação de causalidade não é
importante para a análise do crime omissivo puro, tendo em vista que o causador
do resultado não é o omitente, sendo que a responsabilidade jurídico-criminal
decorre unicamente da violação ao disposto na norma que determina a atuação
positiva, ou seja, remontando Jakobs, a omissão constitui uma violação a uma
obrigação contida no rol do omitente.
Fizemos uma defesa no Tribunal do Júri da
Circunscrição Especial Judiciária de Brasília, a qual merece alguma referência,
eis que intimamente relacionada com o assunto que ora se discute.
No final do ano de 1994, um rapaz, foi até a
própria casa, juntamente com um amigo, a fim de furtar o veículo do próprio
pai. Quando tentavam furtar o veículo, perceberam que a vítima se aproximava,
então o filho entrou na casa, enquanto que o amigo se sentou na calçada, em
frente à casa vizinha. Ao entrar na casa, a vítima, vendo seu filho arrumado o
repreendeu, mas ele justificou dizendo que estava pronto porque o rapaz sentado
próximo à sua casa era bandido conhecido, razão pela qual o mesmo poderia
tentar furtar o carro de sua propriedade. Então, o pai pegou uma faca e tentou
matar o rapaz, esfaqueando o mesmo nas costas, causando-lhe lesões leves.
O “amigo” ficou muito irritado com a traição do
filho do dono do carro, jurando vingança. Dois dias depois, ele estava com
outro rapaz quando viu que o ameaçado trocando o pneu do carro que seria
furtado. Assim, pediu ao outro o empréstimo de um revólver de sua propriedade,
mas este disse que a arma estava com terceira pessoa. Aquele que desejava
vingança foi até a casa de quem guardava a arma para pega-la, mas este se
recusou a entregá-la porque sabia do objetivo homicida daquele. Porém, o dono
da arma veio logo em seguida, pegou a arma e a emprestou para aquele que
desejava vingança. Com ela, ele cumpriu o juramento, devolvendo-a para quem a
guardava. Horas depois, este último, que fazia o favor de guardar a arma, foi
preso, o qual mereceu defesa gratuita, em razão da sua pobreza.
A acusação sustentou a participação do terceiro
que guardava a arma no homicídio, sendo que reconhecemos:
Ø houve um crime praticado por outrem – havia,
portanto, uma pluralidade de agentes;
Ø acusado não praticou conduta típica, nem
antijurídica, bem como não tinha domínio do fato – ele poderia ser partícipe,
não autor, eis que as condutas dos agentes eram diversas;
Ø a aderência de vontade ocorreu, visto que o
acusado sabia que a arma seria utilizada naquele homicídio, ou seja, estava
presente o liame subjetivo.
Negamos, no entanto, o nexo de causalidade,
portanto, não havia relevância causal, o último requisito para a caracterização
da participação, segundo o conceito restritivo de autor. Com efeito, ao
devolver a arma para o dono, o acusado deixou de impedir um crime, não agiu,
mas a sua omissão não era penalmente relevante, visto que ele, mesmo podendo
agir, não era obrigado a tal.
A conduta do acusado não se adequava a nenhuma
hipótese do art. 13, § 2o, pois ele não tinha o dever legal de impedir crime,
não sendo garantidor de ninguém (letra a). Também, não tinha assumido a
responsabilidade de evitar o crime (letra b); e, finalmente, não criou a
situação do delito (letra c). Ele até poderia ter evitado o delito, mas não
estava obrigado a fazê-lo. Dessa forma, o júri acolheu o nosso posicionamento,
absolvendo o acusado.
No tocante aos crimes omissivos impróprios (comissivos
por omissão, ou comissivos impróprios), a teoria da equivalência das
condições não é aplicável, podendo ser empregada a teoria do incremento do
risco (anteriormente mencionada). Esta é, também, aplicável aos delitos
negligentes. No entanto, faz-se mister observar que não é toda omissão que provoca
o aumento do risco da ocorrência do resultado que é relevante. A omissão, por
disposição da lei, só é relevante quando incidir uma das hipóteses do art. 13,
§ 2o, do CP.
C.
Tentativa de crime omissivo impróprio
Há controvérsia doutrinária sobre a possibilidade
de tentativa no crime omissivo impróprio, sendo que entendo razoável, visto que
se trata de ação contra a lei, mas somente nas hipóteses dolososas.
Obviamente, nos delitos negligentes, praticados
mediante omissão imprópria, será incabível a tentativa, visto que não haverá
ausência de resultado por circunstância alheia à vontade do omitente.
4.4.4.6 Ponderações acerca da inserção da relação
de causalidade na lei
Heleno Fragoso, ensinava:
A questão de nexo causal não tem mais hoje a
amplitude e a significação que lhe atribuíram os juristas que, no século
passado [se referia ao século XIX], a introduziram na doutrina, elevando-a à
condição de categoria fundamental na estrutura do delito. A questão do nexo
causal somente surge nos crimes materiais, dela não se cogitando nos crimes
omissivos puros e nos crimes de simples atividade (formais). A relevância da
matéria reside no fato de constituir, a causalidade, limitação à
responsabilidade penal: não pode o crime ser atribuído a quem não for causa dele.[121]
Tenho buscado uma classificação mais clara dos
crimes em razão do resultado. Para mim, o crime material é aquele que exige a
ofensa ao objeto jurídico, ainda que não haja uma transformação no mundo
físico. De outro modo, o crime de resultado naturalístico é aquele crime
material cuja consumação exige uma transformação na natureza.
Os autores em geral veem o crime material como
aquele que a consumação exige um resultado natural, o que, para mim, é equivocado,
visto que o crime de perigo é o formal e o de mera conduta, enquanto o material
é o que exige a ofensa ao objeto jurídico para sua consumação. Posso dizer,
então, de forma diversa da posição simplista dos manuais de DCrim, que o crime
material não pode ser confundido com o crime de resultado naturalístico.
Ainda que implicitamente, entendo consentânea com
a minha visão a posição de Muñoz Conde, que prelecionou:
Na realidade, o problema causal tem sido
exagerado tanto quantitativa quanto qualitativamente. Do ponto de vista quantitativo,
porque, ainda que seja estudado na parte geral, praticamente só afeta ao crime
de homicídio e ao crime de lesões corporais, nos quais às vezes se propõem
graves problemas causais, de difícil solução apriorística. Do ponto de vista
qualitativo, porque, independentemente da teoria causal seguida, a afirmação de
uma relação de causalidade não é, todavia, suficiente para exigir uma
responsabilidade penal ao causador do resultado. O problema causal foi
importante em outras épocas, porque, por imperativo do versari in re ilicita
e da responsabilidade pelo resultado, bastava a causação do resultado para
que, sobretudo se este derivava da comissão de um fato ilícito, se lhe
imputasse ao autor, sem outras exigências ulteriores. Atualmente, o problema se
traslada ao tipo de injusto negligente.[122]
Em nota de rodapé do livro cujo trecho foi
transcrito, Juarez Tavares e Luís Regis Prado sustentam que os ensinamentos
expostos “aplicam-se como uma luva ao direito brasileiro”.[123]
Em sentido contrário, Damásio Evangelista de
Jesus, fez veemente defesa à redação do CP, concluindo: “A teoria da
equivalência dos antecedentes, porém, não leva a excessos. Nos exemplos dados o
sujeito não responde por crime em face da ausência de dolo e culpa”.[124]
Todavia, depois de muitos anos, ele teve a coragem de dizer que sempre foi
contrário à inserção do art. 13 no CP. Quem foi contrário ao art. 13 do CP, em
1984, foi Heleno Fragoso, sendo usurpação do pensamento alheio aquilo que
Damásio fez.
Entendo que o estudo da relação de causalidade é
muito importante, não obstante as posições em sentido contrário, sendo que a
teoria da imputação objetiva, conforme demonstrei, não veio para eliminá-la,
mas para acrescentar um plus, tendente à solução jurídica do problema.
Na verdade, a nova teoria está encaixada em um novo modelo de injusto, pelo
qual o exame do delito deve ser global, visando corrigir algumas imprecisões do
estudo fragmentário, eis que o intérprete poderá analisar mais adequadamente os
fatos, complementando, coerentemente, a causalidade natural, por meio da apreciação
de elementos subjetivos. Não obstante, ela (imputação objetiva) não prescinde
do estudo da relação de causalidade.
Mesmo no que concerne à posição de Jakobs, que
leva em consideração o atuar dos envolvidos, verificando unicamente quem deve
responder pelo acontecimento jurídico-criminal relevante, em face da
administração do rol de deveres que é acometido a cada um, podemos verificar a
necessidade do estudo da relação de causalidade, visto que o acontecimento
jurídico-criminal relevante, em muitos casos depende do resultado e este só
pode ser imputado a quem lhe deu causa, ex vi do disposto do art. 13, caput
do CP.[125]
4.3.4.8 A imputação objetiva segundo Chaves
Camargo[126]
O livro do saudoso Prof. Dr. Chaves Camargo[127]
chegou até nossas mãos por intermédio do Prof. Dr. Celso Fernandes Campilongo,
que a adquiriu em uma livraria jurídica do Estado de São Paulo. Desenvolvíamos uma
dissertação intitulada Imputação Objetiva: Uma crítica de Suas Perspectivas
Extremamente Otimistas e/ou Reducionistas.[128]
Nosso orientador foi o Prof. Dr. João Maurício
Adeodato, intelectual que muito nos ajudou na pesquisa, eis que ele é
jusfilósofo e o tema encontra suas bases na Filosofia. Ademais, ele é profundo
conhecedor da cultura filosófica germânica, uma vez que realizou vários cursos
na Alemanha, o que o aproxima ainda mais do tema. Também, o Dr. Campilongo
prestou-nos auxílio inestimável, haja vista que possibilitou a aproximação
entre Filosofia alemã e o garantismo de Luigi Ferrajoli, permitindo a
observação do contexto filosófico hodierno, com profundos reflexos no Direito
Criminal.
O livro de Chaves Camargo, na literatura jurídica
pátria, foi aquele de caráter monográfico que teve a felicidade de expor com
clareza todas as bases da imputação objetiva, sendo até o momento de sua edição
(2001), sem qualquer desprestígio aos que já haviam sido publicados, o melhor.
Com isso, não se afirma que outros livros que trataram do assunto não tenham
valor. Apenas é possível dizer que, do ponto de vista científico, referida
obra, ao lado da de Luiz Regis Prado e Érika Mendes de Carvalho, esta
intitulada Teoria da Imputação Objetiva do Resultado, publicada em 2002,
ainda é uma das principais – de caráter monográfico - que deve ser consultada
para o conhecimento científico e não equivocado da teoria da imputação
objetiva.
O assunto foi publicado no Brasil em 1988, quando
em poucas páginas, se explicou acerca da imputação objetiva.[129]
Em se tratando de obra de autor estrangeiro, a sua tradução foi feita por dois
grandes juristas pátrios, Professores Doutores Luiz Regis Prado e Juarez
Tavares, já o dissemos. Este último publicou vários artigos e, em 2000,
publicou um bom livro que se ocupou da matéria enquanto critério para investigação
do injusto criminal.[130]
Ele, não só por meio do referido livro, é um grande difusor da teoria em nosso
meio.
Finalmente, dentre os autores pátrios, mais dois
nomes devem ser destacados: Álvaro Mayrink da Costa, que no seu livro Direito
Criminal, tratou resumidamente da matéria em 1998,[131]
e Juarez Cirino dos Santos, que, também, se ocupou da imputação objetiva, tendo
publicado, em 2000, sua tese de pós-doutorado, defendida na Alemanha.[132]
Ocorre que a obra de Chaves Camargo é de difícil
acesso. A empresa que editou o livro não tem a influência comercial que outras
editoras. Infelizmente, o meio acadêmico passa a ter que se contentar com o
casuísmo extremo de certos livros que se transformam em análises de casos
hipotéticos, como se a ciência criminal se esgotasse em certo número de
exemplos colocados em investigação. Assim, Chaves Camargo consegue construir
uma obra científica porque evita “uma imersão no casuísmo que aflige grande
parte das investigações sobre o tema”.[133]
Publiquei artigo em que não adentramos na
imputação objetiva. Apenas a observamos de longe, fazendo uma crítica do
sentido da teoria, com rápida incursão no funcionalismo, apenas visando a
demonstrar que a teoria, antes de tudo, tem fundamentação filosófica. Daí nossa
referência às correntes jusfilosóficas sistêmicas da atualidade.[134]
Nesse ponto, nossa perspectiva é semelhante à de Chaves Camargo, uma vez que
ele na apresentação de seu livro adverte o leitor de sua preocupação para a
contextualização do positivismo-jurídico neokantiano. Aliás, assim como pudemos
perceber, ele observa a influência de Jürgen Habermas, o qual traz, por meio da
teoria do discurso, a possibilidade de se verificar um sistema criminal aberto.[135]
Importante notar que o autor afirma que a
história do Direito Criminal se consolidou a partir de construções naturalistas
e que a pena, inicialmente, tinha cunho eminentemente retributivo.[136]
Hoje, no plano científico, argumenta-se no sentido de que procura-se abandonar
referidos aspectos, fazendo prevalecer as teorias relativas (ou utilitárias),
no que tange à pena, e fundamentos racionais diversos do naturalismo puro, a
fim de justificar o conceito de crime. Não obstante isso, verificamos leis
severas sendo criadas sob o manto de serem a panacéia de toda criminalidade, v.g.,
Lei n. 8.072/1990, com todas suas alterações, o que induz a acreditar em João
Faria Júnior, no sentido de que, infelizmente, toda Penalogia[137]
ainda está calcada nas teorias absolutas, para as quais a pena é castigo, a
retribuição do mal ao infrator da norma.[138]
Chaves Camargo sustenta que o finalismo tentou
minimizar os efeitos da visão normativa da culpabilidade, transportando o dolo
para a conduta e, em uma fase mais avançada, passou a admitir a adequação
social para excluir fatos aparentemente típicos do âmbito jurídico-criminal.[139]
Ocorre que o finalismo, embora Welzel (o pai do finalismo) negue,[140]
baseou sua teoria na filosofia do ser de Nicolai Hatmann, filósofo esquecido
até mesmo na Alemanha.[141]
Assim, embora seja verdadeira a afirmação de Chaves Camargo, devemos verificar
as incoerências do finalismo, mormente no que tange à culpabilidade.
O conceito analítico de crime, conforme exposto
neste capítulo (item 3.3.4) é aquele que é feito segundo seus requisitos (ou
elementos). Assim, como Welzel adotou o conceito tripartido, a culpabilidade,
para Welzel, é o terceiro elemento do delito.[142]
No Brasil, há quem diga que o finalismo excluiu a culpabilidade do conceito
analítico do crime.[143]
Conforme exposto, nada mais equivocado, isso adotando a posição jurídica do
próprio Welzel.
Afirma Chaves Camargo que a imputação objetiva
foi formulada por Larenz, em 1927, e Honig, em 1930. O problema é que Larenz
deu significativa importância à tópica como método do Direito, o qual,
embora se reportando ao ethos de Nicolai Hatmann, diz que os “tópicos
cobram seu sentido „sempre a partir do problema‟, a cuja elucidação se
destinam, e têm de ser entendidos como possibilidades de orientação ou
canônes do pensamento”.[144]
Aliás, conforme Aristóteles e Platão, apud Luiz Régis Prado e Érika M.
de Carvalho, a imputação “é um fenômeno de atribuição de responsabilidade
desenvolvido, a partir da ética, e não do Direito”.[145]
Larenz se opôs ao neo-kantismo, firmando-se como
um neo-hegeliano. Com isso, opôs-se Rudolf Stammler, Gustav Hadbruch e Hans
Kelsen, sendo que “a oposição ao neo-kantismo jurídico e ao formalismo jurídico
em geral representava no plano ideológico a oposição ao Estado de Direito
liberal-formal, inicialmente de um ponto de vista nacional-conservador”.[146]
A imputação objetiva, a partir do pensamento de Larenz, é pontual (decorre da
tópica), tendente à análise dos casos concretos, isso na busca de um sistema
jurídico mais aberto. Ocorre que, conforme alerta o próprio Larenz, a
“jurisprudência dos tribunais... acaba sempre, passado algum tempo, por romper
os conceitos conformados de modo excessivamente estreito; mas então surge o
perigo de ficar fora de controlo”.[147]
Afirma Chaves Camargo que a imputação objetiva
foi formulada por Larenz, em 1927, e Honig, em 1930. O problema é que Larenz
deu significativa importância à tópica como método do Direito, o qual,
embora se reportando ao ethos de Nicolai Hatmann, diz que os “tópicos
cobram seu sentido „sempre a partir do problema‟, a cuja elucidação se
destinam, e têm de ser entendidos como possibilidades de orientação ou
canônes do pensamento”.[148]
Aliás, conforme Aristóteles e Platão, apud Luiz Régis Prado e Érika M.
de Carvalho, a imputação “é um fenômeno de atribuição de responsabilidade
desenvolvido, a partir da ética, e não do Direito”.[149]
Larenz se opôs ao neo-kantismo, firmando-se como
um neo-hegeliano. Com isso, opôs-se Rudolf Stammler, Gustav Hadbruch e Hans
Kelsen, sendo que “a oposição ao neo-kantismo jurídico e ao formalismo jurídico
em geral representava no plano ideológico a oposição ao Estado de Direito
liberal-formal, inicialmente de um ponto de vista nacional-conservador”.[150]
A imputação objetiva, a partir do pensamento de Larenz, é pontual (decorre da
tópica), tendente à análise dos casos concretos, isso na busca de um sistema
jurídico mais aberto. Ocorre que, conforme alerta o próprio Larenz, a
“jurisprudência dos tribunais... acaba sempre, passado algum tempo, por romper
os conceitos conformados de modo excessivamente estreito; mas então surge o
perigo de ficar fora de controlo”.[151]
Para dizer que o conceito abstrato-geral para o
legislador e para a ciência do Direito Criminal é equivocado, Larenz parte do
idealismo hegeliano. Sustenta que a previsão abstrata do fato é falha e que,
quanto maior a amplitude do conceito, menor seu conteúdo jurídico. Propõe,
então, o conceito concreto-geral que, em conformidade com o pensamento de
Hegel, não é deduzido dos objetos, mas um princípio que serve de base ao real.
O conceito concreto-geral é apreendido pelo espírito. Ele não é formado por
nós, mas obtido pela meditação.[152]
A posição de Larenz é criticável porque, conforme
ensina Enrique Ordeig, a abstração é necessária, para possibilitar distinguir
onde estão os pontos comuns que permitem subsumir, num conceito geral, toda uma
série de casos concretos, permitindo assim, a realização do princípio de
justiça.[153]
Ademais, “o conceito abstrato-geral é unicamente o ponto de partida; e o que
precisamente faz a metodologia jurídica é buscar esse sentido, que algumas
vezes se perdeu no caminho da abstração”.[154]
Destarte, deve-se afastar toda e qualquer teoria que, como a imputação
objetiva, pretenda prestigiar exageradamente a tópica, desprestigiando a
abstração necessária à ciência jurídica.
A discussão sobre a matéria se intensificou na
Alemanha porque o Projeto Alternativo à parte geral do Código Penal Alemão, de
1966, que se transformou em lei, em 1975, consagrou o funcionalismo,
prestigiando, portanto, os pós-finalistas.[155]
Aqui, cumpre observar que nosso CP ainda consagra a relação de causalidade
(art. 13), sendo impossível pretender desprezar seu estudo na atualidade.
Porém, é oportuno destacar que Chaves Camargo, corretamente, alerta para o fato
de não ser a imputação objetiva uma teoria da relação de causalidade.[156]
Outro alerta importante é que a visão
exageradamente otimista que grassa em nosso meio, mormente dentre os candidatos
e examinadores para concurso público, merece ser melhor avaliada. Com efeito,
Chaves Camargo chama a atenção para o fato de não estar concluída a discussão
que se instalou na Alemanha acerca da imputação objetiva.[157]
O crime é um fato normal, ele só não pode existir
em excessos qualitativos ou quantitativos, senão teremos anomia.[158]
Tudo isso, segundo o autor, induz à aceitação do agir comunicativo de Jürgen
Habermas, filósofo defensor de uma visão sistêmica, que permite dizer ser o
objetivo central da teoria da imputação objetiva a aceitação da teoria
sistêmica do discurso,: “O objetivo último de toda apresentação é atingir-se a
legitimação do Direito Penal, através do princípio do discurso, onde o direito
de agir, em liberdade, conduz as pessoas à interação num sistema social, que
tem por base um código de direito”.[159]
Segundo o autor, a sua obra nasceu como resultado
de muitos debates travados em cursos de especialização e seminários.[160]
Não obstante isso, entendemos que sua perspectiva se enquadra dentre as
extremamente otimistas, eis que expõe: “...sem a imputação objetiva estaremos
vinculados a princípios e axiomas da realidade jurídica brasileira”.[161]
Infelizmente, o sistema econômico tem gerado
certa alopoiese (corrupção dos signos da comunicação dos sistemas do sistema
global, sociedade) no meio acadêmico jurídico pátrio, o que pode induzir à
manutenção de equivocadas premissas, v.g., manter a visão de que o
finalismo retirou a culpabilidade do conceito de crime. Mas, em matéria
criminal, mister é afirmar que a tópica não pode, abruptamente, superar a
sistemática, sendo que a rejeição da imputação objetiva deve ocorrer porque ela
se baseia precipuamente na imprecisão da nova teoria, fundamentada em casuísmo
insustentáveis. Nesse sentido, os Professores Luiz Regis Prado e Érika Mendes
de Carvalho ensinam:
No momento atual, corre-se o risco, sob pretextos
diversos, de supervalorização do método tópico, em detrimento do sistemático, o
que pode implicar a erosão da segurança, inerente e à noção de Estado de
Direito.
O emprego exagerado do método problemático, sem
os devidos e bem-delineados limites, dá lugar a uma negativa e perigosa
confusão metodológica, leva ao desconexo, à dúvida, ao desapontamento”.[162]
A sistemática, calcada no estudo metodológico,
não pode ser substituída por um exame tópico, ou seja, casuístico, segundo
coincidências aparentes, porque senão ocorrerá a inevitável contradição e a
perda da necessária segurança que o Direito pode ofertar à sociedade, à qual se
destina. Esse é o problema da imputação objetiva.
O funcionalismo tende a Habermas, com sua teoria
do discurso, calcada no agir comunicativo, ou a Luhmann, tendente à autopoiese
do Direito.[163]
Tomando por base referidos autores, é possível certa lógica e o estudo
científico do Direito. Contrariamente, o estudo tópico pode levar ao excesso em
sua fragmentação, o que fragilizará o conhecimento científico, induzindo à
rejeição da imputação objetiva. No entanto, a posição lógica leva ao pensamento
linear (fragmentário), enquanto que o conhecimento advindo da Biologia gera o
pensamento sistêmico (de ordem ainda natural), mas entendo ser necessária uma
posição mais integradora, um pensamento complexo.
Chaves Camargo enuncia a razoavelmente recente
história científica do Direito Criminal a partir da perspectiva alemã. Não
obstante isso, os autores pátrios deveriam ser mais fiéis à origem latina de
nossa cultura, embora sem desprezar a cultura alemã. Deveriam, portanto, não
abandonar por completo as origens romanas, de fundamental importância para a
compreensão da imputação objetiva. Nesse ponto, embora o autor mencione
principalmente nomes alemães, não se olvida de importantes nomes da Itália, v.g.,
Cesare Bonesana (o Marquês de Beccaria) e Francesco Carrara.
O Prof. Chaves Camargo trata da Escola Criminal
Positiva como sendo uma escola empírica, calcada na relação de causalidade.[164]
Depois, trata da escola neokantiana, como fundamento de todo Direito Criminal
brasileiro, uma vez que o Código Penal de 1940 e a nova parte geral dele estão
calcados na teoria da culpabilidade.
Depois de rápida incursão no neopositivismo, o
autor tece breves considerações sobre alguns posicionamentos sociológicos e funcionalistas,
a fim de concluir da importância da imputação objetiva, que ele teria tentado
colocar em evidência em 1994, por meio de obra que publicou.[165]
Essa posição demonstra que nosso escorço histórico sobre as obras publicadas
acerca da imputação objetiva é insuficiente, uma vez que artigos e obras podem
ter sido anteriores às mencionadas. De qualquer maneira, pior seria dizer, em 2000,
que se estaria trazendo para o Brasil uma nova teoria, isso referindo-se à
imputação objetiva.
A relação de causalidade foi objeto de estudo de
toda doutrina jurídica, sendo que, em matéria criminal, conforme enuncia o
Chaves Camargo, tende às teorias da equivalência, da condição e da relevância.[166]
Welzel sofreu muitas críticas, conforme reconhece
o Prof. Chaves Camargo. Este diz que apesar das críticas, o finalismo é a base
de todas as teorias da atualidade.[167]
Não obstante isso, não se olvide que o causalismo é, ainda, importante,
influenciando nas concepções modernas do delito, ou seja, o finalismo não
anulou o causalismo, até porque a conduta jurídico-criminal, para o finalismo,
é aquela dominada pela vontade que gera o resultado proibido pela norma
criminal. É, portanto, o finalismo, teoria causal. Em síntese, a posição de
Chaves Camargo, embora correta, não torna equivocado dizer são causais as teorias
mais modernas do delito.
Chaves Camargo elucida com clareza a história do
pensamento jurídico-criminal, a partir do finalismo. Daí a referência a Jeschek
(com sua teoria social) e a Hassemer (este tende a uma política criminal que
propicia um Direito Criminal mais humano). Então, o autor chega a Claus Roxin,
que desenvolveu uma nova teoria de política criminal, com especial destaque aos
fins da pena, o que desaguou na imputação objetiva. Ele reagiu ao critério
lógico-axiomático do finalismo e se opôs à teoria do ilícito pessoal, mas
admitiu posteriormente referida teoria, o que tem criado discussões em torno do
fato de estar a imputação objetiva dentro do tipo objetivo.[168]
É necessário evitar confusões terminológicas. Por
essa razão evitamos utilizar a denominação antijuridicidade, preferindo ilicitude.
Pela mesma razão, deve-se rejeitar a distinção entre tipo objetivo e tipo
subjetivo. Tipo é a descrição do fato jurídico-criminal. O tipo
subjetivo seria o dolo e o especial fim de agir, que nada mais é do que um
dolo específico do tipo. Assim, o tipo está na lei, enquanto os tipos
objetivo e subjetivo estão no fato típico, elemento do delito, segundo seu
conceito analítico. Assim, é fácil perceber a confusão terminológica criada,
nesse aspecto, pela doutrina criminal.
A visão de Chaves Camargo acerca de Günther
Jakobs é merecedora de elogios. Ele apresenta toda a estrutura dos ensinamentos
deste, baseada no funcionalismo sociológico de Niklas Luhmann, dizendo que a
adoção limitada desse funcionalismo fez com que ele fosse rotulado de
naturalista, embora chamando a atenção para o fato de Roxin dizer que Jakobs
construiu um esboço de teoria puramente teleológica.[169]
Não resta dúvida de que a teoria sistêmica de
Luhmann é natural. O positivismo jurídico, por mais que tenha tentado, sempre
esbarrou em certo transcendentalismo que o tornou, na essência, em
jusnaturalismo. Ora, pensar como Luhmann, no sentido que os diversos
(sub)sistemas da sociedade se comunicam e, pela comunicação, se
auto(re)produzem, induz à existência de uma força natural superior. Assim,
deve-se entender como pertinente a crítica de Luigi Ferrajoli, que diz que
Luhmann se limita a expor “que o mundo não pode ser de outro modo”. Nada mais
jusnaturalista. Por isso, as críticas a Jakobs são relevantes e pertinentes,
uma vez que ele se apresenta como seguidor de Niklas Luhmann.
O grande problema da imputação objetiva está no
seu fundamento, que é a busca de uma legitimação para o Direito, eis que há
notória crise de legitimidade no Direito Criminal, o que se dá, também, na
Alemanha.[170]
Ocorre que a legitimação, conforme preconizava Kelsen, é questão anterior ao
Direito, constituindo confusão misturar os objetos de estudo da Filosofia e da
Ciência do Direito.[171]
Não se olvide, no entanto, que esta é uma questão complicada, sendo que o
próprio Kelsen não conseguiu deixar de levar em consideração a legitimação do
Direito.[172]
Chaves Camargo propõe o necessário aprofundamento
no estudo das teorias da relação de causalidade e da imputação objetiva, a fim
de se perceber, de forma sistêmica, o que deve ser considerado fato
jurídico-criminal.[173]
Não obstante isso, deve-se partir de uma análise científica, sem arroubos insustentáveis
que leva ao excesso casuísmo.
Sem qualquer reparo a fazer, Chaves Camargo
apresenta as teorias da relação de causalidade, sobre as quais publicamos
artigo.[174]
Seu conteúdo, entendemos ser compatível com o exposto por referido autor.
Inicia Chaves Camargo tratando de Karl Larenz,
que é precursor da imputação objetiva, a tomando segundo os domínios do autor e
a fundamentada em Hegel. Depois, trata de Honig, que parte dos estudos de
Larenz, a fim de excluir da imputação os desvios causais hipotéticos, em que a
causa relativamente dependente, por si mesma, gera o resultado.[175]
Depois, faz uma análise do finalismo para dizer que ele jamais conseguiu
justificar o delito negligente, o que é correto.[176]
Corretamente, sustenta que a imputação objetiva
não se divorcia da adequação social. Aliás, na mesma linha de nossas
publicações anteriores, entendemos que é mister reconhecer que uma teoria por
si só não é suficiente para explicar toda teoria do delito, fazendo-se
necessária a conjugação dos ensinamentos das diversas teorias,
independentemente de preconceitos possíveis.
A imputação objetiva seria o tempero da relação
de causalidade pela adequação social. Isso, data venia, parece ser
proposta já superada, tornando desnecessária a imputação objetiva, uma vez que
a adequação já excluiria do fato típico a conduta socialmente adequada. Diz-se
que seria inadmissível nosso entendimento porque os desvios causais hipotéticos
socialmente adequados não estariam excluídos do nexo causal, v.g., Tício
fere Caio e este vem a morrer por infecção hospitalar. Ora, nem mesmo a
imputação objetiva resolve o caso, uma vez que, ao nosso sentir, do correto
ponto de vista de adequada política criminal, o caso precisa ser examinado, a
fim de se perceber se a causa da morte é uma infecção que constitui decorrência
da lesão ou de negligência no tratamento. No caso de negligência no tratamento,
não se pode atribuir ao que provocou as lesões o resultado mais grave.
