1. INTRODUÇÃO
O
presente texto visa a demonstrar o quanto é necessário de conhecimento para não
ser um completo idiota.
Será
apenas uma provocação ao estudo, visto que é impossível, em poucas linhas,
fazer tal análise com a profundidade que merece. De todo modo, espero que
pessoas entendam um pouco da nossa proposta, contrária a reduzir o mundo a uma
bipolaridade inaceitável.
2. UMA
SOCIEDADE DOTADA DE INÚMEROS (SUB)SISTEMAS
Na
minha tese de doutorado, procurei demonstrar que a sociedade é complexa, dotada
de inúmeros (sub)sistemas intercomunicantes. Tal posição está presente, desde Émile
Durkheim (1868-1917) a Max Weber (1864-1920), passando pelo grande
economista/sociólogo Vilfredo Pareto (1848-1923). Jürgen Habermas (nascido em
1939) e Niklas Lumann (1927-1998), discorreram profundamente sobre a sociedade
complexa, a qual tem intensa comunicação entre os seus (sub) sistemas.
Talcott
Parsons (1902-1979) foi Professor de Habermas e de Luhmann, embora este último
tenha migrado para outra forma de comunicação sistêmica, advinda da Biologia e
desenvolvida pelos chilenos Humberto Maturana (1928-2021) e Francisco Varela (1946-2001).
Seja
por comunicação por um processo de input-output, ou seja pela produção
da autopoesis, toda comunicação é sistêmica, envolvendo inúmeros
(sub)sistemas sociais (religioso, econômico, desportista, educacional etc.), o
que torna nula a bipolaridade esquerda-direita.
3. ERRO CULTURAL DE MUITOS BRASILEIROS
Eu me preocupo com o momento porque polarizamos o Brasil, por
influência do trumpismo e olvidamos a visão sistêmica da sociedade para
agasalhar o discurso bipolar, calcado na oposição esquerda-direita. Muito
do que temos decorre da propagação das ideias de um homem, inicialmente
astrólogo, depois autoproclamado repórter e, por fim, filósofo, um ninguém que
sequer cursou o ensino fundamental.
Esse ninguém, que sequer soube que Antonio Sebastiano Francesco
Gramsci (1891-1937), membro do Partido Socialista Italiano, pouco produziu
academicamente. Gramsci escrevia para jornais com forte vertente política,
sendo que produziu mais enquanto estava preso (1926-1934), cujos escritos
políticos foram publicados postumamente. Ele idealizou a hegemonia
cultural em um momento conturbado da história, em que o fascismo
predominava na Itália.
Após a revolução francesa (1789-1799), os parlamentares eram
organizados de forma que os representantes da aristocracia se sentavam à
direita e os comuns à esquerda do orador. Enquanto os aristocratas defendiam os
privilégios da aristocracia, da igreja e a sociedade de classe daquele momento
(eram conservadores), a esquerda representava os interesses da burguesia
(aquela que pagava a conta dos aristocratas), defendendo o republicanismo, o
secularismo e o livre mercado. Ora, não há nada mais ultrapassado do que esse
modelo. Conforme Glauco dizia a Sócrates: “só está presente em nossos
discursos”. [1]
Após ter inserido esse texto aqui, um grande amigo – um
intelectual -, via WhatsApp, fez a seguinte provocação:
Meu amigo, a dicotomia
esquerda-direita obviamente não esgota a complexidade da política, e isso é
trivial por demais. Nem precisa invocar Luhmann para demostrar isso. A propósito,
acho que a teoria de Luhmann muitas vezes resvala em falácia naturalista,
embora também tenha o mérito de fazer a mesma coisa que a dicotomia
direitaXesquerda faz: a proposição de um modelo epistemológico que auxilia na
compreensão do intrincado fenômeno social. Já conversamos sobre isso, e a minha
única conclusão absolutamente definitiva é que precisamos retomar esse assunto
de um modo academicamente adequado, ou seja, com um bom chope de companhia,
algo que estou morrendo de saudade de fazer com o amigo, mas que só me
atreverei a fazer após livrarmo-nos de pelo menos uma das duas pragas que estão
destruindo nosso povo. Agora, com todo o respeito, a defesa da inexistência de
direita e esquerda é discurso de direitista envergonhado.
E, após alguns contatos curtos, isso aos 45 minutos de hoje,
6.2.2022, ele prosseguiu:
Todo bolsonarista é fanático, não
propriamente idiota (pois idiota é, por definição, quem procura se alhear da
política). Fanáticos recusam a realidade; apenas reproduzem e obedecem cega e
acriticamente o que algum messias, pastor ou congênere dita. A subsistência
dessa seita bolsonarista será um entre tantos prejuízos que esse período
maldito legará. Vou dar a você uma pista de que a sua tese está equivocada:
aposto o que você quiser que os que concordarão com ela serão todos do que eu
insisto em chamar de direita.