A imputação objetiva nasceu para resolver os
problemas decorrentes dos crimes dolosos comissivos materiais. Hoje, tende a
atingir os delitos omissivos e delitos negligentes, bem como aos delitos
formais e de mera conduta.[177]
Não obstante isso, como ela está calcada na teoria do risco, entendemos que só
pode ser aplicada com propriedade, enquanto o CP não for modificado, aos
delitos omissivos.[178]
Segundo os critérios da imputação objetiva, o
Prof. Chaves Camargo tende ao ensinamento de Claus Roxin, expondo: a) a
diminuição do risco exclui a imputação jurídico-criminal; b) não a exclui a não
criação do risco; c) não exclui a imputação, a criação do risco em que autor
substituto ocupa o lugar do originário; d) a causação de risco permitido exclui
a imputação objetiva.[179]
Os dois últimos exemplos que de Chaves Camargo
apresenta evidenciam que Roxin é autor extremamente casuístico. Não tem uma
teoria, mas casos a apresentar, o que esvazia toda lucidez da proposta. Ao
mesmo tempo em que tende a um Direito Criminal funcionalista, portanto menos
interventor, Roxin propõe o contrário, incorrendo nas imprecisões da lógica
indutiva. O conhecimento científico sólido não pode tomar por base exemplos, o
que infelizmente não se verifica na proposta de Roxin.[180]
Ao tratar do fim de proteção da norma criminal,
Roxin exemplifica com o caso de dois ciclistas que seguem em um caminho escuro,
sendo que o da frente vem a colidir com outro ciclista que se dirige em sentido
contrário. Tal acidente poderia ser evitado se o ciclista que seguia atrás
daquele que colidiu estivesse com o farol acesso, iluminando o da frente.[181]
Ora, o próprio princípio da legalidade supera o assunto, sendo desnecessário o aprofundamento
no exemplo para saber que o caso nada acrescenta, conforme já expusemos neste
capítulo.
Conforme ensina Claus Roxin, superada a fase do
princípio versari in re illicita, não se pode pensar mais em uma
responsabilidade criminal objetiva. Por referido princípio a simples relação de
causalidade seria suficiente para a responsabilização de uma pessoa pelo dano.
A imputação objetiva não pretende resgatar referido princípio, uma vez que,
para a essa teoria, a imputação se dará segundo o domínio subjetivo do autor.
Desse modo, no último exemplo mencionado, não haveria imputação objetiva,
segundo Roxin, porque o evento não estaria na esfera de proteção da norma
criminal. Todavia, isso é óbvio, sendo desnecessária qualquer construção
teórica em torno do assunto.
Esqueçamos a imputação objetiva e analisemos o
CP, que entende só haver resultado jurídico-criminal relevante se houver também
conduta relevante para o Direito Criminal. Em síntese, embora o delito seja um
conjunto de elementos, ele só existirá se preenchidos todos eles. Desse modo,
se a conduta não pertence ao campo do Direito Criminal, não se passa ao estudo
dos demais elementos do fato típico.
Em um conceito analítico de crime, encontraremos
fato típico, ilicitude e culpabilidade, sendo que o primeiro elemento (fato
típico) se divide em conduta, resultado, estando a relação de causalidade entre
referidos elementos, e, finalmente, completará o fato típico a tipicidade. No
exemplo hipotético, construído por Roxin, mesmo que entendêssemos que o
ciclista que seguia atrás previu a possibilidade de ocorrer a colisão, não há
norma criminal que o obrigue a evitar o dano, não é ele obrigado a agir, isso
nos moldes do art. 13, § 2º, do CP, tornando despicienda a construção de Roxin,
apenas para dizer que não se pode fazer a imputação do resultado se ele está fora
da esfera de proteção do Direito Criminal. Ora, assim como a lei não deve
conter palavras vãs, o cientista não deve rechear suas teorias com postulados
inócuos. Daí dizermos que preferimos o conhecimento sistemático e seguro do
objeto de estudo do criminalista, que é a norma jurídica que descreve crimes e
comina sanções a quem os comete.
É relevante o destaque especial que Chaves Camargo
dá a Bernd Schünemann,[182]
sem qualquer margem de dúvida um dos maiores funcionalistas da Alemanha. Ocorre
que este não tem muitos textos traduzidos, o que nos leva ao contentamento com
meras noções do funcionalismo, advinda de Claus Roxin e Günther Jakobs.
Em se tratando da obra de Chaves Camargo,
adotando sua posição sobre as lições de Schünemann, parece-nos coerente a
proposição de uma imputação objetiva que pode ser resolvida pela adequação
social, temperada pela relação de causalidade,[183]
em síntese, devemos reconhecer certa lucidez da proposta da teoria social, mas
temperando-a, eis que a vontade popular que enuncia o contrato social, segundo
Rousseau, ela própria, pode estar viciada.[184]
Entende Schünemann que a imputação pode incidir
nos desvios causais hipotéticos em que os desvios causais estão no campo da
inadequação social. Porém, para ele, apud Chaves Camargo, a teoria da
adequação social não supera os problemas em que os desvios causais são
socialmente adequados, v.g., resultados tardios decorrentes da SIDA ou
acidentes resultantes em lesão.[185]
Assim, a imputação objetiva deveria, nesses casos, superar os problemas e dizer
que os resultados não poderiam ser atribuídos porque a aplicação da pena não
teria sentido no plano da prevenção geral.
Roxin é merecedor de críticas, isso no plano da
negligência. Ele propõe, conforme exposto, uma teoria mista que autoriza, nos
delitos negligentes, a análise do conhecimento especial do autor para se
atribuir a responsabilidade pelo fato jurídico-criminal. Nesse sentido,
Schünemann, apud Chaves Camargo, também rejeita a proposição do
conhecimento extraordinário do autor como significativo para a imputação
jurídico-criminal, in verbis:
A norma, neste aspecto, sempre tem como objetivo
preventivo geral uma situação concreta, não se referindo a autores com
conhecimentos extraordinários, o que determinaria sua inadequação. No caso de
risco permitido não se leva em consideração se o autor estava subjetivamente em
condições de observar um cuidado maior, uma vez que todas as pessoas, em tese,
se encontram em condições de agir no âmbito do risco permitido, dependendo,
subjetivamente, das condições de cada um a observância deste risco.[186]
A questão ex ante e ex post tem
relevância decisiva para a discussão, uma vez que Roxin coloca o problema no
resultado e Frisch no comportamento. Para Schünemann o problema é apenas
aparente, tendo em vista que a realização do tipo se produz com a concorrência
de referidos aspectos acentuando que a questão empírica não é a decisiva, mas a
normativa e esta é valorativa.[187]
Não há acordo na doutrina acerca da imputação
objetiva. Schünemann, diferentemente de todos os outros entende nos crimes
dolosos a imputação objetiva deve ser analisada diferentemente daquela
incidente sobre os delitos negligentes, eis que no delito doloso o âmbito do
risco permitido é menor. Entendemos que a imputação objetiva, calcada na teoria
do risco, apresenta dificuldades quase intransponíveis, isso no tocante aos
delitos comissivos dolosos materiais, sendo sua aplicação fácil apenas nos
delitos omissivos. Nos delitos negligentes, a aplicação da teoria é
relativamente fácil, mas sem os grosseiros equívocos decorrentes da doutrina de
Roxin (isso naquilo que se refere ao conhecimento extraordinário do autor). De
outro modo, é insustentável pretender aplicá-la para superação dos problemas
decorrentes dos desvios causais hipotéticos, eis que serão outras as teorias
que minimizarão o problema.
O autor, a vítima ou o terceiro que se conduzir
de forma diversa do estabelecido em seu rol de obrigações, administrando-o de
maneira deficiente, é quem deve responder pelo fato jurídico-criminal.[188]
Destarte, podemos deduzir que para Jakobs não interessam os objetos jurídicos,
mas as condutas concretizadas no meio social. Daí a afirmação de Chaves
Camargo, no sentido de que Jakobs afasta qualquer possibilidade de o Direito
Criminal proteger bens jurídicos.[189]
Günther Jakobs admite dois tipos de norma: a) ao
redor (entorno) do social, que são normas que obedecem as leis da lógica e
da matemática; b) diretamente sociais, estas são debéis porque a
valoração não está assegurada por antecipação e requerem garantia social para
que sejam consideradas legis perfectae.[190]
Partindo do conceito analítico do delito, são
seus elementos a conduta, a ilicitude e a culpabilidade. O fato típico é
composto por conduta, relação de causalidade, resultado e tipicidade. Assim,
Chaves Camargo inicia seu estudo pela conduta, tratando das teorias causalista,
finalista e social,[191]
matéria que já foi publicada por nós alhures.[192]
Roxin entende ser a conduta a “manifestação da
personalidade, entendo ser mais abrangente porque inclui as “ações” dolosas e
negligentes (conscientes ou inconscientes) ou omissivas.[193]
Pequeno reparo deve ser feito, em respeito ao rigor terminológico, pois a omissão
pura não pode constituir ação. Ela é o deixar de agir, sendo mais
adequado tratar de conduta, eis que esta pode ser positiva (ação) ou
negativa (omissão). Somente a omissão do garante ou garantidor que vem a
constituir ação contra o dever de cuidado imposto pela norma, por isso, a
omissão impura (ou imprópria) induzirá ao crime comissivo por omissão.
Outro aspecto relevante acerca da conduta como
manifestação da personalidade é a notória confusão terminológica gerada. A
personalidade é objeto de estudo da Psicologia, sendo que não é rara a remessa
que a lei faz do Juiz à Psicologia, uma vez que determina constantemente a
análise da personalidade (v.g., CP, art. 44, inciso III; art. 59, caput;
art. 77, inciso II; etc.). Aferir conduta jurídico-criminal, adotando o
conceito de Roxin é impossível ao jurista, tendo em vista que conhecer a
personalidade exige estudos científicos do especialista, no caso o Psicólogo.
Roxin entende que seu conceito de conduta é
pré-jurídico, sendo que a “situação real do delito aparece, assim, como uma
manifestação da personalidade típica, antijurídica e culpável”.[194]
Tende, portanto, Roxin ao conceito global de delito, que merecerá análise
casuística para (des)valoração da personalidade, isso no que respeita à conduta
típica, antijurídica e culpável. Data venia, referida posição gera
excessiva imprecisão jurídico-criminal e evidencia a adoção das lições de
Jürgen Habermas, autor que traz uma incontável imbricação de conhecimentos e
teorias para a relevância do agir comunicativo, incluindo aí conhecimentos da
Psicologia.[195]
É Habermas um autor prolixo,[196]
consequentemente, também o é Roxin, eis que adota posturas daquele. Assim, posso
afirmar que a imputação objetiva, segundo a proposição de Roxin, não pode ser
admitida, eis que o garantismo exige, no mínimo, a elaboração de normas claras.
Não somente o legislador, mas todo aquele que
atua com o Direito Criminal, deve restar atento ao garantismo, que é, em
primeiro lugar, um modelo normativo de direito, na medida de modelo de “estrita
legalidade”, portanto, assegurador de direitos individuais. Em segundo lugar, é
uma teoria que se prende à validade efetiva, com uma praxe operativa da
norma. E, por último, o garantismo é uma filosofia política que requer
do Direito e do Estado o ônus de justificar sua base externa, que provém de
bens e interesses, de cujas tutelas as normas visam.[197]
A palavra garantismo, no contexto da obra
de Ferrajoli, seria um “modelo normativo de direito”. Tal modelo normativo se
estrutura a partir do princípio da legalidade, que é a base do Estado de
Direito.[198]
Essa posição, merecedora de prestígio, permite dizer que tipos confusos devem
ser rechaçados. De outro modo, a proteção da liberdade pessoal, para Ferrajoli,
é uma variável dependente de uma série de garantias contra o exercício do poder
de punir. É, na verdade, uma barreira, um obstáculo contraposto (contra o
poder), no qual litigam executivo e cidadão.[199]
Esse garantismo não pode ser refutado. Ao contrário, é mister refutar toda tópica
imprecisa que induza à insegurança jurídico-criminal, o que permite repudiar
o conceito de conduta formulado por Claus Roxin.
O conceito de conduta, construído por Günther
Jakobs, não abandona a causalidade, nem a teoria social. Para ele, a conduta é
a causação de um resultado evitável, isso segundo a imputação objetiva, ou
seja, só pode ser considerada relevante a conduta em que há imputação objetiva,
que é o vínculo subjetivo do autor ao fato. Desse modo, estão afastados do
conceito de conduta os atos involuntários e aqueles que provoquem resultados
inesperados. Também, não pratica conduta jurídico-criminal a pessoa jurídica,
eis que ausente a imputação objetiva, que é construída segundo o conceito do
sujeito da conduta. É importante verificar o mundo exterior e o vínculo do
sujeito com ele, que é o caso de imputação objetiva.[200]
O problema que se verifica no conceito de conduta
ofertado por Jakobs tem a mesma natureza daquele que se verifica no conceito de
Roxin, que é a confusão no conceito analítico de crime. Determinar o sujeito
capaz de evitar o resultado, ou seja, determinar a capacidade individual de
cada um, induz à confusão, parecendo pretender resgatar a ilicitude
subjetiva, que é uma questão complicada, tendo em vista que sua rejeição se
dá exatamente pelo fato de reunir em um elemento do delito o todo, tornando imprecisa
a análise dos fatos. Aliás, pela perda do método, o Direito Criminal tende a se
transformar em mera especulação sobre casos concretos, segundo uma tal justiça
particularizada dos fatos, o que é muito perigoso. Aliás, o próprio Claus Roxin
diz que o ponto central de seus estudos é a culpabilidade, que deve restar
atenta à justiça do caso concreto.[201]
Interessante a construção de Chaves Camargo
acerca do agir comunicativo, que expõe:
Podemos desta forma, estabelecer um conceito para
a ação, como elemento do ilícito, como a exteriorização do mundo da vida do
agente num determinado grupo social, em dissenso com os valores reconhecidos
pelo mesmo grupo social, que decorrem da interpretação das normas vigentes que
dão validade à expectativa de comportamento exigido como preferenciais pelas
regras deste grupo.[202]
É devido à complexidade do pensamento
habermasiano que emerge a dificuldade para a adoção de um conceito de conduta
decorrente da teoria do agir comunicativo.
Chaves Camargo apresenta a evolução do estudo do
tipo, tratando do tipo objetivo e do tipo subjetivo, explicando a descoberta
dos elementos normativos do tipo. Welzel passou a tratar de tipo objetivo e
tipo subjetivo como sendo atos que integram a execução típica do delito.[203]
Ora, conforme exposto anteriormente, o tipo é a descrição do delito, sendo que
a execução da conduta típica não poderá se confundir com ele, ela será elemento
do fato típico.
Enquanto descrição do delito, o tipo é objetivo,
mas pode conter elementos objetivos, normativos e subjetivos. O elemento do
tipo não se confundirá com ele. Outrossim, o atuar dolosamente ou
negligentemente não constituirá, respectivamente, tipo subjetivo ou tipo
normativo, mas praticar conduta jurídico-criminal relevante, elemento do fato
típico. Destarte, a construção teórica de Welzel peca até pela própria confusão
terminológica que ele instalou a respeito da existência de tipo objetivo e de
tipo subjetivo.
Entendendo que o fato objetivamente típico é a
reunião de conduta voluntária, relação de causalidade, resultado e tipicidade,
é possível concluir que o elemento subjetivo do tipo é o dolo, sendo, por
consequência, fato subjetivamente típico, aquele em que a conduta é dolosa ou
dotada de negligência imprópria. Com isso se chega à conclusão que Roxin traz
inovação pouco relevante com a imputação objetiva.
Pretender inserir a imputação objetiva no tipo
objetivo (descrição objetiva do delito) é um equívoco, eis que ela será
normativa, isso sob o ponto de vista da adequação social, ou subjetiva, pois
ela é vista sob o ponto de vista de política criminal,[204]
sendo, portanto, valorativa e não há valor que não seja subjetivo. Dizer que a
imputação objetiva constitui elemento objetivo do fato típico também constitui
equívoco, tendo em vista que leva em consideração aspectos subjetivos do autor
do fato. Desse modo, embora Roxin entenda que o critério sistemático de análise
do fato jurídico-criminal seja falho,[205]
referida análise não apresenta maiores inconvenientes.
Fazer o estudo sistemático do delito importará em
deixar a análise da consciência da ilicitude dentro da culpabilidade. Não
obstante isso, tal momento será posterior ao estudo do fato típico e da
ilicitude. Não estando presente algum destes elementos, não se chegará ao
estudo da culpabilidade. Assim, saber aplicar adequadamente a teoria da
adequação social, isso no momento da análise do fato típico, suprirá as lacunas
que a imputação objetiva pretende preencher. Daí a nossa concordância com a
colocação de Bustos Ramirez, citado por Chaves Camargo, no sentido de que a
imputação objetiva não pode ser analisada como elemento objetivo do tipo, ou
dentro do fato objetivamente típico.[206]
Jakobs, mantendo a distinção entre os tipos
(objetivo, de injusto, de culpabilidade etc.) permite a análise sistemática do
delito, sendo “coerente com a base de sua teoria, que exige um sujeito
integrado ao social e que tenha conhecimento do rol de comportamentos que deve
responder às expectativas”.[207]
O Direito Criminal, segundo a imputação objetiva,
deixa de ter fins meramente retributivos e de visar unicamente à proteção de
bens jurídicos. Sua missão é garantir a identidade da sociedade.[208]
Nesse ponto, a imputação objetiva tende à teoria pura do Direito, mas de forma
flexibilizada. O que se está a afirmar é razoável porque para Hans Kelsen
justiça é felicidade. Mais, justiça é a felicidade de um povo, sendo que a
“nossa felicidade depende frequentemente da satisfação de necessidades que
nenhuma ordem social pode garantir”.[209]
Do que foi exposto, adotando a posição de Kelsen,
o objetivo maior do Direito Criminal não é a justiça, uma vez que não há
justiça geral. O que se pretende é um mínimo de estabilidade, de segurança,
compatibilizando o interesse (a felicidade) geral com o(a) individual. Tal
conclusão se assemelha ao exposto acerca do papel do Direito Criminal sob o
ponto de vista da imputação objetiva.
Uma coisa é certa, a imputação objetiva vai além
da exclusão da tipicidade, assumindo um caráter global na análise dos fatos
jurídico-criminais, considerada determinada situação de comunicação.[210]
Ao nosso sentir, esse é seu maior problema, visto que a tópica tende a
substituir a sistemática, tendendo a casuísmos exagerados, que podem gerar
situações concretas, porque pontuais, infamantes.
Acerca da ilicitude, a imputação objetiva propõe
que é necessário que o agente tenha domínio subjetivo da situação concreta ou
presumida da causa de justificação, pouco interessando sua vontade real para
caracterização da ilicitude. Porém, tende à ilicitude material, que verifica a
ilicitude na sociedade, e que resgata o conceito global de injusto.[211]
A imputação objetiva centraliza a culpabilidade
na dignidade da pessoa humana. Ela é o ponto central da discussão, sendo que a
imposição de uma pena com base na culpabilidade reiterará a validade da norma
em determinado momento social.[212]
Para Roxin, um dos defeitos do pensamento
sistemático finalista decorre da desatenção à justiça do caso concreto. Ele entende
que o sistema teleológico-racional apresenta inovação central no campo da
culpabilidade, visto que esta deve ser expandida.[213]
A imputação objetiva, portanto, atenta-se mais aos fins do Direito Criminal,
uma vez que incidirá principalmente sobre os pontos voltados à censura daquele
que praticar um fato jurídico-criminal.
Schünemann entende que o conceito social de
culpabilidade não corrige os problemas decorrentes da análise sistemática.
Aliás, distorce todo edifício dogmático, tendo legitimação seriamente
discutível. Toda imputação objetiva construída por Roxin assimila o excessivo
casuísmo de Larenz, que propõe a “solução justa dos casos” apresentados ao
Juiz.[214]
Este entende que é necessário um tratamento circular dos casos, a fim de se
poder tratar do problema sob os mais diversos ângulos e que traga à colação
todos os pontos de vista – tanto os obtidos como decorrência da lei como os de
natureza extrajurídica – que possam ter algum relevo para a solução ordenada à
justiça, com o objetivo de estabelecer um consenso entre os intervenientes,[215]
posição semelhante à de Habermas, que tende ao consenso no agir comunicativo.
Chaves Camargo entende que a doutrina criminal
pátria ainda está tendendo à influência do positivismo jurídico neokantiano,
mas reconhece que alguns poucos tendem ao abolicionismo de Hulsmann. Referido
abolicionismo, para Chaves Camargo, não enseja qualquer radicalismo.[216]
Essa posição é coerente com toda sua obra, uma vez que seu autor tece vários
comentários elogiosos ao agir comunicativo, prestigiando Habermas, sendo que a
obra de Hulsmann propõe substitutivos mais humanos às penas que ora prevalecem
e, ainda, ele diz ser adequada a pena em que todos os envolvidos (Estado,
vítima e sociedade) se contentam com a pena imposta, convergindo para o agir
comunicativo.[217]
No campo do fato típico, da ilicitude e da
culpabilidade, Chaves Camargo propõe a adoção da imputação objetiva, chegando a
propor a não aplicação de uma jurisprudência uniforme, sumular, como
interpretação da norma,[218]
reforçando a idéia de ser a imputação objetiva essencialmente tópica.
Em se tratando da relação de causalidade, Chaves
Camargo se estende um pouco mais para propor a aderência da imputação objetiva
à teoria da equivalência, a fim de tornar o Direito Criminal mais aberto e
atento ao princípio da dignidade humana.[219]
Inicia Chaves Camargo pela exclusão do crime pelo
fato da vítima se auto-colocar em situação de perigo.[220]
Essa posição vem sendo resolvida no Direito Criminal pátrio no estudo do fato
típico, da ilicitude e da culpabilidade, uma vez que, às vezes, a vítima torna
impossível o resultado proibido pela norma criminal, mas porque ela se coloca
na situação de perigo de tal maneira que o resultado se dá sem dolo ou
negligência do agente, afetando ao fato típico. Noutras circunstâncias, a
vítima gera a situação de excludente real ou putativa. Finalmente, pode ocorrer
de ocorrer uma conduta da vítima de forma tão profunda que se torna inexigível
conduta conforme o Direito por parte do autor, excluindo a culpabilidade.
A imputação objetiva resolveria a questão no
plano do agir comunicativo porque se deve entender que todos participantes do
fato têm ampla liberdade de decisão e argumentação, excluindo-se a imputação
nos casos em que a vítima se colocou na condição de risco.
A imputação objetiva, no âmbito dos crimes
dolosos, para Roxin, é o elemento vontade, subjetivo, que não pode ser apreciado
por elementos externos. Para Jakobs, o dolo tem a mesma conotação, eis que
representado pelo querer violar o rol de obrigações imposto.[221]
O dolo eventual não restou esquecido, tendo sido
enfrentadas as teorias de nível cognitivo e as teorias do nível volitivo. Mas,
destaque especial merecem as novas teorias do dolo, quais sejam: a de Hassemer,
a de Roxin, e a de Jakobs.
O dolo eventual para Hassemer, segundo Chaves
Camargo, é indicado por: a) situação perigosa para o bem jurídico; b) a
representação do sujeito sobre a mesma; c) decisão de atuar contra o bem
jurídico protegido. Tal teoria não facilita a distinção entre dolo eventual e
negligência consciente, eis que é mister verificar o aspecto interno do autor.[222]
Para Roxin há dolo eventual na decisão contra o
objeto jurídico, que se caracteriza pelo fato do agente não realizar qualquer
atividade dirigida a evitar o resultado. Caso haja dúvida, deve cessar sua
ação, senão restará caracterizado o dolo. Havendo reflexão e o agente adota
medidas para evitar o resultado e mesmo assim ele ocorre, há negligência
consciente. Outro critério seria, negligência imprópria, o agente atua sem
reflexão, de forma a pensar que o resultado lesivo não ocorrerá, enquanto no
dolo eventual, o sujeito toma a sério o risco de produção do resultado, mas
prossegue contra o bem jurídico.[223]
Roxin é contraditório em sua teoria do dolo
eventual. Uma imputação objetiva tendente ao Direito Criminal atento à
dignidade da pessoa humana, não pode, contraditoriamente, imprimir pontualmente
maiores rigores. O atuar levianamente não constitui dolo eventual, mas
negligência.
Jakobs, por sua vez, adota posição mais coerente
que a de Roxin, tendo em vista que afasta o elemento volitivo do critério para
distinção. A diferenciação está no conhecimento por parte do autor, conjugando
a teoria da probabilidade (que é uma teoria de nível cognitivo) com a teoria
de tomar a sério.[224]
No entanto, sua posição avalorativa permitiu a Jakobs construir o Direito
Penal do Inimigo, pelo qual os inimigos da sociedade estão fora dela e,
portanto, do Direito formal. Com tal posição não posso concordar.
O finalismo não conseguiu explicar adequadamente
o delito negligente em sentido estrito. No caso da negligência, mister é a
análise do fato, a fim de saber se o agente violou seu dever de cuidado, sendo
que a imputação objetiva não apresenta formulas estanques para solução dos
casos, recorrendo-se à tópica, a fim de verificar se constitui fato
jurídico-criminal.[225]
O consentimento da vítima, no plano do agir
comunicativo, pode excluir o delito, sendo necessária a análise fática de cada
situação.[226]
Nesse ponto, concordamos com a análise dos fatos, mas sem perder de vista a
análise sistemática. A tópica contribuiria para saber se o consentimento do
ofendido, considerando o caso, excluiria a tipicidade (quando prévio) ou a
culpabilidade (quando concomitante com o ato lesivo) ou a punibilidade (quando
posterior), ocasião em que haveria crime, mas não a pena. Observe-se que o
consentimento do ofendido, não excluirá a relevância jurídico-criminal, se a
vontade não for manifestada livremente, se o bem jurídico for indisponível ou
se houver vício de consentimento.
Feita uma rápida contextualização do assunto,
expondo as principais razões da escolha da obra de Chaves Camargo e de ter
decidido destinar um tópico deste livro para comentar sua obra, que é um dos
melhores livros monográficos publicado no Brasil acerca da imputação objetiva,
passou-se à distinção entre funcionalismo e imputação objetiva.
Foram apresentadas vertentes diversas da
imputação objetiva, tendentes a correntes jusfilosóficas funcionalistas
diferentes, o que deu ensejo à analise do fato típico, da ilicitude e da
culpabilidade, isso em conformidade com a imputação objetiva. O fato é que a
teoria, por se basear em pensamentos sistêmicos, tende ao jusnaturalismo, sendo
oportuno algo mais humano, o que me leva ao pensamento complexo.
A imputação objetiva, por ser imprecisa, pode
induzir a uma ampliação da punibilidade.[227]
Nesse sentido, conforme ensina Raffaele de Giorgi, a radicalidade da posição de
Roxin, se exprime, caracteristicamente, confusa.[228]
Isso se dá porque ele tende à teoria do agir comunicativo de Jürgen Habermas,
que traz enorme imbricação de conceitos e influências de diferentes ciências.
A tópica é importante, mas não se pode pretender
destruir o método, substuindo-o pela simples análise de casos concretos. A
norma, conforme ensina Larenz, apresenta, em maior ou menor escala, um processo
de aproximação.[229]
Do mesmo modo, o método será um parâmetro para o conhecimento científico dos
casos concretos. É em decorrência da imprecisão, que torna em vulgar o
conhecimento dos fatos jurídico-criminais que a imputação objetiva não pode ser
considerada teoria científica do delito.
4.3.4.9 Exemplos que demonstram a inadequação da
imputação objetiva
Voltemos a um caso já analisado: imagine-se que
um carrasco, no momento da execução, é surpreendido por um homicida que desfere
tiro fatal na cabeça da vítima, provocando morte instantânea. Nesse caso, pelo
critério da eliminação hipotética, nenhum dos dois é autor. Pelo critério da
eliminação global, ambos teriam dado causa. Mas, conforme expusemos
anteriormente, o CP adotou a o critério da eliminação hipotética. Portanto, em
face do princípio da legalidade, não poderíamos dar solução diversa, ou seja, o
atirador não poderá ser responsabilizado pelo resultado morte.
Em outro exemplo, no qual duas pessoas colocam
veneno, cada uma, em quantidade suficiente para matar a vítima, a solução seria
idêntica, tendo em vista que adotamos o critério da eliminação hipotética, pelo
qual considera-se causa a conditio sine qua non para a produção do
resultado.
Pelo critério da imputação objetiva, o atirador
seria responsabilizado pela morte. Também seriam responsabilizados pela morte
cada um dos agentes que colocaram veneno no copo da vítima, mas, ratificamos,
nosso ordenamento jurídico não admite tais soluções. De outro modo, o carrasco
não teria dado causa, visto que o risco à vida, decorrente de seu
comportamento, não seria proibido, sendo penalmente irrelevante para a imputação
objetiva o risco permitido.
Para a imputação objetiva, mais importante que a
causa é o risco proibido. Ocorre que ao adotarmos a imputação objetiva
estaremos fazendo a junção de elementos subjetivos com objetivos, partindo para
uma análise obscura, decorrente da confusão de conceitos e etapas, permitindo
análises extremamente casuísticas, produzindo uma insegurança prejudicial ao
próprio escopo do Direito, que é a estabilidade social.
O aparente benefício decorrente da adoção da
imputação objetiva seria superado pela lei se simplesmente excluíssemos do art.
13, caput, do CP, o critério da eliminação hipotética, deixando para
doutrina e para a jurisprudência, a análise da causa. Outrossim, melhor seria
acrescentarmos ao § 1º do artigo nupercitado, as causas preexistentes e concomitantes,
com referência específica no sentido de que a análise da causa deve ser feita
pelo Juiz levando em consideração o elemento subjetivo do agente, inclusive, no
que se refere à desistência voluntária.
Discorri anteriormente sobre a tipicidade
conglobante, teoria que resolve quantum satis a questão relativa ao carrasco.
De outro modo, fiz alguns comentários sobre as imprecisões das teorias causais,
propondo uma análise casuística, em face da cessação do dolo antes da
ocorrência do resultado. De tais proposições, posso concluir que a imputação
objetiva nada acresce.
Outra hipótese apresentada, refere-se ao delito
de efeito tardio: a pessoa joga uma lagartixa em outra pensando que ela é
venenosa e que vai provocar uma lesão na vítima matando-a. A lagartixa não tem
veneno, mas a vítima desenvolve um problema cardíaco pelo susto e dele vem a
morrer algum tempo depois. Esse caso seria de simples solução porque bastaria
analisar a teoria da conditio sine qua non, acrescida do elemento
subjetivo do agente e verificar que ele deu causa à morte, devendo responder
por esse resultado.
Ocorre que, da forma que o problema foi
apresentado, a causa da morte é superveniente. Assim, incide o art. 13, § 1º do
CP. Com efeito, não se pode imputar a causa da morte à ação daquele que atirou
o animal em outra pessoa, tendo em vista que ele é, absolutamente, impróprio
para a produção do resultado morte. Assim, tratando-se de crime impossível, nem
mesmo por homicídio tentado o agressor responderá.[230]
De outro modo, conforme expliquei anteriormente,
pode ocorrer de ter a vítima problema cardíaco, o que faz com que o objeto
seja, in casu, relativamente impróprio para a produção do resultado,
tornando possível a responsabilização do agente pela produção do resultado. Não
obstante, conforme expusemos, mister é a demonstração do conhecimento do autor
sobre o problema cardíaco anterior, ou da persistência da vontade criminosa, tendo
em vista que o que se deve levar em consideração é o elemento volitivo do
agente, este deve prevalecer sobre eventuais resultados naturais.
Não existe razão para se invocar a imputação
objetiva, a fim de eximir o agente da responsabilidade pelo resultado morte, ou
para gerar a responsabilidade por ele, tendo em vista que ela é extrema,
tornando mais inseguras as proposições já existentes.
Tome-se em consideração a, no mínimo, estranha
proposta de Damásio E. de Jesus, no que concerne a um notório fato ocorrido no
ano de 1999: um rapaz adentrou em um cinema armado de uma submetralhadora e
atirou a esmo, matando três e ferindo duas. No total, estavam no local sessenta
e seis pessoas. Nesse caso, entende o autor que ele responderia por três
homicídios consumados e dois tentados, além de outros crimes tentados que
seriam aferidos segundo o risco completo de dano aos presentes, excluindo-se
aqueles que não estiveram na direção dos disparos, ou que mesmo estando
conseguiram se proteger.[231]
Com o devido respeito, se a pretensa segurança
jurídica ofertada pela imputação objetiva tem a ver com casuísmos tão
detalhados, a ponto de verificar se o agente conseguiu se esconder atrás de uma
intransponível barreira de concreto, torna a análise dos fatos mais frágil. O
perigo concreto se faz presente pelo simples fato de ter a vítima que se
proteger, senão será vítima de um disparo. Portanto, todo aquele que teve seu
objeto jurídico ameaçado, o que é perceptível unicamente pelo local ocupado no
momento em que se iniciou os disparos e a trajetória destes, será vítima de
homicídio tentado, não interessando se a vítima conseguiu se ocultar atrás de
algum obstáculo seguro.
Fernando Galvão defende a aplicação da imputação
objetiva como complementar da causalidade natural, “um critério corretivo da
teoria da equivalência”,[232]
dizendo, de forma diversa da posição dominante que prefiro, referir-se o art.
13, caput, do CP ao resultado normativo-jurídico, não apenas ao
naturalístico. Para mim, somente o crime de resultado naturalístico está
abrangido pelo referido dispositivo legal e, por todo o exposto, a novel
teoria, imputação objetiva, ao menos no campo da causalidade, em nada
contribui. Tal conclusão será ainda melhor delimitada no item seguinte, quando
analisaremos a atribuição objetiva do resultado.
4.3.5 Resultado
O resultado será a
produção de uma transformação física na natureza, ou simplesmente o
preenchimento de todos os elementos do tipo, o que representará um dano ou
perigo de dano ao objeto jurídico, cuja proteção é objetivada pela norma.
4.3.5.1 Espécies de resultado e classificação dos
delitos segundo seus resultados (material ou de dano, formal ou de perigo e de
mera conduta)
Acerca do resultado temos duas teorias básicas, a
saber: (a) naturalística, a qual nos leva ao resultado
naturalístico, ou seja, o resultado é uma transformação física na natureza; (b)
normativo-jurídica que enuncia que o preenchimento dos elementos
do tipo representa o resultado. O resultado é normativo-jurídico, caracterizado
pela realização dos elementos do tipo.
Para a primeira teoria, há crime sem resultado.
No entanto, concordamos com Nelson Hungria que já ensinava:
Todo crime produz um dano (real, efetivo) ou um
perigo de dano (relevante possibilidade de dano, dano potencial), isto é, cria
uma alteração no mundo externo que afeta à existência ou a segurança do bem
interesse que a lei protege com a ultima
ratio da sanção penal.[233]
O resultado pode ser naturalístico – aquele que
provoca uma transformação no mundo natural – ou normativo-jurídico, que é
representado pela violação à norma criminal. Nem todo crime depende de um
resultado natural. Daí emerge a seguinte classificação:
Ø material –
também denominado de delito de dano, é aquele em que a lei prevê um
resultado destacado da conduta e o crime para se completar (se consumar),
dependerá da produção do referido resultado. Tentando se enaltecer,
desnecessariamente e se confundindo em diversas análises, a doutrina patria tem
informado que o crime de dano é o que exige ofensa ao objeto jurídico e o crime
material é o que exige a produção de resultado naturalístico (para mim, crime
de dano é o mesmo que o crime material, ou seja, o que exigirá a ofensa ao
objeto jurídico para que haja consumação);
Ø formal –
é aquele em que a lei prevê um resultado destacado da conduta, mas ela se
precipita e traz o resultado para junto da conduta, não dependendo, a
consumação, da produção do referido resultado, ou seja, basta a ameaça ao
objeto jurídico para a ocorrência do resultado. Dessa forma, tal delito é,
também, denominados de crime de perigo;
Ø de mera conduta – a lei não prevê qualquer resultado, só
descrevendo a conduta proibida. A doutrina estrtangeira estrangeira o
classifica como espécie de crime formal, mas ainda, no Brasil, o consideramos
como espécie distinta de crime de perigo.
A classificação exposta tem perdido prestígio,
tendo em vista que muitos autores preferem considerar os crimes de mera conduta
como espécies de crimes formais. Conforme transcrevemos, Heleno Cláudio Fragoso
deixa clara sua opção pela consideração de crimes de mera conduta e formais
como única espécie. De qualquer forma, a classificação exposta precisa ser
conhecida, visto que significa muito para o estudo relativo à relação de
causalidade, sendo que esta tem íntima relação com a imputação objetiva.
Um crime de homicídio só se consuma com o evento
morte, ou seja, somente com a extinção da vida. Desse modo, é necessária a
ofensa ao objeto jurídico para que ele se aperfeiçoe, o que permite dizer que
se trata de crime de dano (material). De outro modo, o crime de periclitação da
vida (art. 132 do CP) exige unicamente o risco concreto à vida. É, portanto,
crime de perigo (formal), uma vez que o simples se completa com a simples
ameaça à vida.
O crime de perigo não se confunde com o “de mera
suspeita”. Já se pensou em crime sem ação positiva ou negativa.[234]
Exemplo típico seria o crime punir encontrar uma pessoa na posse de dinheiro,
objetos de valor ou outras coisas e cuja proveniência não justifique, issso no
que se refere aos indivíduos condenados por delitos que visem lucro, ou por
contravenções patrimoniais ou medincância, ou submetidos a medida de segurança
pessoal, ou caução de boa conduta (CP italiano de 1930, art. 708). Diz-se que
“a proposta não encontrou o favor da opinião dominante”.[235]
A negativa, porém, é imperiosa.
Embora o processo não seja um fim em si mesmo, os
juristas da modernidade, meros “operadores do Direito”, têm incriminado “a mera
suspeita”. Em matéria processual, fala-se no princípio da verdade material, do
qual decorre o princípio in dubio pro reo (a dúvida de reveste em
benefício do réu). Este tem conteúdo essencialmente processual, mas não são
raros aqueles que afirmam seu conteúdo material.[236]
De qualquer modo, pelo princípio em comento, ao acusador incumbe provar o ilicito
praticado, não se podendo incriminar unicamente a “mera suspeita”, salvo se a
lei autorizar a inversão do ônus da prova.
Pode-se defender a possibilidade de inversão do
ônus da prova em matéria criminal, mas isso no campo processual, eis que se
reconhece a autonomia – mesmo que apenas relativa – dos ramos do Direito.
Ocorre que são muitos os obstáculos a essa construção, sendo indicado o art.
5º, inciso LVI, da CF (“são inadmissíveis no processo as provas obtidas por
meios ilícitos”). Desse modo, à primeira vista, parece que a inversão do ônus
da prova pode ser admitida, desde que regulada por lei, ou seja, tornada
lícita. Aliás, é possível vislumbrar dispositivos que, com reflexos criminais,
trazem a inversão do ônus da prova, os quais estão viciados de
inconstitucionalidade, v.g., Lei n. 8.137/1990:
Art. 5º. Constitui crime da mesma natureza:
Incisos I – III: Omissis.
IV – recusar-se o diretor, administrador, ou
gerente de empresa a prestar à autoridade competente ou prestá-la de modo
inexato, informação sobre o custo de produção ou o preço de venda.
Parágrafo único. A falta de atendimento da
exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido
em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade
quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso
IV.
Imagine-se que o diretor de uma empresa está a
deixar de prestar informação sobre o custo porque estaria praticando o crime de
underselling, o que constituiria crime (Lei n. 8.137, art. 4º, inciso
VI). Requisitadas as Informações, ele não poderia ser compelido a prestá-las se
assimilássemos como absoluta a máxima “ninguém será compelido a produzir provas
contra si mesmo”. Porém, se partíssemos para a visão de que o Direito Público
em geral tem dois princípios básicos (o da legalidade e o da supremacia do
interesse público sobre o particular), poderíamos até concluir que, em nome do
interesse público maior, poder-se-ia inverter o ônus da prova. Ocorre que, em
matéria processual criminal, esse último entendimento deve ser veemente
repelido.
O que se pretende demonstrar é que o DCrim está
sofrendo profundas transformações, autorizando novas perspectivas, inclusive no
que respeita às garantias constitucionais para proteção de direitos
fundamentais, isso com base em modernas teorias do discurso, que apenas
transportam os problemas para novos horizontes. De um lado, há o discurso em
favor de um DCrim menos interventor e, de outro, uma realidade, às vezes
patética, fundamentada em um discurso protetor de um determinado poder que se
baseia, sem dúvida, em concreta alopoiese.
Endossamos as palavras de Afrânio Silva Jardim,
que sustenta: “o ônus da prova, na ação criminal condenatória, é todo da
acusação e relaciona-se com os fatos constitutivos do poder-dever de punir do
Estado, afirmado na denúncia ou queixa”.[237]
Um DCrim garantista do status libertatis não interessa tão-somente ao
acusado, mas a toda sociedade, haja vista que seria um absurdo pretender
admitir a inversão do ônus da prova em matéria criminal, deixando toda a
sociedade na incerteza de, em decorrência de perseguições espúrias, sofrer
acusações até caluniosas e, com isso, tornar insustentável a convivência
social. Assim, o princípio in dubio pro reo, antes de ser uma garantia
individual, é instrumento para a segurança social e atende mais ao interesse
público que ao particular.
4.3.5.2 O iter criminis
O estudo do iter criminis tem lugar na
análise da conduta, mas, por opção didática, optamos tratar o assunto no campo
do resultado porque o conhecimento das espécies de resultado (nutaralístico e
normativo-jurídico) é fundamental para a compreensão de algumas informações
concernentes ao caminho do crime (iter criminis). Ademais, é impossível
falar em resultado sem pensar no itinerário do delito, o qual, em regra, passa
pelas seguintes fases:
Ø cogitação –
é uma fase em que o agente pensa, medita sobre o crime. Em regra ela não
constitui crime, salvo quando externalizada, v.g., incitação a crime
(art. 286 do CP). Tal afirmação decorre do princípio da alteridade ou transcendentabilidade
que proíbe incriminar interior, subjetivo, eis que se revela incapaz de
lesionar o bem jurídico.
O fato típico pressupõe um comportamento que
transcenda a esfera individual do autor e seja capaz de atingir o interesse de
outrem (altero). Em síntese, assegura-se: “Ninguém pode ser punido por
ter feito mal só a si mesmo”. Dizendo-se que tal princípio foi desenvolvido por
Claus Roxin.[238]
Não obstante, temos por coerente entender que a Escola Positiva, com Ferri, no
início do Século XIX, já havia desenvolvido bem tal pensamento. Aliás, este já
teria sido objeto da Escola Clássica, que entendeu ser o crime uma “lesão de um
direito de outrem”;[239]
Ø preparação – é a fase em que o agente passa a obter os recursos humanos
e materiais necessários à consecução do crime. Também, em regra, é impunível,
salvo quando constitui delito autônomo, v.g., formação de quadrilha
(art. 288 do CP), petrechos para falsificação (art. 293 do CP);
Ø execução –
é a fase em que o agente inicia a prática da conduta proibida pela lei
criminal. O tipo é a descrição legal de crime, sendo que todo tipo traz
um núcleo que é o verbo que exprime a ação ou omissão punível. Assim, o tipo do
art. 155 do CP (furto) tem como núcleo “subtrair”, o que faz com que
entendamos que o crime de furto só se inicia a partir do momento em que o
agente inicia a subtração. Da mesma forma, o crime de estupro tem como núcleo “constranger”.
Assim, uma pessoa pode ser acusada de estupro, a partir do momento em que
pratica o constrangimento;
Ø consumação – ocorrerá no momento em que o agente alcançar o resultado
proibido pela lei criminal. Assim, o crime de furto se consumará com a
subtração da coisa, retirando-a da esfera de vigilância de quem a possua.[240]
Esse resultado, nos termos da lei, é normativo-jurídico (CP, art. 14, inciso
I), visto que “diz-se o crime... consumado se nele se reunem todos os elementos
do tipo, ou seja, realizar a conduta descrita na lei criminal representa o
resultado.
Fala-se, ainda, em exaurimento, que a fase
em que o autor tira proveito do crime. Esta não integra o iter criminis e,
como regra, constitui post-factum impunível. Porém, em muitos casos, o
exaraurimento pode constituir fato jurídico-criminal relevante, portanto, mais
severamente punível, v.g., art. 317, § 1º do CP.
Os crimes de ímpeto, às vezes, não passam por
todas as fases, uma vez que o agente não reflete sobre sua conduta. A análise
concreta das situações exigirá cuidado, haja vista que aquele que é agredido na
rua, inesperadamente, saca de uma arma e mata quem o agrediu, avalia sobre a
represália a ser praticada, mesmo que tal análise se dê muito repentinamente.
De qualquer forma, é inegável que a pessoa pensa: “devo matar”. Isso é
cogitação.
E a preparação nos crime de dolo de ímpeto? Ela
também se caracterizará pelo ato de sacar a arma. Tal ato ainda não é de
execução, pois não foi iniciada a conduta típica, que é “matar alguém”
(art. 121 do CP). No entanto, não podemos ser cegos e rejeitar todas as
possibilidades de exceção, visto que aquele que é agredido na rua e
inexperadamente desfere um soco em quem o agrediu, não praticará qualquer ato
de preparação, embora tendo havido cogitação.
Nos crimes negligentes em sentido estrito,
aqueles praticados mediante negligência inconsciente, não existem as fases da
cogitação e da preparação. De outro modo, os crimes negligentes subjetivos[241] (negligência
consciente) têm a fase da cogitação, embora de forma indireta, tendo em vista
que a pessoa, mesmo não planejando, nem desejando o resultado, faz a sua
previsão, só não o admitindo como sendo concretamente possível.
4.3.5.3 Consumação e tentativa
Crime tentado é aquele em que o agente não obtém
o resultado por circunstâncias alheias à sua vontade. Desse modo, só pode ser
tentado o delito doloso, visto que a conduta do agente só visará um determinado
resultado penalmente proibido em tal espécie de delito.
O crime tentado é o mesmo consumado, mas o
dispositivo legal que trata da tentativa encontra-se na PG/CP, aplicável aos
crimes que admitem tentativa. Destarte, saber se um delito admite tentativa, a
investigação, acima de tudo, será doutrinária, eis que a lei limita-se a
informar que se considera tentado o crime em que o autor iniciar a execução,
mas não atingir o resultado por circunstância alheia à sua vontade (CP, art.
14, inc. II). Em face de tal previsão legal, prefere-se dizer que o CP, quanto
à tentativa, preferiu a fórmula de extensão, o que significa que o
conteúdo de um artigo de lei se complementará em outro.
Zaffaroni entende que a natureza jurídica da
tentativa constitui “ampliação da tipicidade proibida”.[242]
A discordância é necessária porque não se trata de ampliação ofertada pela
norma, mas de um efetivo crime, concebido como sendo o fato jurídico-criminal,
isso a partir do sistema dinâmico de normas.
Não alcançar o resultado por circunstâncias
alheias à sua vontade pode decorrer de erro na execução do delito, da
intervenção de outras pessoas e muitos outros fatores, mas, ressalte-se,
essencial é que o resultado não tenha sido alcançado em decorrência da vontade
do autor.
Quanto ao iter criminis, os crimes são
classificados em: a) plurissubsistentes (a conduta típica pode ser
fracionada) e unissubsistentes (a conduta típica não pode ser
fracionada).[243]
Assim, como o CP estabelece, em seu art. 14, que a pessoa só pode ser punida
por crime quando iniciada a execução, conclui-se que, a cogitação e a
preparação são impuníveis, salvo quando constituírem crimes autônomos. Também,
no mesmo artigo, o CP preceitua que constitui tentativa o início da execução,
sem que o agente atinja o resultado por circunstâncias alheias a sua vontade.
Do exposto, somente os crimes plurissubsistentes é que podem ser praticados na
forma tentada.
O CP prefere o resultado normativo-jurídico,
visto que no art. 14, inciso I, preceitua que o crime consumado é aquele que
reúne em si todos os elementos do delito, ou seja, ele não fala em produção de
um resultado natural, mas na adequação do fato ao tipo, sendo que se todos os
elementos deste estiverem presentes haverá consumação, independentemente da
produção de algum resultado naturalístico.
O fato de ser um delito material, formal ou de
mera conduta não impede que ele possa ser classificado como unissubsistente, ou
plurissubsistente. Dessa forma, independentemente de ser material, formal ou de
mera conduta, um delito poderá ou não admitir tentativa, v.g.: a)
normalmente o delito de dano admite tentativa, mas o delito negligente depende
da produção de um resultado naturalístico – é material -, mas não admite
tentativa; b) a ameaça é crime formal, pois basta que ela seja potencialmente
capaz de amedrontar a vítima para que haja consumação, mas se for feita
mediante alguma coisa escrita, admite tentativa; c) a violação de domicílio é
delito de mera conduta, mas admite tentativa.
O crime negligente não pode ser praticado na
forma tentada, pois para que o delito seja de tal espécie, o agente, mesmo que
tenha feito a previsão do resultado (previsibilidade subjetiva), não o deseje
ou que não tenha consentido para com ele (resultado). Assim, no crime
negligente é imprescindível a ocorrência do resultado. A título de exemplo,
podemos apresentar o crime de homicídio que é, em regra plurissubsistente.
Porém, o homicídio culposo não admite forma tentada, pois, ratifica-se, crime
culposo é aquele cujo resultado previsível (previsibilidade objetiva) ocorre
sem que o agente o deseje, sem ter feito a previsão, ou, tendo feito, sem ter assumido
o risco de produzi-lo.
Com a imputação objetiva muitos conceitos,
necessariamente, precisariam ser revistos, visto que uma das suas bases é a
teoria do incremento do risco, que será estudada adiante. Desse modo, até o
momento não se tem evidenciado a devida preocupação com as diversas peculiaridades
decorrentes da nova teoria.
Nos delitos de resultado (materiais), conforme
expus, a consumação depende da produção do resultado destacado da conduta.
Porém, deslocando a preocupação da causalidade material para o risco proibido,
não haverá delito de resultado tentado, eis que a simples ameaça ao objeto
jurídico, em qualquer caso, tornará imperioso o reconhecimento de um resultado
normativo-jurídico. Destarte, restará caracterizada a consumação. No entanto,
se a lei consagra em alguns tipos o resultado, tornando obrigatória sua
ocorrência para a consumação, nesses casos, a imputação objetiva não pode ser
aplicada.
Finalmente, cumpre-nos lembrar que o crime
tentado é aquele que decorre da junção do tipo (descrição do fato penalmente
relevante, v.g., art. 121, caput, do CP) com o complemento da
norma do art. 14, inciso II, do mesmo código. É de tal combinação que emerge o
delito tentado, que tem a mesma pena do consumado, mas diminuída de um terço a
dois terços (CP, art. 14, parágrafo único). Para decidir de quanto deve ser
reduzida a pena – se de 1/3, de 1/2, ou de 2/3 -, o Juiz deverá analisar até
onde foi realizada a conduta típica, ou seja, até que momento o iter
criminis chegou, sendo que, quanto maior a proximidade da consumação, menor
deverá ser a diminuição da pena.
4.3.6 Tipicidade
Tipicidade é a adequação da conduta concretizada
ao tipo (teoria finalista). Não obstante, a teoria social inseriu
um elemento na tipicidade, qual seja, a reprovabilidade social. Daí, para que
haja tipicidade, não basta que a conduta concretizada se adeque à descrição
contida na lei criminal. É necessário, ainda, que a conduta seja socialmente
reprovável. A lei será apenas um indício da ocorrência de crime, tendo em vista
que a ela deve ser acrescentado um elemento normativo,[244]
que é a adequação social.
Pareto dizia que a sociedade é cíclica, o que se
torna evidente neste estudo – embora não concordemos com todo seu pessimismo –
conforme já expusemos anteriormente. Com efeito, o que Welzel chamou de
adequação social, hoje é visto como sendo princípio da confiança.
Vejamos os exemplos: imagine-se a punição de Tício, que trafegando dentro do
limite de velocidade de segurança, continua na mesma velocidade em uma via de
trânsito rápido e venha a colidir com algum veículo que desavisadamente adentra
na via sem observar a sinalização de respeito à preferência de Tício. Do mesmo
modo, imagine-se a punição de Ticiana, mulher recatada, que pagou para que
furassem, nos primeiros dias, as orelhas de sua filha. Em nenhum dos dois casos
seria racional pensar na punição, tendo em vista que no primeiro havia o
resguardo da lei e no segundo da adequação social, repercutindo diretamente na
confiança das pessoas. Destarte, a adequação social e a confiança,
embora existam pessoas que falem em diferenças ontológicas ou cognitivas,
verificamos que tendem ao mesmo sentido.
4.3.6.2 Retorno aos elementos e espécies de tipo
Retorno aos elementos e espécies de tipo é um
subtítulo que extrai do fato de o assunto ter iniciado na seção 3.4.4, local em
que tratei de algumas espécies e dos elementos do tipo, estando agora a
complementar o estudo.
Da norma incriminadora emerge o tipo
incriminador, assim como das normas explicativa e permissiva, emergem os tipos
explicativos e tipos permissivos. Como só se pode ver norma
incriminadora, só a tipo incriminador, as outras espécies referidas só servem
para concurso público.
O tipo normal contém apenas elementos objetivos.
Tal espécie, do ponto de vista teórico inexiste, mas os manuais informam que o
art. 121, caput, do CP, encerra tipo normal.[245]
Este é denominado de tipo fechado, sendo que o tipo incriminador, quanto
mais fechado, melhor representa a necessária garantia que o DCrim deve
oferecer.
Diz-se tipo aberto o que contém elemento
normativo ou subjetivo (é o tipo anormal). Neste curso, nega-se a existência de
tipo normal, haja vista que todo tipo, pela sempre necessária apreciação do
dolo, ou da negligência, conforme o caso, será sempre anormal (aberto).
Nega-se neste curso a distinção entre tipo
objetivo e tipo subjetivo, por entender que ela não apresenta o
mínimo de rigor técnico. O tipo objetivo seria a parte do tipo criminal,
referente unicamente aos elementos objetivos, aqueles que não dizem respeito à
vontade do agente, enquanto o tipo subjetivo é aquele ligado à vontade do
sujeito, podendo ela estar implícita, como ocorre com o dolo. Sendo o tipo a
descrição do fato, não se pode pretender agora dizer que ele contém duas
partes, uma objetiva e outra subjetiva, até porque alguns crimes não têm
elemento subjetivo (dolo), mas normativo (negligência em sentido estrito).
Dizer que o tipo objetivo traz os
elementos objetivos para caracterização do crime e que o tipo subjetivo encerra
o elemento subjetivo necessário à tipicidade, constitui estudo desnecessário.
Ademais, a distinção não traz o tipo normativo, sendo, portanto,
incompleta (se fosse para manter a distinção dever-se-ia acrescentar o tipo
normativo, que se referiria à negligência em sentido estrito). Tipo, é a
descrição do fato proibido, que deve constar de uma lei, podendo até ter seu
sentido complementado por outras espécies de norma jurídica. Desse modo, o que
se vem a denominar de tipo objetivo e tipo subjetivo, deve ser
enfrentado no plano da conduta, ou seja, quais são os elementos objetivos,
subjetivos e normativos que demonstrarão a realização da conduta
jurídico-criminal, o que terá reflexo no campo da tipicidade.
Deve-se negar, também, por ser gratuita e sem
qualquer utilidade (além de desvirtuar a técnica), a distinção entre tipo
formal e tipo material. O primeiro seria o próprio dispositivo legal,
enquanto o segundo seria o conteúdo de referido dispositivo. Ocorre que essa
distinção inócua se refere ao próprio conceito de crime (que pode ser formal
ou material). O conceito formal de crime não está em um dispositivo
legal, mas no sistema dinâmico de normas jurídicas, que, nem sempre, está contido
em um único dispositivo legal.
Uma das maiores preocupações que acompanhará todo
desenvolvimento deste curso será com a cientificidade do conhecimento jurídico,
o que permite refutar palavras e classificações vãs, até porque o conhecimento
científico exige linguagem técnica. Destarte, se neste curso o conceito de
crime está a exigir elementos normativos, a palavra tipo tem sentido
restrito, qual seja, o enunciado legal que permite iniciar a investigação sobre
a conduta proibida, estabelecendo o sentido e o alcance de tal dispositivo.
Fala-se, ainda, em tipo básico, que a
composição fundamental do crime (contida normalmente na cabeça do artigo), e tipo
derivado, que é constituído por circunstâncias especiais que envolvem a
prática do delito, tais o privilégio e as qualificadoras que influem na
dosimetria da pena.
A classificação em tipo simples e tipo
composto põe em relevo o núcleo do tipo. Este pode ser simples (apresenta
um único verbo, uma única conduta proibida, v.g., art. 121 do CP) ou composto
(também denominado tipo misto, apresenta mais de um verbo, ou seja,
mais de uma conduta típica, v.g., art. 122 do CP). O núcleo composto
pode ser alternativo, complexo ou cumulativo. Do mesmo
modo, o tipo será composto alternativo se apresentar mais de uma conduta
típica, caracterizando o tipo a prática de qualquer delas (caracteriza o crime
do art. 122 do CP, induzir, instigar ou auxiliar). Tratar-se-á de tipo
composto complexo quando sua caracterização exigir mais de uma conduta, o que
se dará sempre que houver crime complexo em sentido estrito (o crime de roubo
praticado mediante ameaça exige mais de uma conduta para sua caracterização,
quais sejam, subtrair e ameaçar – CP, art. 157, caput). Já o tipo
cumulativo é aquele que o tipo apresenta mais de um núcleo, sendo que a prática
de condutas diversas provocará penas diferentes, segundo a regra do concurso
material (o art. 208 do CP prevê que escarnecer de alguém; impedir ou
perturbar cerimônia; e vilipendiar objeto; constituem crimes, sendo
que a prática de todas as condutas permitirá a imposição de três penas.
O tipo de injusto constituiria o tipo
representado por toda parte objetiva do delito. É indevida a referência a tal
espécie de tipo porque, em ultima ratio, criar-se-ia a necessidade de se
fazer o acoplamento de artigos e, com isso, perder o estudo sistemático do
delito.
A adoção do conceito tripartido de crime
permitiria falar em tipo indiciário, haja vista que a realização do fato
típico constituiria indício de ilicitude. O professor Juarez Tavarez,
adequadamente, critica a denominação. Ele diz que não se trata de indício de
ilicitude, mas de uma etapa metodológica.[246]
À sua crítica, soma-se a seguinte observação: não se trata de tipo, mas de um
fato concretizado, que indica possível ilicitude. Desse modo, trata-se de fato
típico, não de tipo.
Finalmente, distingue-se tipo congruente de
tipo incongruente. O primeiro é aquele que se realiza o tipo objetivo
no mesmo plano do tipo subjetivo, v.g., homicídio, em que a
pessoa extingue a vida desejando matar. De outro modo, o tipo incongruente se
caracteriza pela inexistência de coincidência entre o tipo objetivo e o tipo
subjetivo, v.g., na extorsão mediante sequestro, o agente priva da
liberdade, e às vezes mata, objetivando vantagem patrimonial. Observe-se que o
crime se consuma com a simples privação da liberdade, continuando a ser
classificado como crime contra o patrimônio.
4.3.6.3 Problemas decorrentes da adoção da
adequação social
A teoria social é criticada porque ela gera a
possibilidade de arbítrios, uma vez que o julgador terá ampla margem de opção
entre o que é crime e o que não é, tudo com fundamento em uma adequação
social, que não é precisa. De qualquer modo, a teoria social tem ganhado
espaço na doutrina criminal a cada dia. Aliás, não é demais lembrar que a
imputação objetiva decorre de uma nova visão sistêmica do direito, para a qual
ele não é mais um sistema de normas e sim um sistema que se (re)constrói a
partir da observação dos diversos sistemas da sociedade complexa.
É importante destacar que nem toda conduta
praticada frequentemente no meio social é adequada. Conduta socialmente
adequada é aquela que a sociedade não recrimina. Desse modo, v.g., não é
por ser comum a corrupção de governantes brasileiros, que ela se transforma em
socialmente adequada.
Pedro Afonso-TO é uma cidade pequena. Lá, até
1980, não havia televisão e para chegar na cidade, era preciso necessariamente
atravessar de barco. Assim, os conceitos sociais naquela cidade eram muito
diferentes de Goiânia, então capital do Estado, eis que era uma cidade do
Estado de Goiás. Dessa forma, a mulher traída, necessariamente, tinha que
perdoar, enquanto que o homem traído era praticamente obrigado pela sociedade a
matar (ou a mulher, ou aquele que saiu com ela – melhor seria matar ambos),
pois se não matasse ele estaria fadado a viver com a desonra, não sendo bem
aceito na sociedade. Aliás, não se olvide que a origem do adjetivo corno,
dado ao homem traído, nasceu na idade média, quando aquele que perdoasse a
mulher infiel era obrigado a usar, por certo período, uma guirlanda com senha
de cornos, ou seja, o homem era praticamente obrigado a punir com a morte a
mulher adúltera.[247]
No passado, pessoas que praticavam tais condutas
diziam que não teriam praticado crime porque agiriam em legítima defesa da
honra. Hoje, diante da teoria social, o enfoque seria diferente, dir-se-ia que
não houve sequer fato típico, haja vista que a conduta, naquele local, não
seria socialmente reprovável. Assim, mais importante que a reprovação da lei
criminal, seria a reprovação social.
O que seria socialmente adequado? Aquilo que a
sociedade não recrimina? Por mais estranho que pareça, não podemos concordar
com a resposta positiva à segunda pergunta, tendo em vista que conforme
ensinava Rousseau a vontade do povo pode ser corrompida.[248]
Conversando com um amigo, um Excelente Juiz, o
convenci da imprecisão da teoria social, senão vejamos: um militar da PMSP, o
homem do livro “Rota 66”:[249] em
1985 se elegeu Deputado Estadual em São Paulo; continuou integrando a “bancada
da bala” até 2010, quando não foi reeleito. Mas, em 2012, foi eleito Vereador
da Câmara Municipal de São Paulo, posição que mantém até hoje (10.5.2017).
Da mesma forma, sempre se fez parlamentar um
radialista que defendeu a pena de morte. Pior, um Deputado Federal que foi
Capitão do Exército Brasileiro, se elegeu (e reelegeu) unicamente porque foi
acusado de crime militar. Hoje, o parlamentar é presidenciável declarado.
Todos os fatos mencionados são verdadeiros, sendo
notórios, não dependendo, portanto, de provas. Eles demonstram, pela sua
notoriedade, o quanto os brasileiros se importam com a ordem jurídica e,
principalmente, à censura que o povo dá ao extermínio de humanos que, sem o
devido processo legal, são executados nas ruas, como animais expostos à
ridícula caça de supostos justiceiros.
Em Brasília, há um Procurador da República, que
nos autos de um processo em que pedia a quebra do sigilo bancário de uma
mulher, inseriu o número do CPF (Cadastro de Pessoa Física) de um inimigo dele,
depois alegou a ocorrência de erro material.[250]
O pior é que o povo – composto por Juízes, Procuradores, Promotores de Justiça,
etc. – não consegue perceber que uma conduta sórdida como essa constitui crime,
isso porque a vontade popular encontra-se fatalmente afetada, permitindo a
violação aos direitos individuais fundamentais, como se houvesse licitude na
conduta.