Repare: noves fora os fanáticos,
em qualquer debate político haverá quem defenda uma maior intervenção estatal
para planejar esforços para distribuir o mais igualitariamente os recursos
produzidos pela sociedade, e outros que acreditam que isso é bobagem, que o melhor
estado é o que menos governa, e que o desenvolvimento econômico acaba por gerar
melhorias para toda a sociedade, sendo a desigualdade algo até desejável, por
representar uma justa distribuição de riquezas conforme o mérito e esforço
pessoal de cada um.
Claro que estou simplificando e
que há uma infinidade de nuances entre esses pontos de vista, mas reconheça que
são visões de mundo que, de um modo ou outro, prevalecem nas variadas
concepções.
Se você não gosta de chamar de
direita e esquerda, chame, sei lá, de azul e rosa, ou de Flamengo e Fluminense,
(...), mas, convenhamos, que essa dicotomia existe, existe. E você a nega
porque tem vergonha - justificada - do lado a que está filiado.
Por favor, não se ofenda, pois
este não é o meu propósito. Estava com uma saudade de debater política; ninguém
mais o faz. Gosto particularmente de fazê-lo com você, que tem minha admiração
intelectual, não obstante divergirmos (por eu ser de esquerda, e você de
direita kkkkkkk).
Essa é uma discussão um tanto complexa. Estou, mais ou menos, como
Norberto Bobbio (1909-2004), ele escreveu que sempre se colocou como sendo de
esquerda, conforme se vê:
Sempre me considerei um homem de
esquerda, portanto sempre atribuí ao termo “esquerda” uma conotação positiva,
mesmo agora em que a esquerda é cada vez mais hostilizada, e o termo “direita”,
uma conotação negativa, mesmo hoje em que a direita está sendo amplamente
valorizada. A razão fundamental pela qual em algumas épocas da minha vida tive
algum interesse pela política, ou, com outras palavras, senti, senão o dever,
palavra ambiciosa demais, ao menos a exigência de me ocupar da política e algumas vezes, embora raramente, de
desenvolver atividade política, sempre foi o desconforto diante do espetáculo
das enormes desigualdades, tão desproporcionais quanto injustificadas, entre
ricos e pobres, entre quem está em cima e quem está embaixo na escala social,
entre tem quem poder, vale dizer, capacidade de determinar o comportamento dos
outros, seja na esfera econômica, seja na esfera política e ideológica, e quem
não tem.[2]
Não tenho a experiência infantil de Bobbio, que continua tratando
da sua infância burguesa e da distinção da realidade entre seus colegas de
colégio e os pobres que conhecia. Não gosto também de engessar o pensamento e
cair em “falácia jusnaturalista”, conforme o meu amigo afirmou sobre o
pensamento de Luhmann. Pensando assim, a ação comunicativa de Habermas
também cai em uma falácia jusnaturalista ao estabelecer um consenso
pressuposto.
O fato é que é muito complicado defender que em política haja uma
posição intervencionista no mercado. Mas, também, é preocupante simplesmente
abandonar as pessoas e deixar que as desigualdades cheguem ao extremo.
CONCLUSÃO
Não farei aqui uma conclusão plena porque o texto é muito sucinto
para a sua ampla complexidade. Somente se eu fosse bipolar poderia ver uma
sociedade sem múltiplos (sub)sistemas.
Não podemos reduzir o mundo a dois modelos de mercado (socialismo
e capitalismo). Não podemos ver o mundo como idiotas, que não percebem a sua
complexidade em múltiplos (sub)sistemas que se comunicam.
Assim como Platão sabia que a república ideal, da qual conversava
com os seus amigos não estava destinada a existir, também sei que não
conseguiremos construir o Brasil ideal. Mas, espero que observemos todos os
sistemas da sociedade complexa, não apenas os (sub)sistemas econômico e social
para estabelecermos a nossa democracia.
Brasília, 6 de fevereiro de 2022
2 comentários:
Ótimo texto. Mais eu vejo que o sistema do trumpismo que o senhor refere se enquadra com os subsistemas que eu concordo. Agora só resta aguardar as eleições e verificar qual candidados que vai dá seguimentos dos subsistemas de minha preferência, caso não acho nenhum. Continuarei apoiando o modelo trumpismo
Concordo que a bipolarização no Brasil direita X esquerda produziu idiotas, ou melhor dizendo desenterrou idiotas. Como disse seu amigo nem todo Bolsonarista é idiota, alguns até gozam de intelecto mas como todo fanático é cego. E pior sem causa justa, pq o bolsonarismo se apropriou da direita para engrossar nela o pior da direita que nem sempr foi tão radicalmente ruim. Penso que o bolsonarismo deva ser estudado como o pior fenômeno político brasileiro dos últimas eras. Na verdade é tão imbecil tal faceta política que talvez nem mereça qualquer estudo, deve mesmo ser abolida.
Outrossim, o texto do seu amigo é de uma coerência e consciência política extraordinária e ainda com uma boa pinta de humor. E o melhor é que visões diferentes colocadas aqui por meio do encerto do seu amigo esquerdista abrilhantou a democracia. É isso que precisamos com urgência lembrar que vivemos ou pelo menos de deveríamos viver sobre o manto do Estado Democrático de Direito.
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