O exposto demonstra que a adequação social é
importante, mas deve ser vista com reservas pelo aplicador do Direito, tendo em
vista que nem tudo que é admitido como sendo lícito pela sociedade é digno de
aplausos por aquele que não vê apaixonadamente as coisas. O conhecimento
científico, conforme exposto, é mais amplo que o empírico, não subsistindo
qualquer motivo para admitirmos como plenamente válida a cultura popular.
Ademais, um Direito funcional decorre da comunicação dos vários (sub)sistemas
da sociedade complexa, não apenas do (sub)sistema social.
4.3.6.5 Tipicidade conglobante
Ainda no campo da tipicidade, não pode deixar de
ser comentada a doutrina de Zaffaroni que cria a teoria da tipicidade
conglobante. Vejamos a seguir as principais diferenças e congruências
existentes entre sua teoria e a imputação objetiva.
Partindo da noção de que não pode constituir fato
típico obedecer a lei, o autor argentino distingue tipicidade penal, tipicidade
legal e tipicidade conglobante. Estas são conceitualmente
diferentes. De acordo com sua teoria, tipicidade penal é gênero, que comporta
duas espécies cumulativas: tipicidade legal e tipicidade conglobante.
A tipicidade legal é aquela traduzida pela
adequação do fato concretizado à lei, enquanto tipicidade conglobante é
a contrariedade ao direito. Dessa forma, se um oficial de justiça, cumprindo
determinação contida em um mandado de busca e apreensão, invade uma casa e
subtrai dali um forno micro-ondas, não haverá tipicidade conglobante porque
ele estará cumprindo a lei. Na verdade, ante tal instituto, ficou esvaziada a
excludente de ilicitude do estrito cumprimento do dever legal (art. 23, inciso
III, do CP), uma vez que todo aquele que cumpre seu dever legal, estará fazendo
exatamente o que lei manda.[251]
Diante da nova teoria, é necessário distinguir
autorização para praticar o ato (excludente de ilicitude), de obrigação legal
de o executar (excludente da tipicidade penal). Assim, se alguém mata em
legítima defesa, não estará obrigado a fazê-lo, portanto, atuará com excludente
de ilicitude. De outro modo, como tipicidade penal (TP) é junção da tipicidade
legal (TL) com a tipicidade conglobante (TC), a ausência de qualquer delas
excluirá, não a ilicitude, mas a própria tipicidade, como é o caso do Oficial de
Justiça que pratica ato com tipicidade legal (art. 155 do CP), ao subtrair um
carro da casa de um devedor inadimplente, mas cumprindo mandado judicial.
Destarte, ratificamos, no caso, faltará tipicidade conglobante. Consequentemente,
não haverá tipicidade penal.
O princípio da adequação social, desde que
foi concebido, se apresenta como um corretivo à tipicidade legal. No entanto,
Zaffaroni diz que esta é uma solução asséptica que desemboca em um formalismo
estéril. Para ele a tipicidade conglobante “não é – como a teoria da adequação
social da conduta” – uma concepção corretiva proveniente da ética social
material, e sim uma concepção normativa”.[252]
Porém, o autor não esclarece duas possibilidades que podem emergir da adequação
social:
Ø a adequação social obriga a pessoa a se conduzir
de determinada maneira, mesmo que se afete a tipicidade legal, que constituirá
hipótese de atipicidade penal, por faltar tipicidade conglobante;
Ø a adequação social autoriza a pessoa a se
conduzir de determinada maneira, mas não a compele a atuar afetando a
tipicidade legal. Nesse caso, haverá tipicidade penal, eis que estará presente
a tipicidade conglobante. Desse modo, eventual inocorrência de crime deverá ser
tratada no campo da ilicitude ou da culpabilidade, em face de alguma excludente.
A posição de Zaffaroni, acerca da tipicidade da
conglobante, ao nosso ver é confusa, não merecendo acolhimento. Com efeito, ele
insere o consentimento do ofendido dentre as causas de excludentes de
tipicidade conglobante, bem como as intervenções cirúrgicas, as práticas
perigosas fomentadas e as lesões desportivas. Ao ampliar as hipóteses de
atipicidade conglobante o autor acaba destruindo a distinção que ele mesmo diz
ser necessária, no sentido de que fazer o que a lei autoriza (excludente
de ilicitude) não pode ser o mesmo sentido de fazer o que a lei manda (atipicidade
conglobante). Desse modo, é melhor nos mantermos fiéis à teoria social (mas com
os cuidados para os quais alertamos) do que falarmos em uma tal tipicidade
conglobante.
A imputação objetiva adota critério semelhante ao
da teoria social, ou seja, sempre que a conduta for socialmente adequada não há
tipicidade, ou seja, não há crime. Essa conclusão, decorre logicamente do
funcionalismo, que tem uma perspectiva de um Direito que é dado pela
comunicação dos diversos (sub)sistesmas da sociedade.
Tanto a teoria da imputação objetiva, quanto a da
tipicidade conglobante, fascinaram alguns “operadores do Direito” porque assim
poder-se-ia deixar de levar aos tribunais certos casos que evidentemente não
constituíam crimes. Na verdade, suposta vantagem parte da equivocada premissa
de que a comprovação do fato típico obriga a instauração do processo, ou seja,
o Ministério Público deve denunciar e o Juiz deve receber a denúncia, sendo que
quaisquer discussões em torno de excludentes de ilicitude e de culpabilidade
devem ser reservadas ao curso do processo. Aqui é oportuna a sábia lição de
Afrânio Silva Jardim:
Aqui nos parece residir o equívoco maior, pois a
divisão da infração penal em elementos ou requisitos tem uma finalidade
meramente metodológica na ciência penal. O crime é um todo indivisível e o
Estado somente poderá, processualmente, ver acolhida a sua pretensão punitiva
se provar que o réu praticou uma conduta típica, ilícita e culpável, vale
dizer, este „todo indivisível‟. Qualquer presunção, neste particular, somente
pode ser reconhecida se estiver determinada na lei, o que não ocorre no direito
dos povos cultos.[253]
O exposto me autoriza dizer inócua a teoria
desenvolvida por Zaffaroni. Mais ainda, por incluir o fazer o que a lei
autoriza, como excludente da tipicidade conglobante, ele tornou sua teoria confusa,
ou melhor, a destruiu.
4.3.6.6 Princípio da insignificância
Merece destaque o princípio da insignificância,
pelo qual, entende-se que o fato concretizado, não se adequa ao tipo por inexistir
lesão ao bem jurídico.[254]
Entender que o princípio da insignificância exclui a ilicitude é incoerente,
pois se o fato concretizado traz uma lesão tão pequena ao objeto jurídico, a
ponto de não ter relevância para o DCrim, não há como falar em tipicidade. No
entanto, fala-se em crime de bagatela, que é aquele em que, em face do
princípio da insignificância, o fato, embora típico, não é ilícito.
Entendemos que o princípio da insignificância
exclui a própria tipicidade, isso porque o DCrim “não deve se preocupar com
bagatelas, do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores que
descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico”.[255]
O princípio da ofensividade, vem a
reforçar a idéia de que só pode ser considerado típico o fato que concretamente
lesiona ou ameaça o bem jurídico tutelado.[256]
Tal princípio, conforme exposto anteriormente, traduz que nullum crimen sine
iniuria, ou seja, só haverá crime se houver ofensa à norma (análise formal
do fato) e ao bem jurídico tutelado (análise material do fato). No mesmo
sentido, Claus Roxin entende que o DCrim é subsidiário,[257]
ou seja, só pode se fazer presente se houver um fato efetivamente grave,
devendo se afastar quando não for possível a solução por meio da aplicação de
regras de outros ramos do Direito. Assim, mesmo não sendo a tipicidade afetada
diretamente pela imputação objetiva, com ela tem relação, visto que sua nova
concepção converge para o funcionalismo, no sentido de que a análise dos fatos
criminais deve ser sistêmica (enfocando os diversos sistemas que integram a
sociedade) e com o exame global de injusto.
O princípio da insignificância, em uma visão mais
tradicional, afeta à tipicidade, haja vista que o “resultado de que depende a
existência do crime” (CP, art. 13), não restará demonstrado. Assim, o fato
realizado não se adequará ao tipo, excluindo a tipicidade. No entanto, não se
pode confundir a insignificância jurídico-criminal com menor potencial
ofensivo.[258]
Juarez Tavares, um dos poucos dentre grandes
criminalistas vivos nacionais, sustentou que a norma não exprime o interesse
geral, cuja simbolização aparece como justificativa do princípio
representativo, passando a significar, muitas vezes, simples manifestação de
interesses partidários, sem qualquer vínculo com a real necessidade da nação.[259]
Sua posição é consentânea com a ideia de que verificamos verdadeira alopoiese
em nosso sistema normativo.
4.3.6.7 Modificação e realização do resultado
Como a lei consagra, em alguns tipos, o
resultado, tornando obrigatória sua ocorrência, só se verificará a consumação
depois da produção do resultado previsto. Consequentemente, a imputação
objetiva não pode ser aplicada em determinadas espécies, pois, às vezes,
incrementar o risco é insuficiente para a caracterização do resultado exigido
por lei. Há uma posição minoritária na doutrina estrangeira, no sentido de que
a simples modificação do resultado é suficiente para que se considere como
realizado o resultado.[260]
A existência de um bem juridicamente tutelado
pressupõe a existência de uma norma. Desse modo, para se imputar determinado
resultado (ou risco) a um agente (ou omitente), é necessário que ele esteja nela
previsto. Para melhor compreensão, analisemos o art. 271 do CP:
Corrupção ou poluição de água potável
Art. 271 Corromper ou poluir água potável, de uso
comum ou particular, tornando-a imprestável para consumo ou nocivo à saúde:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
culposa
Parágrafo único. Se o crime é culposo:
Pena – detenção, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano.
Interessa-nos principalmente o caput,
visto que se inexistisse o parágrafo único, o agente não poderia ser
responsabilizado pela conduta culposa, tendo em vista que prevaleceria o art.
18, parágrafo único, do CP, ou seja, só poderia ser considerada delituosa a
conduta dolosa, uma vez que a conduta culposa só pode ser responsabilizada
criminalmente de forma excepcional. Desse modo, exige expressa previsão legal.
Voltemo-nos ao caput, visto que ele
descreve a conduta típica. Um fato só pode ser imputado ao agente se ele poluir
ou corromper água potável, tornando-a imprestável o consumo, visto que esta
é a previsão legal. Imagine-se que uma pessoa jogue dejetos no Rio Tietê,
dentro da Região do Município de São Paulo. Ali, a água já está poluída, bem
como corrompida. Mais, não se presta ao consumo. Desse modo, a conduta será
atípica. Não obstante, com base na teoria do incremento do risco, poderíamos
dizer que a conduta do agente seria criminosa, visto que teria distanciado mais
ainda a água da sua propriedade ao consumo, ou seja, teria modificado seu estado,
tornando-a mais imprestável.
Ao estudarmos a relação de causalidade,
verificamos que determinados delitos dependem do resultado para se completarem.
Tais delitos são denominados de materiais. O art. 271 do CP pertence a tal
classe, razão pela qual não pode ser considerada a simples modificação do
resultado, uma vez que o núcleo do tipo é corromper.
Ante o princípio da legalidade, a ideia de
incremento do risco se esvazia, tornando-se inconstitucional entender que a
conduta constitui fato penalmente relevante. Com efeito, considerando a posição
de Jakobs chegamos à conclusão de que o responsável pelo fato jurídico-penal é
o detentor do rol de obrigações, não interessando o resultado. Porém, como o
art. 271 do CP exige “corromper”, ou seja, tornar aquilo que é puro em impuro.
Duas correntes filosóficas hodiernas influenciam
a novel concepção do crime, segundo os postulados da imputação objetiva. Uma, a
Jakobs, o percebe de modo avalorativo, levando em consideração unicamente o rol
de obrigações de cada um dos participantes (autor, vítima, terceiro
predispostamente interessado ou ocasional) do cenário considerado delitivo, o
que dá maior relevo à conduta objetivamente considerada. De outro modo, a
concepção de Roxin é mais confusa, eis que prestigia valores, obrigando o
intérprete a verificar a política criminal instalada, a fim de perceber quando
é suficiente a conduta que gera o risco proibido, ou quando este risco, para
produzir efeitos jurídico-penais relevantes depende da produção de determinado
resultado.
Mesmo em Jakobs vamos encontrar fundamentos para
negar a equivalência da modificação do resultado com a produção do
resultado, visto que o fato jurídico-penal é imputado a quem viola seu rol
de obrigações. Inicialmente, o fato jurídico-penal deve ser visto como aquele
descrito na norma penal. Depois, deve-se se deduzir logicamente que se se a
norma exigir a produção do resultado, não basta sua modificação.
Finalmente, a obrigação do rol é negativa – não produzir o resultado previsto,
eis que a sua produção complementará o delito -, sendo que a violação do
dever imposto por lei se caracterizará pela produção do resultado, não
apenas pela sua modificação.
O crime do art. 271 do CP é formal, mas isso não
quer dizer que a sua consumação ocorra pela simples modificação do resultado. É
necessário que a conduta potencialmente seja capaz de tornar a água imprestável
para o consumo.
4.3.7 Últimas considerações acerca do fato típico
Estudada a relação de causalidade e delineada a
análise do resultado, parece coerente procurar compreender a imputação
objetiva ante esses dois elementos do fato típico, mas sem verificar
grandes avanços.
Ao estudo que propomos, a principal inovação
seria a adoção da teoria do incremento do risco, tendente a abandonar o
causalismo e abraçar a tese da “atribuição objetiva do resultado” pela qual “a
atribuição do tipo objetivo consiste na atribuição do resultado de lesão
do bem jurídico ao autor, como obra dele”.[261]
Por essa teoria, nos cursos causais
hipotéticos (desvios nos desdobramentos causais em que o resultado
ocorreria, mesmo quando retirada alguma das condutas), não há isenção da
responsabilidade do autor pelo resultado, pois, na falta do autor real, um
autor substituto teria ocupado seu lugar, verbi gratia, aquele que se
antecipa ao carrasco e mata a tiros um homem que estava no momento da morte em
cadeira elétrica. No entanto, conforme exposto anteriormente, esse problema
seria resolvido se adotássemos o critério da eliminação global, sendo
dispensável a nova teoria para sua solução. Ademais, se o objetivo é uma
atenção à “justiça do caso concreto” – nas palavras do próprio Roxin – a
análise dos fatos deve ser casuística, bastando unicamente abrandar o rigor
metodológico do estudo sistemático do delito.
Mesmo considerada a análise sistemática do
delito, não podemos isolar um elemento do delito de tal maneira a não admitir a
intervenção de uma outra parte naquela em observação. Tal realidade se dá em
outros campos do conhecimento, nos quais verificamos que há relativa
intervenção de determinado elemento em outro. Aliás, sobre a interdependência
dos diversos conhecimentos sectários científicos, já expusemos anteriormente,
sendo despiciendo nos delongarmos nesse momento, bastando apenas ratificamos
que verificada a insuficiência relação de causalidade para a apreciação do caso
concreto, partindo do critério da eliminação global, o estudo deve ser
complementado pela análise do elemento subjetivo do autor, bem como da
ilicitude material.
De outro modo, não se atribui objetivamente o
resultado na hipótese de ausência do risco do resultado, que inclui as
situações em que o autor não cria risco do resultado, ou reduz o risco
preexistente de resultado. Exemplos: a) Tício vendo um que objeto pesado cairia
sobre a cabeça de Caio, desvia o objeto, machucando o ombro de Caio; b) um
bombeiro lança uma criança pela janela lesionando-a gravemente para salvar-lhe
a vida.[262]
No entanto, tais questões já estão superadas pelo estudo do estado de
necessidade.
4.3.7.1 Atribuição objetiva do resultado
Não se pode sustentar que havendo o fato típico
deve a pessoa suportar a ação penal e no curso dela provar a inexistência de
ilicitude. O velho Código de Processo Penal, em seu art. 43, preceituava que o
Juiz deve rejeitar a denúncia, ou a queixa, se não estiverem presentes as
condições da ação (com a reforma de 2008, o mencionado artigo foi revogado, mas
foi inserida semelhante disposição no art. 395 do mesmo código).
Não constituindo o fato crime, pedir condenação
por ele, é formular pedido juridicamente impossível, portanto, com espeque no
inciso I do artigo nupercitado, deve o Juiz rejeitar a denúncia ou a queixa que
versar sobre casos em que é evidente a excludente de ilicitude.
Finalmente, surge a ideia de que o “resultado não
é atribuído se não constitui realização do risco criado pelo autor, embora
relacionado causalmente com este”.[263]
Aqui, voltam as imprecisões verificadas nas teorias causalistas. Ora, se a nova
teoria pretendia extinguir as imprecisões das teorias causalistas, nada
conseguiu, uma vez que nas hipóteses de “substituição de um risco por outro”,
bem nas de “contribuição da vítima para o resultado”, a dúvida permanece.
Vejamos: Tício atira em Caio e este vem a morrer devido a erro médico. Nesse
caso, deve-se analisar o caso concreto para verificar se o resultado é produto
exclusivo do risco posterior (conduta médica), o que desloca o risco anterior.
Em síntese, a solução será casuística, conforme propomos no estudo da relação
de casualidade, pois os casos deverão ser analisados particularizadamente.
4.3.7.2 Política criminal – primeira parte:
crimes complexos e crimes conexos e os princípios da subsidiariedade, da
consunção e da alternatividade
A lei, às vezes, procede à unificação de crimes,
o que constituirá o denominado crime complexo. Tal espécie de delito é aquele cuja
descrição legal contém mais de uma conduta que, por si só, constitui crime.
Assim, a pessoa só será submetida a uma pena, não pela a incidência em 2 ou 3
tipos criminais.
Imagine-se que uma pessoa adulta pratique roubo a
uma criança, mediante grave ameaça de “quebra-la na porrada” (art. 157, caput,
do CP). Ela sofrerá somente a pena prevista para o delito, que será de 4 a 10
anos, eis que seria um contrassenso puni-la por roubo (CP, art. 157, caput),
furto (CP, art. 155) e ameaça (CP, art. 147). Aliás, o princípio ne[non] bis
in idem veda tornar possível a tal cumulação de penas, uma vez que a
descrição do roubo inclui em si os outros delitos. Ademais, o próprio princípio
da especialidade poderia nos conduzir à superação do problema.
O concurso de crimes, ou seja, as hipóteses em
que os crimes são materialmente conexos, mas considerados como a pluralidade
que efetivamente constituem deve ser objeto de estudo na parte relativa à
teoria da pena. A nossa preocupação ficará adstrita, neste momento, às
hipóteses em que, mesmo praticando mais de um crime, o autor tem em seu favor a
imposição de uma única pena, sem qualquer exasperação da pena cominada ao
delito mais grave.
O princípio da subsidiariedade enuncia que
a prática de dois crimes com o mesmo objeto jurídico, sendo o primeiro caminho
necessário para a prática do segundo, provocará a imposição de uma única pena,
a do crime mais grave, v.g., uma pessoa que, com necandi animus,
desferir disparo de arma de fogo em outra matando-a, terá praticado dois crimes
(arts. 121 e 132 do CP). Ambos têm o mesmo objeto jurídico, ou seja, a vida.
Também, não haverá como praticar homicídio sem causar risco à vida, ou seja, o
crime do art. 132 do CP, que é subsidiário. Daí a regra contida expressa do art.
132, no sentido que a pena só será imposta “se o fato não constitui crime mais
grave”.
Entendemos inadequada a expressão transcrita
porque a lei não deve conter palavras vãs. É óbvia a regra da absorção do
delito mais leve pelo mais grave quando este for impossível sem a realização daquele,
mormente quando ambos têm o mesmo objeto jurídico. Desse modo, podemos afirmar
que, estando presentes os requisitos para o reconhecimento do princípio da
subsidiariedade o Juiz deverá aplicar a regra da absorção.
O princípio da consunção se caracteriza
pela tentativa de se imprimir maior humanidade à “justiça do caso concreto”.
Por tal princípio, diante do fato concretizado, o julgador deverá verificar se
o crime-meio, naquele caso, era
necessário à consecução do delito-fim, não interessando se eles terão o
mesmo objeto jurídico.
O princípio da consunção é mais amplo,
visto que não exigirá que os crimes tenham o mesmo objeto jurídico (embora
possam ter), nem que o crime-meio seja essencial para a realização do crime-fim
em quaisquer circunstâncias, bastando que, na hipótese sob análise o crime meio
tenha sido essencial. Só para exemplificar, imagine-se que um homem mate uma
mulher que sabe estar grávida há seis semanas, o que constituirá dois delitos –
homicídio (CP, art. 121) e aborto (CP, art. 125). Não será hipótese de
aplicação do princípio da subsidiariedade, mas o Juiz poderá aplicar o princípio
da consunção. No caso, os dois delitos terão o mesmo objeto jurídico – vida
-, mas o homicídio, em tese, poderá ser alcançado sem o abortamento. No
entanto, na hipótese, o aborto será meio necessário para alcançar o homicídio,
o que autorizará o reconhecimento do princípio
da consunção.
Enquanto o princípio da subsidiariedade provocará
necessariamente a absorção do crime mais brando pelo mais grave, o princípio da
consunção, como decorrerá de política criminal, dependerá exclusivamente da
vontade judicial, pois o Juiz será quem efetivamente estabelecerá, ao menos na
prática, a política criminal, tendo a faculdade para dizer se será, ou não, o
caso de aplicação do princípio da consunção.
A conexão material de crimes poderá ser:
(a) teleológica
– um crime será praticado como meio para se alcançar um crime fim, v.g.,
um homem sequestrar uma mulher para estuprá-la em seguida (CP, arts. 148, § 1º,
inc. V, e 213);
(b) causal
– um crime será praticado apenas porque outro lhe antecederá, ou seja, o primeiro
será causa do segundo, por exemplo, um homem matará uma pessoa porque esta o
verá praticando tráfico de psicotrópico ilícito (CP, art. 121, § 2º, inciso IV
e Lei n. 11.343, de 23.8.2006, art. 33, caput);
(c) ocasional
– a simples circunstância criará o nexo entre os delitos, v.g., um
homem, desejando matar outro desferirá tiro que transfixiará a cabeça da
vítima, matando também uma mulher que está próxima;
(d) legal
– ao estudarmos o crime continuado (art. 71 do CP), verificamos que a adoção da
teoria objetiva impõe o reconhecimento da continuidade delitiva só pelo
preenchimento de requisitos legais, o que me levaa a afirmar que é uma conexã
imposta pela lei para o reconhecimento de uma ficção jurídica, que é o crime continuado.
A conexão ocasional, normalmente, induzirá ao
concurso formal ideal de crimes, mas poderá gerar outra espécie de concurso de
crimes, conforme deverá ser estudado no momento oportuno. Outrossim, a conexão
causal, em regra provocará a imposição de duas penas, considerando-se,
inclusive, o delito consequente da causa, mais grave, visto que, em regra, será
praticado para assegurar impunidade ou vantagem do delito anterior, remontando
a torpeza.
A conexão teleológica, se não constituir hipótese
de aplicação do princípio da subsidiariedade poderá ensejar o princípio da consunção, mas a aplicação
deste princípio decorrerá da política criminal a ser estabelecida pelo Poder
Judiciário, tornando-a variável e insegura.
Poderá ocorrer de um homem pegar uma arma em sua
casa – da qual tem a posse legal – para matar outrem, realizando seu
desiderato. Nesse caso, o porte da arma ofenderá a incolumidade pública (Lei n.
10.826/2003, art. 14) e o homicídio atingirá a vida (CP, art. 121), não sendo
possível falar em aplicação do princípio da subsidiariedade. Não obstante, será
plenamente aceitável a aplicação do princípio da consunção, ficando o delito
menor absorvido pelo maior.
Existe crime cujo núcleo do tipo é composto
alternativo, ou seja, a lei fará a previsão de várias condutas, mas se
contentará com uma delas para configuração do delito, v.g., art. 33, caput,
da Lei n. 11.343/2006 (tráfico ilícito de psicotrópico). Pelo princípio da
alternatividade, se houver concretização de mais de uma conduta descrita no
artigo de núcleo composto alternativo, o agente responderá por um único crime,
o que não importará em absorção de um crime por outro.
4.3.7.3 Política criminal – segunda parte:
tentativa, desistência voluntária, arrependimento eficaz, arrependimento
posterior
O estudo dos problemas filosóficos, sociológicos
e jurídicos do fundamento das sanções criminais é feito por uma ciência
denominada Penalogia. Tal ciência tem em vista a melhor política criminal a ser
adotada, a qual visará a diminuir o ânimo delituoso de eventuais autores de
delitos, estabelecendo regras que terão como efeito a menor gravidade dos fatos
ou a redução das sanções a serem impostas a determinados delitos, o que se dará
com a inserção de benefícios.
O primeiro aspecto de política criminal está
previsto no art. 14, parágrafo único do CP, que prevê uma atenuação da pena
àquele que não conseguiu, mesmo contra a sua vontade, o resultado (crime
tentado). Depois, outro aspecto está no art. 15, primeira parte, do CP (desistência
voluntária), um instituto de política criminal que visa evitar que o agente
continue em sua conduta delituosa e, consequentemente, gere resultado mais
grave. Nesse sentido, dispõe o CP:
Art. 15 - O agente que, voluntariamente, desiste
de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde
pelos atos já praticados.
Tal previsão legal atinge todos os delitos
progressivos, que são aqueles que só poderão ser atingidos depois de serem
praticados delitos anteriores, v.g., o homicídio é delito progressivo
porque para completá-lo é necessário, no mínimo, a concretização de lesão
corporal.
Imagine-se que uma pessoa, com necandi animus,
saque uma arma e dispare um tiro na direção da vítima, errando o alvo, mas
desista voluntariamente de continuar executando o delito. No caso, responderá
por disparo de arma de fogo apenas. Caso o autor tivesse atingido a vítima,
provocando-lhe lesões, responderia por estas.
Crítica aparentemente chula que deve ser feita
concerne ao delito de estupro. A “lei hedionda” (Lei n. 8.072/1990) equiparou o
estupro (CP, art. 213) ao atentado violento ao pudor (CP, art. 214), ou seja,
ambos têm penas que variam de 6 a 10 anos (alterações legislativas posteriores
tornaram o atentado violento ao pudor modalidade de estupro).
O crime de estupro era um delito progressivo, ou
seja, não havia como alcançá-lo sem passar pelo atentado violento ao pudor,
visto que aquele exigia a conjunção carnal (penetração do pênis na vagina, não
constituindo estupro o coito vulvar), enquanto o atentado violento ao pudor se
concretizava com qualquer ato libidinoso diverso de conjunção carnal (v.g.,
coito vulvar). Ora, como era necessário, no mínimo, o coito vulvar para se
alcançar a conjunção carnal, não havia estupro sem atentado violento ao pudor.
A Lei n. 12.015/2009 reuniu os dois crimes em um
único e criou maiores desproporções do que a simples unificação das penas. No
entanto, imagine-se que um homem, após tocar em partes pudendas da vítima,
desista do seu desiderato. Qual será a solução jurídica?
No exemplo dado, ele sofrerá a mesma pena do
estupro, ou seja, de 6 a 10 anos. Assim, o aspecto de política criminal do art.
15, 1ª parte, do CP foi desprezado pela Lei n. 8.072/1990, visto que, ao
equiparar tais delitos, não deixou qualquer incentivo para que o agente desista
de prosseguir em sua conduta delituosa.[264]
A desistência voluntária atingirá o iter
criminis (iniciada a execução não se alcançará a consumação), sendo
possível somente nos delitos plurissubistentes, ou seja, que admitem
tentativa. Desse modo, como no delito unissubsistente é impossível falar
em desistência de uma conduta antes da consumação, não há como admitir tal
instituto de política criminal na referida espécie de delito.
A tentativa foi estudada anteriormente e dela
difere a desistência voluntária, pois se uma pessoa disparar contra uma vítima,
errando o alvo, e outros a impedirem de continuar atirando, responderá por
homicídio tentado (pena: 6 a 20 anos, reduzida de 1/3 a 2/3 – CP, art. 121, caput
c/c art. 14, parágrafo único), enquanto a pessoa que desistir
voluntariamente da sua ação delituosa, só responderá pelos atos já praticados,
ou seja, a pena será a do disparo de arma de fogo (pena: 2 a 4 anos - Lei n.
10.826, de 22.12.2003, art. 15 – absurdamente, a pena mínima poderá ser a mesma
do homicídio tentado).
O arrependimento eficaz está previsto no
art. 15, in fine, do CP. Ele só atinge os delitos de dano (materiais),
visto que ocorre na fase de consumação. Então, é fácil de perceber a diferença
entre desistência voluntária e arrependimento eficaz, visto que aquela atinge a
fase da execução, enquanto o arrependimento eficaz atinge a consumação.
Desistir voluntariamente significa deixa de
prosseguir no iter criminis, ou seja, iniciada a conduta típica, o autor
deixa de prosseguir na ação (ou age) voluntariamente antes de reunir todos os
elementos do tipo. No entanto, cumpre-nos observar que desistência voluntária
não corresponde à desistência espontânea (que é aquela que nasce da própria
pessoa), o que significa dizer que mesmo que outrem insista e faça com que o
autor desista de prosseguir na conduta delituosa (ação ou omissão), haverá
desistência voluntária.
Os delitos formais e de mera conduta admitem
tentativa, mas a consumação dependerá unicamente da adequação do fato ao tipo.
Desse modo, iniciada a prática de atos de consumação, esses delitos se
completarão, independentemente de um resultado naturalístico. Assim,
ratificamos, somente os delitos materiais serão atingidos pelo aspecto de
política criminal relativo ao arrependimento eficaz. Só para ilustrar,
imagine-se que um médico cirurgião se irrite com um colega desferindo golpe
fatal com uma tesoura. No entanto, arrependido, logo em seguida à conduta
delituosa, realiza procedimento cirúrgico necessário à sobrevivência da vítima,
salvando-a. Nesse caso, ele não responderá por homicídio tentado (CP, art. 121
c/c art. 14, inc. II), mas por lesão corporal (CP, art. 129).
Imagine-se, de outro modo, que Mévio, tentando
matar Semprônio, o fira na altura do abdome de modo suficiente para matar, mas
que se for aplicado o tratamento adequado à vítima, certamente, sobreviverá.
Não obstante, devido ao seu estado psicológico, Mévio opte por chamar uma ambulância,
sendo que o motorista da ambulância, no caminho do hospital acaba por
envolver-se em um acidente que resulta na morte de Semprônio, sendo a causa
mortis traumatismo craniano. Nesse caso, o arrependimento não foi eficaz,
portanto, Mévio responderá por homicídio tentado.
Na hipótese apresentada, caso Semprônio tivesse
sobrevivido, Mévio responderia por lesão corporal, eis que seu arrependimento
teria sido eficaz. Não tendo sido eficaz, ele não pode gozar do benefício de
política criminal do art. 15, in fine, do CP. No entanto, Mévio não
responderá pelo resultado morte porque este foi superveniente à ação delituosa
e, embora sua causa seja relativamente independente, ela por si mesma provocou
o resultado, rompendo o nexo causal (art. 13, § 1º do CP).
O arrependimento posterior se dá depois da
execução do delito, mediante a reparação do dano, não sendo cabível nos delitos
praticados mediante grave ameaça ou violência à pessoa. Essa é a posição do do
CP, in verbis:
Arrependimento posterior
Art. 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou
grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento
da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de
um a dois terços.
Quanto ao iter criminis, conforme expus,
existe crime: (a) instantâneo; (b) permanente; (c) continuado; (d) habitual.
Tal classificação não interfere no estudo do arrependimento posterior, que
poderá incidir sobre qualquer das espécies, salvo no que se refere ao crime
instantâneo de efeito permanente, que não admite arrependimento posterior, uma
vez que o resultado jamais poderá ser restabelecido. Na maioria dos casos, o
arrependimento posterior tem cabimento nos delitos contra o patrimônio, mas
somente naqueles praticados sem violência ou grave ameaça.
Para melhor esclarecermos o que foi exposto,
oportuno é o seguinte exemplo: Tício adentrou na casa de Caio, mediante
emprego de chave falsa, para furtar um computador portátil. Imagine-se que:
(a) Tício foi flagrado quando saia da casa da
vítima, sendo preso imediatamente em flagrante, o que constituirá hipótese de
furto qualificado tentado (CP, art. 155, § 4º, inc. III c/c art. 14, inc. II);
(b) Tíco, após entrar na casa, por algum motivo,
desistiu do seu desiderato, concretizando, portanto, a desistência voluntária.
Assim, ele só responderá pelo ato praticado, ou seja, violação de domicílio
(CP, art. 150);
(c) Tício furtou o computador e, arrependido
porque viu o sofrimento de Caio, devolveu-lhe o equipamento. Nesse caso, o
crime se consumou (CP, art. 155, § 4º, inc. III), mas Tício poderá gozar do
benefício do arrependimento posterior, com redução da pena de um a dois terços
(CP, art. 16).
4.3.7.4 Política criminal – terceira parte: crime
impossível
Conforme verificamos, crime é fato típico ilícito
culpável, sendo que para o estudo do crime impossível é mais importante a
análise do fato típico. Este é a conduta humana que se adequa ao tipo,
produzindo um resultado (normativo ou naturalístico) proibido pela lei penal.
Dessa forma, são elementos do fato típico: conduta; resultado; relação de
causalidade; e tipicidade. Seu estudo passou por diversas transformações, na
medida em que evoluímos do causalismo para o finalismo, deste para a doutrina
social e, finalmente, para a imputação objetiva.
Interessa para o estudo do crime impossível a
análise da tipicidade, visto que ele é aquele “crime” que, na verdade, não
existiu, seja por absoluta impropriedade do objeto ou ineficácia do instrumento.
Mas não é somente a tipicidade que nos interessa aqui.
São importantes os conceitos de conduta e de
resultado, visto que eles estão intimamente ligados ao artigo 17 do CP, sendo
que ele preceitua : “Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do
meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o
crime”.
Nos delitos de resultado (materiais), conforme
expusemos, a consumação depende da produção do resultado destacado da conduta.
Como a lei consagra em alguns tipos o resultado, tornando obrigatória sua
ocorrência para a consumação, nesses casos, torna imperiosa a análise do crime
impossível.
Como o CP se refere expressamente à “ineficácia
do meio ou absoluta impropriedade do objeto”, é mister destacar que
não há qualquer inconveniente em se falar em impropriedade do meio e do objeto,
tendo em vista que impropriar significa “aplicar mal”,[265]
sendo que a má aplicação do instrumento, seja devido à técnica, ou por
incapacidade para a produção do resultado, resultará na sua ineficácia.
Outrossim, aplicar um instrumento contra um objeto impróprio também é “aplicar
mal”, razão pela qual não foi feita aqui a distinção entre ineficácia e impropriedade.
A impropriedade, nos termos da lei, deve ser
absoluta, para ser capaz de gerar o crime impossível. Acerca de tal espécie de
delito, ensina João José Leal:
...também denominado de tentativa impossível ou
tentativa inidônea, ou ainda, tentativa de consumação impossível, ou “tentativa
inútil”. É o exemplo de quem, querendo matar uma pessoa, utiliza-se de um
revólver sem munição, ou de um revólver de brinquedo (o meio empregado é
totalmente inadequado para causar a morte de uma pessoa). É também o caso de
quem, querendo apenas furtar, penetra no interior de uma casa e a encontra
completamente vazia, sem nenhum objeto de valor.[266]
Não gera, portanto, crime impossível a
impropriedade relativa do objeto ou do meio. Assim, se uma pessoa tentar
subtrair dinheiro do bolso esquerdo da calça de outra e ali não houver dinheiro
algum, mas este estiver no bolso direito, entende-se que a impropriedade é
relativa. Destarte, deve o agente ser punido por furto tentado.
Embora estando previsto na lei brasileira, o
crime impossível não é admitido em alguns países. No CP Alemão, por exemplo,
consta a possibilidade de se punir a tentativa inidônea.[267]
Cezar Roberto Bitencourt defende a teoria
esposada pelo CP, que é a objetiva, pela qual a tentativa inidônea é
impossível porque jamais se completaria o delito, em face da ausência de seus
elementos.[268]
Não obstante, somos partidários da teoria subjetiva, visto que o que é
decisivo é a intenção do agente. Mais ainda, há outra teoria, a sintomática,
que não deve ser desprezada, tendo em vista que o agente que tem coragem de
tentar um delito impossível tem periculosidade, ou seja, apresenta sintomas
relevantes ao DCrim, merecendo censura.
Na verdade, ficamos em relativo conflito porque
existe a máxima nullun crimen sine iniuria, pela qual não há crime se
não há ofensa ou risco concreto ao objeto jurídico tutelado.[269]
Outrossim, não se pode olvidar da subsidiariedade do DCrim, bem como de seu aspecto
garantista, o que se concretiza pelo princípio da intervenção mínima. Desse
modo, conforme ensina Cezar Roberto Bitencourt, a teoria objetiva está em
melhor consonância com a nova defesa social.[270]
Porém, conforme ensina Welzel, o DCrim deve estar fundamentado em estruturas ontológico-objetivas,
que só pode ser concretizado se apreciados os elementos subjetivos do autor.[271]
Por oportuno, recorde-se que o próprio código
penal, em vários momentos, considera crime a simples ameaça aos objetos
jurídicos tutelados. No crime impossível, poderia se dizer, não houve perigo
(ameaça) ao objeto jurídico, portanto, a pena seria aplicada segundo os sintomas
de periculosidade do autor. Porém, não se trata de se resgatar um DCrim de
autor (baseado unicamente na periculosidade do agente), mas na própria censura
do fato, verbi gratia, quem aperta o gatilho de arma desmuniciada
tentando matar pratica fato censurável e sua conduta é potencialmente perigosa.
Ademais, as novas tendências do DCrim migram para
a imputação objetiva do resultado e esta se dá segundo os elementos subjetivos
do autor. Desse modo, continua sendo mais importante a intenção do agente, que
o resultado propriamente dito. Com efeito, uma tentativa de homicídio, em que o
agente tenha errado todos os disparos, descarregando sua arma, sem atingir a
vítima, restando ela, portanto, ilesa, deve ser visto como mais grave que a
lesão negligente que causa deficiência física ou mental permanente. Nesse
sentido, nosso Código Penal, admite o perdão judicial no homicídio e na lesão
corporal negligentes (arts. 121, § 5º e 129, § 8º). Porém, mesmo que não haja
qualquer lesão, o homicídio tentado deve ser apenado, não sendo possível o
perdão judicial.
Finalmente, cumpre lembrar que tanto pela
ineficácia do meio, quanto pela impropriedade do objeto, a não obtenção do
resultado, no crime impossível, só não se dá por circunstância alheia à vontade
do agente. Desse modo, se suprimido o art. 17 do CP, subsistirá a tentativa
prevista no art. 14, inc. II, do mesmo diploma legal, com as penas do parágrafo
único de tal artigo.
4.3.7.5 Delitos: doloso, negligente,
preterintencional e qualificado pelo resultado
Aqui, a preocupação é apenas a de complementar o
que já se expôs, adequando um pouco a estrutura do livro aos dispositivos do
Código Penal. Assim, como comentamos o crime impossível (CP, art. 17), cabível
é tratarmos do dolo e da negligência, disciplinados nos arts.18 e 19 do CP.
Uma pessoa praticar uma conduta típica desejando
um resultado proíbido, mas, vindo a atingir negligentemente resultado mais
grave que o desejado, caracterizará o crime preterdoloso. Preterdolo é
a ofensa negligente a objeto jurídico mais grave que aquele que o agente deseja
atingir. Assim, no crime preterdoloso há “dolo no antecedente e negligência no
consequente”, o que faz com que o resultado proíbido seja menos censurável que
aquele produzido dolosamente.
Nesse sentido, o CPP prevê a responsabilidade
criminal daquele que provoca o resultado além da previsão (dodo) inicial,
expondo: “Art. 19 - Pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde
o agente que o houver causado ao menos culposamente”.
Ultimamente, são vários os defeitos legislativos,
principalmente os decorrentes dos casuísmos do Estado. Em 1990 foi publicada a
Lei n. 9.069, a qual instituiu a pena mínima de 15 anos de reclusão para o
crime de tortura seguida de morte praticado contra criança ou adolescente (o
preceito não podia ser aplicado, pois a lei não definia o que era tortura, mas
é inegável que foi tentada a criação do referido crime).[272]
Essa previsão era absurda, tendo em vista que a pena mínima do crime de
homicídio mediante tortura continuava sendo a do art. 121, § 2o, inciso III, do
CP (12 anos), a qual seria agravada, se a vítima fosse maior de quatorze anos,
diante da circunstância genérica constante do art. 61, inciso II, letra h,
do CP. Caso a vítima fosse menor de quatorze anos, incidiria a causa de aumento
do § 4º, in fine, do art. 121, ou seja um terço, transformando a pena
mínima em 16 anos.
Ressalte-se que ao homicídio contra adolescente,
praticado mediante o emprego de tortura, não incide a agravante genérica
decorrente de ter sido o crime praticado mediante tortura (art. 61, inciso II,
letra “d”, do CP), em face do princípio ne[non] bis in idem.
A Lei n. 9.455/1997 corrigiu a distorção de
outrora, tendo em vista que passou a descrever o crime de tortura seguida de
morte (crime preterdoloso), cominando pena que varia de 8 a 16 anos de
reclusão, pena esta que será aumentada, de 1/6 a 1/3, se a vítima for criança
ou adolescente. Assim, a Lei n. 8.069/1990 foi derrogada (revogada
parcialmente) pela nova lei, visto que alguns preceitos foram atingidos, sendo
que a revogação do art. 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente se deu
expressamente (Lei nº 9.455/1997, art. 4º). Por outro lado, para o crime de
homicídio, qualificado pelo emprego de tortura, foi mantido o preceito do art.
121 do CP.
No caso de concorrência de negligências, os
delitos não se compensam, ou seja, se Tício provoca lesões negligentes em Caio
e vice-versa, em tese, não é possível a compensação. No entanto, como lesões
corporais negligentes constituem delitos de menor potencial ofensivo, é
possível a composição civil dos danos, gerando a extinção da punibilidade penal
(Lei n. 9.099/1995, arts. 72-74). Mas, se tais delitos não fossem da classe dos
denominados crimes de menor potencial ofensivo, ambos responderiam pelas lesões
causadas no outro.
A autolesão não é crime. Assim, uma pessoa não
pode ser acusada de crime lesão corporal ou homicídio praticado contra si
mesma. No entanto, se a pessoa fere outra negligentemente, aquela pode exigir
do Estado-Juiz a imposição de pena, sendo que, se as lesões forem recíprocas
ambas poderão invocar o ius puniendi estatal.
No Direito Civil, as culpas se compensam. Assim,
se Tício provoca danos a Caio e este provoca danos àquele, podem fazer a
composição sobre os danos. No entanto, em matéria criminal, salvo nos
denominados delitos de menor potencial ofensivo, a hipótese não é admitida.
A punição pela negligência é excepcional (CP,
art. 18, parágrafo único). Desse modo, como não é a regra, toda vez que a
negligência tiver relevância penal, deverá constar expressamente da norma, v.g.,
art. 121, § 3º do CP. Não havendo referência expressa na lei penal, a
negligência não terá relevância para o DCrim, não sendo, portanto, punível.
Há uma máxima que enuncia que não há crime sem
culpa (nullum crimen sine culpa), mas isso como o mínimo possível, ou
seja, em matéria criminal não se admite responsabilidade objetiva, sem a
demonstração de uma conduta, no mínimo, negligente. Nesse sentido, o art. 19 do
CP prevê que a responsabilidade pelo resultado só será possível nos casos em
que ele for causado, no mínimo, negligentemente.
Observe-se que o art. 19 do CP nos faz observar
duas possibilidades:
Ø resultado mais grave foi produzido
negligentemente, ou seja, o delito é preterdoloso (ou preterintencional);
Ø resultado mais grave foi produzido
negligentemente ou dolosamente, não interessando saber se ele foi produzido a
título de dolo ou de negligência, a fim de definir que crime se concretizou.
Nesse caso, haverá crime qualificado pelo resultado. O item n. 18 da
Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do CP expressa: que “Eliminaram-se os resíduos de responsabilidade
objetiva, principalmente os denominados crimes qualificados pelo resultado”,
mas sem eliminar a existência de tais delitos qualificados pelo resultado.
O crime
qualificado pelo resultado difere do preterdoloso porque naquele o
resultado mais grave pode advir a título de dolo ou de negligência, enquanto
neste último o resultado mais grave deve advir necessariamente de negligência,
senão ocorrerá modificação do delito concretizado, v.g., se uma pessoa
desejando provocar lesões leves na vítima negligentemente provoca-lhe lesões
graves, responderá pelo crime do art. 129, § 1º do CP. Também, responderá pelo
referido crime pessoa que dolosamente provocar lesões graves na vítima, ou
seja, trata-se de crime qualificado pelo resultado, eis que não interessa se o
resultado mais grave decorre de dolo ou de negligência. Porém, se uma pessoa
tentando lesionar outra a agride, mas negligentemente vem a matá-la, cometerá o
delito do art. 129, § 4º do CP, enquanto que aquele que ofende a vítima com a
intenção de matar, responderá por homicídio, o que quer dizer que a lesão
corporal seguida de morte é preterdolosa.
Doutrinariamente,
o delito qualificado pelo resultado é aquele em que o resultado mais grave pode
ser alcançado a título de dolo, de negligência, ou de simples relação de
causalidade. Imagine-se, por
exemplo, que um condutor de veículo está passando em seu carro em frente a um
banco que está sendo roubado e que se assuste, vindo a perder a direção e
atropelar alguém na calçada do outro lado da rua, provocando-lhe a morte.
Considerando apenas a relação de causalidade, o ladrão deu causa à morte,
devendo responder por latrocínio (CP, art. 157, § 3º, in fine). Não obstante,
como é necessário, no mínimo, a demonstração da negligência, o resultado morte
não pode ser imputado ao ladrão, eis que o evento morte da hipótese não chega
sequer a penetrar no campo da previsibilidade objetiva do suposto homem médio.
4.3.7.6 Erro de tipo
O erro de tipo está previsto no art. 20 do CP.
Aliás, tal artigo encerra um dos assuntos mais complicados do Código Penal,
razão pela qual não será estudado por completo aqui. O erro sobre descriminante
putativa, previsto no art. 20, § 1º do CP, é matéria afeta à culpabilidade, ao
erro de proibição, portanto, será estudado no momento oportuno, quando já
estiverem expostas as explicações preliminares essenciais.
Acerca do erro de tipo, o CP dispõe: “Art. 20 - O
erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas
permite a punição por crime culposo, se previsto em lei”.
Adequada é a crítica de Mirabete ao caput do
art. 20 do CP, visto que dizer “o erro sobre elemento constitutivo do
tipo legal...”, encerra duas palavras vãs, pois todo elemento do tipo o constitui.
Também, em face do princípio da reserva legal, todo tipo estará em lei em
sentido estrito, portanto, legal.[273]
Caso o erro recaia sobre qualquer elemento do
tipo, haverá erro de tipo. Desse modo, imagine-se que um caçador, atire em um
animal, pensando não ser um humano, mas o é. Nesse caso, não haverá o dolo (necandi
animus), visto que o tipo do art. 121 do CP, encerra “matar alguém”, sendo
que esse “alguém” é pessoa humana. Ora, se não houve o desejo de matar uma
pessoa, não houve dolo, ou seja, houve um erro essencial sobre o tipo.
O erro decorre da apreensão equivocada de algo.
Assim, se o autor se equivoca e dá veneno para seu filho, pensando ser
medicamento, terá agido erroneamente, sendo seu erro essencial, pois se ele
conhecesse efetivamente o produto não o ministraria ao filho. Também incorre em
erro de tipo quem pega mala alheia pensando ser a própria. Como o art. 155 do
CP exige que a coisa seja “alheia”, também haverá erro essencial sobre o tipo, não
ocorrendo o crime de furto.
O erro de tipo exclui o dolo, mas permite a
punição a título de negligência. Com efeito, imagine-se que um caçador atire
para matar um animal feroz, mas o alvo visado é, na verdade, uma pessoa. Nesse
caso, deve-se verificar se houve negligência e se o delito admite a
responsabilização pelo resultado negligente, sendo que a resposta positiva a
tais indagações fará incidir a pena. De outro modo, imagine-se que
negligentemente uma pessoa pegue mala alheia pensando ser a própria. No caso,
não subsistirá qualquer responsabilidade penal porque o delito de furto só
existe na forma dolosa.
A palavra putativo, decorre de putare (latim), significa suposição,
uma pessoa supõe determinada situação certa, mas está equivocada.
Consequentemente, fala-se em erro de tipo putativo, que se caracteriza
pelo fato da pessoa pensar que estar praticando um crime, mas não está. Ora, o
denominado erro de tipo putativo nada mais é que crime impossível. Exemplo
típico de erro de tipo putativo é o consumo de medicamentos abortivos por parte
de uma mulher que pensa estar grávida, mas que não está. Se ela estivesse
grávida o crime existiria, mas, não estando, não terá praticado crime.
Um dos móveis do presente livro é o de tentar
divulgar um DCrim sob os diversos enfoques doutrinários, sem criarmos
deturpações, como as que se constata em alguns manuais pátrios. Para
explicarmos a matéria, melhor é iniciarmos pelo erro terminológico vastamente
utilizado, inclusive nas provas para a Magistratura, que é a distinção que
Damásio faz sobre erro de tipo essencial e erro de tipo acidental.[274]
Não podemos distinguir tipo essencial de tipo
acidental, visto que tal distinção é ilógica. Mas, a adoção da postura de
Damásio nos leva a admitirmos erro de tipo essencial e erro de tipo
acidental, que significa dizer, há tipo essencial e, também, tipo
acidental, o que é incorreto, visto que o tipo penal que contém vício em
sua formação será nulo, ou, no mínimo, ineficaz.
O erro essencial sobre elemento do tipo é
quem retira o dolo, enquanto que o erro acidental sobre tais elementos
não exclui o dolo. Tais erros estão no agente e não no tipo. O tipo, não é
demais ratificar, será sempre essencial, pois se não for concretizado um dos
elementos do tipo, não haverá tipicidade na conduta. Dessa forma, não haverá
como falar em tipo acidental.
Para falarmos em tipo errado, deveremos admitir
que a própria lei contém erro (acidental ou essencial), pois o tipo está na
lei. Porém, essa é uma construção absurda, o que autoriza refutar a dicotomia erro
de tipo acidental-erro de tipo essencial.
A crítica que ora é apresentada visa evitar
incorreções pela ausência de um rigor teminológico. Com efeito, não se pode
olvidar que Direito é ciência e sua terminologia exige emprego adequado, a fim
de se evitar confusões.
O erro acidental ocorre: a) sobre o
objeto; b) sobre a pessoa; c) na execução.[275]
Nesse sentido, ensinava o saudoso Mirabete:
Distingue-se o erro essencial do erro acidental.
O erro essencial é o que recai sobre o elemento do tipo, ou seja, sobre fato
constitutivo do crime, e sem o qual o crime não existiria. Assim, o agente não
atiraria, no exemplo do caçador, se soubesse que se tratava de um fazendeiro e
não do animal que pretendia abater. O erro acidental recai sobre circunstâncias
acessórias da pessoa ou da coisa estranhas ao tipo, que não se constituem
elementos do tipo.[276]
A imputação objetiva nada acresce nesse aspecto,
tendo em vista que o fundamento da exclusão da responsabilidade penal, em casos
de erro, está no fato de não haver domínio subjetivo do autor sobre o fato,
sendo que o erro essencial retira tal domínio. Porém, no caso de erro acidental,
o elemento volitivo do agente é manifesto, devendo o agente ser atingido pela
atribuição objetiva do resultado, uma vez que tinha o domínio – pelo menos o
subjetivo – do fato, devendo ser responsabilizado por seus atos, segundo a sua
vontade.
4.3.7.7 Erro determinado por terceiro
Imagine-se que terceira pessoa crie uma situação
tal que o autor do fato aparentemente típico seja mero instrumento do delito.
Nesse caso, que deve responder pelo crime é o terceiro que determinou o erro
(CP, art. 20, § 2º: § 2º: “Responde pelo crime o terceiro que determina o
erro”).
O autor imediato da conduta, em muitas situações
age movido por erro essencial, o que exclui o dolo, mas pode subsistir a
responsabilidade criminal, em face da negligência (CP, art. 20, caput).
Só para ilustrar, pensemos em Tício, Caio e Semprônio – em local em que a caça
é permitida – indo para uma caçada e que, em seu íntimo, Tício está desejando a
morte de Caio. Então à noite, Caio diga a Tício que vai a determinado lugar
para tentar matar algum animal, o que faz com que ele articule um plano para
que Semprônio vá a local próximo daquele que será ocupado por Caio e, pensando
ser este uma caça, o mate. Caso o delito se concretize, quem deve responder
pela morte de Caio, a título de dolo, é Tício, podendo subsistir a
responsabilidade criminal de Semprônio somente se ele tiver atuado negligentemente
(art. 121, § 3º do CP).
4.3.7.8 Erro sobre a pessoa
O erro do art. 20, § 3º do CP é o acidental.
Prever o referido preceito que o erro sobre a pessoa não isenta de pena,
devendo o autor responder como se tivesse atingido a pessoa desejada, in
verbis:
Erro sobre a pessoa
§ 3º - O erro quanto à pessoa contra a qual o
crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as
condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente
queria praticar o crime.
Observe-se o exemplo: o agente desejando matar
Mévio dispara contra Semprônio, pensando ser aquele. Caso seja Mévio ascendente
do autor, este terá a pena do homicídio agravada (CP, art. 61, inc. II, alínea
“e”), não interessando que tenha sido pessoa estranha a atingida, visto que o
autor só disparou contra ela porque pensava que se tratava de outra pessoa e
não dela mesma, ou seja, o erro recaiu sobre o objeto material do delito.
O erro sobre a pessoa, ao que parece, não
apresentar maiores inconvenientes, mas imagine-se que uma pessoa, desejando
matar um animal selvagem (Lei n. 9.605/1998, art. 29), dispare contra um ser
humano. No caso, voltamos a dizer houve erro de tipo, visto que a intenção do
agente não era a de matar “alguém” (pessoa humana), elemento do tipo do art.
121 do CP. No caso, deve o agente responder por homicídio negligente (CP, art.
121, § 3º), caso a negligência esteja presente. Não se verificando a
negligência, a conduta será impunível? A resposta é negativa. Aplica-se a pena
da Lei n. 9.605/1998, ex vi do art. 20, § 3º do CP.
Não há correspondência entre o objeto material e
o objeto jurídico do delito, nem entre o objeto material e o sujeito passivo. O
objeto material é aquele sobre o qual recai a conduta delituosa, sendo que o
objeto jurídico pode ser diverso, v.g., destruir bovinos destinados ao
abate constitui crime contra o patrimônio, enquanto matar felinos no campo
constitui crime contra a fauna, ou seja, embora, em ambos os casos os objetos
materiais sejam animais (bovinos e felinos), são diversos os objetos jurídicos
(patrimônio e fauna). Finalmente, o sujeito passivo é o proprietário dos
bovinos no primeiro caso e toda coletividade, no segundo, visto que o meio
ambiente é direito difuso (CF, art. 225, caput).
Embora a coletividade não seja um ente jurídico
personalizado, havendo a proteção legal de seus direitos, deve o Estado
protegê-la, sendo que o fato de não ter o agente atingido seu desiderato, no
exemplo dado (tentou matar animal selvagem, mas matou, mediante pontaria
certeira, pessoa humana), é erro acidental que não desnaturará o delito.
A primeira solução, no caso de ter havido
negligência suficiente para gerar a morte da pessoa humana, foi ofertada porque
o bem jurídico tutelado no homicídio é maior (vida), não podendo ser imposta a
responsabilidade por delito mais brando, pois senão se valorizará mais objetos
jurídicos menos graves que aqueles que efetivamente afetam a sociedade e o
homem. De outro modo, adotando fundamentos no sentido de que o Direito é
avalorativo, sendo o delito a violação de determinada obrigação constante do
rol que cada um detém na sociedade e se a lei sanciona de forma mais grave a
negligência que afeta a vida humana (CP, art. 121, § 3º) do que o dolo que
atinge a fauna (Lei n. 9.605/1998, art. 29), é razoável admitir que deve ser
aplicada a pena mais grave, visto que ela tem maior relevância
jurídico-criminal.
Finalmente, imagine-se que Mévio, desejando matar
Tício, atire contra um animal selvagem, pensando ser seu desafeto. No caso, há
crime impossível por absoluta impropriedade do objeto. Aqui seria inadmissível falar
em erro sobre a pessoa, ex vi do art. 17 do CP, mormente diante da
desproporção entre os delitos (visado e concretizado). Então, como o delito do
art. 29 da Lei n. 9.605/1998 não admite a forma negligente a solução adequada
seria a impunidade. No entanto, melhor seria responsabilizar Mévio por
homicídio tentado, visto que a tentativa inidônea (crime impossível) deveria
ser punida em nosso meio.
Na hipótese apresentada, o erro foi meramente
acidental, mas não se pode pretender punir por homicídio consumado o fato que
não resulta na morte de pessoa humana, eis que não haverá tipicidade. Também,
não se pode afirmar que houve delito contra a fauna doloso, visto que se o
agente soubesse que o animal selvagem não era efetivamente a pessoa desejada,
não o teria matado.
O erro sobre a pessoa não se confunde com a aberratio
ictus, nem com a aberratio delicti que são espécies de erro que
estão afetas à teoria da pena. Com efeito, no erro de pessoa, o autor visa
atingir uma pessoa e consegue realizar seu desiderato, mas acreditando
tratar-se de outra pessoa, enquanto que nas outras espécies de erro (aberratio
icitus e aberratio delicti), o autor não consegue realizar seu
desiderato, eis que não consegue atingir a pessoa visada ou, atingindo-a, por
erro atinge, também, terceira pessoa – ou alguma coisa – próxima da objetivada.
4.4 ILICITUDE
4.4.1 Denominação (antijuridicidade, ilicitude ou
injusto?) e relação com o fato típico
Faremos a distinção entre antijuridicidade,
ilicitude e injusto ao longo desta seção, mas é necessário avisar que, às
vezes, em respeito à tradição, e unicamente em respeito a ela, mencionaremos a
palavra antijuridicidade como sinônima de ilicitude.
O conceito de ilicitude nasceu com a
palavra antijuridicidade, sendo que não se trata de conceito que nasceu
concomitantemente com o de tipicidade. Até o século VIII, as legislações
criminais não se preocuparam em distinguir a ilicitude da culpabilidade, e quando
tratavam das causas de justificação, em regra, as inseriam pontualmente,
referindo-se à legítima defesa e ao estado de necessidade, mas atreladas ao
homicídio e não como justificativas genéricas, extensíveis a todos os delitos.[277]
Diz-se que a diferenciação entre as causas de
justificação e as causas de exculpação no direito anglo-saxão é conhecida desde
o tratado de Bacon. Mas, conforme ensina Hassemer:
Ainda que se reconheça este precedente histórico
do direito anglo-americano, o problema é que essa diferenciação, como, aliás,
seus próprios juristas reconhecem, jamais teve qualquer aplicação prática, pois
o que sempre valeu e continua valendo é o juízo final de culpabilidade que, no
fundo, absorve o juízo de antijuridicidade.[278]
O finalismo entendeu que “o tipo constitui
indício de antijuridicidade, confirmado definitivamente com qualquer causa de
justificação”.[279] Diversamente,
o funcionalismo entende como necessária a vinculação entre infração e pena. Por
isso, “entende correto vincular as causas legais de justificação ao tipo e
tratar as demais como causas simplesmente excludentes”.[280]
Quatro teorias procuram responder à relação
existente fato típico e a ilicitude, a saber:
(a) teoria da absoluta independência
ou da autonomia: a tipicidade não gera qualquer juízo de valor no
campo da ilicitude. O fato pode ser típico e não ser ilícito;
(b) teoria da indiciariedade,
também denominada de "ratio cognoscendi": a tipicidade
gera suspeitas, indícios, presunção de ilicitude. Se o fato é típico
presume-se, relativamente, a ilicitude.
c) teoria dos elementos negativos do tipo:
parte do pressuposto que todo e qualquer tipo penal é composto de elementos
positivos e de elementos negativos. Os positivos são elementos explícitos e
devem ocorrer para que o fato seja típico. E os negativos são elementos
implícitos, não devem ocorrer para que o fato seja típico.
d) teoria da absoluta dependência,
também conhecida como "ratio essendi": a ilicitude é a
essência da tipicidade, ou seja, sem ilicitude, não há fato típico. É desta
corrente que deriva o tipo total do injusto, o que significa dizer que o fato
típico só permanece típico se também ilícito.[281]
Devo dizer que a imputação objetiva tende ao que
consta da alínea “d”. Porém, não é razoável avançar sem dizer que a teoria dos
elementos negativos do tipo deu sustentação a grande parte da doutrina
finalista e tende à mesma ideia de um conceito global de injusto. É a partir da
teoria dos elementos negativos do tipo que Welzel tratou do erro de tipo
putativo, isso no tocante às discriminantes putativas.
Os autores falam normalmente em antijuridicidade.
Mas, o que seria antijuridicidade? A resposta é simples, decorre da própria
formação da palavra, que é contrariedade ao direito. Assim, para quem defende
tal posição, a existência de crime exige que o fato, além de típico, seja
antijurídico. Porém, a denominação não é a mais feliz, visto que todo fato
típico por ter relevância jurídico-criminal é jurídico.
O fato jurídico (aquele que ocupa o mundo
jurídico) pode ser lícito (conforme a norma do Direito) ou ilícito (contrário
ao Direito), mas ambos serão fatos que terão importância para o Direito,
pertencendo, portanto, ao seu mundo. Daí a preferência pela denominação
ilicitude, eis que sendo lícito ou ilícito o fato será jurídico.
Poderíamos até pensar que a denominação
antijuridicidade é parcialmente acertada, se a víssemos como a expressão de um
fato que mesmo estando no mundo do Direito se repele contra ele. No entanto,
nem assim a denominação encontraria amparo, tendo em vista que, em face do
princípio da legalidade, o fato típico exige a tipicidade e esta se caracteriza
pelo enquadramento da conduta à norma criminal, ou seja, não é uma reação à
norma, mas uma adequação a ela.
O delito é uma das fontes da obrigação, seja ela
civil, criminal, administrativa etc. Assim, ele existe para o Direito, visto
que produz efeitos jurídicos. Corolário é não se poder considerá-lo como sendo
antijurídico – contra o direito e em oposição a ele -, visto que se o fosse
qualquer efeito jurídico produziria, uma vez que seria alheio ao Direito.
Por influência de Francisco de Assis Toleto a
atual PG/CP não menciona a palavra antijuridicidade, preferindo ilicitude
(vide a rubrica do art. 23 do CP). Conforme ensina o mestre nupercitado não se
trata de mera questão terminológica. Para ele é “uma questão de fundo que,
assim resolvida, permitirá situar o delito, como ato ilícito, no local que verdadeiramente
lhe cabe, em uma visão sistemática do Direito”,[282]
ou seja, dentro dele.
Faz-se, ainda, a distinção entre ilicitude e
injusto, dizendo-se que este reflete a ilicitude material, que
será estudada logo a seguir.[283]
Com todo respeito a Álvaro Mayrink da Costa, talvez o autor que mais nos
inspirou nessa pretensão de conhecer o DCrim, ousamos dizer que o injusto é
a parte objetiva do crime. Conforme veremos a seguir, resgatar a ilicitude
material importa em admitir, como corolário, o conceito analítico
bipartido do delito, sendo essa a tendência moderna. Não obstante, cremos
ser possível ver a parte objetiva dividida em duas – fato típico e ilicitude -,
que, reunidas, constituirão o injusto. De qualquer forma, mesmo mantendo a
divisão do injusto em duas partes, ambas serão relativas ao fato, enquanto a culpabilidade
é mantida como o elemento subjetivo que vincula o autor ao fato,
constituindo, portanto, a parte subjetiva do crime.
Devido à importância, não é demais ratificar que
o injusto é, portanto, a parte objetiva do delito, embora dividida em
duas partes (fato típico e ilicitude). Mas, não é o dolo (o querer ou o assumir
o resultado proibido pelo DCrim) o tipo subjetivo? Para muitos, aliás, para
praticamente todos, a resposta é positiva. Porém, atualmente, praticamente
todos os doutrinadores concluem que o dolo é a simples vontade de realizar a
conduta típica (elemento volitivo), não interessando a consciência da
ilicitude. Consequentemente, para tal teoria, o louco, a criança, o
completamente embriagado e qualquer outro que não entenda o caráter ilícito do
fato tem dolo, o que permite a dizer que o do dolo é subjetivo apenas porque o
sujeito ativo deseja ou assume o resultado, mesmo que o autor não
tenha domínio sobre a própria vontade.
Dizer que o doente mental tem vontade, mesmo
aquele completamente incapaz de entender o caráter ilícito do fato corresponde a
afirmar que a vontade está dissociada do domínio mental sobre ela. No entanto,
mesmo que se entenda assim, mister é reconhecer que é importante valorizar a
capacidade potencial individualizada sobre a vontade. O simples desejar a morte
de outra pessoa com atuação positiva ou negativa nesse sentido não pode
constituir fato jurídico-criminal. Tal fato pertence ao Direito Administrativo,
não ao DCrim, conforme veremos no item relativo à imputabilidade, que será
desenvolvido adiante.
A vontade, despida do domínio potencial sobre
ela, constitui elemento subjetivo do injusto, o que esvazia praticamente tudo o
que se tem dito até o presente momento, seja pelos adeptos da tradicional
teoria bipartida, ou pelos favoráveis ao estudo analítico tripartido. Em tal
contexto, cumpre-nos transcrever a lição de Álvaro Mayrink: “A antijuridicidade
se constitui em um juízo sobre o ato e não sobre o autor, pois a pessoa deste
não será incluída no juízo de desvalor”.[284]
A ilicitude é um juízo sobre o fato, ficando a reprovação que deve recair sobre
o autor do fato dedicada à culpabilidade.
Então, contrariando a tudo que se tem exposto,
fácil é perceber as confusões até agora mantidas unicamente pela tradição, a
saber:
(a) diz-se que o injusto é objetivo, mas se
admite a existência de um tipo subjetivo. Desse modo, evidentemente, ele contém
elemento subjetivo;
(b) elemento subjetivo do autor, analisado na
fase do injusto é existente – salvo nos delitos negligentes próprios, visto que
a negligência própria é analisada segundo uma previsibilidade objetiva, ou
seja, é normativa -, mas indicará unicamente a reprovabilidade do fato, a não
do seu autor;
(c) dizer que pretender praticar a conduta
negligente própria evidencia um domínio do sujeito ativo sobre sua vontade, ou
seja, ele atua contrariamente ao seu dever de cuidado importa em dar sentido
muito elástico ao elemento subjetivo. A negligência própria não é subjetiva,
mas normativa, ou seja, ocorre sem o domínio da vontade do autor;
(d) é coerente a proposição no sentido de que a
ilicitude é juízo de desvalor que deve recair unicamente sobre o fato, deixando
de lado o juízo de desvalor sobre o autor, que deverá ocorrer na culpabilidade.
De todo o exposto, todo fato típico é jurídico,
eis que pertence ao plano de existência jurídica, sendo incoerente, portanto,
falar em antijuridicidade, como sinônimo da ilicitude. Esta é um juízo de
desvalor que recai sobre o fato típico, sendo que a junção de tais elementos –
fato típico e ilicitude – denomina-se o injusto, que é o fato objetivamente
reprovável. Ele pode conter unicamente elementos objetivos (injusto negligente
próprio) ou elementos subjetivos (injusto negligente impróprio e injusto
doloso). Porém, todo injusto é tido como sendo objetivo apenas porque a censura
que se faz tem relação com o fato, não com o seu autor.
4.4.2 Ilicitude objetiva e ilicitude subjetiva
A ilicitude – antijuridicidade,
para quem prefere – objetiva constitui o juízo de reprovação do fato,
enquanto que o juízo de desaprovação sobre o autor do fato é objeto de análise
da culpabilidade. De outro modo, a teoria subjetiva entende que
os aspectos imperativos e valorativos do delito são inseparáveis e dá maior
valor à ação, reduzindo o valor que teoria causalista atribuiu ao resultado.[285]
Tais teorias apresentam complicadores, sendo extremamente confusas, mas, visam,
basicamente, demonstrar:
(a) ilicitude objetiva – a consciência da
ilicitude não está na “antijuridicidade”;
(b) ilicitude subjetiva – a consciência da
ilicitude está na “antijuridicidade”, confundindo a ilicitude com a
culpabilidade.[286]
A ilicitude objetiva relega ao segundo plano o
destinatário da norma, entendendo que aquele que não consegue entender o
caráter ilícito do fato é destinatário da norma criminal, praticado ato ilícito.
De outro modo, a ilicitude subjetiva possui a grave dificuldade na limitação
dos campos da ilicitude e da culpabilidade, partindo para um conceito
unitário de ilicitude (não há distinção entre a ilicitude criminal e a
civil), sendo que aquele que não entende o caráter ilícito do fato jamais
pratica ato ilícito, carecendo de responsabilidade inclusive perante o direito
privado.[287]
Discorrendo sobre o tema, Álvaro Mayrink sustenta
que postular em favor da ilicitude subjetiva é completamente equivocado, tendo
em vista que somente os subjetivistas advogam que as normas jurídicas não se
dirigem aos incapazes penalmente.[288]
Com todo respeito ao mestre, entendemos diversamente, eis que seria contrariar
o princípio da humanidade, que norteia o direito criminal, entender que
aquele que não tem condições de caráter ilícito do fato poderia estar sujeito à
qualquer medida criminal.
Não há razoabilidade na proposta de punir uma
pessoa que não tem a mínima condição de potencialmente entender o caráter
ilícito do fato, até porque essa pessoa se mantido o motivo que a
impossibilitou de conhecer a ilicitude da sua conduta, também não conhecerá a
medida “penal” que será imposta. Desse modo, embora o assunto relativo ao
conhecimento potencial da ilicitude se relacione com a culpabilidade, é
oportuno dizer a norma criminal não se dirige àquele que não tem condições de
entender o caráter ilícito do fato. Ele não será objeto de sanção criminal, mas
de medidas administrativas para proteção própria e da sociedade.
Importante é que o estudioso do Direito Criminal
tenha em vista que o delito é um todo unitário, do qual não pode ser dissociada
a culpabilidade. Desse modo, embora pareça que a norma criminal se dirija a
quem não pode entender o caráter ilícito do fato, tal conclusão não é possível,
tendo em vista que somente com a culpabilidade que o fato ganha relevância para
o DCrim. Antes, ele pode até integrar o campo do Direito Administrativo, do
Direito Civil etc..., mas não o do DCrim, visto que este é subsidiário.
O fato de estar disciplinada a imposição de
medida de segurança para imposição àquele que não entende o caráter ilícito do
fato não representa que a conduta concretizada por ele constitua fato
jurídico-criminal, até porque, conforme estudaremos a seguir, a medida de segurança
não deve ocupar o campo do DCrim.
4.4.3 Ilicitude formal e ilicitude material
A ilicitude pode ser material ou formal. A
primeira é dada pelos conceitos sociais, enquanto a segunda é dada pela lei.
Excluir a ilicitude, segundo a noção material, importa em excluir o próprio
fato típico, visto que o fato não é socialmente reprovável. De outro modo,
adotando a noção formal, é possível que se exclua a ilicitude sem excluir o
fato típico, existindo, portanto, fato típico que não é antijurídico.
Hoje, ante a análise global do injusto, há
uma tendência de se resgatar a ilicitude material, o que é compatível
com a imputação objetiva, que tende a diminuir o estudo fragmentário do delito.[289]
Não obstante, conforme exposto, é possível conceber o estudo tripartido do
delito, dividindo o injusto (fato) em duas partes.
Provar que o agente agiu de determinada maneira,
prevendo o resultado proibido pela norma criminal, mas sem ter o domínio sobre
sua conduta, ou sem poder conhecer o caráter ilícito do fato, importa em dizer
que ele não se conduziu segundo o domínio de uma vontade subjetivamente
analisada, mas normativamente. Desse modo, o elemento subjetivo apreciado no
dolo, embora tenha sido denominado de tipo subjetivo, merece ser
revisto, eis que falar em elemento volitivo da conduta, dolo, sem que o autor
sequer potencialmente conheça o conteúdo da norma.
4.4.4 Excludentes da ilicitude
4.4.4.1 Generalidades
Foram construídas várias teorias acerca das
causas de justificação, que podem ser agrupadas em três segmentos principais:
(a) monistas; (b) pluralistas; (c) assistêmicas.
As teorias monistas procuram explicar que uma
conduta que se configura típica não pode ser ilícita, seja porque é princípio
da norma criminal proteger aquilo que é mais útil que danoso, ou porque na
colisão de interesses deve prevalecer o que é mais significativo, ou aquilo que
já dissemos, no sentido de que a maior função do direito criminal é a proteção
de bens, ou ainda, a posição de Roxin, que sustenta ser a causa de justificação
forma de solução social de conflitos, devendo ser admitida em face de
princípios de política criminal.[290]
Todas a correntes monistas procuraram dizer que
todas as causas excludentes encontram fundamento único. No entanto, as teorias
pluralistas entendem que não é possível construir um conceito superior de
justificação. No entanto, permanecem sistêmicas porque formam dois grupos, o da
ponderação de bens (correspondente ao conceito de delito de dano, pelo
qual crime é a lesão ao bem jurídico) e o do pensamento do fim (que
corresponde ao conceito de crime como manifestação da vontade contrária ao
dever imposto por lei);[291]
Finalmente, foram construídas as teorias
assistêmicas, que entendem ser impossível agrupar todas as causas de
justificação numa raiz comum, pois o número de causa de justificação depende da
técnica legislativa, defendendo um catálogo aberto em que estariam as causas de
justificação mais usadas. “Tal postura implica renúncia ao sistema”.[292]
Os autores modernos aceitam as teorias
pluralistas. Mas, Roxin, embora partindo de uma teoria monista, tende às
teorias assistêmicas, eis que estas são as que admitem três fontes de
justificação: “(a) as que emanam do ordenamento jurídico em quaisquer ramos;
(b) as causas de justificação genéricas ex lege; (c) (as que nascem de
uma consideração supralegal”.[293] Aliás,
Roxin, entende que “uma conduta típica e tida como ilícita perante o direito
civil, por exemplo, possa ser justificada no direito criminal, porque este
orienta suas normas permissivas segundo outros fins de proteção”,[294]
o que nos permite dizer que ele não adota propriamente qualquer monista, uma
vez que cria distinções entre as causas de justificação.
4.4.4.2 A ilicitude e o princípio da adequação
social
Entendo que somente só a lei pode excluir a
ilicitude.[295]
Welzel desenvolveu o princípio da adequação social, expondo:
As ações que se movem dentro do marco das ordens
sociais, nunca estão compreendidas dentro do tipo de delito, nem ainda quando
pudessem ser entendidas em um tipo interpretado ao pé da letra; são as chamadas
ações socialmente adequadas. Socialmente adequadas são todas as atividades que
se movem dentro do marco das ordens ético-sociais da vida social, estabelecidas
por intermédio da história.[296]
Ocorre que Welzel começou a publicar muito novo.
Ele foi acusado de ter plagiado Nicolai Hartmann e no início da década de 1930
ele foi duramente criticado porque teria criado uma teoria estéril. Seu
conceito de conduta não reflete qualquer preocupação com a reprovação social.
Daí Welzel, mais tarde (no prólogo do autor à 4ª edição) ter sustentado que sua
teoria finalista não nasceu em seus primeiros escritos, mas apenas 30 anos
depois.[297]
Com isso, pretendia afastar as primeiras críticas ao seu finalismo, que sofreu
várias transformações ao longo dos anos.
Pelo que se pode ver, as primeiras preocupações
de Welzel com a adequação social não poderiam ser compatíveis com aquela
transcrita, uma vez que entendeu ser a adequação social eliminadora do próprio
fato típico, mas somente depois de certa evolução.
Hoje, é possível afirmar que só existem causas
excludentes da ilicitude legais. Desse modo, principalmente nos dias de hoje,
melhor será ver a adequação social, com as reservas que apresentamos, como
causa excludente da tipicidade e, portanto, do fato típico.
4.4.4.3 Consentimento da vítima
Foi desenvolvida a tese, no sentido de que o
consentimento da vítima, nos delitos cujo objeto jurídico seja disponível,
constitui causa excludente da ilicitude,[298]
o que não pode ser admitido, embora seja praticamente pacífico tal entendimento
na doutrina criminal pátria hodierna.
Fernando Capez ensina que o consentimento do
ofendido constitui: (a) irrelevante criminal nos crimes em que o bem jurídico é
indisponível, v.g., homicídio; (b) excludente de tipicidade se o
dissentimento, ou o consentimento, for exigência expressa do tipo, v.g.,
violação de domicílio;[299]
(c) excludente de ilicitude nos crimes em que o consentimento, ou o dissenso,
não forem exigência expressa do tipo;[300]
(d) causa de diminuição de pena, somente quando prevista na lei.[301]
Diz-se que o consentimento do ofendido constitui
causa supralegal excludente da ilicitude, um verdadeiro princípio de Direito
que não autorizaria considerar ilícito um fato que foi considerado irrelevante
pela pessoa atingida, desde que ela possa dispor livremente do bem jurídico
afetado. Tal construção, ante a máxima nullun crimen sine iniura parece
tentadora, mas não pode prevalecer porque ilícito o fato continua sendo, o que
pode lhe faltar, na verdade, é a culpabilidade ou a punibilidade.
A proposta de Assis Toledo, com todo respeito de
que ele sempre foi merecedor, é inócua. Ele chega a sugerir a hipótese do dano
(CP, art. 163) com o consentimento expresso do proprietário da coisa, ou o
encarceramento (CP, art. 148) de quem expressamente consentiu.[302]
Ora, a existência do delito pressupõe a contraposição do dono do objeto
jurídico, isso quando se trata de bem disponível e desembaraçado. Havendo
consentimento prévio, data venia, não haverá o fato típico, eis que não
existirá sujeito passivo, uma vez que alienado o objeto jurídico.
Imagine-se que um astronauta suba ao espaço e com
saudades de pessoa amada resolva voltar um pouco antes de terminada a missão. Para
alcançar tal objetivo ele precisa que o comandante, ou subcomandante, ou o
controle localizado na terra acione algum dispositivo eletrônico que depende de
uma senha que ele não dispõe. Então, ele começa a perturbar toda tripulação,
que o tranca em um cubículo do ônibus espacial. Haveria o crime do art. 148 do
CP? Haveria estado de necessidade? Ou, haveria causa supralegal excludente da
ilicitude?
Havendo consentimento prévio, data venia,
não se poderá dizer que houve o crime do art. 148 do CP. Ele alienou sua
liberdade por certo período e mesmo que tenha termo final (data do fim) certo e
sua vontade de voltar tenha se manifestado após o termo, o negócio jurídico foi
atingido por um caso fortuito ou força maior que permite o descumprimento do
contrato por parte dos demais, que só poderão retornar após a data prevista
(CC, art. 393). Em síntese, a hipótese não constitui fato jurídico-criminal
porque anterior ao Direito Criminal, devendo ser resolvido na esfera civil.
A violação deliberada do negócio jurídico pode
merecer especial atenção do DCrim, caso contrário este deve se afastar, em face
de sua subsidiariedade. Dessa forma, havendo consentimento prévio, não haverá
fato típico, ficando o problema reservado aos casos em que o crime efetivamente
se concretizou, mas o ofendido ofertou sua anuência à conduta do autor depois
de consumado o delito. Então emergem duas hipóteses: (a) sendo o crime de ação
de iniciativa privada ou pública condicionada à representação, basta o ofendido
se quedar inerte; (b) sendo o crime de iniciativa pública incondicionada,
entendemos que em se tratando de objeto jurídico disponível, o Direito Criminal
deve se afastar, admitindo o consentimento posterior como excludente da
culpabilidade.
Imagine-se que uma pessoa percebe que houve a
subtração, por parte de terceira pessoa, de coisa móvel e vai à polícia
requerendo apuração dos fatos e, depois de alguns dias percebe que o autor do
furto (CP, art. 155) é um “grande amigo” e que a polícia também desvende o
delito. No caso, a vítima não poderá eximi-lo do processo, visto que crime
houve e o furto é delito que, uma vez comprovado, ensejando ação criminal
independentemente da vontade da vítima. Desse modo, a liberalidade do
proprietário da coisa poderia ser colocada de quatro maneiras:
(a) a liberalidade do proprietário não afetaria o
delito, sendo ele punível, uma vez que houve fato típico (conduta, relação de
causalidade, resultado e tipicidade). Também, como não haveria nenhuma
excludente de ilicitude legal em seu favor, ele deveria responder pelo crime.
Finalmente, sendo o autor imputável, tendo potencial consciência da ilicitude,
agido de forma diversa àquela exigida pelo direito e, ainda, atuado dolosamente
(pior, imagine-se um autor rico, um “filhinho de papai”). Em se tratando de
crime de ação pública incondicionada, o autor, necessariamente, deveria ser
punido;
(b) nas mesmas condições fáticas propostas,
afetaria tão-somente a culpabilidade, eis que o fato típico estaria presente.
Também, estaria presente a ilicitude. No entanto, não haveria culpabilidade,
visto que ele não estaria obrigado a agir conforme o direito, isso segundo o
próprio dono do bem disponível afetado. Ocorre que referida hipótese é
refutável porque a liberalidade foi posterior ao delito.
(c) atingiria a ilicitude, como causa supralegal
excludente desta, visto que não se pode considerar ilícito atingir bens jurídicos
daqueles que podem se dispor deles. Todavia, o fato se concretizou em condições
em que não se pode invocar excludente de ilicitude, eis que se adotamos a
ilicitude formal, portanto, só quem pode a excluir é a lei;
(d) não seria fato típico porque: (I) o Direito
Criminal moderno não é interventor, só podendo intervir onde os outros ramos do
Direito não forem suficiente; (II) a propriedade envolve o “uso” o “gozo” e a
“disposição”. Ora, como considerar criminosa uma conduta que, mesmo que ex
post, gerou direito subjetivo ao autor? Seria um contrassenso dizer que o
delito gera, em favor do delinquente, o direito de permanecer com o produto do
crime. No exemplo dado, o antigo proprietário se valeu de um direito seu sobre
a coisa (o de disposição), o que têm o condão de excluir o próprio fato típico.
Aliás, corroboraria o princípio da insignificância, tendo em vista que
se o fato pôde ser resolvido, à luz do Direito, pela liberalidade da vítima,
tornando-o pouco relevante. Sua relevância será tão pequena a ponto de permitir
dizer que não significará nada para o Direito Criminal, ou seja, não
constituirá um fato jurídico-criminal.
Ante a imputação objetiva, adotando a posição de
Jakobs, o agente teria violado uma obrigação de seu rol, produzindo, em
princípio, um fato jurídico-criminal. Não obstante, talvez, ante o atual
estágio da sociedade complexa, não parece ter relevância criminal a ofensa ao
patrimônio de alguém que, mesmo que tardiamente, eis que depois do fato, consentiu
para com ela. Para tal conclusão, converge a doutrina de Roxin, que entende ser
o direito criminal subsidiário.
Adotando uma postura sistemática, o delito é a
junção do injusto (fato típico e ilicitude) com a culpabilidade e, conforme foi
exposto anteriormente, a ausência de qualquer de seus elementos faz com que ele
desapareça. Desse modo, optamos por dizer que, na hipótese, o injusto houve,
bem como houve o delito porque presente a culpabilidade.
Poderíamos dizer como muitos que culpabilidade
é sinônimo de censurabilidade, sendo que embora a conduta do que
subtraiu seja moralmente ilícita, não chegaria a constituir fato
jurídico-criminal, uma vez que o delito não se completaria pela simples análise
do fato objetivamente considerado. A censura criminal, conforme
dissemos, não pode ser aferida unicamente pela estéril fórmula normativa de
Welzel, portanto, não haveria culpabilidade.
Em favor dessa segunda opção, por nós refutada,
poderíamos dizer que fato típico, objetivamente considerado, houve, tendo em vista
que nem mesmo a adequação social socorre o agente, sendo fácil perceber que a
sociedade recrimina o furto praticado por pessoa amiga. De outro modo, conforme
foi exposto, somente a lei exclui a ilicitude, o que faz com só reste a
culpabilidade. Esta deve tender a uma justiça do caso concreto, sendo que a
exigibilidade de conduta conforme o direito, no caso, estava presente.
Entendemos que o consentimento da vítima tem
relevância, nos delitos de ação criminal de iniciativa exclusivamente privada,
visto que o ofendido pode se manter inerte, elidindo a punibilidade. Também,
tem relevância para o grau de censura, que tem relação com as consequências do
delito. Desse modo, ao contrário de se reservar à doutrina a correta política
criminal, deve-se exigir do legislador o adequado exercício do seu poder
legiferante, só se reservando à iniciativa pública incondicionada da ação
criminal aos crimes que protejam bens jurídicos indisponíveis.
Dizer que a censura criminal (culpabilidade),
deve ser concebida segundo cada injusto concretizado (a “justiça do caso
concreto”), entendo o consentimento da vítima, no atual estágio da história do
Direito Criminal (que pretende ser mais humano e menos interventor) é possível
dizer que o fato não tem relevância jurídico-criminal a ponto de possibilitar a
drástica censura de tal ramo do Direito. Não constitui a melhor postura de
política-criminal transformar em crime de ação criminal de iniciativa pública
aquele que se refere a bem jurídico suficiente, visto que se a lei entende que
o fato é grave o suficiente para ensejar iniciativa pública incondicionada (não
depender da vontade da vítima a existência do processo), é porque o fato é
grave, sendo inoportuno atribuir ao julgador o dever de se imiscuir na eleição
de quais objetos jurídicos são relevantes, a ponto de desnaturar a iniciativa
pública da ação criminal.
Alguém pode ver alguma contraditio in terminis
entre o que foi exposto neste tópico e aquele relativo à tentativa
inidônea, visto que, assim como naquela hipótese, o agente teve a intenção de
praticar o resultado, mas acabou alcançado pela máxima nullum crime sine
iniura. Então, poder-se-ia admitir a inserção de um preceito que puna como
tentado, o delito consumado de ação criminal de iniciativa pública
incondicionada que, após sua realização, contou com o consentimento do
ofendido. Essa poderia ser uma solução. No entanto, voltamos a dizer: sendo
disponível o bem jurídico, interessa principalmente ao seu titular decidir
sobre sua proteção, não se podendo pensar em crime praticado por aquele que
contou com a liberalidade desembaraçada do proprietário.
Finalmente, para que se possa pensar em
consentimento do ofendido válido é necessário que ele preencha os requisitos
gerais dos negócios jurídicos: (a) capacidade; (b) objeto lícito – não pode o
titular dispor de bem sobre o qual recaia algum ônus que impeça a liberalidade,
v.g., posse direta de terceiro; (c) vontade livre - aqui é importante esclarecer que o ardil ou
a coação utilizada pelo agente pode constituir novo crime, ao contrário de
tornar o fato atípico, v.g., na hipótese apresentada continuará existindo o
furto e a coação moral constituirá o crime de ameaça, ex vi do art. 147
do CP).
4.4.4.5 Excludentes legais
A. Generalidades
Existem causas excludentes da ilicitude gerais,
previstas no Código Penal, quais sejam, as constantes da Parte Geral (estado de
necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício
regular de direito – arts. 23-25). Porém, é inegável que o rol é
exemplificativo, visto que a da Parte Especial prevê algumas, v.g.,
aborto necessário (art. 128, inc. I) e crimes de injúria ou difamação
praticados nas circunstâncias do art. 142.
O rol numerus apertus constante do art. 23
do CP é o seguinte:
Exclusão de
ilicitude
Art. 23 - Não há
crime quando o agente pratica o fato:
I - em estado de
necessidade;
II - em legítima
defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no
exercício regular de direito.
É importante notar que adotamos a ilicitude
formal, ou seja, pode haver fato típico que não é ilícito. Desse modo,
afastamos a ilicitude material, mantendo um estudo didático (sistemático) do
delito, eis que entendemos que a análise global do injusto gera certa confusão,
atingindo o garantismo criminal.
Conforme exposto, não adotamos causas supralegais
excludentes da ilicitude, ou seja, só existem excludentes legais. No mesmo
sentido, tratando das teorias assistêmicas da ilicitude, preleciona
Álvaro Mayrink:
Para tal corrente doutrinária, com efetiva
lógica, a afirmação de que aceitar-se que há causas de justificação que não
estão na lei, implica em recorrer à formação inconstitucional e logicamente
extralegislativa do Direito.[303]
Pequeno reparo, a fortiori, deve ser
feito, haja vista que sempre defendemos um Direito Criminal não restrito às
normas escritas porque o sistema dinâmico de normas jurídicas é mais amplo que
o legislado. Ao admitir a adequação social como elemento normativo do
tipo não se faz operar qualquer inconstitucionalidade por “recorrer à formação
extralegislativa do Direito”. Ao nosso sentir, o problema está na própria
metodologia do jurista criminal, que deve estudar seu objeto de estudo com um
mínimo de técnica, evitando confusões como as que se apresentam em certas
construções, servindo de exemplo de proposta inoportuna a relativa à existência
de causas supralegais excludentes da ilicitude.
B. Estado de necessidade
Estado de necessidade é aquele em que a pessoa
sacrifica objeto jurídico alheio para preservar o próprio. Ele está regulado no
art. 24 do CP, exigindo, como requisitos: que o objeto jurídico preservado
esteja em perigo atual; que o protetor do referido objeto jurídico não o tenha
causado; que não seja possível outra saída menos onerosa; que seja razoável o
sacrifício do objeto jurídico para a preservação do outro que estava em perigo;
que o agente não tenha o dever legal de enfrentar o perigo. Nesse sentido,
dispõe o CP:
Estado de necessidade
Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade
quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua
vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo
sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
§ 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem
tinha o dever legal de enfrentar o perigo.
§ 2º - Embora seja razoável exigir-se o
sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.
Existem duas teorias acerca do estado de
necessidade, a saber:
(a) unitária – foi a adotada pelo CP,
visto que o estado de necessidade constitui excludente da ilicitude e, também,
não se exige correspondência de valores entre o objeto jurídico sacrificado e o
preservado;
(b) diferenciadora – entende que o estado
de necessidade constitui causa excludente da culpabilidade e que deve haver
correspondência entre o
objeto jurídico preservado e o sacrificado, v.g.,
vida humana e vida humana.
Diz-se que o objeto jurídico sacrificado deve ter
valor menor ou igual ao preservado, o que é inaceitável. O CP só exige a
razoabilidade, portanto, é necessário, unicamente, que o sacrifício do objeto
jurídico não seja algo extremamente desproporcional. Aliás, mesmo que seja
desproporcional, haverá redução da censura, ex vi do art. 24, § 2º, do
CP.
Imagine-se que dois homens estejam presos dentro
de um andaime, fixado por uma haste elástica, e que venha uma grande lâmina
afiada que, fatalmente irá amputar, ao menos, uma perna de cada um deles. Para
melhor compreensão da hipótese, imagine-se a estrutura do andaime semelhante à
de alguns elevadores de serviço, que são abertos em dois lados, para
possibilitar a limpeza externa de prédios, mas que são fechados dando embaixo,
para o apoio do trabalhador e em cima, para que não caiam objetos sobre sua
cabeça. Nesse caso, seria razoável a conduta de um deles (sabedor que a redução
do peso, o elevaria a ponto de se livrar da lâmina que se aproximava), que
viesse a jogar o outro para fora do andaime, visando com isso, diminuir o peso
e manter intacta sua integridade física. Caso permanecessem os dois, o que
ocorreria seria amputação da perna pela lâmina, tendo em vista que sequer
teriam como pular, mas a vida de cada um dele restaria preservada porque
ficariam sobre a lâmina, sendo que o socorro visivelmente se aproximava. Então,
a discussão se residiria unicamente em torno da razoabilidade da conduta
daquele que preservou a integridade física com o sacrifício da vida alheia.
É certo que, motivados por certa hipocrisia, podemos
dizer que não é razoável matar alguém para preservação de uma perna. No
entanto, trazendo o problema para junto de nós, fácil é perceber que optaríamos
diversamente do que friamente (ou hipocritamente?) sustentamos ser correto. Daí
ser possível afirmar que “razoabilidade” não que dizer “equivalência”, ou seja,
mesmo não sendo de valor inferior ou igual o objeto jurídico sacrificado, em
relação ao preservado, pode ser reconhecido o estado de necessidade, isso quer
dizer que pode haver razoabilidade no sacrifício de um objeto jurídico de valor
maior para preservação de outro de valor menor.
Os requisitos do estado de necessidade são:
(a) perigo atual – é necessário que o
perigo ser concreto e atual, não se concebendo um perigo abstrato, nem iminente
ou passado. Assim, não se pode invocar o estado de necessidade para justificar
atos praticados logo depois de um grande perigo, ou susto. Hipótese complicada
foi a proposta por Lon Fuller, no sentido de que alguns espeleólogos adentraram
em uma caverna e seu acesso foi impedido por um desmonoramento. Alguns dias
depois do caso fortuito, decidiram matar um deles para, devorando sua carne,
sobreviverem, sendo que a pessoa morta foi escolhida por sorteio.[304]
De tal hipótese podemos concluir que o perigo era iminente, visto que (segundo
o livro) os suprimento tinham acabado recentemente, o que induz à ideia de que
os sobreviventes poderiam esperar um pouco mais, ou o perigo era atual, eis que
o perigo é psicológico, pelo qual a pessoa se sente ameaçada, situação que
existia no caso exposto.
Perigo é
uma circunstância que prenuncia um mal para alguém ou para alguma coisa. Duas
teorias foram construídas a respeito do perigo:
(a) objetiva, pela qual o perigo é uma
ameaça concreta (ou abstrata) ao objeto jurídico. Concreto é o perigo que se dá
com a efetiva ameaça ao objeto jurídico e abstrata é a ameaça potencial, não
exigindo a ameaça efetiva ao objeto jurídico, sendo que a lei consagra as duas
espécies de perigo, v.g., o art. 256 do CP dispõe “causar desabamento
desmonoramento, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o
patrimônio de outrem” (perigo concreto), enquanto que a LCP, em seu art. 29
dispõe: “Provocar desabamento de construção ou, por erro no projeto ou na
execução, dar-lhe causa” (perigo abstrato, visto que o último preceito não
exige uma ameaça efetiva ao objeto jurídico tutelado, presumindo a ameaça
incolumidade pública);
(b) subjetiva – o detentor do objeto
jurídico se sente ameaçado, sendo, portanto, o perigo uma circunstância que
provoca na pessoa um temor. No Brasil, prefere-se a teoria subjetiva, mas o
erro que gera na pessoa certo temor, acreditando ser concreto o perigo pode
induzir ao erro de proibição, conforme estudaremos mais adiante. Desse modo,
para efeitos de reconhecimento da excludente de ilicitude decorrente do estado
de necessidade, foi adotada a teoria objetiva.
Tomando partido, na hipótese do livro “O caso dos
exploradores de caverna”, houve estado de necessidade, visto que o perigo
efetivamente existia e era atual, na medida que, mesmo adotando a teoria
objetiva, é inegável a ameaça ao bem jurídico preservado (vida), uma vez que
eles foram socorridos em estado de inanição, o que prova que o perigo era
concreto e atual.
(c) não provocação do perigo – quem invoca
em seu favor o estado de necessidade, não pode ser o provocador da situação de
perigo, v.g., Tício, por ocasião do nausfrágio, por brincadeira
perversa, oculta parte do material destinado ao combate do perigo. Assim, vendo
a insuficiência de
equipamentos salva-vidas, mata Caio para se
livrar da morte. Nesse caso, ele não pode invocar estado de necessidade em seu
favor, cometendo dois crimes (CP, arts. 121 e 257).
(d) não ser possível evitar o perigo por outro
meio – se é possível ao agente uma saída menos drástica, deve optar por
ela, desde que seja razoável vislumbrá-la, tendo em vista que o heroísmo não
pode ser exigido de ninguém.
(e) razoável correspondência entre os valores
dos objetos jurídicos – esse assunto já foi tratado, quando explicamos a
teoria diferenciadora. Aqui, apenas convém lembrar que o estado de necessidade
se caracteriza pelo fato de uma pessoa agredir objeto jurídico alheio para
preservação de objeto jurídico próprio. A razoabilidade humana é mais ou menos
como a justiça, cada um tem a sua. Desse modo, é fácil perceber o sacrifício de
objetos jurídicos para preservação de outro de valor igual ou maior que o
sacrificado, mas, às vezes, poderá ser razoável, inclusive, a preservação de
objeto jurídico de menor valor que àquele sacrificado, mantendo-se a excludente
de ilicitude presente.
(f) preservação de objeto jurídico próprio ou
alheio – pode haver estado de necessidade quando o agente preserva,
inclusive objeto jurídico alheio – estado de necessidade de terceiro.;
(g)
não ter o dever legal de enfrentar o perigo – quem tem o dever legal de
enfrentar o perigo não pode invocar o estado de necessidade (CP, art. 24, §
1º). Ocorre que o heroísmo não pode ser invocado de ninguém. Assim, mesmo
prestando juramento a salvar vidas alheias com o sacrifício da própria vida, o Bombeiro-Militar,
dele não será exigível experimentar a morte, apenas para elidir a
responsabilidade criminal. Aliás, é na própria lei criminal que vamos encontrar
a responsabilidade daquele que tem o dever de agir (CP, art. 13, § 2º).
Ela não se dá unicamente em função do dever agir, mas também do poder
agir, é assim um poder-dever. É importante observar a expressão
dever legal tem suscitado controvérsias, “para alguns, seu alcance é restrito,
pois o dever legal é apenas o que resulta de dispositivo de lei. Para outros,
no entanto, sua área de incidência é mais ampla, abrangendo também a hipótese
do dever contratual”.[305]
Sacrificar objeto jurídico de maior valor para
preservação de objeto jurídico de menor valor, sem que exista razoabilidade na
conduta do autor, nos termos da lei, constitui fato injusto, ou seja, não será
cabível o estado de necessidade. Porém, o Juiz poderá atenuar a pena (CP, art.
24, § 2º).
B. Legítima defesa
A legítima defesa está delimitada no art. 25 do
CP, in verbis:
Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos
meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou
de outrem.
Parágrafo único. Observados os requisitos
previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa
o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima
mantida refém durante a prática de crimes.
Destaco inicialmente que o denominado pacote
anticrime (Lei n. 13.964, de 24.12.2019), um presente de natal às avessas,
foi publicado em edição extra do Diário Oficial da União, Seção 1, de
24.12.2019. Naqueles dias, o ex-Juiz Federal Sérgio Fernando Moro era Ministro
da Justiça, hoje é Senador da República eleito pelo Estado do Paraná, era o
Ministro da Justiça. Tal lei foi republicada no dia 29.4.2021, eis que foram
derrubados pelo Congresso Nacional 16 vetos presidenciais ao texto. De todo
modo, ficou mantido o parágrafo único do art. 25 do Código Penal, acrescido
pela nova lei.
Essa lei deu ensejo às Ações Diretas de
Inconstitucionalidade n. 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, todas da relatoria do
Min. Luiz Fux. Tais ações tiveram como ponto central de discussão o Juiz de
Garantias.
O Partido Democrático Trabalhista (PDT) impetrou
a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 779. O relator,
Min. Dias Toffoli, em 26.2.2021, concedeu liminar, referendada em sessão
virtual do Plenário, 5 a 12.3.2021, assim ementada:
Referendo de medida cautelar. Arguição de
descumprimento de preceito fundamental. Interpretação conforme à Constituição.
Artigos 23, inciso II, e 25, caput e parágrafo único, do Código Penal e art. 65
do Código de Processo Penal. “Legítima defesa da honra”. Não incidência de
causa excludente de ilicitude. Recurso argumentativo dissonante da dignidade da
pessoa humana (art. 1º, III, da CF), da proteção à vida e da igualdade de
gênero (art. 5º, caput, da CF). Medida cautelar parcialmente deferida
referendada.
1. “Legítima defesa da honra” não é,
tecnicamente, legítima defesa. A traição se encontra inserida no contexto das
relações amorosas. Seu desvalor reside no âmbito ético e moral, não havendo
direito subjetivo de contra ela agir com violência. Quem pratica feminicídio ou
usa de violência com a justificativa de reprimir um adultério não está a se
defender, mas a atacar uma mulher de forma desproporcional, covarde e
criminosa. O adultério não configura uma agressão injusta apta a excluir a
antijuridicidade de um fato típico, pelo que qualquer ato violento perpetrado
nesse contexto deve estar sujeito à repressão do direito penal.
2. A “legítima defesa da honra” é recurso
argumentativo/retórico odioso, desumano e cruel utilizado pelas defesas de
acusados de feminicídio ou agressões contra a mulher para imputar às vítimas a
causa de suas próprias mortes ou lesões. Constitui-se em ranço, na retórica de
alguns operadores do direito, de institucionalização da desigualdade entre
homens e mulheres e de tolerância e naturalização da violência doméstica, as
quais não têm guarida na Constituição de 1988.
3. Tese violadora da dignidade da pessoa humana,
dos direitos à vida e à igualdade entre homens e mulheres (art. 1º, inciso III
, e art. 5º, caput e inciso I, da CF/88), pilares da ordem constitucional
brasileira. A ofensa a esses direitos concretiza-se, sobretudo, no estímulo à
perpetuação da violência contra a mulher e do feminicídio. O acolhimento da
tese tem a potencialidade de estimular práticas violentas contra as mulheres ao
exonerar seus perpetradores da devida sanção.
4. A “legítima defesa da honra” não pode ser
invocada como argumento inerente à plenitude de defesa própria do tribunal do
júri, a qual não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas
ilícitas. Assim, devem prevalecer a dignidade da pessoa humana, a vedação a
todas as formas de discriminação, o direito à igualdade e o direito à vida,
tendo em vista os riscos elevados e sistêmicos decorrentes da naturalização, da
tolerância e do incentivo à cultura da violência doméstica e do feminicídio.
5. Na hipótese de a defesa lançar mão, direta ou
indiretamente, da tese da “legítima defesa da honra” (ou de qualquer argumento
que a ela induza), seja na fase pré-processual, na fase processual ou no
julgamento perante o tribunal do júri, caracterizada estará a nulidade da
prova, do ato processual ou, caso não obstada pelo presidente do júri, dos
debates por ocasião da sessão do júri, facultando-se ao titular da acusação
recorrer de apelação na forma do art. 593, III, a, do Código de Processo Penal.
6. Medida cautelar parcialmente concedida para (I)
firmar o entendimento de que a tese da legítima defesa da honra é
inconstitucional, por contrariar os princípios constitucionais da dignidade da
pessoa humana (art. 1º, III, da CF), da proteção à vida e da igualdade de
gênero (art. 5º, caput, da CF); (II) conferir interpretação conforme à
Constituição aos arts. 23, inciso II, e 25, caput e parágrafo único, do Código
Penal e ao art. 65 do Código de Processo Penal, de modo a excluir a legítima
defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa; e (III) obstar à
defesa, à acusação, à autoridade policial e ao juízo que utilizem, direta ou
indiretamente, a tese de legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que
induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais, bem como durante
o julgamento perante o tribunal do júri, sob pena de nulidade do ato e do
julgamento.
7. Medida cautelar referendada.[306]
Houve um tempo que era comum o reconhecimento da
legítima defesa da honra, sendo que o recrudescimento do sistema
jurídico-criminal e o incentivo em nosso meio à rejeição de políticas de
igualdade de gêneros, torna oportuna a propositura da ADPF n. 779, em 6.1.2021.
A legítima defesa está presente nas primeiras
leis escritas. Ela está presente na Bíblia (Êxodo 22:2-3), na Lei das XII
Tábuas. Conforme ensina von Liszt "em todos os tempos e em todos os povos
a legítima defesa tem sido reconhecida, posto que com maior ou menor amplitude
como ação conforme o direito, e não simplesmente como ação não punível".[307]
A legítima defesa tem duplo fundamento: (a) princípio
da autoproteção; (b) princípio da reafirmação do Direito. Daí as
consequências teóricas e práticas: (a) a legítima defesa não está submetida ao
princípio da ponderação dos bens jurídicos; (b) autoriza a lesão de bens mais
valorados do que aqueles que são defendidos, sempre que seja necessário o
exercício de defesa; (c) está submetida a uma série de restrições
ético-sociais.[308]
Existem várias teorias que buscam fundamentar a
legítima defesa, a saber:
(a)
teoria da coação moral – quem se defende frente a um perigo iminente não
pode ser responsabilizado porque está em perturbação de ânimo;
(b)
teoria do instinto de conservação – tem íntima relação com a teoria
anterior, deve ser tolerada a defesa privada porque é expressão do inelutável
instinto que impele o homem ad se conservandum;
(c)
teoria da retribuição do mal pelo mal – quem se defende retribui o mal
com outro igual. Assim, a pena viria a ser um novo mal injustificável e inútil;
(d)
teoria da negação da negação do direito – a defesa privada nega a
ofensa, que negou o direito, a residual punição do agressor seria um bis in
idem;
(e)
teoria da colisão de direitos – quando 2 direitos entram em conflito, de
modo que um não pode subsistir sem o sacrifício de outro, o Estado deve
permitir o sacrifício do menos importante, que no caso é o do agressor;
(f)
teoria da defesa pública subsidiária ou da cessação do direito de
punir – a defesa privada é um direito originário, enquanto a pública é
subsidiária, devendo-se entender que o indivíduo retoma o seu direito de
autodefesa e cessa, portanto, o ius puniendi por parte do Estado;
(g)
teoria da moralidade do motivo determinante – a moralidade do motivo de
agir exclui a censurabilidade do fato;
(h)
teoria da ausência de periculosidade do defensor – essa teoria confunde
a ilicitude com a culpabilidade. A de iure constituto, produz redução da
pena e, excepcionalmente, perdão judicial;
(i)
teoria da delegação de polícia – a legítima defesa representa uma
delegação hipotética e condicionada do poder de polícia do Estado;
Todas as teorias anteriores são criticadas por
Nelson Hungria, o qual passa a apresentar as teorias "de cunho
estritamente jurídico".[309]
(j)
teoria da legitimidade absoluta – a legítima defesa representa um
direito e um dever, posto que o homem para si mesmo e para o mundo;
(k)
teoria do direito público subjetivo – a defesa privada é um direito
subjetivo de caráter público, outorgado a todo indivíduo e que se harmoniza com
a função de polícia;
(l)
teoria da ausência de ilicitude da ação defensiva – a legítima não é
contrária ao direito porque coincide com o próprio fim do direito, que é a
incolumidade dos bens ou interesses que coloca sob sua tutela. Para Nelson
Hungria, essa é a teoria adotada pelo no Código Penal.[310]
Aquele que invoca legítima defesa, diversamente
de quem inova estado de necessidade, não age, não agride objeto jurídico
alheio, mas repele agressão a objeto jurídico próprio. Enquanto no estado de
necessidade a pessoa que o invoca é agressora, na legítima defesa não agride,
reage.
Assim como o estado de necessidade, a legítima
defesa pode ser própria ou de outrem. Mas, enquanto naquele o perigo deve ser
atual, aqui a agressão injusta pode ser atual ou iminente. Outrossim, enquanto
o estado de necessidade exige o commodus discessus – que é a retirada
comoda, ou a fuga disfarçada -, a legítima defesa não o exige. Assim, age em
legítima defesa, por exemplo, o atleta profissional – recordista mundial em
corrida à pé de 1500 m -, franzino, que saca de um revólver e mata um
arremessador de peso, este com 200 kg de peso, que o espancaria em plena quadra
de esportes. Na hipótese, o homem de menor compleição física sabia que podia
evitar a agressão pela simples fuga, eis que o outro jamais o alcançaria, mas
sua reação não impede o reconhecimento do estado da legítima defesa.
Utilizar meio moderado necessita de apreciação
casuística, ou seja, é o meio necessário para o caso que estiver sendo
analisado, v.g., se uma pessoa só tem em seu poder uma granada de mão
para se defender da agressão física de outrem muito mais forte, lançar a
granada no agressor explodindo-o, constitui utilização de meio moderado.
C. Estrito cumprimento do dever legal
Age no estrito cumprimento do dever legal aquele
que tem um dever imposto por lei e atua nos limites do dever, v.g., o
Oficial de Justiça portador de um mandado judicial para efetuar busca e
apreensão no interior de uma casa, estando autorizado, inclusive a arrombá-la e
a se valer do reforço policial, não pode ser considerado ladrão apenas porque
cumpriu a ordem que lhe foi dada. Caso ele não a cumprisse, praticaria crime de
prevaricação.
Tal excludente de ilicitude se esvazia na medida
em que se fala em tipicidade conglobante, conforme estudado, ou em
imputação objetiva. Esta última que só pode constituir fato jurídico-criminal,
a criação de um risco proibido, trazendo a matéria para dentro do estudo do
fato típico. Ousamos rechaçar ambas as teorias, visto que o crime é a reunião
de todos os seus elementos (injusto e culpabilidade), sendo que a sua divisão
em partes visa apenas o estudo didático e a segurança jurídica na apreciação
dos casos.
Entendemos que podemos verificar um fato típico
praticado pelo Oficial de Justiça que atua no estrito cumprimento do dever
legal, mas, diante da excludente de ilicitude legal, não haverá como pretender
sua punição, eis que ele não terá praticado fato jurídico-criminal, tendo em
vista que todos os elementos do delito são essenciais para a sua existência –
faltando qualquer deles, o delito não existirá.
D. Exercício regular de direito
Atua em exercício regular de direito aquele que o
faz, por exemplo, no exercício de uma profissão. Um médico pode fazer uma
cirurgia, provocando lesões corporais gravíssimas na vítima (CP, art. 129, §
2º), mas sem que venha a praticar o injusto, visto que ausente a
ilicitude em face do estado de necessidade, v.g., amputação de ambas as
pernas para salvar a vida de quem contraiu gangrena nelas. Porém, o médico
atuará em exercício regular de direito, não praticando atentado violento ao
pudor, ao tocar em partes pudendas da paciente, em consultas ginecológicas de
rotina.
A violência esportiva, dentro dos limites do
esporte, constitui excludente de ilicitude por exercício regular do Direito. No
entanto, o esporte não oficializado, portanto, não admitido por uma ordem
jurídica, é irregular. Assim, caso da sua prática resulte dano, poderá
constituir crime.
A conduta socialmente adequada foi considerada
como o exercício regular de um direito. No entanto, conforme demonstrado, a
adequação social, em face das modernas doutrinas do DCrim, teoria social e
funcionalismo, tende a se deslocar para dentro do fato típico.
4.4.4.6 Ofendículo
O offendiculum é a defesa oculta, a
armadilha, para defesa da propriedade. Discute-se se o ofendículo constitui
legítima defesa preodernada (prediposta), ou se é um exercício regular de
direito. Ao nosso sentir, quem faz uma armadilha para defesa da propriedade, na
verdade atua com excludente de ilicitude por legítima defesa.
Não pode constituir exercício regular de direito
matar pessoas em um país em que “matar alguém” constitui crime (CP, art. 121).
Na verdade, a pessoa que faz uma armadilha para defesa da propriedade, visa
evitar agressão injusta a objeto jurídico próprio ou de terceiro, valendo-se,
às vezes, de artefatos ilegais (arma não registrada, equipamento proibido
etc.), o que afasta o exercício regular de direito.
Não constitui ofendículo o equipamento ostensivo.
Ofendículos são produtos “que fazem tropeçar”,[311]
ou seja, armadilhas ocultas. Desse modo, não constitui ofendículo a cerca
eletrificada regularmente anunciada, bem como cães ferozes. Com efeito, como o ofendiculum
constitui “obstáculo, tropeço, impedimento”,[312]
não é compatível com a ostensividade, exigindo, portanto, seu obscurecimento e
sigilo perante terceiros.
Não posso deixar de alertar para o elevado número
de casos decorrentes da má instalação de artefatos para proteção do patrimônio,
bem como envolvendo cães ferozes. Normalmente, a legítima defesa do patrimônio
traz danos patrimoniais e psicológicos maiores que o dano que haveria se o bem
objetivado fosse atingido. Pior ainda são os ofendículos, que resultam, como
regra, em desgraças familiares. Do mesmo modo, manter animais ferozes em
cativeiro é um risco, antes de tudo, ao defendente, aos seus familiares e amigos.
4.4.4.7 Excesso negligente ou doloso
O CP, em seu art. 23, parágrafo único, é claro em
expor que aquele que se conduzir com excesso doloso ou negligente responderá
por ele, in verbis: “O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo,
responderá pelo excesso doloso ou culposo”. A redação é clara, mas alguns
comentários são oportunos.
Inicialmente, devemos destacar que nenhuma
excludente de ilicitude traz unicamente benefícios. Criar cachorros ferozes em
casa não constituirá ofendículo, mas poderá constituir exercício regular de
direito. O problema é que mesmo estando completamente sinalizada a existência
de cães ferozes, problemas poderão advir do fato de uma criança ou cego ser
atingido pelo animal. Ora, se for verificada a negligência do proprietário do animal,
ele poderá sofrer as consequências do fato, inclusive com responsabilização
criminal.
Matar em legítima defesa será, sem dúvida, uma
conduta irrelevante para o DCrim, eis que não haverá a ilicitude. Não obstante,
muitas vezes, a prova da excludente da ilicitude não é evidente, o que ensejará
a denúncia, visto que inicialmente prevalece o princípio in dubio pro
societate. Somente em fase de sentença que se verificará o princípio in
dubio pro reo. Desse modo, na maioria dos casos, o agente deverá demonstrar
a excludente da ilicitude no curso do processo, o que, certamente, lhe trará
sérias e indesejáveis consequências.
Cerca eletrificada, mesmo com avisos, pode trazer
danos a pessoas, tendo em vista que em dias de chuva, por meio da água, poderá
existir corrente elétrica suficiente para matar uma criança que se encoste
simplesmente no muro, ou outro objeto que venha a cair e tocar na parte
eletrificada. Então, o dono da propriedade poderá ser responsabilizado a título
de negligência, mesmo que tenha todo cuidado com a manutenção do equipamento de
eletrificação da cerca.
O policial não poderá matar em estrito
cumprimento do dever legal porque não há, no Brasil, pena de morte para crimes
praticados em tempo de paz. Ele até poderá matar em legítima defesa, mas
sofrerá consequências maléficas com o processo criminal durante o curso do
processo (impossibilidade de ser promovido , não poder participar de concursos
públicos etc.) .
Atuar nos limites da legítima defesa é algo
complicado, tendo em vista que a pessoa estará exercendo autotutela (vingança
privada imediata). Normalmente, esta vem acompanhada de violenta emoção, o que
faz com que o defendente passe a agressor logo depois de encerrada a agressão, v.g.,
em legítima defesa, Tício saca de uma arma e atira em Caio, armado com uma
faca, que cai. Então, depois de cessada a agressão, ele desfere um tiro matando
Caio, o que constituirá excesso doloso na legítima defesa, devendo Tício
responder, portanto, por homicídio doloso.
[1]
MAGGIORE, Giuseppe. Op. cit. p. 251; ANTOLISEI, Francesco. Op. cit. p. 149.
[2]
JESUS, Damásio Evangelista. Imputação objetiva. São Paulo: Saraiva,
2000, capa (verso). Embora sendo um texto com fins comerciais – aquele
constante da capa de um livro –, conforme se verificará ao longo deste livro,
os aspectos econômicos não podem ser desprezados na análise da propagação
repentina da teoria da imputação objetiva. Aliás, a afirmação, embora tenha
maior conotação comercial, foi inserida alhures pelo autor: Idem, Algumas
ideias sobre a imputação objetiva. www.damasio.com.br, 27.12.01,
19h15min.
[3]
JESUS, Damásio Evangelista. Imputação objetiva. São Paulo: Saraiva,
2000. p. XVII.
[4]
CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Imputação objetiva e direito penal brasileiro.
São Paulo: Cultural Paulista, 2001. p. 17.
[5]
GALVÃO, Fernando. Imputação objetiva. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000.
p. 25, nota 36. CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Imputação objetiva e direito
penal brasileiro. São Paulo: Cultural Paulista, 2001. p. 17. Este sustenta
que a teoria foi formulada por Larenz, em 1927, e por Honing, em 1930.
[6]
JESUS, Damásio Evangelista de. Imputação objetiva. São Paulo: Saraiva,
2000. p. XVII.
[7]
GRECO, Luís. A teoria da imputação objetiva: uma introdução. ROXIN, Claus. Funcionalismo
e imputação objetiva no direito penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 9.
[8]
CONDE, Francisco de Muñoz. Teoria geral do delito. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris, 1988. p. 22-27.
[9]
HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. São Paulo:
Martins Fontes, 2000. p. 511.
[10]
LEAL, João José. Direito penal geral. São Paulo: Atlas, 1998. p. 57.
[11]
GALLEGARI, André Luís. A imputação objetiva no direito penal. Porto Alegre: Revista
da Ajuris, Ano XXVI, nº 76, dez/1999. p. 87.
[12]
CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Imputação objetiva e direito penal brasileiro.
São Paulo: Cultural Paulista, 2001. p. 9.
[13]
JAPIASSU, Hilton. O mito da neutralidade científica. Rio de Janeiro:
Imago, 1975. passim.
[14]
RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. 6. ed. Coimbra: Armênio Amado,
1979. p. 324.
[15] Sobre a prevenção, diz-se que ela pode
ser: (I) geral: (a) positiva: visa evitar
a criminalidade por meio de ideologias sociais e do sistema jurídico-criminal; (b)
negativa: visa a dissuadir a prática do crime por meio da ameaça da pena; (II)
especial: (a) positiva: a aplicação e a execução da pena
surtirão efeitos no condenado, fazendo com que ele não reincida, levando-o à
readaptação social; (b) negativa: caracteriza-se pela segregação
do condenado pelo período da pena, dando ensejo à aceitação da pena de morte; pena
de castração etc. Roxin afirma que "a prevenção geral possui normalmente
uma tendência para o terror estatal" (ROXIN, Claus. Problemas
fundamentais de direito penal. 3. ed. Lisboa: Vega, 1998. p. 23). Nesse
sentido, Hassemer afirma que "Prevenção, especialmente prevenção geral [negativa],
é um conceito quase sem concorrência no pensamento dominante do mundo
ocidental. (...) Um direito penal que pode prometer intimidação exitosa resolve
seus problemas de justificação e está de acordo com nossos corações e
mentes" (HASSEMER, Winfried. Punir no estado de direito. In GRECO, Luís;
MARTINS, Antônio [Org.]. Direito penal como crítica da pena: estudos em
homnenagem a Juarez Tavares por seu 70º aniversário em 2 de setembro de 2012.
Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 341-342)
[16]
ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal. Rio
de Janeiro: Renovar, 2002. p. 205.
[17]
Ibidem. p. 206.
[18]
Ibidem. p. 205-209.
[19]
MACHADO, Fábio Guedes de Paula. Prescrição penal: prescrição funcionalista. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000. p. 180-184.
[20]
TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 61-75.
[21]
ROXIN, Claus. Política criminal e sistema jurídico-penal. Rio de
Janeiro: Renovar, 2000. passim.
[22]
ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal. Rio
de Janeiro: Renovar, 2002. p. 209.
[23]
ROCHA, Fernando A. N. Galvão da. Imputação objetiva nos delitos omissivos.
Disponível em: < >. Acesso em: 28.12.2001, às 3h30min.
[24]
ZEM, Samuel. Relação de causalidade nos delitos contra o meio ambiente.
Disponível em: <www.javascript:history.go>. Acesso em: 28.12.2001,
às 3h15min.
[25]
MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Direito Penal do inimigo: análise do livro
conjunto de Jakobs e Meliá. Teresina: Jus Navigandi, ano 15, n. 2691,
13.11.2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/17816>.
Acesso em: 27.2.2012, às 12h.
[26]
SANTOS, Frederico Augusto de Oliveira Santos. Os Crimes da Lei de
Responsabilidade Fiscal e imputação objetiva. Disponível em: < >. Acesso
em: 28.12.2001, 2h50min.
[27]
JAKOBS, Günther Apud TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 74.
[28] JAKOBS, Gütnther. La imputación objetiva
en derecho penal. 2. tir. Madrid: Civitas, 2000. passim.
[29]
No sentido de que as formulações parciais do estudo do delito devem ceder lugar
ao exame global do fato punível: GOMES, Luiz Flávio. Princípio da
ofensividade no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.
75.
[30]
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. 16. ed. São Paulo:
Atlas, 2000. v. 1, p. 95.
[31]
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal. 4. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2.004. v. 1, p. 237.
[32]
COSTA, Dilvanir José da. Curso de hermenêutica jurídica. Belo Horizonte: Del Rey, 1997. p. 15.
[33]
GOMES, Luiz Flávio. Norma e bem jurídico no direito penal. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002. p. 15.
[34]
ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. 3. ed. Lisboa:
Vega, 1998. p. 29.
[35]
Ibidem. p. 27.
[36]
BRANDÃO, Cláudio. Teoria jurídica do crime. Rio de Janeiro: Forense,
2001. p. 8.
[37]
Ibidem. p. 10.
[38]
JAKOBS, Günther. Ciência do direito e ciência do direito penal. Barueri: Manole, 2.003. p. 45.
[39] Idem. La imputación objetiva en derecho
penal. Madrid: Civitas, 1999. p. 91-100.
[40] Ibidem.
[41]
BRANDÃO, Cláudio. Teoria jurídica do crime. Rio de Janeiro: Forense,
2001. p. 7.
[42]
Jakobs consagra a ideia de que é necessário um procedimento para se
chegar ao conceito de risco permitido. Com efeito, ensina que o
“permitido” só pode ser gerado ao longo do tempo, não por um cálculo de custos
e benefícios. Tal posição nos conduz à Luhmann, que ensina que só pode ser
considerado como integrante do mundo jurídico, aquilo que passa pelo
procedimento (JAKOBS, Günther. La imputación objetiva en derecho penal. Madrid: Civitas, 1999. p. 1117-143).
[43] SANTOS, Juarez Cirnino dos. Direito penal:
parte geral. Curitiba: ICPC; Lumen Juris, 2006. p. 71-72.
[44]
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal. 20. ed. São Paulo:
Saraiva, 1997. vol. 1, p. 155.
[45]
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa.
1. ed. 4. tir. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975. p. 1.233.
[46]
Ibidem. p. 506.
[47]
MAGGIORE, Giuseppe. Principî de diritto penale. Bolonha: Nicola, 1937.
vol. 1, p. 192.
[48]
GOMES, Luiz Flávio. Princípio da ofensividade no direito penal. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 75.
[49]
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal. 4. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 237. 2.004. v. 1, p. 237.
[50]
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código
penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1.955. v. 1, t. 2, p.
[51]
FRAGOSO, Heleno Cláudio; FRAGOSO, Fernando. Lições de direito penal – parte
geral. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 146. Ainda encontramos autores na
atualidade que compatilham do entendimento de que a punibilidade integra o
crime, v.g., CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito.
Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1988. p. 6.
[52]
BARTAGLINI, Giulio Apud ANTOLISEI, Francesco. Manuale di diritto penale.
2. ed. Milão: Giuffre, 1949. p. 139.
[53]
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal. 3. ed. Rio de Janeiro:
Revista Forense, 1955. v. 1, t. 2, p. 9.
[54]
NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva,
1967. vol. 1, p. 120.
[55]
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed.
São Paulo: Saraiva, 1994. p. 81.
[56]
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal. 4. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004. v. 1, p. 238.
[57]
FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal. 2. ed. Campinas:
Bookseller, 1999. p. 358.
[58]
LEAL, João José. Direito penal geral.
São Paulo: Atlas, 1999. p. 167.
[59] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito
penal: parte geral. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1, p. p. 409.
[60] DOTTI, René Ariel. A culpabilidade
como elemento da pena. Disponível em: <https://dotti.adv.br/a-culpabilidade-como-elemento-da-pena/>.
Publicado em: 15.4.2005. Acesso em: 1.10.2022, às 20h40.
[61] DOTTI, René Ariel. O
incesto. Curitiba: Litero-Técnica, 1976.
[62] GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 2. ed. Rio de Janeiro:
Impetus, 2003. p. 157.
[63]
HUNGRIA, Nelson. Comentário ao código penal. Rio de Janeiro: Forense,
1955. v.7, p. 314-315.
[64]
CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Imputação objetiva e direito penal brasileiro.
São Paulo: Cultural Paulista, 2001.
[65]
NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva,
1967. v. 1, p. 112.
[66]
WELZEL, Hans apud TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito
penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 103.
[67]
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. 16. ed. São Paulo:
Atlas, 2000. v. 1, p. 103.
[68]
COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1998. v. 1, t. 1, p. 642.
[69]
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed.
São Paulo: Saraiva, 1994. p. 109.
[70]
WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001. p. 11-20.
[71]
Cf. ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal.
Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 202.
[72]
Nesse sentido: TOLEDO, Francisco de Assis. Op. cit. p. 110.
[73]
LEAL, João José. Direito penal geral. São Paulo: Atlas, 1999. p. 186.
[74]
COSTA JR., Paulo José da. Direito penal: curso completo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 48. O
autor, visando esclarecer a polêmica, menciona duas teorias: a) normativa –
aquilo que se deve fazer, ou não fazer, é estabelecido em preceitos normativos,
jurídicos ou extrajurídicos, o que faz com que a conduta seja valorada não só
pelo direito, mas também pela moral; b) jurídico-normativa – se exprime
por três requisitos: modificação no campo do direito (parte objetiva); vontade,
correspondente à referida modificação, juridicamente relevante (parte
subjetiva); e uma ponte causal que supere o abismo existente entre as partes
objetiva e a subjetiva. Por preferir esta última, somente ela foi mencionada
pelo autor na conclusão transcrita.
[75]
JESUS, Damásio Evangelista. Direito penal. 20. ed. São Paulo: Saraiva,
1997. vol. 1, p. 228-234.
[76]
Welzel nasceu em 1904, em Artern, região de Trhüringen, Alemanha. Aos 24 anos
de idade defendeu sua tese de doutorado, acerca da doutrina natural de Samuel
Puffendorf. Daí é fácil perceber que ele era muito moço quando começou a
publicar sobre a ação e a causalidade, já que suas primeiras publicações se deram
antes da década de 1930. Ele próprio informa que lançou seu finalismo em 1927,
ou seja, 22 ou 23 anos de idade.
[77] COSTA,
Álvaro Mayrink da. Direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
v. 1, t. 1, p. 639.
[78]
TAVAREZ, Juarez, PRADO, Luiz Regis. In: CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral
do delito. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1988. p. 14, nota nº 14.
[79]
PRADO, Luiz Regis. Prefácio. In: WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 9, nota n. 9.
[80]
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. 16. ed. São Paulo:
Atlas, 2000. v. 1, p. 104.
[81]
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 3. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1.955. v.1, t. 2, p. 10.
[82]
LISZT, Franz von. Tratado de direito penal alemão. Campinas: Russel,
2.003. t. 1, p. 280.
[83]
A ideia da existência de um referencial é muito explicada pela Física, v.g.,
considerando-se a relação entre um homem de 1,60m e uma população de homens
anões de 1,05 m de estatura, aquele será considerado alto, mas se considerado
perante uma população de homens de 1,90m será considerado baixo.
[84]
LISZT, Franz von. Tratado de direito penal alemão. Campinas: Russel,
2.003. t. 1, p. 280.
[85]
COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1.998. v. 1, t. 2, p. 1.163.
[86]
ESTEFAM, André. Direito penal: parte
geral. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1,
p. 233.
[87] JAKOBS, Günther. Derecho penal: parte general: fundamentos e teoría de l imputación.
2. ed. Madrid: Marcial Pons, 1997. p. p. 364.
[88] HUNGRIA,
Nelson. Comentários ao código penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1.955. v.1, t. 2, p. 14.
[89]
Ibidem. 11-15.
[90]
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 3. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1.955. v.1, t. 2, p. 16-17.
[91]
História fictícia que conta a aventura de 5 homens que adentraram em uma
caverna e ali ficaram presos porque houve um desmoronamento. 20 dias depois
decidiram matar um deles, escolhido por sorteio, isso após serem informados,
via rádio, que os trabalhos demorariam, pelo menos, mais 10 dias. Quem fez a
proposta de sobreviverem comendo a carne de um deles, sugeriu tirarem a sorte
lançando dados que trazia consigo. Os quatro sobreviventes foram resgatados 32
dias depois do desmoronamento, sendo que aquele que sugeriu foi o executado, visto
que outro lançou os dados a rogo, mas perdeu (FULLER, L. Lon. O Caso dos
exploradores de cavernas. Porto Alegre: Fabris, 1.976. p. 1-7).
[92]
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral. Curitiba: ICPC; Lumen Juris, 2.006. p.
111.
[93]
ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. 3. ed. Lisboa:
Vega, 2000. passim; TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal.
Belo Horizonte: Del Rey, 2000. passim.
[94]
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 3. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1.955. v. 1, t. 2, p. 200.
[95] MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABRINNI, Renato N. Manual
de direito penal: parte geral. 29. ed. São Paulo: Atlas, 2013. v. 1, p.
136.
[96]
JAKOBS, Günther. La imputación objetiva em direito penal. Madri:
Civitas, 1999. p. 101.
[97]
Alguns autores entendem que a imperícia decorre unicamente de o fato do agente
não conhecer adequadamente a técnica, não sendo admissível nos casos em que há
capacitação técnica, v.g.: BRANDÃO, Cláudio. Teoria jurídica do crime.
Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 83. Não obstante, posicionamo-nos no sentido
de que ela decorre do “exercício de arte ou profissão, não tomando o agente em
consideração o que sabe ou deve saber” (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de
direito penal. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2001. vol. 1, p. 149. Observe-se
que após a sua morte, o filho do autor, Renato Nascimento Fabbrini, em
atualizações do livro, retirou nota de rodapé em que o pai estendia a imperícia
àquele que conhece a técnica, mas a contraria, modificando, assim, o pensamento
do mestre). Entendemos que a imperícia pode decorrer da atuação de quem conhece
a técnica, bem como daquele que a desconhece, bastando simplesmente deliberadamente
contrariá-la.
[98]
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva,
2.002. v. 1, p. 187-189.
[99]
SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 1998. p. 101.
[100]
D'Ávila, Fábio Roberto. Crime culposo e a teoria da imputação objetiva.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 93.
[101]
TAVARES, Juarez. Direito penal da negligência. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1985. p. 137.
[102]
D'ÁVILA, Fábio Roberto. Crime culposo e a teoria da imputação objetiva.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 95: conforme adverte o autor, a
denominação teoria mista de Roxin é dada por ele, a fim de facilitar o
estudo.
[103] FERRAJOLI, Luigi. Diritto e ragione:
teoría del garantismo penale. Roma: Laterza, 1990. p. 365-367.
[104]
ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. 3. ed. Lisboa:
Vega, 1998. p. 276.
[105]
ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. 3. ed. Lisboa:
Vega, 1998. p. 235.
[106]
JAKOBS, Günther. Derecho penal.
Parte general – Fundamentos y teoria de la imputación. Madri: Marcial Pons, 1997. p. 255.
[107] Vide
referências a precedentes em: NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal
comentado. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 121/122.
[108] FRAGOSO,
Heleno Cláudio. Lições de direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, Parte
Geral, 1990. p. 173.
[109]
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002. p. 121.
[110]
BRANDÃO, Cláudio. Teoria jurídica do crime. Rio de Janeiro: Forense,
2001. p. 37.
[111]
NORONHA, Edgar Magalhães. Direito penal. 4. Ed. São Paulo: Saraiva,
1967. vol. 1, p. 135
[112]
TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 211.
[113]
NORONHA, Edgar Magalhães. Direito penal. 4. Ed. São Paulo: Saraiva,
1967. vol. 1, p. 135.
[114] ROXIN, Claus Apud TAVARES, Juarez. Alguns
aspectos da estrutura dos crimes omissivos. Rio de Janeiro: Procuradoria-Geral
de Justiça, Revista do Ministério Público, nº 4, jul/dez 1996. p.
142/143.
[115]
MATOS, Everards Mota e. Imputação objetiva. Brasília: Jornal Correio
Brasiliense, Caderno Direito & Justiça, 13.11.2000. p. 1.
[116]
COSTA, Álvaro Mairynk. Direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense.
vol. 1, tomo 2, p. 723.
[117]
No mesmo sentido: Costa e Silva, apud FRANCO, Alberto Silva et al. Código
penal e sua interpretação jurisprudencial. 6. ed. São Paulo: RT, 1997. v.
1, t. 1, p. 200; e COSTA JR, Paulo José da. Direito penal. 6. ed. São
Paulo: Saraiva, 1999. p. 64-65.
[118]
LEAL, João José. Direito penal geral. São Paulo: Atlas, 1999. p. 197.
[119]
QUEIROZ, Paulo. Inconstitucionalidade dos crimes omissivos impróprios?
23.10.2007. Disponível em: <http://www.pauloqueiroz.net/inconstitucionalidade-dos-crimes-omissivos-improprios/>.
Acesso em: 5.5.2017, às 23h14.
[120]
JAKOBS, Günther. Derecho penal:
Parte general: Fundamentos y teoria de la imputación. Madri: Marcial
Pons, 1997. p. 954.
[121]
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal. São Paulo: José
Bushatsky, 1976, parte geral. p. 179 (grifos já constantes do original).
[122]
CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris, 1988. p. 26.
[123]
TAVAREZ, Juarez, PRADO, Luiz Regis. In, CONDE, Francisco Muñoz. Teoria
geral do delito. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1988. p. 26, nota 22.
[124]
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal. 20. ed. São Paulo:
Saraiva, 1997. vol. 1, p. 251.
[125]
O problema da relação de causalidade não é exclusivo do Direito Penal. No
Direito Civil ele é existente. Imagine-se: o proprietário de um veículo
automotor tem o sistema de freio deste danificado porque passou em um buraco na
rua. Tal buraco não estava sinalizado e testemunhas informaram que ele estava
ali há longo prazo, sendo que o serviço de urbanização tivesse cumprido seu
dever de repara-lo. Ele não faz os reparos necessários no sistema de freio e
emprestou o terceiro, que dirigindo adequadamente viu uma criança adentrando
inadvertidamente na rua. O condutor freou e, devido ao problema no carro,
atropelou a criança, vindo a matá-la. Também restou danificado o carro. A
solução mais indicada para o Direito Civil é deixar de falar em dano e pensar
unicamente em risco, socializando-o, ou seja, tudo passa a ter um seguro e não
se fala mais em ação de reparação de dano. No entanto, no DCrim tal solução é
impossível, eis que não se pode socializar a responsabilidade jurídico-penal.
[126]
Temos artigo que traduz praticamente tudo que se expõe neste tópico, sendo que
apenas faremos uma adaptação da linguagem para o presente livro (vide: MESQUITA
JUNIOR, Sidio Rosa de. Imputação objetiva: discutindo com o Prof. Dr. Chaves
Camargo. Teresina: Jus Navigandi, ano 8, n. 160, 13.12.2003. Disponível em:
<https://jus.com.br/artigos/4572/imputacao-objetiva>.
Acesso em: 29.2.2014, às 7h58.
[127]
CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Imputação objetiva e direito penal brasileiro.
São Paulo: Cultural Paulista, 2001.
[128]
MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Imputação objetiva: uma crítica às suas
perspectivas extremamente otimistas e/ou reducionistas. Recife: UFPE, Dissertação
do curso de mestrado em direito público, defendida em 7.11.2002.
[129]
CONDE, Francisco de Muñoz. Teoria geral do delito. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris, 1988. p. 22-27.
[130]
TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.
[131]
COSTA, Álvaro Mairynk. Direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1998. v. 1, t. 2, p. 741-742.
[132]
SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 2000.
[133]
PRADO, Luiz Regis, CARVALHO, Érika Mendes de. Teorias da imputação objetiva
e do resultado: uma aproximação crítica de seus fundamentos. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002. p. 15.
[134]
MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Pequeno passeio sobre a imputação objetiva.
Brasília: AEUDF, Revista do Curso de Direito, v. 1, nº 2, jul-dez 2000.
p. 15-30.
[135]
CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Imputação objetiva e direito penal brasileiro.
São Paulo: Cultural Paulista, 2001. p. 8.
[136]
Ibidem. p. 15.
[137]
Penalogia é a ciência que estuda a pena. Esta não é objeto de estudo do Direito
Criminal. Este estuda as normas que descrevem crimes e penas, sendo a pena
conseqüência do crime. Daí, ratifico, minha preferência pela denominação Direito
Criminal em desprestígio da tradicional denominação Direito Penal.
[138]
FARIAS JÚNIOR, João. Manual de criminologia. 2. ed. Curitiba: Juruá,
1993. p. 33.
[139]
CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 16.
[140] WELZEL, Hans. O
novo sistema jurídico-penal: Uma
introdução à doutrina finalista. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001. p. 11-20.
[141]
ADEODATO, João Maurício. Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência. São Paulo:
Saraiva, 1996. p. 5.
[142]
WELZEL, Hans. Op. cit. p. 5.
[143]
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal. 20. ed. São Paulo:
Saraiva, 1997. v. 1, p. 463.
[144]
LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 1997. p. 203.
[145]
PRADO, Luiz Regis, CARVALHO, Érika Mendes de. Op. cit. p. 19.
[146] LAMEGO, José. Um
filho do seu tempo. Apud LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito.
3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 701.
[147]
LARENZ, Karl. Op. cit. p. 190 (sem
grifo no original).
[148]
LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 1997. p. 203.
[149]
PRADO, Luiz Regis, CARVALHO, Érika Mendes de. Op. cit. p. 19.
[150] LAMEGO, José. Um
filho do seu tempo. Apud LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito.
3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. p. 701.
[151]
LARENZ, Karl. Op. cit. p. 190 (sem
grifo no original).
[152]
Ibidem. p. 182-190.
[153]
ORDEIG, Enrique Gimbernat. Conceito e método da ciência do direito penal.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.002. p. 81.
[154]
Ibidem. p. 86.
[155]
CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 17.
[156]
Ibidem.
[157]
Ibidem.
[158]
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal.
2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999. p. 60-61.
[159]
CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit.
p. 19.
[160]
Ibidem. p. 20.
[161]
Ibidem.
[162]
PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de. Op. cit. p. 7.
[163]
Nesse sentido, vide: MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Pequeno passeio sobre a
imputação objetiva. Brasília: AEUDF, Revista do Curso de Direito, v. 1,
n. 2, jul/dez 2000. p. 15-30.
[164]
CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 24-26.
[165]
Ibidem. p. 32-42.
[166]
Ibidem. p. 15-30.
[167]
Ibidem. p. 31.
[168]
Ibidem. p. 32-38.
[169]
CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 38-40
[170]
HABERMAS, Jürgen. A crise de legitimação no capitalismo tardio. 3. ed.
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1999. passim.
[171]
A respeito: KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1999. passim.
[172]
KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. São Paulo: Martins
Fontes, 2000. p. 636. Para não deturparmos seu pensamento, transcrevemos parte:
“Contudo, eliminar uma ideologia legitimadora é extremamente difícil, não
apenas por motivos epistemológicos, mas também por motivos políticos”.
[173]
CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit.
p. 43.
[174]
MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Relação de Causalidade. Brasília: AEUDF, Revista
do Curso de Direito, v. 1, n. 1, jan-jun 2000. p. 49-53.
[175]
CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 61-64.
[176]
Ibidem. p. 61-66.
[177]
Ibidem. p. 71.
[178]
MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Relação de Causalidade. Brasília: AEUDF, Revista
do Curso de Direito, v. 1, nº 1, jan/jun 2000. p. 53.
[179]
CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 72-79.
[180]
ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. 3. ed. Lisboa:
Vega, 1998. passim.
[181]
Ibidem. p. 155.
[182]
CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit.
p. 81-84.
[183]
Ibidem. p. 81.
[184] ROUSSEAU, Jean-Jacques.
Do contrato social. São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 41. Para não
deturpamos o pensamento do mestre:
Do
que foi dito se conclui que é sempre reta a vontade geral e tende sempre à
pública utilidade; mas não se segue que tenham sempre a mesma inteireza as
deliberações do povo. Sempre se quer o próprio bem, mas nem sempre se vê: nunca
se corrompe o povo, mas iludem-no muitas vezes, e eis então quando ele quer o
mal.
[185]
CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 81. Observe-se que o autor fala em
“aids”, versão inglesa de SIDA – síndrome de imuno deficiência adequirida. Em
respeito à CF (art. 13, caput), bem como ao nosso elevado sentido de
respeito à nossa nacionalidade, refutamos estrangeirismos despropositados. Ao
nosso sentir, o mundo tende a ser uma “aldeia global”, como preconizava Marshal
Mac Luhan, mas ainda não é e, mesmo que fosse, um mínimo de regionalismo
(bairrismo cultural) seria necessário à manutenção da espécie humana.
[186]
Ibidem. p. 82.
[187]
CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 82-83
[188] JAKOBS, Günther. La imputación objetiva en derecho penal. Madrid: Civitas,
1999. p. 91-100.
[189]
CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 84.
[190]
Ibidem. p. 85-86.
[191]
Ibidem. p. 87-91.
[192]
MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Pequeno passeio sobre a imputação objetiva.
Brasília: AEUDF, Revista do Curso de Direito, v. 1, n. 2, jul/dez 2000.
p. 19.
[193]
CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 92.
[194]
CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 93.
[195] HABERMAS, Jürgen. Consciência
moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1989. passim. Idem. Discurso filosófico da modernidade. São
Paulo: Martins Fonstes, 2000. passim.
[196]
Afirmação nesse sentido: ENCARNAÇÃO, João Bosco da. Filosofia do direito em
Habermas: a hermenêutica. 3. ed. Lorena: Stiliano, 1999. p. 6.
[197]
GIANFORMAGGIO, Letícia. Direito e ragione tra essere e dover essere.
GIANFORMAGGIO, Letizia (Org.). Le regioni del garantismo: discutendo com Ferrajoli. Turim: Gianppichelli, 1993, p. 25.
[198] FERRAJOLI, Luigi. Diritto e ragione: Teoría del Garantismo Penale. Roma:
Laterza, 1990. p. 891.
[199]
GUASTINI, Riccardo. I fondamenti teorici e filosofici del garantismo.
GIANFORMAGGIO, Letizia (Org.). Le regioni del garantismo: discutendo com Ferrajoli. Turim:
Gianppichelli, 1993. p.49.
[200]
CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 93-95.
[201]
ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal. Rio
de Janeiro: Renovar, 2002. p. 218-220.
[202]
CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 98.
[203]
Ibidem. p. 98-99.
[204]
ROXIN, Claus. Política criminal e sistema jurídico-penal. Rio de
Janeiro: Renovar, 2000. passim.
[205]
Ibidem. p. 1-5.
[206]
CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit.
p. 105.
[207]
Ibidem. p. 107.
[208]
Ibidem. p. 108.
[209]
KELSEN, Hans. O que é a justiça? 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
p. 3.
[210]
CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 109.
[211]
Ibidem. p. 109-113.
[212]
CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 113-116.
[213]
ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal. Rio
de Janeiro: Renovar, 2002. p. 218-220.
[214]
LARENZ, Karl. Op. cit. p. 190.
[215]
Ibidem. p. 201.
[216]
CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 109.
[217] HULSMAN, Louk, CELIS, Jacqueline Bernat
de. Penas perdidas – O sistema penal em questão.
2. ed. Niteori: Luam, 1997. passim.
[218]
CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 132.
[219]
Ibidem. p. 133-155.
[220]
Ibidem. p. 158-161.
[221]
CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 161-168.
[222]
Ibidem. p. 172-173.
[223]
Ibidem p. 173-174.
[224]
Ibidem. p. 174-175.
[225]
CAMARGO, Antônio Luiz Chaves. Op. cit. p. 176-180.
[226]
Ibidem. p. 180-182.
[227] RAMIREZ, Juan Bustos. La imputación
objetiva. Bogotá: Temis, 1998. p. 18.
[228] GIORGI, Raffaele de. Azione e imputazione.
Lecce: Milella, [1984?]. p. 129.
[229]
LARENZ, Karl. Op. cit. p. 201.
[230]
Por opção didática, não trataremos aqui do crime impossível, convindo apenas
lembrar que ele é admitido em nosso País, em face de nossa política criminal.
Porém, alhures, v.g., Espanha, o crime impossível é inadmitido, sendo
que o agressor é punido por crime tentado, que é o que ocorreria in casu,
mas se não existisse o preceito do art. 17 do CP. Preferimos a posição
italiana, pela qual o autor da tentativa frustrada se submete a uma medida de
segurança (só falta a medida de segurança existir como efetivo tratamento na
nossa realidade, eis que aqui se caracteriza como algo pior do que a pena).
[231]
JESUS, Damásio Evangelista de. Imputação objetiva. São Paulo: Saraiva,
2000. p. 124.
[232]
ROCHA, Fernando A. N. da. Direito penal: curso completo. Parte geral. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey,
2007. p. 231.
[233]
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 3. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1955. v. 1, t. 2, p. 10-11.
[234]
MANZINI, Vicenzo. Tratado de derecho penale. Buenos Aires: Ediar, 1948.
v. 1, p. 558.
[235]
GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. 3. ed. São Paulo: Max
Limonad, 1956. v. 1, t. 1, p. 202.
[236]
Só a título de exemplo, princípio do estado de inocência é um corolorário do
princípio em comento, sendo que este é classificado como sendo de direito
material por Ney Moura Teles (Direito
penal – I. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1998. v. 1, p. 74).
[237]
JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 11. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2003. p. 214.
[238]
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – parte geral. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2000. p. 15.
[239]
FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal. 2. ed. Campinas:
Bookseller, 1999. p. 381.
[240]
O Crime de furto, em especial, tem consumação controvertida, existindo algumas
teorias a respeito, quais sejam: (I)
contractatio – a consumação se dará
no momento em que o agente tomar para si a coisa, sendo desnecessário o seu
deslocamento; (II) ablatio – também denominada teoria da posse
pacífica, pela a consumação se daria no momento em que o agente tivesse
retirado da esfera de vigilância da vítima e colocado a coisa em lugar em que
le tivesse a posse mansa e pacífica do bem; (III) illatio - o momento consumativo será aquele em que a
coisa for levada para local calmo, tranquilo, de livre escolha do agente,
culminando no sucesso do iter criminis; (IV) amotio ou apprehensio rei –
o crime se consumará com a inversão da posse , ainda que seja por curto espaço
de tempo e não seja mansa e que não saia da esfera patrimonial da vítima.
O presente trabalho não comporta o estudo pormenorizado de cada uma das
teorias, mas cumpre destacar que o STF e o STJ preferem esta última teoria para
firmar a consumação do furto.
[241]
Não podemos nos referir à negligência subjetiva como negligência imprópria porque esta é reservada, doutrinariamente, à
legítima defesa putativa punível a título de negligência (CP, art. 20, § 1º).
Não gosto disso, mas está assim.
[242]
ZAFFARONI, Raúl Eugenio; PIERANGELI, José Henrique. Da tentativa. 4. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1.995. p. 111.
[243]
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. 16. ed. São Paulo:
Atlas, 2000. v. 1, p. 133.
[244]
Não se olvide que elemento normativo do tipo é aquele que exige o conhecimento
de outra norma jurídica, que pode ser alcançada em outras leis ou na sociedade.
[245]
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002. p. 107.
[246]
TAVARES, Juares. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2.000. p. 163.
[247]
Vide as Ordenações Afonsinas e as Ordenações Manuelinas, que vigeram de 1500
a1521 e de 1521 a 1603, respectivamente, no Brasil, cujos artigos quintos
previam que o cônjuge adúltero (mulher, é lógico) deveria morrer, sendo que o
perdão ensejaria o uso de “guirlandas com senhas de corno” e, mais, o perdão do
terceiro que com a mulher adúltera se deitasse ensejava o açoite em praça
pública e o degredo para a África.
[248]
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. São Paulo: Martin Claret,
2000. p. 45.
[249]
A Polícia Militar faz policiamento ostensivo fardado. Como seus grupos
trabalham em veículos automotores, patrulhando diversos locais, são,
normalmente, denominados Patrulhas Ostensivas Tático-Auto, o que levaria a
concluir que ROTA seria a abreviação de Rondas Ostensivas Tático-Auto. Não
obstante, esta – ROTA – é abreviatura de Rondas Ostensivas Tobias Aguiar.
[250]
A discussão está inserida no Processo n. 2001.34.00.016651-8, protocolado em
5.6.01, e distribuído à 10ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal.
[251]
ZAFFARONI, Raul Eugenio e PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal
Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 551-552.
[252]
Ibidem. p. 566.
[253]
JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 11. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2.003. p. 207.
[254]
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. 16. ed. São Paulo:
Atlas, 2000. v. 1, p. 118-119.
[255]
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito penal – parte geral. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2000. p. 13.
[256]
GOMES, Luiz Flávio. Princípio da ofensividade no direito penal. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. passim.
[257]
ROXIN, Claus. Os problemas fundamentais do direito penal. 3. ed. Lisboa:
Vega, 1998. p. 28: “O Direito Penal é subsidiário. Ou seja: somente se podem
punir as lesões de bens jurídicos e as contravenções contra fins de assistência
social, se tal for indispensável para uma vida em comum ordenada. Onde
bastem os meios do direito civil ou do direito público, o direito penal deve
retirar-se”. (sem grifo no original)
[258]
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 1, p. 14.
[259]
Vide seu perfunctório estudo jusfilosófico em: TAVARES, Juarez. Teoria do
injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 23-125.
[260]
GRECO, Luíz. A teoria da imputação objetiva: uma introdução. In ROXIN, Claus. Funcionalismo
e imputação objetiva no direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2002. p. 176.
[261]
SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 2000. p. 57.
[262]
SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 2000. p. 59.
[263]
SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 2000. p. 60.
[264] MESQUITA
JÚNIOR, Sidio Rosa de. A Lei n. 12.015, de 7.8.2009, mantém grave equívoco. Juiz
de Fora: Universo Jurídico, ano XI, 24.8.2009. Disponível em: <http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/6457/A_Lei_N_12015_de_782009_Mantem_Grave_Equivoco>.
Acesso em: 2.3.2012, às 2h16.
[265]
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo
dicionário da língua portuguesa. 1. ed. 4. tir. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1975, p. 754.
[266]
LEAL, João José. Direito penal geral. São Paulo: Atlas, 1998, p. 240.
[267]
Cf. LEAL, João José. Direito penal geral. São Paulo: Atlas, 1998. p.
242.
[268]
BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal. 6. ed. São Paulo:
Saraiva, 2000. v. 1, p. 369.
[269]
GOMES, Luiz Flávio. Princípio da ofensividade no direito penal. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. passim.
[270] BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit..
p. 369.
[271]
WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001. passim.
[272]
Dispunha a Lei n. 8.069/1990: “Art. 233. Submeter criança ou adolescente sob
sua autoridade, guarda ou vigilância a tortura: Pena - reclusão de um a cinco
anos. § 1º Se resultar lesão corporal grave: Pena - reclusão de dois a oito
anos. § 2º Se resultar lesão corporal gravíssima: Pena - reclusão de quatro a
doze anos. § 3º Se resultar morte: Pena - reclusão de quinze a trinta anos”.
[273]
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. 16. ed. São Paulo:
Atlas, 2000. v. 1, p. 170.
[274]
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal. 20. ed. São Paulo:
Saraiva, 1997. v. 1, p. 304.
[275]
COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1998. v. 1, t. 2, p. 839.
[276]
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. 11. ed. São Paulo:
Atlas, 1996. v. 1, p. 166.
[277] TAVARES, Juarez. Teoria do injusto
penal. Belo Horizonte:
Del Rey, 2000. p. 148.
[278] Ibidem. p. 149.
[279] Ibidem. p. 152.
[280] Ibidem. p. 155.
[281] CAMPOS,
Cynthia Amaral. O que se entende por tipo total de injusto? São Paulo: Rede de
Ensino Luiz Flávio Gomes, 14.10.2008. Disponível em: <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20081013191819180&mode=print>.
Acesso em: 3.3.2012, às 12h11. Esse texto faz referência expressa a, isso sem
indicar a fonte: CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte
geral. 8. ed. Salvador: JusPODVM, 2020. p. 321.
[282] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios
básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 160.
[283] COSTA,
Álvaro Mayrink da. Direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
v. 1, t. 2, p. 852.
[284] COSTA,
Álvaro Mayrink da. Direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
v. 1, t. 2, p. 857.
[285] COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito
penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. vol. 1, tomo 2, p. 864-865.
[286] Ibidem.
[287] Ibidem. p. 866.
[288]
Ibidem.
[289] GOMES, Luiz Flávio. Norma e bem
jurídico no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 14.
[290] COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito
penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. v. 1, t. 2, p. 880.
[291]
Ibidem. p. 881.
[292] Ibidem. p.
882
[293]
Ibidem.
[294] TAVARES, Juarez. Teoria do injusto
penal. Belo Horizonte:
Del Rey, 2000. p. 118.
[295] No mesmo sentido, João José Leal
entende que se houver, na prática, alguma aparente causa excludente da
ilicitude, será, na verdade, excludente de culpabilidade, por inexibilidade de
conduta conforme o Direito (in Direito Penal Geral. São
Paulo: Atlas, 1998. p. 248).
[296] WELZEL, Hans. Direito penal.
Campinas: Romana, 2003. p. 106.
[297] WELZEL, Hans. O novo sistema
jurídico-penal: uma introdução à doutrina finalista da ação. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001. p. 11-20.
[298]
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed.
São Paulo: Saraiva, 1994. p. 215/216.
[299] O exemplo é
nosso, visto que o exemplo do autor é o furto, posição da qual discordamos,
conforme demonstraremos logo a seguir. Observe-se que, com propriedade, o autor
informa que a aquiescência da vítima ao crime de sedução, por exemplo,
constitui irrelevante criminal.
[300] O autor faz
verdadeira confusão, tendo em vista que indica como exemplo o sequestro ou o
cárcere privado (CP, art. 148). Ora, a liberdade é bem jurídico disponível,
sendo o dissenso essencial. Parece-nos que o melhor exemplo seria o furto. Não
obstante, para não cairmos em efetivo casuísmo vazio de técnica, preferimos
dizer apenas que é a iniciativa da ação penal que efetivamente passará a
importar, conforme veremos adiante.
[301] CAPEZ,
Fernando. Curso de direito penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. vol.
1, p. 262-264.
[302] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios
básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 172.
[303] COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito
penal: parte geral. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 1062.
[304] FULLER, Lon L. O caso dos
exploradores de cavernas. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1996. passsim.
[305] FRANCO, Alberto Silva et al. Código
penal e sua interpretação jurisprudencial. 6. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997. v. 1, t. 1, p. 355.
[306] STF. Plenário. ADPF n. 779-DF. Min. Dias
Toffoli. Disponível em: <chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://peticionamento.stf.jus.br/api/peca/recuperarpdf/15346469193>.
Acesso em: 24.10.2022, às 13h28.
[307] LISZT, Franz von. Tratado de direito penal.
Campinas: Russell, 2003. t. I, p. 241.
[308] COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito penal: parte
geral. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. v. 2, p. 1083.
[309] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal.
4. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 1, t. II, p. 283-286.
[310] Ibidem. p. 286.
[311] Tomando por base a posição simplista
de De Plácido e Silva, offendicula constitui obstáculo que é colocado
para proteção da propriedade (SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 20. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 571).
[312] AMENDOLA, João. Dicionário
Italiano-Português. 2. ed. São Paulo: Hemus, 1976. p. 651.
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